Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
57/24.9T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
É nula a decisão proferida em sede de despacho saneador que, quanto a um dos réus, declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, quanto ao outro, aprecia o mérito da ação se, em momento anterior, tal desfecho da ação nunca foi equacionado pelo Tribunal.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

AA intentou ação declarativa comum contra:
1.º Banco 1... S.A.,
2.º BB,
3.º Banco 2..., S.A,
4.º CC e
5.º EMP01... – Companhia de Seguros de Vida, S.A.

Peticionava que todos os réus fossem solidariamente condenados:
a) a reconhecer que as cláusulas dos contratos de seguros e apólices que invocava, para além de não terem sido lidas, explicadas e comunicadas, violavam os arts.º 14.º e 15.º do DL 446/85, de 25 de outubro, sendo nulas e consequentemente proibidas, devendo aquelas que obstem ao pagamento/amortização do valor em dívida no cartão de crédito e da indemnização por morte, em virtude do reconhecimento da morte do pai do autor, serem excluídas do contrato de seguro, mantendo-se o mesmo válido;
b) a reconhecer que, em virtude da morte do pai tem direito a acionar os seguros associados à conta com n.º ...11 associada ao cartão de crédito e associada à conta à ordem n.º ...20, que foram transferidas para o 1.º réu em virtude da compra pelo 3.º réu.
c) a reconhecer que, até à morte do pai, este efetuou o pagamento dos prémios de seguros associados à conta do cartão de crédito e conta à ordem, que foram transferidos do 3.º para o 1.º réu, e se encontravam pagos.
d) a liquidar junto do 1.º réu, o valor em dívida no cartão de crédito à data da morte de seu pai, bem como a reembolsá-lo do montante de €3.574,75, que este pagou, bem como todos os montantes que continue a pagar, até trânsito em julgado da decisão a proferir, acrescido de juros vencidos e vincendos a liquidar em execução de sentença.
e) a pagar-lhe, a si à sua mãe, a quantia de €500.000,00, relativa ao contrato de seguro de vida, na proporção dos respetivos quinhões.
f) no pagamento da sanção pecuniária compulsória a que alude o n.º 2 do art.º 365.º do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil), que não deverá ser inferior a €100,00 por cada dia de incumprimento da decisão que vier a ser proferida na presente ação – art.º 829.º-A do Código Civil e danos não patrimoniais no valor de €10.000,00.
g) como litigantes de má-fé, em valor a fixar pelo prudente arbítrio do Juiz.
Alegando ser um dos herdeiros de seu pai, existindo apenas outra herdeira, a sua mãe, deduziu incidente de intervenção principal desta, para assegurar a legitimidade ativa para a propositura desta ação.

Alegou, como fundamento dos pedidos que formulou que:
1. o pai havia, em 11/08/2010, subscrito um cartão de crédito associado à conta bancária que detinha no 3.º réu;
2. associado a essa conta e esse cartão de crédito existia um contrato de seguro de vida (identificado como seguro de grupo) que foi também subscrito pelo seu pai, junto da 5.ª ré, com o capital seguro de € 500.000,00 e que seria acionado em caso de falecimento enquanto tivesse aquela conta e cartão de crédito ativos;
3. associado ao cartão de crédito existia um outro seguro, também celebrado com a 5.ª ré, que assegurava o pagamento de quantias em dívida até ao montante de € 10.000,00, no caso de falta de pagamento do cartão de crédito por motivo de incapacidade, doença ou morte;
4. tais seguros encontravam-se válidos e eficazes à data da morte do pai do autor, em 14/03/2021, tendo o pai do autor procedido ao pagamento dos prémios de seguro;
5. por decisão do Banco de Portugal de 20/12/2015, o 3.º réu foi vendido ao 1.º réu, que assumiu a sua atividade, incluindo a conta, o cartão de crédito e os seguros referidos;
6. à data da morte do pai do autor existia um valor em dívida na conta com n.º ...11 associada ao cartão de crédito e à conta à ordem n.º ...20 que foi transferida do 3.º réu para o 1.º réu;
7. a mãe do autor solicitou o acionamento dos contratos de seguro referidos, após o falecimento do marido, tendo sido solicitadas cópias dos contratos que não foram entregues;
8. os 1.º e 3.ºs réus, através dos 2.º e 4.º réus, ocultam ou fizeram desaparecer as propostas de contrato de seguro associadas ao referido cartão de crédito e ao seguro de vida;
9. o autor e a mãe procederam ao pagamento de prestações do cartão de crédito, no valor de € 3.574,75 até dezembro de 2023, tendo sido aplicados pelo 1.º réu juros e comissões de dívida do referido cartão de crédito no valor de € 1.776,39;
10. o 1.º réu admitiu que foi celebrado um contrato de seguro associado ao cartão de crédito que estava vigente à data da morte do pai do autor, afirmando que este não foi localizado, e que estavam em vigor as condições vigentes à data da sua morte e não quaisquer outras anteriores, alegando o autor que tais cláusulas nunca foram transmitidas ao seu pai;
11. aquando da celebração dos contratos de seguro, os 1.º e 3.º réus não facultaram as condições gerais e especiais dos contratos ou dos riscos excluídos ao pai do autor, o que determina a exclusão dessas cláusulas nos termos do diploma aplicável às cláusulas contratuais gerais;
12. os danos não patrimoniais por si sofridos;
13. os réus litigam com má fé, pois que estão estribados em documentos que dolosamente ocultam ou fizeram desaparecer.
O 1. º réu, em liquidação, veio apresentar contestação em 14/02/2024, invocando a inutilidade superveniente da lide, pois que lhe foi aplicada a medida de resolução prevista na alínea a) do n.º1, do art.º 145.º R do RGICSF, considerando aplicável o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º1/2004, e excecionando a ineptidão da petição inicial por falta de alegação das cláusulas dos contratos de seguro que invoca e a sua ilegitimidade passiva.
Invocou ainda a sua ilegitimidade substantiva, impugnando a generalidade dos factos alegados. 
O 2.º reu também contestou, em 05/03/2024, alegando não poder ser-lhe assacada qualquer responsabilidade pelos factos descritos na petição inicial e requerendo a condenação do autor como litigante de má-fé.
O 3.º réu apresentou contestação em 05/03/2024, tendo excecionado a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade processual porquanto o pacote de seguros descrito foi subscrito apenas com a 5.ª ré. Alega ainda que não existe já qualquer relação jurídica entre si e o autor, tendo as alterações das condições do contrato de seguro sido sucessivamente comunicadas ao titular do cartão e tendo por este sido aceites.
O 4.º réu veio também apresentar contestação, em 29/02/2024, alegando que o autor litiga de má-fé, o que deverá ser considerado até para que possa perder o benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
De seguida, e para além de impugnar a generalidade dos factos alegados, excecionou a ineptidão da petição inicial por ausência de causa e fundamento para propor a ação e a sua ilegitimidade processual e substancial passiva.
Invocou ainda a existência de causa prejudicial ou litispendência entre esta ação e a que corre termos sob o n.º 1210/21.3T8LSB do Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 5.
A 5.ª ré veio apresentar contestação, em 04/03/2024, assumindo a sua atual denominação de EMP02... SA., excecionando a ineptidão da petição inicial e alegando, de seguida, os contratos de seguro que entende foram estando em vigor, quando associados à conta e cartão de crédito referidos pelo autor.
O autor respondeu em 15/03/2024, tendo tomado posição sobre o pedido formulado no sentido de ser condenado como litigante de má-fé e sobre os documentos que foram juntos com as contestações, aceitando os factos que foram confessados pela 5.ª ré EMP02....
Foi proferido despacho a admitir a intervenção da mãe do autor (despacho de 19/04/2024). Devidamente citada, optou por não intervir nos autos.

Foi agendada data para a realização de audiência prévia, definindo-se o seu objeto nos seguintes termos:

a audiência destina-se, além dos fins estabelecidos no artigo 591.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º do Código de Processo Civil;
b) Discutir a posição das partes com vista à delimitação do litígio;
c) Proferir despacho saneador, nos termos do artigo 595.º do Código de Processo Civil;
d) Proferir, após debate, o despacho destinado a identificar o objeto de litígio e a enunciar os temas de prova, nos termos do artigo 596.º do Código de Processo Civil.

Com vista à agilização da diligência, poderá o Autor, querendo, responder às exceções deduzidas por escrito”.
O autor pronunciou-se sobre as exceções invocadas em requerimento escrito apresentado em 17/09/2024.
Na ata da audiência prévia designada fez-se constar que:
Foi discutida a possibilidade de desistência da instância relativamente a partes que ativamente não têm relevância para a questão do acionamento do seguro e eventual desistência do pedido de condenação do Autor como litigante de má fé, o que não foi possível, mantendo as partes interesse na prossecução da causa.
Relativamente à prova do seguro original, antes de mais, e não podendo a instância prosseguir sem a prova documental do mesmo e já tendo nesta sede sido esgotados os meios à disposição do Tribunal, pelo Autor foi referido que ainda espera a decisão do processo crime, que se encontra em recurso.
Não sendo possível o acordo, e havendo a instância que prosseguir, depois de discutido o objeto, pela Mma. Juíza foi determinada a abertura de conclusão, para prolação do despacho saneador, com a decisão sobre a (i)legitimidade das partes legais representantes e Banco 2...”.
Posteriormente foi proferido despacho a determinar que o autor informasse, “no prazo de 5 dias, qual o processo crime que ainda se encontra pendente, com vista a pedir o seu acompanhamento eletrónico e ainda informar do montante total que já foi pago referente ao montante em dívida alegado nos autos”.
Essa informação foi prestada em 07/11/2024 e em 03/12/2024.

O processo crime referido, que foi objeto de arquivamento, dizia respeito ao crime de substração de documento estando em causa, precisamente, a alegada subtração dos contratos de seguro aqui invocados

Em 27/01/2025 foi proferido despacho saneador que decidiu:
a) absolver da instância o 3.º réu Banco 2..., no âmbito da apreciação da exceção dilatória da sua ilegitimidade;
b) julgar extinta a instância contra o 1.º réu Banco 1..., por inutilidade superveniente da lide;
c) absolver da instância os 2.º e 4.º réus DD e CC, no âmbito da apreciação da exceção dilatória da sua ilegitimidade;
d) absolver do pedido a 5.ª ré EMP01..., apreciando o mérito da ação e considerando-a improcedente.

O autor veio apresentar recurso de apelação desta decisão, formulando as seguintes conclusões:
“[…]
A - Inobservância do contraditório relativamente à questão suscitada e alegada do desaparecimento da proposta de adesão (e respetivas condições gerais e particulares) aos seguros contratados pelo falecido Pai do Autor e da suscitada questão da inversão do ónus da prova, o que constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.
B - De acordo com o artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil, estipula, há “inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
III - A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.
IV - A douta sentença não teve em consideração qualquer dos documentos juntos pelo Autor, não se pronunciando, nem valorando os mesmos, não teve em consideração que o Autor impugnou os documentos juntos pelos Réus.
V - Não teve em consideração a aplicação do decreto-lei 446/85, relativamente às cláusulas contratuais gerais alegadas pelo Autor sobre os contratos de seguros.
VI - A sentença violou, ainda, o disposto n.º 3, do artigo 3.º, do CPC o artigo 344.º, n.º 2, e artigo 500.º do Código Civil, e os artigos 83.º, 84.º e 85.º da Lei do Contrato de Seguro e 79.º do Código das Sociedades Comerciais.
VII - Não dando cumprimento aos princípios do inquisitório do contraditório da cooperação da igualdade entre as partes;
VIII - Não dando cumprimento ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
IX - A decisão acabada de proferir poderá colidir com os princípios e as normas consagradas em direito comunitário, nomeadamente a violação da diretiva 93/13 de 05 de abril de 1993, designadamente cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual que colide com os princípios da igualdade, da não discriminação e da boa-fé.
X – A sentença ora recorrida não integra o silogismo judiciário que subjaz à decisão final, incorrendo em errada aplicação do direito, pelo que se requer o reenvio prejudicial.
XI - Assim, a questão que se impõe, e que deve ser dirigida ao TJUE, é a seguinte:
- Os artigo 83.º e 84.º, n.º 4 e artigo 111.º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 13 de abril), que se referem aos seguros de grupo, deve ser interpretada no sentido em que está em oposição com o direito europeu constante na diretiva 93/13 de 05 de abril de 1993, nomeadamente com o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 2, e artigo 4.º, na medida em que estamos perante a aplicação de regimes de exclusão de proteção em que o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, no âmbito de um contrato de adesão com alterações posteriores que são oponíveis ao segurado em que não tenha sido objeto de negociação individual?”.
Vieram responder a esta apelação, mais uma vez exigindo a condenação do autor como litigante de má-fé, os 1.º e 2.º réus.
Por sua vez, a 5.ª ré veio também responder, requerendo a ampliação do objeto do recurso e ou a substituição do Tribunal recorrido - art.º 665.º, n.2 e 3, do C. P. Civil, quanto à apreciação das seguintes questões:
[…]
**
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
A Mm.ª Juiz a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença, no sentido da sua improcedência.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:

1 - o despacho saneador sentença proferido é nulo e, ainda que o seja, se existe fundamento para a extinção da instância quanto a todos os réus;
2 – este Tribunal pode apreciar os fundamentos invocados pelo 5.º réu para ampliação do recurso;
3 – o autor litigou de má-fé nestes autos de recurso;
4 – existe fundamento para que seja formulado pedido de reenvio prejudicial. 

III – Objeto do litígio:

Não foram fixados factos provados e não provados na decisão a proferir e, como tal, inexistem factos que este Tribunal de recurso possa considerar, tendo a decisão sido proferida apenas com fundamento na matéria de facto que havia sido alegada pelas partes e que, aqui e ali, na decisão proferida, foi considerada como demonstrada, sem que exista qualquer motivação da decisão sobre a matéria de facto.
É neste contexto que terão de ser apreciados os fundamentos da apelação.

1. Da nulidade da decisão:

Começa por referir-se que embora o autor recorrente se insurja contra todo o despacho saneador proferido que, aliás, transcreveu, limita-se a invocar que a decisão “não está fundamentada (factos provados e não provados), nem apreciou nem tomou conhecimento das seguintes questões:

A - Inobservância do contraditório relativamente à questão suscitada e alegada do desaparecimento da proposta de adesão (e respetivas condições gerais e particulares) aos seguros contratados pelo falecido Pai do Autor e da suscitada questão da inversão do ónus da prova, o que constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.
B - De acordo com o artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil, estipula, há “inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
Em relação à ilegitimidade passiva que foi reconhecida (quanto a três dos réus iniciais), limita-se a referir que “constitui decisão-surpresa a decisão tomada pelo tribunal relativamente à notada ilegitimidade passiva não discutida pelas partes e que esteve na base da decisão da forma proferida”.

1.1. Está invocada a violação do disposto nas alíneas b), c), e d) do n.º1 do art.º 615.º do C. P. Civil.
No que se refere à alínea c) citada, não vemos no recurso de apelação apresentado qualquer concreta alegação que permitisse concluir que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Não foi, assim, alegado qualquer fundamento que permita considerar a decisão proferida nula por violação da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil, não podendo este Tribunal conhecer do que não foi alegado existir.

1.2. Analisando o objeto da apelação e o que foi decidido no despacho saneador / sentença, de modo a verificar se este é nulo por violação do disposto nas alíneas b) e d) do n.º1 do art.º 615.º do C. P. Civil, facilmente percebemos que grande parte dos fundamentos invocados não se relacionam com as decisões que foram proferidas em relação aos réus pessoas singulares e ao réu Banco 2... e que determinaram a sua absolvição da instância.
Em relação à apreciada questão da ilegitimidade passiva destes réus, o autor limita-se a afirmar que a questão decidida não foi discutida pelas partes, constituindo uma decisão surpresa.
Impõe o art.º 3, n.º 3, do C. P. Civil que “o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes da nossa legislação processual civil, pois que, nas palavras de António dos Santos Abrantes Geraldes, e outras, in ob. já citada, pág. 21, “subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham”.
Em relação as estes 2.º, 3.º e e 4.º réus a questão que foi apreciada foi, como se disse, relativa à a sua ilegitimidade passiva.
Decisão surpresa é aquela que “contém uma decisão que a parte, atuando com uma diligência normal, não tinha a obrigação de prever”, nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao art.º 3.º do C. P. Civil, no Código de Processo Civil On Line.
Não assiste qualquer razão ao autor.

Como bem sabe, bastando para tal analisar os articulados que lhe foram notificados:
a) o 2.º réu, administrador do 1.º réu, fez seu o articulado deste (art.º 22.º da contestação) e, neste, estava invocada a ilegitimidade processual porque só a 5.ª ré teria interesse em contradizer a ação, uma vez que os contratos de seguro invocados teriam sido apenas com ela celebrados (arts.º 36.º a 44.º da contestação do 1.º réu).
b) o 3.º réu invocou a sua ilegitimidade passiva no ponto D da sua contestação (arts.º 35.º a 39.º do seu articulado),
c) o 4.º réu, administrador do 3.º réu, invocou-a no ponto B da sua contestação (arts.º 35.º a 42.º do seu articulado);
Ao autor foi permitido o exercício do direito de contraditório quanto às exceções (despacho de 12/09/2024), optando por exercê-lo, por escrito, antes da audiência prévia.
Aliás, da ata desta consta que a Mm.ª Juiz determinou que os autos se fossem conclusos para prolação do despacho saneador com decisão sobre a ilegitimidade deste três réus, sem que tal referência tivesse merecido do autor qualquer pronúncia, tendo aquele despacho sido proferido mais de dois meses depois.
Daí que não constitua qualquer decisão surpresa a que o Tribunal proferiu sobre a legitimidade dos 2.º, 3.º e 4.º réus, no momento processual próprio e conhecendo de questão amplamente discutida nos articulados.
Improcede, assim, este fundamento da apelação.
Note-se que os demais fundamentos da apelação nada têm que ver com a apreciação da exceção de ilegitimidade passiva destes três réus.
Com efeito, por um lado, tendo sido apreciada exceção dilatória de ilegitimidade passiva e tendo tal natureza a que obsta a que o Tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa (art.º 576.º, n.º2, do C. P. Civil), a sua apreciação não é naturalmente precedida da descrição da matéria de facto provada e não provada.
Assim, a ausência de descrição dos factos provados e não provados, não tem qualquer relevo para se apreciar a inexistência do pressuposto processual da legitimidade.
Por outro lado, as omissões que estão alegadas – e que estão todas relacionadas com os contratos de seguro que o autor alega terem sido celebrados entre o seu pai e a 5.ª ré –, prendem-se com o mérito da ação e, assim, o facto de não terem sido apreciadas, nunca obstaria a apreciação da exceção de ilegitimidade passiva dos 2.º, 3.º e 4.º réus que sempre precederia qualquer apreciação de mérito.
Entendemos, assim, que a presente apelação, atento os seus fundamentos, não contende com a decisão proferida na parte em que absolveu os réus pessoas singulares e Banco 2... por ilegitimidade passiva.
Mantém-se, pois, nessa parte, a sua absolvição da instância.

1.3. O mesmo não se diga, porém, em relação às demais decisões.

No que diz respeito ao 1.º réu, a extinção da instância foi, assim, fundamentada:
“De facto, nesta ação o Banco 1... aparecia não só como tomador, como também, e de acordo com as apólices juntas, como beneficiário, tendo direito a receber a indemnização até ao montante da dívida em aberto originada pelo respetivo cartão, sendo o remanescente liquidado aos herdeiros legais das Pessoas Segura.
No decurso da ação, no entanto, veio o Autor a demonstrar o pagamento total da dívida do cartão junto do Banco 1..., que este Réu não impugnou (ref.ª ...62).
Assim, não sendo já o Réu Banco 1... beneficiário da cobertura, julgo extinta, por inutilidade superveniente, a ação contra o Réu Banco 1..., S.A.”.
Apreciemos as nulidades invocadas, quanto a esta decisão.
Está alegada a nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto (é o que se conclui da menção à inexistência de factos provados e não provados nas decisões proferidas).
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de 25/05/2023, proc. 2901/21.3T8VCT-C.G1, in www.dgsi.pt, através desta norma reafirma-se “a obrigação imposta pelo arts. 154.º do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efetivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação.
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respetivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) (…).
É hoje absolutamente claro que apenas a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto e de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (veja-se, por todos, as referências doutrinais e jurisprudenciais referidas no último Acórdão citado).
O que a lei comina com o vício da nulidade é a falta absoluta de fundamentação, pois que todas as demais irregularidades (insuficiência ou incorreção), afetando a sentença ou o despacho e podendo gerar a sua alteração, não conduzem à sua nulidade.
E, reportando-nos, mais uma vez, ao último Acórdão referido e as citações dele constantes “a concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1)”.

Dispõe o art.º 665.º do  C. P. Civil que ainda “que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e, se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2).
Quanto aos factos relevantes, sabemos que o Tribunal considerou as “apólices juntas” e o “pagamento total da dívida” e, assim, ainda que não saibamos a que apólices está aquele a referir-se (porque estas não foram identificadas), percebemos que são estes os factos determinantes para entender que existia fundamento para declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Ou seja, ainda que de forma errada, e sem que exista a indicação dos concretos factos provados (e sua motivação) que determinaram a decisão proferida, estes existem, mencionados de forma vaga e imprecisa.
Não há, pois, falta de fundamentação de facto, ainda que esta seja claramente insuficiente.
Alega ainda o recorrente que não foram apreciadas duas questões, sendo que as que identifica, nos pontos A e B, como sendo relativas à inobservância do contraditório relativa ao desaparecimento da proposta de adesão ao contrato de seguro e a inversão do ónus da prova.
A decisão proferida de extinção da instância contra o 1.º réu não atendeu efetivamente a todas as pretensões que foram deduzidas pelo autor contra este réu.
O autor pediu a condenação solidária de todos os réus em relação a todos os pedidos que formulou.
No essencial, o autor peticiona que seja declarada a nulidade das cláusulas de dois contratos de seguro com a sua consequente exclusão e que, com base nas demais que alega existirem, sejam todos os réus condenados no pagamento da dívida que, à data da morte do pai, estava associada à utilização de um cartão de crédito e o capital seguro, de outro contrato, no valor de € 500.000,00 (os pedidos b) e c) são meramente instrumentais dos restantes).
Não há aqui que cuidar da correção desses pedidos, pois que sobre ela não foi, pela 1.ª Instância, proferida qualquer decisão.
A inutilidade é uma das causas de extinção da instância, nos termos do art.º 277.º, alínea e), do C. P. Civil e pressupõe que o fim pretendido com a ação foi já alcançado por via diversa.
O facto considerado pelo Tribunal para considerar extinta a instância – o pagamento da dívida efetuado pelo autor - está apenas relacionado com um dos pedidos formulados.
Com efeito, o autor peticionava na alínea d) da sua petição inicial a condenação de todos os réus a liquidar ao 1.º réu a quantia do valor em dívida no cartão de crédito associado à conta bancária do seu pai, à da morte deste.
No decurso da ação, interpelado pela Mm.ª Juiz a quo, veio informar que o pagamento do valor em dívida havia sido por si realizado, facto esse que não foi impugnado pelo 1.º réu (requerimento de 13/12/2024 e resposta do 1.º réu de 18/12/2024).
Tal significa, naturalmente, que a pretensão deduzida pelo autor (que o pagamento da dívida associada àquele cartão fosse efetuado ao 1.º autor) foi alcançada e, assim, de facto, existia fundamento para declarar a inutilidade superveniente na instância em relação a essa pretensão, nos termos da norma citada.
Apesar de o autor pedir a condenação solidária de todos os réus em relação a todos os pedidos que formulou, temos como claro que o 1.º réu não era visado por esse segmento do pedido da alínea d), pois que não faria sentido que fosse condenado a pagar a si próprio a quantia que, à data da petição inicial, se alegava estar em dívida, precisamente, àquele réu.
Ou seja, se existia fundamento para declarar extinta por inutilidade da lide a pretensão deduzida naquele primeiro segmento do pedido formulado na alínea d) da petição inicial, o único réu que não podia ser visado com tal pedido era precisamente o 1.º réu, que nunca poderia condenado a pagar a si próprio o valor em dívida.
Daqui se retira que não pode manter-se, no que a esse concreto segmento do pedido diz respeito (1.º parte do pedido da alínea d) da petição inicial), a decisão de declarar extinta a instância, quanto ao 1.º réu, por inutilidade superveniente da lide (ainda que exista fundamento para apreciar tal pedido, já no despacho saneador, por razões formais, como decorre do que se referiu supra sobre insólita dedução pelo autor de pedido de condenação do 1.º réu a pagar determinada quantia a ele próprio). 
Não foi este, contudo, o único pedido formulado contra o 1.º réu, estando o pagamento invocado na decisão apenas com este relacionado.
Mesmo em relação ao pedido formulado na alínea d) da petição inicial, pedindo o autor a condenação solidária de todos os réus “a liquidar junto do 1.º Réu, o valor em dívida no cartão de crédito à data da morte, bem como ao reembolso do montante de €3.574,75, pagos pelo A., bem como todos os montantes que continue a pagar, até trânsito em julgado da decisão a proferir, acrescido de juros vencidos e vincendos a liquidar em execução de sentença”, o alegado integral pagamento do valor em dívida desse cartão pelo autor apenas tornava inútil a primeira parte do pedido formulado, em relação aos demais réus, mas não já o que nele estava também pedido no sentido de serem todos os réus (incluindo o 1.º réu) condenados a pagar ao autor a quantia que este já havia pago da dívida desse cartão de crédito e ainda o que viesse a pagar na pendência da ação.
A decisão proferida em relação ao 1.º réu não apreciou, assim, todas as questões colocadas pelo autor e por este réu que não estão relacionadas com aquele primeiro segmento do pedido formulado em d) da petição inicial, sendo, assim, nula a decisão proferida, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil.
Alega ainda o autor recorrente que foi proferida uma decisão surpresa.
Começa por referir-se que, antes da decisão proferida, nunca foi equacionada, fosse pelas partes, fosse pelo Tribunal, a existência de fundamento para a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide em relação ao 3.º réu (tal fundamento foi invocado pelo 1.º réu e não chegou sequer a ser apreciado pelo Tribunal).
É absolutamente claro que a audiência prévia não foi realizada com esse propósito, pois que se definiu como fim desta a fixação do objeto do litígio e os temas da prova
Aliás, em sede de audiência prévia, fez-se referência ao prosseguimento da instância, limitando-se a Mm.ª Juiz a afirmar, como supra se mencionou, que seria proferido despacho saneador que apreciaria a exceção de ilegitimidade dos réus que foram absolvidos da instância.
Esta decisão a declarar extinta a instância em relação ao 3.º réu foi, pois, claramente, uma decisão surpresa.
É ainda controvertido na jurisprudência e na doutrina saber a que vício conduz a violação do princípio do contraditório e a prolação de uma decisão surpresa (vide, por todos, o recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/05/2024, proc. 753/21.2T8VVD.G2, in www.dgsi.pt).
Tal questão não assume, contudo, nestes autos verdadeira relevância, pois que, como vimos, a decisão não pode manter-se, já que o fundamento de facto invocado – o pagamento que o autor fez ao 1.º réu da dívida associada à utilização do cartão de crédito por parte do seu pai – não permite afirmar que fim pretendido pelo autor com esta ação foi já alcançado, no que diz respeitos aos pedidos que efetivamente formulou contra o 1.º réu.
O art.º 665.º do C. P. Civil não permite que o Tribunal aprecie todas as questões que, para além da extinção da instância por inutilidade da lide, permanecem por decidir.
Tal apreciação não só redundaria na eliminação de um grau de jurisdição numa situação em que permanecem por apreciar exceções dilatórias invocadas pelo 1.º réu, como inexiste matéria de facto provada e não provada fixada, estando aquela que é relevante para a decisão ainda controvertida.
Resulta assim claro que, se por um lado, a decisão proferida é nula porque não aprecia a totalidade das pretensões que foram formuladas contra o 1.º réu e que não estão relacionados com o pagamento efetuado pelo autor a esse 1.º réu, por outro lado, devem os autos prosseguir para conhecimento de todas as questões suscitadas que relevem para a sua apreciação (de índole processual e substantiva), ou de conhecimento oficioso, já que, quanto a esses pedidos, não há inutilidade superveniente da lide.
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1.4. No que se refere ao 5.º réu, o Tribunal absolveu-o do pedido formulado, apreciando o mérito da ação.
Assumindo que os autos não poderiam prosseguir “sem a junção aos autos da apólice de seguro invocada, tendo já sido esgotados os meios à disposição do Tribunal” para a sua obtenção, fundamentou-se a decisão proferida nos seguintes termos:
Funda o Autor (e Interveniente) estes autos na alegada existência de um contrato de seguro com determinadas coberturas iniciais, nomeadamente um seguro de vida e um seguro da dívida do cartão, em caso de morte do titular.
Pelas Rés não foi colocado em causa que os Autores são herdeiros de EE, falecido no dia ../../2021 (docs. 1 a 3 da PI) e que este, no dia 11/08/2010, subscreveu um cartão de crédito, denominado de “...”, no balcão do Banco 2..., associado a conta à ordem do titular n.º ...20 (conta cartão com n.º ...11).
Os herdeiros não tinham na sua posse a proposta, nem as condições, e tentaram diligenciar junto das entidades competentes pela sua junção, designadamente junto do Banco 1..., que informou que não tinha em seu poder a proposta, mas que o contrato se manteve em vigor até ao falecimento do titular, tendo sido alvo de alterações contratuais, comunicadas através dos extratos bancários (docs. 7 a 12 da PI).
Em 2022, FF apresentou queixa crime contra o Réu Banco 1... pela prática de um crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica, previsto e punido pelo artigo 259.º, n.º 1 do Código Penal, que correu termos na Secção de Fafe do DIAP de Braga com o NUIPC 621/22.0T9LSB, que foi arquivado e ulteriormente objeto de decisão de não pronúncia (doc. 1 e 2 da contestação do Banco 1...).
O aqui Autor apresentou outra queixa contra o Banco 1..., o Banco 2... e respetivos Presidentes, pela prática do mesmo crime, que correu termos na Secção de Fafe do DIAP de Braga com o NUIPC 170/23.0T9LSB, também arquivada e objeto de não recebimento de instrução, confirmada em recurso.
Pela Ré EMP02... foi confirmado que, no dia 01/01/2000, a Ré, então denominada Companhia de Seguros EMP01..., S.A. celebrou com o “Banco 2..., S.A.”, pelo menos quatro contratos de seguro, respeitantes a riscos associados ao cartão de crédito emitido por esse banco, com a denominação comercial “...”.
Os contratos foram celebrados por conta de um universo de titulares do cartão “Banco 2.../...”, sendo pessoas seguras o portador do cartão, bem como alguns membros do agregado familiar.

Juntou cópia destas apólices e respetivas condições gerais, com as seguintes coberturas no momento da assinatura do contrato:
a) apólice ...67, que cobria riscos conexos com acidentes pessoais sofridos por titulares desses cartões até aos 70 anos de idade, quando resultante de acidente ocorrido no âmbito de uma “viagem”, sempre que comprovadamente exista um título de transporte e este tenha sido adquirido e pago integralmente com o cartão Banco 2.../... (docs. 3 e 4, juntos na contestação da EMP02...). O capital da cobertura de “morte” ocorrida nas circunstâncias previstas na apólice era de 100.000,00€.
b) Apólice ...03, que garantia assistência em viagem a titulares desses cartões, quando ocorridos nas circunstâncias previstas nesse contrato de seguro (Doc. 5 contestação da EMP02...);
c) Apólice ...30, que garantia a responsabilidade civil de titulares desses cartões, quando ocorridos nas circunstâncias previstas nesse contrato de seguro (doc. 6 da contestação da EMP02...);
d) Apólice ...80, correspondente a um seguro de saúde, que cobria despesas com tratamentos (doc. 6ª da contestação da EMP02...).
A Ré EMP02... confirma que, fruto da medida de resolução, a posição de tomadora nestes contratos de seguro foi transmitida para o Banco 1..., S.A., e depois denunciados com efeitos a partir de 01/01/2017.
A partir dessa data os titulares de cartões “...” emitidos pelo Banco 2..., foram integrados como pessoas seguras num outro contrato de seguro que esse banco já mantinha em vigor nessa data, titulado pela apólice ...60.
Esse contrato de seguro garantia, até aos limites estabelecidos nesse contrato, as seguintes coberturas, entre outras:
• Acidentes Pessoais Viagem, que garantia o pagamento de uma indemnização, com o limite de 375.000,00 €, em caso de Morte ou Invalidez Permanente, por riscos profissionais e extraprofissionais, em consequência de acidente sofrido pelas Pessoas Seguras e ocorrido durante uma viagem, desde que, comprovadamente, seja utilizado um cartão pela totalidade da compra dos respetivos títulos de transporte.
• Acidentes pessoais Utilização do Cartão, que garantia o pagamento ao Titular do cartão, de uma indemnização até ao limite de 10.000,00 €, em caso de Morte ou de Invalidez Permanente, por riscos profissionais e extraprofissionais, em consequência de acidente sofrido pela Pessoa Segura e ocorrido nas 24 horas imediatamente seguintes à última utilização de um cartão como meio de pagamento.
Em caso de Morte do Titular do Cartão, a indemnização reverterá para o Tomador de Seguro até ao montante da dívida em aberto originada pelo respetivo cartão, sendo o remanescente liquidado aos herdeiros legais das Pessoas Seguras.
• Proteção ao crédito (Exclusivo Cartão Desconto), que garantia o pagamento de 100% do saldo em dívida da Conta-Cartão à data do sinistro, com o limite de 2.500 €, nos casos de Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva do titular do cartão, em caso de Acidente. Em caso de Morte do Titular do Cartão, a indemnização reverterá para o Tomador de Seguro até ao montante da dívida em aberto originada pelo respetivo cartão, sendo o remanescente liquidado aos herdeiros legais das Pessoas Seguras.
Aqui chegados, constata-se que não estão juntos ao processo quaisquer documentos que comprovem as coberturas invocadas pelos Autores.
Nos termos do artigo 32.º da LCS (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial, no entanto, o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito ou noutro instrumento duradouro, que se designa por apólice de seguro.
A apólice de seguro é, assim, o documento que titula o contrato celebrado e que releva para efeitos de prova e particularmente importante quanto à precisa definição das garantias e do funcionamento do contrato (cf. Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2009, pág. 170).
Todo o conteúdo do acordado pelas partes, deve ser formalizado no documento escrito, devendo constar, segundo o n.º 2 do artigo 37.º da LCS, pelo menos, os seguintes elementos:
“a) A designação de “apólice” e a identificação completa dos documentos que a compõem;
b) A identificação, incluindo o número de identificação fiscal, e o domicílio das partes, bem como, justificando-se, os dados do segurado, do beneficiário e do representante do segurador para efeito de sinistros;
c) A natureza do seguro;
d) Os riscos cobertos;
e) O âmbito territorial e temporal do contrato;
f) Os direitos e obrigações das partes, assim como do segurado e do beneficiário;
g) O capital seguro ou o modo da sua determinação;
h) O prémio ou a fórmula do respetivo cálculo;
i) O início de vigência do contrato, com indicação de dia e hora, e a sua duração;
j) O conteúdo da prestação do segurador em caso de sinistro ou o modo de o determinar;
l) A lei aplicável ao contrato e as condições de arbitragem.
A exigência de formalização do contrato de seguro em instrumento escrito tem importantes consequências ao nível da prova do contrato, designadamente quanto à necessária forca probatória de outro meio de prova ou outro documento (artigo 364.º, n.º 2 do Código Civil), à inadmissibilidade da prova testemunhal e em geral quanto ao regime da prova (cf. Pedro Romano Martinez e outros, ob.cit, pág. 171).
Assim, desde logo, não se obteve documento que confirmasse as coberturas alegadas, bastante específicas, resultando a junção de apólices que efetivamente não vão no mesmo sentido das alegadas.
Por outro lado, temos a questão da oponibilidade da alteração das condições e da denúncia efetuada pelo Banco 1....
No âmbito dos seguros de grupo, a que alude expressamente o artigo 76.º da LCS, como os que “cobrem riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar, há uma relação triangular, em que o segurado é um terceiro relativamente ao contrato celebrado entre seguradora e tomador.
Nos contratos de seguro de cartão, como seguros por conta de outrem, os segurados nem são partes do contrato e beneficiam das garantias pelo simples facto de serem titulares dos cartões.
Neste caso, as partes não perdem a faculdade de modificar ou fazer cessar o contrato, visto que dele são as únicas partes, tendo apenas o dever de informar os terceiros-segurados acerca do sucedido.
Releva, neste caso, no que respeita à cessação do contrato o disposto nos artigos 84.º e 111.º, n.º 2 da LCS, e os terceiros-segurados não são titulares de um direito à manutenção da cobertura – sem prejuízo da possibilidade de estipulação em contrário (artigo 85.º da LCS).
Neste caso, temos por não demonstrada a cobertura inicialmente contratada e atendendo à denúncia, uma celebração de novo contrato, comprovado pela junção da apólice, alterações que são oponíveis ao segurado, ainda que não lhe tivessem sido comunicadas oportunamente, como foi alegado ainda em sede de petição inicial (artigo 84.º, n.º 4 da LCS).
Pelo exposto, e de acordo com a matéria de facto alegada e já provada, a ação sempre seria de improceder, havendo que absolver a Ré EMP02... do pedido”.
Esta decisão tem ampla fundamentação de facto, ainda que não existam factos provados e não provados e, como tal, inexista qualquer decisão que justifique a não prova dos factos alegados pelo autor e a prova daqueles que o Tribunal a quo considerou para proferir a sua decisão.
Existindo fundamentação, ainda que imprecisa e não motivada, a decisão proferida não é nula.
Foi, porém, mais uma vez, proferida sem que o Tribunal tivesse alguma vez tomado posição sobre a possibilidade de, sem produção de prova, proferir de imediato decisão que conhecesse do mérito da ação.
Como se disse já, a audiência prévia foi realizada, perspetivando-se o prosseguimento dos autos porque a matéria de facto relevante era, ainda controvertida, chegando-se a idêntica conclusão quando se analisa a ata dessa diligência.
Daí que o conhecimento do mérito da ação, em relação à 5.ª ré, se apresente, claramente, como uma decisão surpresa, violando o princípio do contraditório.
Ainda, assim, mais uma vez, não há que extrair consequências da prolação da decisão surpresa, pois que esta não pode manter-se.
A Mm.ª Juiz a quo decidiu a ação sem cuidar de afirmar como provados ou não provados (e porquê) os factos alegados pelo autor.
Note-se o autor não alegava só que haviam sido celebrado contratos de seguro com esta ou aquela cobertura (e não cabe aqui apreciar o carater vago da alegação, pois que o que está em causa é apenas a apreciação do mérito que foi realizada).
O autor alegava ainda que os 1.º e 3.º réu (e agora apenas o 1.º permanece na ação) ocultaram ou fizeram desaparecer a proposta e as condições associadas ao cartão de crédito que identifica na sua petição inicial e que eram estas que estavam em vigor quando faleceu, já que todas as posteriores são nulas e / ou inoponíveis.
É este o fundamento de que o autor faz depender a sua alegação e justificar a razão pela qual não junta a apólice dos contratos de seguro que afirma existirem.
Assim, nesta ação, são os factos integradores daquela alegação que o autor terá de demonstrar para que, ainda que lei exija que o contrato de seguro seja celebrado por escrito, se possa apreciar se os contratos de seguro podem ainda ser acionados se os réus ocultaram e fizeram desaparecer os documentos que permitiriam demonstrar a sua existência.
A não apresentação das apólices dos contratos de seguro que o autor alega existirem não pode ser, desde já, fundamento para a improcedência da ação se está alegado que foram os 1.º e 3.ª réus que as ocultam ou fizeram desaparecer (e que ao autor compete demonstrar).
A apreciação deste fundamento material para a não apresentação pelo autor do contrato escrito que este alega existir está, assim, dependente de prova, devendo os autos prosseguir, naturalmente para apreciação dos fundamentos da ação.
Note-se que, contrariamente ao que se refere na decisão proferida, nenhuma diligência foi efetuada pelo Tribunal no sentido de ser produzida qualquer prova documental, pois que os autos não chegaram sequer à fase de instrução, não tendo sido proferido, nestes autos, qualquer despacho a ordenar a junção de qualquer documento relativo aos alegados contratos de seguro celebrados, para além daqueles que as partes juntaram em sede de articulados e apesar da diligência de prova documental requerida pelo autor no requerimento de 15/03/2024 sobre a qual não recaiu qualquer despacho.
Note-se que o autor não aceitou os factos alegados pelos réus (como de alguma forma pressupõe o Tribunal de 1.ª Instância). Limitou-se a aceitar a confissão efetuada pelo 5.ª réu.
Ou seja, o autor aceitou apenas os factos que esta ré alegou e que lhe eram desfavoráveis, sendo favoráveis ao autor, pois que apenas estes podiam ser confessados pelo 5.º réu – art.º 352.º do C. Civil.
Não pode, assim, afirmar-se que estavam esgotadas as diligências tendo em vista localizar as alegadas condições dos contratos de seguro celebrados, ainda que as que já estejam juntas ou possam ainda vir a sê-lo não confirmem a existência das condições do contrato que foram alegadas pelo autor (o que determinará, tão-só, que os factos por si alegados sejam julgados não provados) e possa vir a resultar demonstrada a sua alteração (ou substituição), entre a data da concessão do cartão do crédito e a data da morte do pai do autor.
Conclui-se, assim, que o estado dos autos não permitia que se apreciassem os pedidos que foram formulados pelo autor contra o 5.ª réu  e muito menos que tal apreciação se fizesse sem que da decisão constassem como provados ou não provados, quer os factos constitutivos do direito que invocava o autor, quer aqueles que sendo modificativos, impeditivos ou extintivos foram alegados pelo 5.º réu (e ainda que exista fundamento para, nos termos já referidos, extinguir a ação no que se refere ao pedido que o autor deduziu contra este réu na 1.º parte da alínea d) da petição inicial, por inutilidade superveniente da lide, devendo, porém, previamente cumprir-se o contraditório em relação ao autor, de modo a evitar-se a prolação de uma decisão surpresa).
Os autos terão assim de prosseguir para apreciação das pretensões que foram deduzidas pelo autor nos termos da lei e em face do estado dos autos, ainda que se imponha também a apreciação das exceções dilatórias que este 5.º réu invocou e que não foram ainda apreciadas.
Note-se que o Tribunal a quo afirmou a inexistência de nulidades que invalidassem todo o processo, mas não apreciou as exceções invocadas que, nos termos da lei, implicam precisamente a nulidade de todo o processo –  ineptidão da causa de pedir - art.º 186.º do C. P. Civil.
Ora, se o art.º 278.º, n.º 3, do C. P. Civil permitia que o Tribunal apreciasse o mérito da ação ainda que subsistissem exceções dilatórias (nos exatos termos previstos), como fez a Mm.ª Juiz de 1.ª Instância, não se mantendo a decisão de mérito proferida (porque a matéria de facto relevante permanece controvertida), deverão ser naturalmente apreciadas todas as exceções dilatórias invocadas e que não foram objeto de efetiva pronúncia.
**
Como consequência da procedência parcial da apelação, as decisões que foram proferidas em relação ao 1.º e 5º réus têm de ser revogadas, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos formulados pelo autor se a tal não obstar a apreciação das questões processuais suscitadas por estes dois réus que não foram ainda apreciadas ou outras questões que possam ser apreciadas oficiosamente.
Da revogação das decisões proferidas decorre naturalmente a revogação da decisão que apreciou a litigância de má-fé do autor e dos 1.º 5.º réus, na relação que entre si estabeleceram por via destes autos, pois que tal decisão teve como pressuposto lógico o que naquelas foi decidido e que, como vimos, não se mantém.
Quanto aos réus absolvidos da instância, não tendo nem o autor, nem aqueles réus, apresentado recurso de apelação desse segmento da decisão, tem de considerar-se que transitou em julgado a decisão que considerou que, na relação processual que entre si estabeleceram nestes autos, nem o autor, nem os 2.º, 3.º 4.º litigaram de má-fé.

2. Quanto à apreciação, nestes autos de recurso, de todas as questões invocadas pelo 5.º réu na sua resposta:
Decorre do exposto que os autos terão de prosseguir para apreciação as questões suscitadas por autor, 1º e 5º réus (incluindo de natureza processual), não existindo matéria de facto provada e não provada que permita, neste momento processual, apreciar de mérito a ação e, assim, todas as questões que o 5.º réu suscitou na sua contestação (e sem prejuízo do que se consignou quanto à 1.ª parte do pedido formulado pelo autor na alínea d) da petição inicial).

3. Da litigância de má-fé do autor:

O 1.º e 2.º réus vieram, em sede de alegações de recurso, requerer a condenação do autor como litigante de má-fé.
Tinham já deduzido tal pretensão em sede de contestação, tendo a questão sido apreciada na decisão de 1.ª Instância, e que foi julgada improcedente e que não foi objeto de recurso por qualquer das partes.
Vimos já que procedem, em parte, os fundamentos apresentados neste recurso tendo em vista a declaração de nulidade da decisão que apreciou os pedidos formulados em relação ao 1.º e 5.º réus.
Não existiu, nestes autos de recurso, qualquer litigância de má-fé do autor.
Não há, pois, porque condena-lo, nestes autos de recurso, tendo sido já objeto de análise o efeito desta decisão naquela que foi proferida em 1.ª Instância quanto à litigância de má-fé das partes.
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4. Da necessidade do reenvio prejudicial:

Devendo os autos prosseguir não há que equacionar, por ora, se a questão a decidir, quando os factos resultarem demonstrados, coloca qualquer questão nos termos suscitados pelo autor recorrente, quanto à aplicação da Diretiva citada.
O conhecimento desta questão fica, assim, prejudicado.
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Responsabilidade quanto a custas:
Devendo os autos prosseguir apenas contra os 3.º e 5.º réus, o autor será responsável, desde já, pelo pagamento de 3/5 das custas, sendo a responsabilidade dos restantes fixada a final, quando for proferida decisão final quanto a esses réus, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
As custas desta apelação serão suportadas pelo autor e pelos 3.º e 5.º réus, na proporção de 1/3 para cada uma das partes, nos termos da norma citada.

IV – Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo autor e, em conformidade:

a) declaram a nulidade da decisão proferida que, em relação ao 1.º réu Banco 1..., julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em conformidade, apreciando a decisão, revogam-na, determinando o prosseguimento dos autos para que sejam apreciadas as questões suscitadas pelo autor e 1.º réu, de natureza processual e substantiva, ou de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, incluindo os respetivos pedidos formulados de condenação como litigantes de má-fé; 
b) declaram a nulidade da decisão proferida em relação à 5.ª ré EMP02... e, em conformidade, apreciando a decisão, revogam-na, determinando o prosseguimento dos autos para que sejam apreciadas as questões suscitadas pelo autor e 5.º réu, de natureza processual e substantiva, ou de que o tribunal possa conhecer oficiosamente, incluindo os respetivos pedidos formulados de condenação como litigantes de má-fé; 
c) julgam improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, no âmbito desta instância de recurso;
d) confirmam as decisões de absolvição da instância dos 2.º, 3.º e 4.º réus (por ilegitimidade passiva).
As custas da ação serão em 3/5 da responsabilidade do autor, sendo a responsabilidade dos restantes 2/3 fixada quando for proferida decisão final relativamente os 1.º e 5.º réus.
As custas deste recurso são da responsabilidade do autor recorrente e 1.º e 5.º réus recorridos, na proporção de 1/3 para cada um e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao autor.
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Guimarães, 10/07/2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)

Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves
2ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes