Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5340/23.8T8GMR-A.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
REPÚDIO DA HERANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os executados podem reagir à penhora através de simples requerimento – nas situações em que está em causa a impenhorabilidade subjectiva, como sucede na situação prevista no n.º 3 do art.º 764º do CPC e quando não é facultado aos executados outro meio de reacção - e de incidente de oposição à penhora – nas situações em que está em causa a impenhorabilidade objectiva.
II – Tendo sido penhorada a quota ideal da executada numa herança aberta e indivisa e sendo invocado o repúdio da herança em momento anterior à penhora, o meio processual adequado de reacção à penhora era o simples requerimento e não a oposição à penhora.
III – Tal situação integra erro na utilização do meio processual e dá lugar à convolação oficiosa nos termos do n.º 3 do art.º 193º do CPC.
IV – Ocorrendo repúdio da herança por parte de sucessível cujos descendentes gozem de direito de representação, o repudiante tem-se por chamado, mas destruiu os efeitos do chamamento a seu favor com o acto do repúdio e deu, ao mesmo tempo e com o mesmo acto, lugar ao chamamento autónomo dos seus descendentes que, por direito próprio, são chamados a suceder no lugar que ocuparia o seu ascendente, se não tivesse repudiado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

Banco 1..., SA intentou acção executiva para pagamento de quantia certa contra AA e BB.

A 28/03/2024 foi junto aos autos de execução “Auto de penhora” em que consta como bem penhorado: “penhora do direito e acção, na quota ideal de 3/24, que  a executada BB detém na herança aberta e indivisa por óbito de CC.”

A 26/04/2024 os executados “nos termos do disposto nos art.ºs 784º e 785º do CPC” deduziram “oposição à penhora” invocando a penhora daquele direito e dizendo que por escritura pública, datada de 23/02/2021, a executada repudiou a herança aberta por óbito de seu pai CC, pelo que deve ser extinta a penhora do quinhão hereditário.

E com este requerimento juntou certidão passada pela Exmª Notária, DD, da escritura lavrada de folhas ... verso do livro de notas para escrituras diversas número ... e ... – E, do cartório daquela, sito em ..., escritura lavrada a 23 de Fevereiro de 2021, perante Exmª Notária, DD onde consta que comparecerem como outorgantes BB e AA, casado com a primeira, tendo a mesma declarado que repudia a herança aberta por óbito de seu pai  CC, falecido a ../../2017 e pelo segundo outorgante foi dito que presta o consentimento para a prática do acto.

Na referida escritura ficou ainda consignado que a declarante tinha descendentes devidamente identificadas.

A oposição foi admitida liminarmente e ordenada a notificação da exequente para, querendo, contestar.

Notificada a exequente, a mesma nada disse.

Foi proferida decisão cuja “Fundamentação de direito” e “Decisão” tem o seguinte teor:
“III Fundamentação de direito
A questão a decidir consiste em saber se é admissível a dedução do incidente de oposição à penhora deduzido pela executada.
De harmonia com o disposto no art.º 784º, do NCPC “1. Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora e requerer o seu levantamento, suscitando questões que não hajam expressamente apreciadas no despacho que as ordenou e que obstem:
a) à inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou à extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência".
Estabelece tal normativo um princípio de taxatividade dos fundamentos da oposição à penhora, tal que só a verificação de um dos concretos fundamentos aí previstos conduz à procedência da oposição, determinando o levantamento da penhora, conforme prevê o nº 6 do art.º 785º do mesmo diploma.
Ora, os fundamentos invocados pelos executados não se adequam à previsão legal de qualquer das alíneas do citado nº 1 do art.º 784º, designadamente à sua alínea a).
Aí visou o legislador duas ordens de situações – 1) impenhorabilidade absoluta ou relativa dos bens penhorados, tal como definido pelos art.ºs 736º a 739º do NCPC, ou em legislação complementar; 2) excesso de penhora relativamente aos fins da execução (devendo, para tal, conjugar-se a menção aí feita à extensão da penhora com o disposto no nº 3 do art.º 735º).
O bem/direito penhorado – direito e ação, na quota ideal de 3/24, que a Executada BB detém na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de CC, não se encontra em quaisquer das situações de impenhorabilidade previstas naqueles art.ºs 736º a 739º, do CPC.
Segundo a tese da própria executada – o bem penhorado não lhe pertence, a mesma não pode deduzir oposição à penhora, uma vez que alega que foi penhorado bem que não é da sua propriedade.
De facto, o artigo 784, do C. P. Civil refere expressamente “Sendo penhorados bens pertencentes ao executado ...”. É, assim, pressuposto da oposição à penhora que os bens em causa sejam propriedade do executado.
Assim sendo, indefiro o presente incidente.
Custas pelos executados.
Notifique.
*
Decisão:
Pelo exposto, rejeito a oposição à penhora deduzida.
Fixo o valor da oposição à penhora em € 14,857,95, que corresponde ao valor atribuído a tal direito (art.ºs 296º, 297º, 304º, nº 1 e 306º, do NCPC).
Registe e notifique.”

Os executados interpuseram recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida, decidindo-se pela admissibilidade da oposição deduzida e, consequentemente, pelo levantamento da penhora sobre o direito penhorado, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º - Os Recorrentes, ora executados, deduziram oposição à penhora, instruindo o requerimento com uma Escritura Pública de repúdio da herança que documenta, de forma manifestamente inequívoca, que o direito penhorado não lhes pertence.
2º - O repúdio da herança, nos termos previstos no artigo 2062º do CC, implica a total dissociação do sucessível à respectiva herança, como se a ela nunca tivesse sido chamado.
3º - Entendeu o Tribunal a quo que os fundamentos que suportam a oposição  à penhora não preenchem os requisitos previstos no artigo 784º, nº 1, do CPC.
4º - Todavia, na falta de meio legalmente previsto para a impugnação da impenhorabilidade do bem ou direito, depois de efectuada a penhora e se o Juiz não tiver conhecido da referida penhorabilidade, o executado é admitido a introduzir no processo elementos que instruam o Juiz com a factualidade necessária, nos termos do disposto nas alíneas c) e d), do artigo 723º do CPC.
5º - Só assim se garante o cumprimento dos princípios gerais do dever de gestão processual, da adequação formal e da economia processual.
6º - Desse modo, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 193º do CPC, o requerimento de oposição à penhora deduzido era aproveitável.
7º - Mesmo entendendo-se que o requerimento não era aproveitável nos termos do disposto no artigo 193º, n 3, do CPC, sempre seria por aplicação subsidiária do nº 3, do artigo 764º, do CPC.
8º - É pacífico que o agente de execução deve proceder à penhora dos bens encontrados na posse do executado, presumindo-se, nos termos do disposto na 1ª parte do nº 3 do artigo 764º do Código de Processo Civil, bem como do artigo 1268º do Código Civil, que a titularidade lhe pertence.
9º - Todavia, nos termos do disposto no nº 3, do artigo 764º do Código de Processo Civil, feita a penhora, pode o executado apresentar, perante o Juiz, prova documental inequívoca do direito de terceiro sobre os bens ou direitos penhorados.
10º - O Artigo 764º do CPC é aplicável à penhora de bens móveis não sujeitos a registo, e, subsidiariamente, à penhora de direitos, nos termos do disposto no artigo 783º do CPC.
11º - A Penhora do direito e acção à herança foi realizada no dia 31 de Março de 2024.
12º - Apesar da faculdade de apresentarem perante o Juiz mero requerimento acompanhado de prova documental ao abrigo do disposto no nº3, do artigo 764º do Código de Processo Civil, os executados deduziram um incidente de oposição à penhora, com o desiderato de a mesma ser levantada.
13º - O documento apresentado, que configura um documento autêntico à luz da lei civil substantiva, reflecte, de forma inequívoca, a dissociação dos Recorrentes ao direito penhorado.
14º - Por força dos princípios da cooperação, adequação formal, dever de gestão processual e economia processual, deveria o Tribunal a quo incorporar o expediente na acção executiva e apreciar devidamente o mérito da causa (cfr. Acórdão TRL de 06/03/2018, relatado por Conceição Saavedra, disponível in www.dgsi.pt).
15º - Em momento algum a genuinidade e autenticidade do documento foi apreciada ou questionada pelo Tribunal a quo, que se limitou a rejeitar o incidente.
16º - Seguindo de perto o Acórdão TRL, de 23/04/2020, relatado por Isoleta Costa, disponível para consulta in www.dgsi.pt, um documento autêntico ou um documento particular autenticado, com data anterior à da penhora, configura documento comprovativo bastante à demonstração da titularidade do bem ou direito por terceiro.
17º - Aliás, não estando em causa um bem ou direito sujeito a registo, a prova documental inequívoca passível de ilidir a presunção pode, e deve, ser feita a partir de indicadores que, embora não demonstrem directamente a titularidade dos mesmos por terceiros, assegure, de forma bastante, que estes não pertencem aos Executados.
18º - A prova documental apresentada documenta, de forma amplamente suficiente, de que o direito penhorado não pertencia aos Recorrentes.
19º - Pelo que deve a decisão a quo ser revogada, aproveitando-se a oposição à penhora deduzida,
20º - Bem como deve ser apreciado o mérito pelo Tribunal ad quem, ordenando- se o levantamento da penhora sobre o direito e acção na herança penhorado, com base no Princípio Geral da Economia Processual.

Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139, sendo o sublinhado nosso).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.

São duas as questões que se impõe apreciar:
- o requerimento de oposição à penhora era aproveitável nos termos do n.º 3 do art.º 193º do CPC?
- deve ser ordenado o levantamento da penhora do quinhão hereditário?

3. Fundamentação de facto

As incidências fácticas indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Fundamentação de direito

4.1. Dos meios de reacção à penhora
Nos termos do art.º 601º do CC, pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.

E na sequência do mesmo, dispõe o art.º 735º, n.º 1 do CPC, que dá início à secção do CPC pertinente à penhora, que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.

Impõe-se aqui verificar quais são os meios de reagir a uma penhora ilegal.

Assim Lebre de Freitas in A Acção Executiva à Luz do Processo Civil de 2013, 7ª edição pág. 313 e segs. define quatro meios de reação, sendo que estando em causa a reacção dos executados, apenas releva considerar dois:
- oposição por simples requerimento;
- incidente de oposição à penhora.

E explica (ob. cit., pág. 314, sendo o sublinhado nosso) que a “ilegalidade da penhora pode assentar no facto de se terem ultrapassado os “limites objectivos da penhorabilidade (penhoram-se bens que não deviam ter sido penhorados, em absoluto, ou não deviam ser penhorados naquelas circunstâncias, ou sem excussão de todos os outros, ou para aquela dívida)” mas também pode ocorrer quando a penhora seja subjetivamente ilegal (são penhorados bens que não são do executado). No primeiro caso a impenhorabilidade é objetiva; no segundo diz-se subjetiva.
O incidente de oposição à penhora cuida da penhorabilidade objetiva. Pelos restantes meios reage-se contra a impenhorabilidade subjetiva.”

Quanto ao primeiro meio de reacção à penhora, integra-se no respectivo âmbito o art.º 764º, n.º 3 do CPC, o qual dispõe:
3 - Presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder, mas, feita a penhora, a presunção pode ser ilidida perante o juiz, quer pelo executado ou por alguém em seu nome, quer por terceiro, mediante prova documental inequívoca do direito de terceiro sobre eles, sem prejuízo da faculdade de dedução de embargos de terceiro.

De notar que este normativo integra a subsecção relativa à penhora de móveis e é específico da penhora de bens dessa natureza, como decorre do segmento inicial da norma ao referir “[p]resume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder…”, em consonância com o disposto no n.º 2 do art.º 1252º do CC – “Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto…” – e 1ª parte do n.º 1 do art.º 1268º do CC – “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito…”

Por outro lado, constitui requisito essencial do requerimento da ilisão da presunção a invocação de que o bem pertence a terceiro.

Mas como refere o citado autor (ob. cit. pág. 317), a oposição à penhora por simples requerimento é hipotizável em outros casos, indicando, mais adiante (pág. 319), como critério geral “[…]a falta de outro meio de impugnação da penhorabilidade do bem apreendido ou a apreender”.

Quanto ao segundo meio de reacção, dispõe o art.º 784º do CPC:
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 - Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.

Não releva analisar aprofundadamente a norma. Requisito essencial à dedução do incidente de oposição à penhora é que estejam em causa bens do executado.

E por isso as três alíneas do n.º 1 devem ser lidas nos seguintes termos (cfr. Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 320):
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens [do executado] concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens [do executado] que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens [do executado] que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.

Se assim não suceder, isto é, se não estiverem penhorados bens do executado, não tem cabimento o referido incidente.

4.2. Em concreto

Resulta das incidências fácticas relevantes que, tendo sido penhorado o direito e acção, na quota ideal de 3/24, que a executada BB detém na herança aberta e indivisa por óbito de CC, vieram os executados apresentar requerimento denominado “oposição à penhora” e ao abrigo dos normativos a ela respeitantes, em que invocam que a executada BB repudiou aquela herança por escritura pública, que juntam, não se encontrando tal direito na sua esfera jurídica.

Face ao que ficou referido, o meio processual adequado para os executados invocarem o referido repúdio não era a oposição à penhora, já que, como se observa na decisão recorrida e se acompanha, falha o requisito essencial da mesma: a invocação de que tinha sido penhorado um bem dos executados.

Também face ao que ficou referido, o meio processual adequado era o simples requerimento (vd. situação similar objecto do Ac. desta RG de 06/02/2025, processo 82/14.8T8MGD-B.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que também foi adjunta a aqui 1ª adjunta), já que os executados (e são eles que aqui estão em causa) não dispunham de outro meio de impugnação da penhorabilidade do direito em causa.

4.3. Do erro na qualificação no meio processual
Dispõe o n.º 3 do art.º 193º do CPC:
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.

Explicando este normativo referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, Volume 1º, 3ª edição, pág. 377:
“Autor e réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de actuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos). O n.º 3 cuida do erro da parte na utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo – subentende-se- se adeque ao meio que devia ter utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último”.

4.4. Em concreto
Acompanhando o entendimento referido no ponto anterior, há que concluir que tendo os executados apresentado uma “oposição à penhora” em vez de um simples requerimento, há um erro no meio processual utilizado, o qual devia ter sido corrigido oficiosamente pela Sra. Juiz a quo, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 193º do CPC, o que não sucedeu.

A questão da referida correção é suscitada no recurso.
A exequente, notificada, não contra-alegou.

Face ao exposto e ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 193º do CPC é de convolar a “oposição à penhora” apresentada pelos executados em simples requerimento de reacção à penhora do direito referido.

Não há que ordenar o seguimento dos termos processuais adequados – e que seria a notificação da exequente para se pronunciar -, porquanto os mesmos já foram cumpridos.

4.5. Do repúdio da herança
Resta então apreciar a questão de saber se a penhora do referido direito deve ser levantada.

Como decorre do art.º 781.º, n.º 1, do CPC, a penhora pode ter por objeto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo.

Há que conjugar este normativo com o disposto no art.º 743º n.º 1 do CPC, o qual dispõe que sem «prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 781º, na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso.”

Nos casos referidos a penhora só pode recair sobre a quota do contitular (por ex: a penhora só pode incidir sobre a quota do comproprietário na coisa comum, sobre a meação nos bens comuns ou sobre a quota do herdeiro na herança indivisa – cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in Manual de Processo Civil, II, AAFDL Editora, pág. 773).

Assim, o direito a herança por partilhar (o direito e acção a uma quota parte de herança indivisa, património autónomo), não se encontrando fora do comércio, por sua natureza ou por disposição da lei, é um bem com valor económico e negociável; e pode, assim, ser objecto de penhora.

Mas o sucessível pode ter repudiado a herança.

Com efeito, dispõe o art.º 2051.º do CC, que, sendo “vários os sucessíveis, pode a herança ser aceita por algum ou alguns deles e repudiada pelos restantes”.

E dispõe o art.º 1683.º, n.º 2, do CC, que o “repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o consentimento de ambos os cônjuges, a menos que vigore o regime de separação de bens”.

Quanto aos efeitos do repúdio dispõe o art.º 2062.º do CC que os “efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação”.

Explicitando este normativo, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, VI, págs. 104-106, que “o artigo 2062º indica os efeitos próprios do repúdio, considerando o sucessível que repudia a herança como se não tivesse sido chamado e fazendo retroagir esta aniquilação da vocação ao preciso momento da abertura da sucessão.
(…)
A retroactividade do repúdio da herança, tal como este artigo 2062º a define, abrangendo na destruição por ele provocada o próprio chamamento do sucessível, torna-se logicamente necessária para possibilitar a retroactividade da aceitação daquele que é chamado após o repúdio do primeiro sucessível chamado (art.º 2050º, n.º 2).
(…)
Atenda-se, no entanto, à rigorosa expressão da lei.
O artigo 2062º não afirma que o sucessível repudiante não foi chamado à herança.
Muito pelo contrário.
Para poder repudiar o chamamento à herança é logicamente indispensável que o repudiante tenha sido anteriormente chamado.
O que a lei prescreve é que, quando o sucessível chamado repudia a herança, a destruição retractiva de efeitos operada pelo repúdio faz com que tudo se passe como se o sucessível não tivesse sido chamado – e chamados passassem a ser, como se o fossem ab initio, aqueles que a lei teria chamado, no caso de o repudiante não ter chegado a existir.
(…)
Quando o repúdio parta (…) de sucessível cujos descendentes gozem de direito de representação, tudo se passa de modo diferente: o repudiante tem-se por chamado, mas destruiu os efeitos do chamamento a seu favor com o acto do repúdio e deu, ao mesmo tempo e com o mesmo acto, lugar ao chamamento autónomo dos seus descendentes que, por direito próprio, são chamados a suceder no lugar que ocuparia o seu ascendente, se não tivesse repudiado.”

De notar que, como dispõe o art.º 2066º do CC, o repúdio é irrevogável, ou seja, não é possível que através de um novo acto unilateral do repudiante, sejam desfeitos os respectivos efeitos.

Quanto à forma a que deve obedecer o repúdio da herança, dispõe o art.º 2063.º do CC que o mesmo “está sujeito à forma exigida para a alienação da herança”.

Somos, então, remetidos para o art.º 2126.º, do CC, onde se lê que, sem “prejuízo do disposto em lei especial, a alienação de herança ou de quinhão hereditário é feita por escritura pública ou por documento particular autenticado se existirem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas formas” (n.º 1); e, “fora “dos casos previstos no número anterior, a alienação deve constar de documento particular” (n.º 2).

4.6. Em concreto
Feito este excurso, verifica-se que com o seu requerimento os executados juntaram certidão passada pela Exmª Notária, DD, da escritura lavrada de folhas ... verso do livro de notas para escrituras diversas número ... e ... – E, do cartório daquela, sito em ..., escritura lavrada a 23 de Fevereiro de 2021, perante Exmª Notária, DD onde consta que compareceram como outorgantes BB e AA, casado com a primeira, tendo a mesma declarado que repudia a herança aberta por óbito de seu pai  CC, falecido a ../../2017 e pelo segundo outorgante foi dito que presta o consentimento para a prática do acto.

Na referida escritura ficou ainda consignado que a declarante tinha descendentes devidamente identificadas.
                                                                    
Está assim devidamente demonstrado, mediante prova inequívoca, o repúdio da executada BB da herança aberta e indivisa por óbito de CC, repúdio esse que teve o consentimento do cônjuge, o também executado AA, foi formalizado por escritura pública e, acima de tudo, teve lugar em data muito anterior à penhora da referida quota ideal – a penhora é de 28/03/2024.

Quanto aos efeitos do referido repúdio, constando da escritura que a repudiante tem duas descendentes que, como ficou explicado através das palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, as mesmas gozam de direito de representação, a executada/repudiante tem-se por chamada, mas destruiu os efeitos do chamamento a seu favor com o acto do repúdio e deu, ao mesmo tempo e com o mesmo acto, lugar ao chamamento autónomo das suas descendentes que, por direito próprio, são chamadas a suceder no lugar que ocuparia a executada, se não tivesse repudiado.

Tendo os efeitos do chamamento sido “destruídos” pelo repúdio e havendo lugar ao chamamento, autónomo e por direito próprio, das suas descendentes, a conclusão que se impõe é que a executada não é desde 2021 titular do referido direito, pelo que, à luz do disposto no art.º 735º do CPC, o mesmo não era penhorável, impondo-se, assim, o levantamento da penhora de que foi objecto pelo Auto de penhora de 28/03/2024.

E sendo assim a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada e substituída por outra que ordena o levantamento da penhora sobre “o direito e acção, na quota ideal de 3/24, que a executada BB detém na herança aberta e indivisa por óbito de CC.”

4.7. Custas
Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que:
1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Os recorrentes obtiveram vencimento no recurso.
A exequente não contra-alegou, pelo que a mesma não é vencida na apelação.
Destarte os executados são responsáveis pelas custas da apelação por si interposta à luz do critério do proveito.

5. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida que substituem por outra que ordena o levantamento da penhora sobre “o direito e acção, na quota ideal de 3/24, que a executada BB detém na herança aberta e indivisa por óbito de CC.”


Custas da apelação pelos recorrentes.

Notifique-se.
*
Guimarães, 10/07/2025
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Rosália Cunha
Susana Raquel Sousa Pereira