Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOAQUIM BOAVIDA | ||
| Descritores: | EMPREITADA SUBEMPREITADA RESOLUÇÃO PELO DONO DA OBRA DIREITO DE RETENÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1 – A subempreitada é um contrato derivado e dependente da empreitada, cujas vicissitudes se refletem naquela. 2 – A resolução declarada pelo dono da obra opera a extinção do contrato de empreitada e, consequentemente, da obrigação do empreiteiro realizar a sua prestação. Esse facto causa a impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato de subempreitada. 3 – Verificando-se a ausência de culpa das partes na impossibilidade de cumprimento da prestação, a obrigação extingue-se, mas, no caso específico da subempreitada, se já tiver ocorrido o começo de execução, o subempreiteiro tem o direito de ser indemnizado, pelo empreiteiro, do trabalho executado e das despesas realizadas. 4 – Se a impossibilidade de execução da obra pelo subempreiteiro resultar de culpa do empreiteiro, a consequência já não será a extinção da obrigação de pagar o preço correspondente aos trabalhos que não chegaram a ser executados, pois, de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 795º, do CCiv, o empreiteiro não fica desobrigado da contraprestação, embora se deva descontar nesta o valor do benefício que o subempreiteiro tiver retirado da desoneração. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1.1. EMP01... – Unipessoal, Lda., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP02..., Lda., pedindo que a Ré seja condenada a pagar à Autora a quantia de € 76.419,26, acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Para o efeito, alegou que no contexto de um contrato de empreitada celebrado com a EMP03..., Unipessoal, Lda., que era a dona da obra, subcontratou com a Ré a execução dos trabalhos de carpintaria, em regime de subempreitada, pelo valor global de € 260.000,00. Verificada a impossibilidade de continuação da empreitada para qual a Autora tinha sido contratada, decorrente da resolução unilateral do contrato de empreitada, a Ré não pôde continuar os serviços subcontratados de carpintaria, tendo sido depois diretamente contratada pela dona da obra. Conclui que feitas as contas aos autos de medição e trabalhos extra (que ascenderam a € 175.267,00) e pagamentos efetuados (€ 251.686,26), a Ré terá recebido a mais a quantia de € 76.419,26, que deve ser restituída. * A Ré apresentou contestação, onde pugna pela sua absolvição do pedido, alegando essencialmente que as contas da Autora estão erradas, uma vez que na sua conta-corrente, na coluna a débito, encontram-se mencionadas faturas, umas pagas outras não, valores de obra extra e notas de crédito, assim chegando ao valor que indica como tendo liquidado, mas que a Ré jamais recebeu, quando, ao invés, é esta que tem a receber da Autora a quantia de € 10.352,50, considerando que forneceu obra no valor de € 195.074,51 (172.574,51 + 22.500,00) e que recebeu da Autora € 184.721,76.Deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Reconvinda a pagar à Reconvinte a quantia de € 10.352,75, acrescida de juros de mora contados desde a notificação do pedido reconvencional, e que «[d]evem julgar-se provados os factos alegados a título de danos provocados à Ré, cujo valor de ressarcimento apenas será contabilizado em fase de execução de sentença», referentes a materiais já executados e que esperavam colocação na obra (no caso da dona da obra não os assumir) e ainda responsabilidade por danos futuros nos materiais provocados por má construção e por o prédio não se encontrar devidamente fechado e isolado das chuvas. Alega ainda que durante a vigência da subempreitada, a Ré teve de proceder a alterações e reparações nas mobílias e carpintaria, por alteração do projeto ou por já estarem deteriorados ou por ter sido pedido pelos eletricistas. * A Reconvinda apresentou réplica, na qual reduziu o pedido para € 37.012,76, alegando existir lapso no extrato de conta apresentado, uma vez que havia uma fatura que tinha sido considerada como nota de crédito e outra que ainda não tinha sido introduzida, ascendendo os serviços prestados a € 187.198,50 e o montante recebido a € 224.211,26.* 1.2. Depois da audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.Realizada a audiência de julgamento, prolatou-se sentença, cujo dispositivo se transcreve: «Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré EMP02..., LDA. A restituir à Autora EMP01... - UNIPESSOAL, LDA. a quantia de 30.620,76 € (trinta mil, seiscentos e vinte euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios desde a citação até efetivo e integral pagamento, às taxas comercias legalmente e supletivamente estabelecidas. Julgo improcedente, por não provada, a reconvenção e, em consequência, absolvo a Reconvinda do pedido reconvencional.» * 1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, aduzindo as seguintes conclusões:«1. A sentença interpretou de forma errada as normas que se aplicam à situação de uma resolução da empreitada e das suas consequências sobre a subempreitada, nomeadamente os arts.º 1227º, 790º, 795º do CC. 2. O tribunal não pode, muito menos através desta interpretação e aplicação da lei, condenar a Ré a devolver uma quantia que recebeu a título de adjudicação da obra, quando esta não deu causa à resolução da empreitada. 3. A Ré tem mesmo um direito de retenção sobre essa verba, até que se esclareça quem deu causa à resolução da empreitada. 4. E, além disso, e como se acabou por verificar no decurso dos autos, a Ré tem créditos sobre a Autora. 5. É errado, como se fez na sentença recorrida, condenar a subempreiteira por força de uma resolução da empreitada, cujas causas se desconhecem, e em que o empreiteiro pode não estar isento de culpas. 6. Só com o apuramento das responsabilidades quer da dona da obra quer do empreiteiro na resolução da empreitada, se poderá interpretar e aplicar deviamente o disposto nos arts. 1227º, 790º e 795º do CC. 7. A sentença recorrida precipitou-se, e fez uma errada interpretação destas normas, uma vez que, para todas elas está subjacente um pressuposto fundamental que o tribunal não conhece, que é a eventual responsabilidade dos contratantes da empreitada na sua resolução. 8. A única certeza que o tribunal tem, mas ignorou, é a de que a resolução da empreitada nada teve a ver com qualquer ação ou omissão da Ré. 9. O tribunal não pode fazer a leitura que fez do art. 795º do CC aplicando-o apenas ao empreiteiro, pois esta norma também se aplica ao subempreiteiro. 10. Na data da resolução da empreitada, a Ré já tinha mercadoria pronta para entrega e colocação, bem como material (madeira) em armazém, cujos custos o empreiteiro não lhe pagou. 11. Além disso, o tribunal não pode ignorar que, ao contratar a subempreitada, a Ré comprometeu-se com os termos deste negócio, nomeadamente com a aquisição do material necessário, bem como a disponibilização de todo o seu staff para o cumprimento do prazo fixado. 12. Ao ser surpreendida com a resolução da empreitada, e com a recusa da Autora em pagar o que já estava executado e o material armazenado nessa data, a Ré teve de arcar com esse prejuízo, sem que a sentença ora recorrida se tivesse pronunciado sobre isso, nomeadamente por efeito da aplicação das normas do CC citadas supra, também aplicáveis à subempreitada. 13. Além disso, ao celebrar a subempreitada a Ré com o fim da empreitada, como se disse supra, disponibilizou os seus funcionários para todo o tempo do prazo da obra, ficando impedida de aceitar outros trabalhos para o mesmo período, o que se veio a revelar um prejuízo económico. 14. Mais, apanhada no meio da disputa entre os contratantes da empreitada, que discutiam qual deles era o responsável pelo fim desse contrato, a Ré viu aquelas duas partes a esquivarem-se ao pagamento da obra que já estava faturada, mas recusada pela Autora, bem como ao pagamento da obra pronta para entrega e colocação juntamente com o material adquirido e guardado em armazém. 15. Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, a dona da obra não aceitou pagar à Ré os valores em atraso, da responsabilidade do empreiteiro, nem o valor da obra pronta para colocação e do material armazenado. 16. Tal como consta dos autos, nomeadamente dos depoimentos prestado em audiência, o empreiteiro tinha prometido à Ré que faria esses pagamentos, mas depois não cumpriu, o que coincidiu com o momento da resolução da empreitada, que este certamente já previra como certa. 17. A este propósito, é de crer que o empreiteiro, no auge da discórdia com a dona da obra, se tenha apercebido de que a corda iria roer para um dos lados, provavelmente para o seu, pois só isso pode explicar a troca de e-mails entre este e a Ré, constante dos e-mails juntos como documentos 1, 2 e 3 da contestação 18. No documento 1, um e-mail de 07 de junho de 2023, a Ré questiona a Autora, na pessoa da Engª AA, porque deparou com a obra encerrada. 19. O documento 2, um e-mail enviado no dia 27 de junho de 2025 pela Autora à Ré, no que parece ser uma resposta ao e-mail do documento 1, e passados 20 dias, informando que não pode assegurar a continuidade das obras. 20. O documento 3, um e-mail da Ré, em resposta ao e-mail anterior da Autora, em que já demonstra a preocupação pelo que aí vinha, junta os autos 10, 11, 12 e 13, e pede à Engª AA para “por favor” lhe ligar. 21. Ora, os autos 12 e 13 correspondem aos que a Autora não aceitou nem pagou. 22. Sabendo-se que a dona da obra só rescindiu o contrato de empreitada no dia 14/06/2023 – conforme o seu depoimento a minutos 00:00 a 06:40 – dizem-nos as regras da experiência e senso comum, que a Autora, aquando das comunicações que a Ré lhe enviou, já se tinha apercebido de que a dona da obra ia rescindir unilateralmente o contrato de empreitada, e por isso optou por não lhe responder nem garantir o que já anteriormente tinha prometido, ou seja, o pagamento do valor já faturado (10.352,75 €,) e o valor dos autos 12 e 13 que não viria a aceitar (24.956,00 €). 23. As regras da experiência e senso comum apontam no sentido de que o facto constante do ponto 9º da matéria dada como provada não permite que se venha a considerar como não provado que “- em virtude da humidade existente no prédio, tiveram que ser substituídos roupeiros e mobiliário de cozinha;”, 24. Estas mesmas regras indicam claramente que a comunicação da Autora, citada naquele ponto 9º da matéria provada, surge na sequência da preocupação da Ré, manifestada junto daquela, de que o algumas zonas do prédio tinham humidade, solicitando-lhe que assumisse a responsabilidade sobre futuros danos na madeira a aplicar naquelas condições. 25. A Sra. Engª AA, responsável da Autora, admitiu que no momento da resolução da empreitada havia nas instalações da Ré material já pronto a colocar em obra e outro em execução, o que acabou por confirmar quando referiu que esteve presente numa reunião no dia 10/01/2023 nas instalações da Ré - cfr. seu depoimento a minutos 19:00 a 20:03. 26. A propósito do encerramento da obra, e por quem, o representante da dona da obra foi perentório ao afirmar que a obra tinha sido fechada pela Autora no dia 07/06/2023 e que no dia anterior havia recebido um email desta dando-lhe conhecimento de que iria parar os trabalhos. 27. Mais referiu que depois disso, no dia 14/06/2023 rescindiu a empreitada por carta, esperando ter conhecimento da receção da mesma pela Autora, para então tentar entrar na obra, e mais explicou que não tinha a chave porque isso é usual quando se contrata uma empreitada “chave na mão”, tendo então, com ajuda de outra pessoa, estroncado a porta e é mudado a fechadura, julga que dois dias após o dia 14/06/2023 - cfr. seu depoimento a minutos 00:00 a 06:40. 28. Voltando ao depoimento da gerente da Ré, BB, - horas 10:18 a 11:16 - importa esclarecer o que foi dito a propósito dos materiais que a Ré já tinha prontos em armazém na altura da resolução da empreitada. 29. Quanto à continuidade da obra após a resolução da empreitada, a gerente da Ré, BB, confirmou que a Ré levou esses materiais para a obra depois de, por volta do dia 03 de julho de 2023, ter acertado com o dono da obra a sua continuidade na mesma. 30. Mais disse que “entrámos em obra no início de julho começando a levar estes materiais para lá, e emitimos os autos 12 e 13 porque o Eng. CC tinha dito que ia assumir esses autos, verbalmente, mas depois o Eng. CC desdisse o que tinha dito, e disse que não ia assumir coisa nenhuma …. No dia 19 de junho, quando tivemos uma reunião com o Eng. CC na nossa fábrica, para lhe mostrar que essa mercadoria estava produzida e outra estava em produção porque nos tínhamos comprometido a acabar a obra dentro de um mês, mais coisa menos coisa e ele, perante mim e o meu sócio, na altura, DD, que vai estar aqui presente, disse-nos que ia assumir tudo até aquela data, nem que tivesse que pegar nas coisas e levá-las para outro armazém, foram estas as suas palavras”. 31. O mandatário da Autora questionou a depoente BB se não considerava contraditória a atitude de retomar a obra agora com o dono da mesma, quando o Eng.º CC tinha dito que não ia assumir mais nada? Em resposta a gerente da Ré disse não ser contraditório porque “ele no dia 27 de junho disse que não ia assumir mais nada, e se não assumia mais nada nós não íamos ficar com o material no armazém. Após o Eng.º CC ter dito que não assumia mais nada e não ia dar mais continuidade à obra, não tomamos qualquer decisão até saber o que a EMP01... ia fazer … depois, mais tarde, viemos a saber pelo Dr. EE que aqueles autos já tinham sido pagos por ele à EMP01... … nós faturamos esse material à EMP03..., que assumiu a faturação, mas não assumiu o pagamento.” 32. E acrescentou que a faturação “não está paga porque a EMP03... disse que já tinha pago à EMP01... … depois teve acesso a um auto, o nº 18, da EMP01... para a EMP03..., em que esta recusou o pagamento de alguns materiais de carpintaria porque achou que já estavam pagos”. 33. Por fim, a gerente da Ré ainda disse que a quantia por si reclamada na reconvenção nunca foi paga pela Autora, que não aceitou os autos a ela referentes. 34. Ou seja, o que daqui se pode, e deve, concluir, mas a sentença não o alcançou, é que aquele valor reclamado pela Ré em sede reconvenção (10.352,75€) não foi recebido pela Ré, nem da Autora nem da dona da obra, 35. Mas a obrigação de fazer esse pagamento recaía sobre a Autora, que como se viu, inicialmente assumiu que o faria, vindo posteriormente a voltar atrás. 36. A prova documental e testemunhal foi incorretamente interpretada pelo tribunal, e caso tivesse sido apreciada da forma devida, a decisão teria de ser necessariamente outra, ou seja, favorável à Ré. 37. Nesse caso, ou seja, de o tribunal ter feito uma correta interpretação da prova testemunhal e documental, deveria ter sido dado como provado que: 38. A Ré forneceu obra no valor de 195.074,51 €, aqui incluindo por conta da subempreitada e por trabalhos extra, ou seja, 172.574,51 + 22.500,00 €; 39. A Ré recebeu da Autora o valor de 184.721,76 €; 40. Existe uma diferença, em favor da Ré, no valor de 10.352,75 €; 41. É isso que resulta dos documentos nºs 44 e 45 da contestação. 42. Dos mesmos documentos resulta ainda que a Autora rejeitou à Ré o Auto nº 12 no valor de 23.756,00 €. 43. E rejeitou o Auto nº 13 no valor de 840,00 €, como resulta do documento 46 da contestação. 44. Estas rejeições, no valor de 24.956,00 €, ocorreram na altura da resolução do contrato de empreitada entre a Autora e a dona da obra, quando a Ré tinha a mercadoria pronta em fábrica, faltando apenas a sua colocação em obra, o que iria acontecer em breve, caso não tivesse ocorrido a resolução da empreitada. 45. A Autora não apresentou qualquer justificação para esta recusa. 46. A dona da obra, não se mostrou disponível para assumir esses autos junto da Ré. 47. A Ré tem um crédito sobre a Autora no valor desses dois autos (24.956,00 €), 48. E ainda um crédito no valor de 10.352,75 €, conforme alegado, por se tratar de obra já faturada antes da resolução da empreitada. TERMOS EM QUE, - Devem V. Exas revogar a decisão recorrida, por manifesta interpretação errada das normas do CC referentes à empreitada, decidindo no sentido de que a Ré tem um direito de retenção sobre a verba reclamada pela Autora, até que uma sentença judicial esclareça quem é responsável pela resolução da empreitada, Autora ou dono da obra. - Caso assim se não entenda, o que não se concede, devem V. Exas revogar a decisão recorrida por força de uma evidente má interpretação da prova testemunhal e documental, substituindo-a por uma outra decisão que absolva a Ré do pedido e condene a Autora no pagamento à Ré de, pelo menos, a quantia de 10.352,75 €, sendo certo que se apurou ainda o montante de 24.956,00 €, devido pela Autora à Ré». * A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.O recurso foi admitido. * 1.4. Questões a decidirAtenta as conclusões do recurso, as quais delimitam o respetivo objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, mostram-se suscitadas as seguintes questões: i) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto – conclusões 23 e 37 a 41, 42 e 43; ii) Consequências geradas no contrato de subempreitada pela resolução do contrato de empreitada – conclusões 1, 2 e 5 a 9; iii) Se a Ré tem créditos sobre a Autora, designadamente a título de compensação da subempreiteira pelo trabalho já executado e despesas realizadas – conclusões 4, 10 a 22, 24 a 36 e 44 a 48; iv) Se a Ré tem direito de retenção sobre a quantia que recebeu a título de adjudicação da obra até que se esclareça quem deu causa à resolução da empreitada – conclusões 2 e 3. *** II – Fundamentos 2.1. Fundamentação de facto 2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «1.º No exercício das respetivas atividades comerciais, a Autora celebrou com a EMP03..., Unipessoal, Lda., além do mais, contrato para realização de acabamentos de um prédio em .... 2.º No decurso da referida obra, a Autora subcontratou com a Ré a execução dos trabalhos de carpintaria, que incluíam a execução das portas interiores de correr, batente e pivotantes, armários roupeiros, armários de arrumos, cozinhas, portadas para zonas técnicas, móveis de casa de banho e bancadas .... 3.º O preço acordado ascendia ao valor de 260.000,00 €, a ser pago da seguinte forma: - 35% com a adjudicação da subempreitada (correspondendo às faturas ...12, ...65, ...96 e ...23 de 91.000,00 €, liquidadas pela Autora); - 65% ao longo da execução da obra, mediante emissão de autos de medição pela Ré até ao dia 25 de cada mês que, depois de aprovados pela fiscalização da obra, deveriam ser pagos pela Autora até ao dia 10 do mês seguinte. 4.º Na sequência de pedido da dona da obra, a Autora contratou com a Ré trabalhos extras, aplicados na obra: a. Fornecimentos e aplicação de rodapés, no montante de 13.800,00€, constantes da fatura ...76, de 17/11/2022; b. Fornecimento e aplicação de soalhos (desistindo-se do restante orçamentado), no montante de 1.433,50 €, constante da fatura ...77, de 17/11/2022; c. Execução dos armários do WC da fração adquirida pela D. FF, no montante de 1.741,50 €, constante das faturas emitidas com os números ...53, de 13/03/2023, e 1/... de 26/06/2023, tendo sido liquidada a primeira de 870,75 €. Foram ainda aí executados outros serviços constantes da fatura ...03, no montante de 840 €, não pagos. 5.º O valor referente à aplicação de rodapés e soalho foi pago na totalidade pela Autora. 6.º Foi ainda pago pela Autora o montante de 4.930 €, referente ao fornecimento e montagem de calhas (extra orçamento), faturas de setembro de 2022, n.º ...37 e ...42. 7.º Dos serviços orçamentados, a Ré executou os seguintes trabalhos, aprovados pela fiscalização: - auto de medição n.º 1: 25.500 €, roupeiros; - auto de medição n.º 2: 28.500 €, roupeiros e mobiliário de cozinha; - auto de medição n.º 3: 15.015 €, roupeiros e cozinha do piso 5; - auto de medição n.º 4: 4.645 €, apartamentos T4; - auto de medição n.º 5: 27.760 €, mobiliário de cozinha e WC; - auto de medição n.º 6: 15.553,00 €, apartamentos T4; - auto de medição n.º 7: 26.159,00 €, portas, armários e tampos; - auto de medição n.º 9: 15.715,00 €, portas e frentes de portas. 8.º As faturas emitidas na sequência dos referidos autos, com exceção da primeira, foram sujeitas a um desconto percentual, que seria imputado no valor da adjudicação, tendo sido liquidados os seguintes valores pela Autora: - fatura ...52 (auto de medição n.º 1): 25.500,00 €; - fatura ...68 (auto de medição n.º 2): 18.525,01 €; - fatura ...07 (auto de medição n.º 3): 9.760,00 €; - fatura ...24 (auto de medição n.º 4): 3.020 €; - fatura ...43 (auto de medição n.º 5): 18.044 €; - fatura ...71 (auto de medição n.º 6): 10.110,00 €; - fatura ...82 (auto de medição n.º 7): 17.003,00 €; - fatura ...08 (auto de medição n.º 9): 10.215,00 €. 9.º No decurso da obra, foi suscitada a preocupação com a aplicação de madeiras em zonas do prédio com humidade, pedindo a Ré que a Autora assumisse a responsabilidade sobre futuros danos decorrentes da humidade na madeira aí aplicada, tendo a Autora emitido uma declaração a 18 de janeiro de 2023, dando orientações para a Ré iniciar os trabalhos nos apartamentos centrais. 10.º A Ré teve que cortar parte da mobília da cozinha dos apartamentos T4 já fabricada, por alteração no modelo da caldeira prevista, em moldes não concretamente provados. 11.º A dona da obra resolveu o contrato de empreitada que celebrou com a Autora, por carta datada de 14 de junho de 2023, da qual a Ré foi informada por email datado de 27 de junho, sendo que já não tinham acesso à obra desde 7 de junho. 12.º A Ré no mesmo dia 27 de junho remeteu para a Autora ainda as seguintes propostas de autos de medição: a. n.º 10 A, datado de 27/06/2023, no total de 12.379,50 €, aceite pela Autora, como auto de medição 10, no montante de 11.853,50 €, não pago (correspondente à fatura n.º ...34, no valor de 8.047,00€); b. n.º 11, datado de 03/07/2023, correspondente a extras, no valor de 595 €, aceite pela Autora quanto a calhas, no montante de 145 €, não pago (correspondente a fatura n.º ...35, no valor de 595 €); c. autos de medição n.º 12 e n.º 13, datados de 27/06/2023, correspondem a material produzido e não aplicado, nos montantes, respetivamente de 23.756,00 € e 840 €, não aceites pela Autora por não fiscalizados. 13.º A dona da obra reuniu com a Ré e convidou-a a continuar os trabalhos sob a sua égide, o que a Ré aceitou.» * 2.1.2. Factos não provadosO Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos: «- apenas foi aceite pela Autora 50% da obra dos rodapés aplicados, por não estarem nas condições acordadas; - em virtude da humidade existente no prédio, tiveram que ser substituídos roupeiros e mobiliário de cozinha; - a Ré teve de desmontar várias cozinhas porque a nova equipa de eletricistas assim o ordenou, por precisarem de proceder a reparações e várias caixas de conexão, tomadas e interrutores estavam tapados pelos móveis; - a Ré informou a Autora dos danos e prejuízos existentes no decurso da obra.» ** 2.2. Do objeto do recurso2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto Segundo especifica na conclusão nº 23 das suas alegações, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que concerne ao segundo ponto dos factos não provados. Nas conclusões nºs 37 a 40, a Recorrente sustenta ainda que «deveria ter sido dado como provado que: «38. A Ré forneceu obra no valor de 195.074,51 €, aqui incluindo por conta da subempreitada e por trabalhos extra, ou seja, 172.574,51 + 22.500,00 €; 39. A Ré recebeu da Autora o valor de 184.721,76 €; 40. Existe uma diferença, em favor da Ré, no valor de 10.352,75 €». Finalmente, nas conclusões 42 e 43 alega que: «42. Dos mesmos documentos resulta ainda que a Autora rejeitou à Ré o Auto nº 12 no valor de 23.756,00 €. 43. E rejeitou o Auto nº 13 no valor de 840,00 €, como resulta do documento 46 da contestação.» Não se mostra especificado nas conclusões do recurso, ou sequer na sua motivação, qualquer outro ponto de facto que a Recorrente considere incorretamente julgado (art. 640º, nº 1, al. a), do CPC). Com vista a poder apreciar a aludida impugnação, procedemos à audição integral da gravação da audiência final e à análise de tudo quanto consta do processo, em especial os documentos. Na apreciação dos fundamentos do recurso, relativamente aos pontos de facto objeto da impugnação, seguiremos a sistematização da Recorrente, ou seja, a ordem pela qual expõe os seus argumentos nas alegações. * 2.2.1.1. Segundo Ponto dos factos não provadosNa sentença considerou-se não provado que «em virtude da humidade existente no prédio, tiveram que ser substituídos roupeiros e mobiliário de cozinha». A Recorrente sustenta que «As regras da experiência e senso comum apontam no sentido de que o facto constante do ponto 9º da matéria dada como provada não permite que se venha a considerar como não provado que “- em virtude da humidade existente no prédio, tiveram que ser substituídos roupeiros e mobiliário de cozinha;”». Quanto ao resultado da impugnação, a Recorrente não o indica expressamente, mas presume-se que pretenda que esse facto seja dado como provado. Revista a prova produzida sobre esta questão factual, em especial as fotografias juntas com a contestação como documentos 47 a 53, o depoimento e declarações de parte da legal representante da Ré (BB – minutos 43:30 a 47:30 e 47:31 a 48:30) e os depoimentos das testemunhas AA (engenheira civil que exerceu as funções de diretora de obra durante a execução dos trabalhos aqui em causa, enquanto funcionária da Autora – 15:50 a 22:03), GG (funcionário da Ré que trabalhou na obra) e HH (filho da legal representante da Ré e que também trabalhou na obra), não se deteta qualquer erro de julgamento. Em primeiro lugar, as fotografias demonstram a existência de humidade no prédio antes da aplicação das madeiras, mas não que a humidade produziu danos em madeira e que foi necessário substituir roupeiros e mobiliário de cozinha. Na altura em que foram tiradas as fotografias ainda não havia madeira aplicada. Em segundo lugar, a representante legal da Ré apenas aludiu à existência de humidade em partes do prédio e que informaram a Autora para esta tomar uma posição. Disse que fizeram reparações, mas em momento algum concretizou o que foi reparado ou substituído. É, por isso, um depoimento genérico e que não permitiu ao Tribunal adquirir qualquer convicção segura sobre a substituição de «roupeiros e mobiliário de cozinha». Em terceiro lugar, a testemunha AA afirmou que, em consequência do alerta da Ré, a situação da humidade foi resolvida e a Ré avançou com a execução dos trabalhos (v. gravação a partir do minuto 22:00). Em quarto lugar, a sentença fundamenta suficientemente a decisão sobre este ponto impugnado nos seguintes parágrafos da motivação: «Também sem qualquer prova documental, nem reclamação, surgem as alterações alegadamente efetuadas, por humidades e falhas nas marcações da eletricidade, já depois do fim das relações entre Autora e Ré. A alteração de madeiras – rodapés e móveis de cozinha – ainda aquando da Autora na obra, referidas pelo trabalhador da Ré GG, não foram confirmadas pela diretora de obra da Ré, tendo o outro trabalhador da Ré HH referido que colocaram uma cozinha, que depois de resolvido o problema, foi recolocada e afastou problemas no lacado com a humidade.» Pelo exposto, improcede a impugnação quanto a esta questão factual. * 2.2.1.2. Pontos de facto indicados nas conclusões 38 a 40Nas conclusões nºs 37 a 40, a Recorrente sustenta ainda que «deveria ter sido dado como provado que: «38. A Ré forneceu obra no valor de 195.074,51 €, aqui incluindo por conta da subempreitada e por trabalhos extra, ou seja, 172.574,51 + 22.500,00 €; 39. A Ré recebeu da Autora o valor de 184.721,76 €; 40. Existe uma diferença, em favor da Ré, no valor de 10.352,75 €». No fundo, a Recorrente pretende que se deem como provadas as conclusões que entende deverem ser extraídas da globalidade da ação. Isso é bem nítido na conclusão nº 40, onde se pede que se dê como provado que «existe uma diferença, em favor da Ré, no valor de 10.352,75 €», deduzindo a 195.074,51 (conclusão 38) o valor de 184.721,76 (conclusão 39). Trata-se de um facto-conclusão, correspondente a uma das soluções jurídicas da causa, que assentaria como uma luva na reapreciação de direito, dispensando esta no que respeita ao reconhecimento do crédito objeto da reconvenção. Sucede que sobre os trabalhos executados pela Ré e respetivos valores, montantes pagos pela Autora e correspondentes recebimentos pela Ré, versam um conjunto alargado de factos constantes da factualidade julgada provada. Em nenhuma das conclusões das alegações a Recorrente indica quais desses factos considera incorretamente julgados, tal como exige o artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC. Também não se mostra alegada a necessidade de a matéria de facto ser complementada com outros factos e quais os fundamentos para tal ampliação. Não estando identificadas as questões de facto impugnadas, rejeita-se a impugnação, na parte em que a Recorrente pretende que se julguem provados os factos indicados nas conclusões 38, 39 e 40 das suas alegações. * 2.2.1.3. Pontos de facto indicados nas conclusões 42 e 43 Nesta parte, a Recorrente alega que «dos documentos nºs 44 e 45 da contestação (...) resulta ainda que a Autora rejeitou à Ré o Auto nº 12 no valor de 23.756,00 €» e que «rejeitou o Auto nº 13 no valor de 840,00 €, como resulta do documento 46 da contestação.» Se bem depreendemos do alegado, a Recorrente pretende que se dê como provado que a Autora rejeitou os autos nºs 12 e 13, nos valores que aponta. Não temos por inteiramente seguro o alcance do pretendido pela Recorrente com o aduzido nas conclusões 42 e 43, designadamente se consubstanciam uma impugnação da decisão da matéria de facto. Não é fácil a um tribunal de recurso perceber o que é objeto de impugnação quando não se especificam explicitamente os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a), do CPC). Daí que a lei comine tal falta de especificação com a rejeição da impugnação. Em todo o caso, quanto a estas duas questões factuais, verifica-se que sobre as mesmas o Tribunal a quo decidiu o que consta do ponto 12º-c., isto é, que «a Ré no mesmo dia 27 de junho remeteu para a Autora ainda as seguintes propostas de autos de medição: (…) c. autos de medição n.º 12 e n.º 13, datados de 27/06/2023, correspondem a material produzido e não aplicado, nos montantes, respetivamente de 23.756,00 € e 840 €, não aceites pela Autora por não fiscalizados.» Por conseguinte, a Recorrente pretende que se dê como provado o que já consta do ponto 12 da matéria de facto, sendo certo que a expressão “rejeitou” tem, no contexto da causa, o mesmo significado que “não aceites”. Além disso, na sentença explicitou-se o motivo da “não aceitação”, pelo que a decisão é mais completa do que o preconizado pela Recorrente. Finalmente, não é apontado qualquer erro ao decidido no ponto 12º-c. Termos em que improcede a impugnação sobre esta matéria. ** 2.2.2. Reapreciação de Direito 2.2.2.1. Resolução do contrato de empreitada e impossibilidade de cumprimento no âmbito do contrato de subempreitada – conclusões 1, 2 e 5 a 9 A Recorrente não põe em causa a qualificação jurídica operada na sentença, segundo a qual foi celebrado entre as partes um contrato de subempreitada, enquanto subcategoria do contrato de empreitada, regulado no artigo 1207º e segs. do Código Civil (CCiv). A empreitada é, por sua vez, uma modalidade do contrato de prestação de serviço. Na definição do artigo 1213º, nº 1, do CCiv, «subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela». Grosso modo, na subempreitada o empreiteiro assume uma posição jurídica semelhante à de dono da obra e o subempreiteiro à de empreiteiro. No âmbito do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e a dona da obra (EMP03..., Unipessoal, Lda.), aquela obrigou-se a realizar os acabamentos[1] de um prédio em .... Por sua vez, a Autora subcontratou a Ré para executar trabalhos de carpintaria no prédio (v. facto nº 2), contra o pagamento da quantia de € 260.000,00. Segundo o acordado, a Autora assumiu a obrigação de pagar à Ré 35% do preço com a adjudicação da subempreitada e os restantes 65% ao longo da execução da obra, mediante emissão de autos de medição pela Ré até ao dia 25 de cada mês, que, depois de aprovados pela fiscalização da obra, deveriam ser pagos pela Autora até ao dia 10 do mês seguinte. Na matéria de facto apurada mostram-se descritos quais os trabalhos executados e respetivos valores, sendo que a Autora, a pedido da dona da obra, ainda contratou com a Ré a execução de trabalhos extra, que viriam a ser aplicados na obra. Por força do contrato celebrado, incumbia à Ré executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios (art. 1208º do CCiv), enquanto a Autora estava vinculada ao pagamento do preço (art. 1211º do CCiv). O devedor em geral cumpre a obrigação quando, de boa-fé, realiza a prestação a que está vinculado - artigo 762º do CCiv. Consequentemente, a contrario sensu, o devedor não cumpre a sua obrigação quando não realiza a prestação a que está vinculado. Ao credor incumbe alegar e provar os factos integrantes do incumprimento da obrigação do devedor, e a este os factos reveladores de que tal não procede de culpa sua – artigo 799º, nº 1, do CCiv. Nas conclusões designadas pelos números ..., ... e ... a ... das suas alegações a Recorrente suscita a questão das consequências sobre a subempreitada da resolução do contrato de empreitada. Sustenta que «a sentença interpretou de forma errada as normas que se aplicam à situação de uma resolução da empreitada e das suas consequências sobre a subempreitada, nomeadamente os arts.º 1227º, 790º, 795º do CC.» A este propósito, resultou apurado (facto nº 11) que a dona da obra resolveu o contrato de empreitada que celebrou com a Autora, por carta datada de 14.06.2023, da qual a Ré foi informada por email datado de 27.06.2023, sendo que ambas já não tinham acesso à obra desde 07.06.2023. A subempreitada é um contrato subordinado ou subcontrato. É um contrato derivado e dependente da empreitada, cujas vicissitudes se refletem na subempreitada. A resolução declarada pela dona da obra operou a extinção do contrato de empreitada e, consequentemente, da obrigação da Autora realizar a sua prestação, enquanto empreiteira. Esse facto causou a impossibilidade superveniente de cumprimento do contrato de subempreitada. A continuação da execução dos trabalhos objeto da subempreitada deixou de ser possível, o mesmo é dizer que a prestação se tornou em definitivo irrealizável. É uma impossibilidade de cumprimento, matéria que em alguns dos seus aspetos é regulada nos artigos 1227º, 790º e 795º do CCiv. Sobre a impossibilidade de execução da obra por causa não imputável a qualquer das partes versa o artigo 1227º do CCiv, mandando aplicar o disposto no artigo 790º, mas ressalvando que «tendo, porém, havido começo de execução, o dono da obra é obrigado a indemnizar o empreiteiro do trabalho executado e das despesas realizadas.» Esta disposição é aplicável, com as devidas adaptações, à subempreitada. Por sua vez, dispõe o artigo 790º, nº 1, que «a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.» Versando especificamente sobre os contratos bilaterais, estipula nº 1 do artigo 795º: «Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.» Porém, se essa impossibilidade resultar de culpa do credor, nos termos do nº 2 do artigo 795º, «não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação.» Verificando-se a ausência de culpa das partes na impossibilidade de cumprimento da prestação, a consequência principal é a extinção da obrigação. Todavia, no caso específico da subempreitada, se já tiver ocorrido o começo de execução, o subempreiteiro tem o direito de ser indemnizado, pelo empreiteiro, do trabalho executado e das despesas realizadas. Todavia, se a impossibilidade de execução da obra pelo subempreiteiro for imputável ao empreiteiro, a consequência já não será a extinção da obrigação de pagar o preço correspondente aos trabalhos que não chegaram a ser executados, pois, de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 795º, o empreiteiro não fica desobrigado da contraprestação, embora se devam descontar nesta os benefícios que o subempreiteiro tiver retirado da desoneração. Dito isto, da matéria de facto não consta qualquer facto que permita imputar à Autora a culpa da impossibilidade de cumprimento do contrato de subempreitada. O que se sabe é que foi a dona da obra a operar a resolução unilateral do contrato de empreitada e nada mais do que isso. Por outro lado, na contestação não se imputou à Autora tal responsabilidade e também não se requereu a suspensão da instância com fundamento na pendência de pretensa causa prejudicial. Acresce que, verificada a extinção do contrato de empreitada no dia 14.06.2023 e estando Autora e Ré impedidas de aceder à obra desde 07.06.2023, com a comunicação em 27.06.2023 à Ré daquela extinção, esta ficou a saber da impossibilidade de continuação da execução da obra e, consequentemente, da extinção da sua obrigação de executar os trabalhos contratados com a Autora. Tendo aquela comunicação produzido a extinção da apontada obrigação, naturalmente que a execução posterior a 27.06.2023 de quaisquer trabalhos na obra já não traduz a realização para a Autora de qualquer obra. Tudo o que executou posteriormente a 27.06.2023 fê-lo já no âmbito do acordo que supervenientemente celebrou com a dona da obra (v. facto nº 13), acordo ao qual a Autora é estranha, não sendo responsável pelo seu eventual incumprimento. Finalmente, da matéria de facto apurada não resulta qualquer facto relativo a despesas realizadas pela Ré antes de lhe ter sido comunicada a impossibilidade de cumprimento do contrato de subempreitada. Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão. * 2.2.2.2. Créditos da Ré – conclusões 4, 10 a 22, 24 a 36 e 44 a 48A Recorrente alega que «forneceu obra no valor de 195.074,51 €» e que «recebeu da Autora o valor de 184.721,76 €», concluindo que tem a haver da Recorrida a quantia de € 10.352,75. Resultou demonstrada uma realidade diferente: os trabalhos efetivamente executados no âmbito da subempreitada perfazem um valor de € 193.590,50, enquanto a Ré recebeu da Autora, por conta desses trabalhos, a quantia de € 224.211,26. Portanto, a Autora pagou a mais a quantia de € 30.620,76. Será a Recorrente titular de outros créditos? A resposta não pode deixar de ser negativa. Em primeiro lugar, já concluímos que a Autora não é responsável pelo pagamento de quaisquer trabalhos executados pela Ré no prédio posteriormente à comunicação de 27.06.2023 referida no ponto de facto nº 11, data em que se verificou a impossibilidade de cumprimento do contrato de subempreitada. Daí que a Recorrente não seja titular de qualquer direito de crédito sobre a Recorrida a esse título. Em segundo lugar, não está demonstrada a realização de qualquer trabalho decorrente da preocupação que a Ré manifestou junto da Autora sobre a aplicação de madeiras em zonas do prédio com humidade, designadamente com a substituição ou reparação de madeiras aplicadas. Foi dada como não provada a substituição de roupeiros e mobiliário de cozinha. Em terceiro lugar, verifica-se que após em 27.06.2023 se ter constatado a impossibilidade de cumprimento do contrato de subempreitada, «a dona da obra reuniu com a Ré e convidou-a a continuar os trabalhos sob a sua égide, o que a Ré aceitou» (facto nº 13). Significa isto que a Ré celebrou com a dona da obra um contrato de empreitada, tendo por objeto a realização dos trabalhos que, à data de 27.06.2023, faltavam executar. Portanto, de subempreiteira, a Ré passou a empreiteira e tudo o que foi executado tem como contrapartida o pagamento do respetivo preço, naturalmente a pagar pela dona da obra, na medida em que a Autora é terceira relativamente a tal novo contrato. Ora, em lado algum a Ré alegou que adquiriu ou produziu material ou mercadoria que não foram aplicados na obra. O que alegou foi que «A Ré tinha a mercadoria pronta em fábrica, faltando apenas a sua colocação em obra, o que iria acontecer em breve, caso não tivesse ocorrido a resolução da empreitada» (art. 57 da contestação). Resulta do alegado na contestação que essa mercadoria acabou por ser colocada em obra, posteriormente a 27.06.2023. Aplicados esses materiais na obra, numa fase em que já era empreiteira, alegou a Ré na contestação que «a dona da obra, não se mostrou disponível para assumir esses autos» (art. 59). É precisamente isso que resulta expressamente do admitido na conclusão nº 29 das alegações da Recorrente: «Quanto à continuidade da obra após a resolução da empreitada, a gerente da Ré, BB, confirmou que a Ré levou esses materiais para a obra depois de, por volta do dia 03 de julho de 2023, ter acertado com o dono da obra a sua continuidade na mesma.» Por isso, a Ré não tem direito à indemnização a que alude o artigo 1227º do CCiv. Em quarto lugar, não está demonstrada qualquer base factual de um dano futuro. Pelo exposto, improcedem igualmente as conclusões relativas a esta questão. * 2.2.2.3. Direito de retenção – conclusões 2 e 3Alega a Recorrente que «tem mesmo um direito de retenção» sobre a «quantia que recebeu a título de adjudicação da obra», «até que se esclareça quem deu causa à resolução da empreitada.» O direito de retenção é um direito real de garantia. «O direito de retenção constitui um verdadeiro direito real, absoluto, a todos oponível, revestindo uma dupla natureza: apresentando-se, por um lado, como uma garantia real indirecta - isto é, como um meio de coerção ao cumprimento da obrigação, na medida em que o devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado entretanto proprietário do objecto, sabe que não pode exigir o mesmo senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido -, por outro lado apresenta a fisionomia de uma garantia real directa, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objecto, com prioridade sobre os credores restantes.»[2]. Incidindo sobre coisa móvel, o titular do direito de retenção goza dos direitos e está sujeito às obrigações do credor pignoratício, salvo pelo que respeita à substituição ou reforço da garantia – art. 758º do CCiv. O campo de aplicação do direito de retenção é definido, por um lado, por uma cláusula geral e, por outro, pela previsão de casos específicos de direito de retenção. No artigo 755º do CCiv enumeram-se especificadamente os casos em que o credor goza do direito de retenção e entre estes não figura a situação invocada pela Recorrente. Quanto ao pretenso crédito invocado pela Recorrente, estamos já no campo genérico de aplicação do direito de retenção, ou seja, as circunstâncias abstratas que a lei fixa, com recurso a uma cláusula geral, de cuja verificação depende a existência do direito de retenção. A este propósito, dispõe o artigo 754º do CCiv que «o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.» Desta disposição legal resulta que o direito de retenção depende da verificação dos seguintes três pressupostos: - Detenção lícita de coisa que deva entregar a outrem; - Crédito sobre o credor da entrega; - Conexão causal entre o crédito do retentor e a coisa, no sentido de o crédito resultar de despesas feitas por causa da coisa detida ou de danos por ela causados (debitum cum re junctum). Analisado o quadro factual julgado provado, conclui-se que a Recorrente não é titular de um direito de crédito exigível sobre a Recorrida, suscetível de alicerçar a invocação de direito de retenção da quantia que lhe foi adiantada pela empreiteira. Com efeito, nesta ação não foi reconhecido à Ré qualquer crédito emergente do contrato de subempreitada celebrado com a Autora. Termos em que se desatendem as conclusões aduzidas sobre esta questão. Pelo exposto, improcede totalmente a apelação. ** 2.3. Sumário… *** III – DecisãoAssim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas, na vertente de custas de parte, a suportar pela Recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC). * * Guimarães, 16.10.2025 (Acórdão assinado digitalmente) Joaquim Boavida António Beça Pereira Ana Cristina Duarte [1] É essa a terminologia que consta da decisão da matéria de facto e que corresponde ao sentido mais utilizado e comum para designar a última fase de uma obra de construção civil. Poderemos defini-la, grosso modo, como o conjunto de atos finalizadores de um trabalho de construção civil. [2] Inocêncio Galvão Telles, O direito de retenção no contrato de empreitada, O Direito, 1987, págs. 15 a 17. |