Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6083/21.2T8VNF.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO IN ITINERE
NECESSIDADES ATENDÍVEIS DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
- O conceito de necessidade atendível, deve concretizar-se com recurso a critérios de adequação social e de razoabilidade.
- Um desvio tendo em vista colher algumas ameixas de uma árvore de terceiro, para comer, implicando introdução em instalações de uma outra empresa, escalamento de um muro e colocação sem qualquer proteção por cima da cobertura de um armazém, a uma altura de sete metros, constitui comportamento desrazoável e desconforme às mais elementares regras de cuidado e bom senso, não sendo consentâneo com os modelos de comportamento praticados pela generalidade das pessoas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Por participação entrada em 29 de outubro de 2021, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, AA, idf. nos autos, participou o acidente de trabalho em que foi vítima mortal BB, quando trabalhava, sob as ordens, direção, organização e fiscalização da sua entidade empregadora, “EMP01..., S.A.”, idf. nos autos, sendo seguradora “EMP02... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, idf. nos autos.
Decorrida a FASE CONCILIATÓRIA do processo, as partes não chegaram a acordo, uma vez que a seguradora não aceitou a existência do acidente, a sua caraterização como acidente de trabalho e o nexo causal entre o mesmo, as lesões e a morte, não aceitando a responsabilidade do acidente por não preencher os requisitos de um acidente de trabalho nos termos do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09.
Também a entidade empregadora não aceitou a caraterização do acidente como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo, as lesões e a morte, não aceitando, ainda, a responsabilidade pela retribuição por considerar que esta se encontrava integralmente transferida para a Seguradora.
Em 17 de Junho de 2024, AA, viúva do falecido BB, requereu a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora “EMP02... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” e “EMP01..., S.A.”, formulando o seguinte pedido:
“deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada para os devidos efeitos legais, devendo ser a 1ª Ré Seguradora EMP02... Companhia de Seguros, S.A. e a 2ª Ré Entidade Empregadora EMP01... S.A., consideradas responsáveis pelo acidente de trabalho descrito nos presentes autos e do qual resultou morte do sinistrado BB marido da ora Autora e pai do Interveniente Principal, ocorrido no passado dia 21/06/2021, a calcular em função da retribuição anual global bruta auferida/devida de €14.807,16, mais concretamente de 850,00€ x 14 meses (salário base), acrescido de 70,74€ x 14 meses (diuturnidades), de 4,50€ x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação), de 25,00€ x 12 (prémio de assiduidade) e, por último, de 527,80€ x 1 (horas extra), – sendo a 1ª Ré Seguradora EMP02... Companhia de Seguros, S.A. responsável com base na retribuição anual auferida/devida transferida de €14.279,36, mais concretamente de 920,74€ x 14 meses (retribuição base/diuturnidades), acrescido de 4,50€ x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação) e de 25,00€ x 12 (prémio de assiduidade) e a 2ª Ré Entidade Empregadora EMP01... S.A., responsável com base na retribuição anual auferida/devida e não transferida de €527,80, a titulo de 527,80€ x 1 (horas extra) , e em consequência:

A. Deve ser a 1ª Ré Seguradora EMP02... Companhia de Seguros, S.A., com base na retribuição transferida de €14.279,36, mais concretamente de 920,74€ x 14 meses (retribuição base/diuturnidades), acrescido de 4,50€ x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação) e de 25,00€ x 12 (prémio de assiduidade) condenada a pagar à ora Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB, as seguintes quantias indemnizatórias/prestações:
a) A pensão anual, vitalícia e atualizável de 4.283,81€, devida desde o dia 22.06.2021, dia seguinte ao do óbito, pensão essa que corresponde a 30% da retribuição do sinistrado, até perfazer a idade da reforma por velhice, sendo aumentada para 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica, que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho (artº 59°, nº1, al. a), da lei 98/2009 de 04/09)
b) A título de subsídio por morte, a quantia de 2.896,14€ (correspondente a 50% que partilha com o filho), (cfr. artº 65º, nºs 1 e 2, al. a), da Lei nº 98/2009, de 04/09 e Portaria nº 24/2019, de 17/01);
c) A título de despesas de funeral, com transladação, que suportou (cfr. fls. 81 a 82), a importância de 2.675,80 € (cfr. art. 66°, nºs 1, 2 e 4, da Lei nº 98/2009, de 04/09 e Portaria nº 24/2019 de 17/01);
d) A título de despesas de deslocação para comparência obrigatória a este Tribunal, a importância de 30,00€;
e) Juros de mora sobre todas as prestações desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral vencimento:
B. Deve ser a 2ª Ré Entidade empregadora EMP01... S.A., com base na retribuição total anual auferida/devida e não transferida de €527,80, a titulo de 527,80€ x 1 (horas extra) condenada a pagar à ora Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB, as seguintes quantias indemnizatórias/prestações:
a) A pensão anual, vitalícia e atualizável de 158,34€, devida desde o dia 22.06.2021, dia seguinte ao do óbito, pensão essa que corresponde a 30% da retribuição do sinistrado, até perfazer a idade da reforma por velhice, sendo aumentada para 40% a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica, que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho (artº 59°, nº 1, al. a), da lei 98/2009 de 04/09);
b) Juros de mora sobre todas as prestações desde as datas dos respetivos vencimentos e até integral vencimento;
C. Devem ser a 1ª Ré Seguradora EMP02... Companhia de Seguros, S.A. com base na retribuição transferida de €14.279,36, mais concretamente de 920,74€ x 14 meses (retribuição base/diuturnidades), acrescido de 4,50€ x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação) e de 25,00€ x 12 (prémio de assiduidade) e a 2ª Ré Entidade empregadora EMP01... S.A., com base na retribuição total anual auferida/devida e não transferida de €527,80, a titulo de 527,80€ x 1 (horas extra), condenada a pagar à ora Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB as custas legais, custas de parte e condigna procuradoria.”.
Alegou, para o efeito, em síntese, que BB foi vítima de um acidente de trabalho no dia 21 de Junho de 2021, cerca das 20 horas e 10 minutos, quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade empregadora “EMP01..., S.A.”, desempenhando as funções de motorista de pesados, mediante a retribuição anual global bruta de € 14.807,16, mais concretamente de € 850 x 14 meses (salário base), acrescido de € 70,74 x 14 meses (diuturnidades), de € 4,50 x 22 x 11 meses (subsídio de alimentação), de € 25 x 12 (prémio de assiduidade) e, por último, de € 527,80 x 1 (hora extra), a qual não se encontra totalmente transferida para a Ré Seguradora “EMP02... Companhia de Seguros, S.A.”, ocorrido nas seguintes circunstâncias:
Após ter dado saída na portaria das instalações da sua entidade empregadora “EMP01..., SA.” (o seu turno de trabalho nesse dia terminou pelas 20 horas), quando se deslocava a pé no seu trajeto normal, habitual e diário de ida do seu local de trabalho para a sua residência, junto às instalações da empresa EMP03... e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo falecido sinistrado para o efeito, o mesmo entrou nas instalações da empresa EMP03... (a cerca de 100 metros da portaria) que se encontra desativada, para colher ameixas de uma ameixoeira com o intuito de as comer (consumo próprio) e caiu no interior do referido armazém de uma altura de 7 (sete) metros, o que lhe provocou a morte.
Mais alegou que a entidade empregadora do falecido tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para Ré, através de contrato de seguro válido, pela retribuição anual ilíquida de € 14.279,36, e que despendeu a quantia de € 2.675,80 com despesas de funeral e € 30 em transportes, nas suas deslocações para comparência obrigatória ao Tribunal, para a realização da tentativa de conciliação.
Mais requereu a intervenção principal provocada de CC, filho do falecido BB.
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Devidamente citadas, ambas as Rés contestaram.

A Ré Seguradora, aceitando a transferência da remuneração do sinistrado através de contrato de seguro pela retribuição anual de € 14.279,36, enjeitou a sua responsabilidade por considerar que o acidente dos autos não pode ser qualificado como um acidente de trabalho, seja porque, como acidente de trabalho in itinere, o desvio ou a interrupção feita pelo sinistrado não visava uma necessidade atendível, nem constituiu um caso fortuito ou de força maior, seja porque se ficou a dever a um comportamento grosseiramente negligente da própria vítima.
A Ré “EMP01..., S.A.”, admitindo que o sinistrado falecido trabalhava sob as suas ordens, direção e fiscalização e que, no dia 21.06.2021, terminou o seu período de trabalho diário às 20 horas e 16 minutos, alegou desconhecer as circunstâncias em que ocorreu o acidente e, tendo o acidente ocorrido fora do local de trabalho e quando o sinistrado já não estava no exercício das suas funções ou a atuar por causa delas, pugnou pela sua desresponsabilização em reparar os danos decorrentes do acidente. Mais alegou que, tendo apurado, na sequência das investigações levadas a cabo pelas autoridades policiais e pela ACT, que o acidente ocorreu quando o sinistrado se desviou do seu trajeto, visando um fim não atendível, entende que se deve considerar o mesmo descaraterizado.
Relativamente à retribuição auferida pelo sinistrado, alegou que efetivamente o sinistrado, em 8 dos 12 meses que precederem a data do acidente, auferiu retribuição por trabalho suplementar, não obstante, a mesma não era regular, nem expetável que fosse não devendo ser consideradas retribuição para efeitos de cálculo de uma eventual pensão.
Citado o chamado CC, na qualidade de beneficiário do falecido, veio este apresentar articulado, declarando seus os articulados apresentados pela Autor, mais alegando ter atingido a maioridade em fevereiro de 2024 e tendo frequentado até junho um curso de cozinha e pastelaria.
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Realizado o julgamento foi proferida decisão absolvendo as rés do pedido.
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Inconformada a autora interpôs o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:

3) O evento consistiu no facto de o sinistrado, depois de ter saído das instalações da sua entidade empregadora e quando se deslocava para a sua residência habitual, entrou nas instalações da empresa EMP03..., situada a cerca de 100 metros da portaria das instalações da Ré “EMP01..., S.A.”, que se encontra desativada, para colher ameixas de uma ameixoeira, subiu à cobertura dessas instalações, com o intuito de colher as ameixas para as comer, ali acedendo por escalamento do muro e, quando se encontrava no telhado, este cedeu, partiu-se, e BB caiu no interior do armazém de uma altura de 7 (sete) metros.
4) A questão que se coloca é a de saber se subir ao telhado das instalações de um prédio com intenção de cortar e apanhar ameixas de uma árvore de fruto plantada nesse prédio para as comer constituiu uma necessidade atendível, de acordo com um critério de adequação social, consubstanciando assim um acidente de trabalho no trajeto, também designado in itinere.
5) A Autora, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, entende que após uma longa jornada de trabalho, de mais de oito horas, subir ao telhado das instalações de um prédio com intenção de cortar e apanhar ameixas de uma árvore de fruto plantada nesse prédio para as comer constituiu uma necessidade atendível e compreensível de acordo com um critério de adequação social.
6) Segundo o artigo 9º, n.º 3 da Lei 98/2009, de 4-09: Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorre quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.”
7) Ainda que haja um desvio no percurso ou uma interrupção a lei protege ainda o dano emergente de um acidente desde que a interrupção e/ou desvio do trabalhador sejam determinadas por “necessidades atendíveis”, “motivo de força maior” ou “caso fortuito”.
8) Necessidade atendível apesar do vocábulo “necessidade”, sob pena de redundância, não se pode entender como um comportamento que seja inevitável, imprescindível, que se imponha, que seja um dever, que seja urgente, que seja premente, ou como que um “estado de necessidade”.
9) Necessidade atendível reporta-se simplesmente a motivos do trabalhador relacionados com a sua vida pessoal e familiar que não sejam censuráveis, mas antes socialmente compreensíveis, inteligíveis para alguém de bom senso, razoáveis do ponto de vista do comportamento do ser humano, não tendo de tratar-se de necessidades básicas.
10) Atendível será a necessidade que, de algum modo pode ser evitada ou adiada, muito embora, se o não for, seja facilmente desculpável ou aceitável, de acordo com os critérios dominantes em determinado momento, local e circunstâncias”
11) Podem tratar-se de necessidades fisiológicas, de tomar um café ou um pequeno almoço no caminho para o trabalho ou de almoçar findo o trabalho e antes de regressar a casa, de comprar medicamentos numa farmácia ou enviar uma carta registada, de levar ou ir buscar os filhos à escola ou ao jardim de infância”.
12) Veja-se a este propósito um conjunto de situações concretas da vida real que, segundo o seu circunstancialismo, são compreensíveis segundo um padrão de adequação social e de razoabilidade 1. Ac.s STJ de 18-06-2003, p. 02S2677 (sinistrado que, após o trabalho, antes de ter iniciado o percurso de regresso a casa, esteve 15 minutos num café situado nas imediações do seu local de trabalho);
2. Ac. de 25-09-2014, p. 771/12.1TTSTB.E1.S1 (sinistrado que faz interrupção de duração não determinada, motivada pelo almoço com o pai que se encontrava internado em estabelecimento situado naquele percurso);
3. Ac.s da RE de 12-06-2019, p.282/16.6T8FAR.E1 (trabalhador condutor de pesados, com défice de repouso/convívio faz interrupção para conversar com amigo cerca de 20m) e de 26-04-2018, p. 2477/15.00T8PTM.E1
(sinistrada que faz compras no supermercado, ainda dentro do supermercado onde trabalhava, embora já fora do posto de trabalho-peixaria);
4. Ac. RL de 5-12-2108 p. 4899/16.0T8LRS.L1-4 (desvio e interrupção destinadas a aquisição de prenda -camisola de futebol - para oferecer ao afilhado, por curto período de tempo) e de 19-12-2024, p. 22380/22.7T8LSB.L1-4 (trabalhadora que utiliza dois autocarros e, de permeio, faz caminhada e compras no supermercado e usa o telemóvel);
5. Ac.s RP 18-09-2023, p. 398/18.4 T8VNG.P1 (trabalhador que se deteve a conversar com amigo sobre uma cirurgia).
6. Ac RG 26-10-2023, p.° 2812/21.2T9VNF.G1, Relator Francisco Sousa Pereira “É acidente de trabalho, in itinere, aquele que ocorre dentro do intervalo para o almoço, no percurso para um estabelecimento que dista das instalações da empregadora cerca de 200/300 metros, e onde a sinistrada pretendia tomar café, aproveitando para confraternizar com as colegas de trabalho, depois de ter tomado o almoço, que trouxera de casa, nas instalações da empregadora.”
13) Pelo supra exposto o acidente supra descrito nos autos e que vitimou o sinistrado BB, preenche os requisitos de um acidente de trabalho in itinere, nos termos do disposto nos artºs 8° e 9º, n.ºs 1, al. a), 2 e 3 da Lei nº 98/2009 de 04 de setembro, na medida em que ocorreu quando o trajeto normal sofreu um desvio determinado pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador.
14) Pelo supra exposto deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente por provado, devendo a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que condene ambas as Rés a pagar à Autora AA Beneficiária/Viúva do falecido sinistrado BB, as seguintes quantias:
(…)
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência.
***
Foi considerado provado:
A. BB, nascido em ../../1971, faleceu em 21 de junho de 2021, no estado de casado com AA.
B. CC nasceu em ../../2006 e é filho de BB e de DD.
C. Em 21 de Junho de 2021, BB trabalhava, por conta, sob as ordens, direção e fiscalização de “EMP01..., S.A.”, com a categoria profissional de motorista de pesados, e auferia a retribuição anual ilíquida de € 14.279,36 [(€ 850 x 14) + (€ 70,74 x 14) + (€ 4,50 x 22 x 11) + (€ 25 x 12)] – salário base, diuturnidades, subsídio de alimentação, prémio de assiduidade).
D. A Ré “EMP01..., S.A.” havia transferido para a Ré “EMP02... – Companhia de Seguros, S.A.” a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, entre os quais o BB, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz titulado pela apólice n.º ...23, pela retribuição anual global bruta de € 14.279,36 [(€ 920,74 x 14) + (€ 4,50 x 22 x 11) + (€ 25 x 12)] – salário base/diuturnidades, subsídio de alimentação e prémio de assiduidade).
E. Para além da retribuição referida em C., BB auferiu, ainda, entre junho de 2020 e junho de 2021, a quantia de € 527,80 a título de horas extra.
F. No ano de 2020, BB prestou trabalho suplementar nos meses de junho, julho, agosto, novembro e dezembro, em quantias variáveis.
G. No ano de 2021, BB prestou trabalho suplementar nos meses de janeiro, fevereiro e abril, em quantias variáveis.
H. No dia 21 de Junho de 2021, cerca das 20 horas e 10 minutos, na Rua ..., ... ..., em ..., BB entrou nas instalações da empresa EMP03..., situada a cerca de 100 metros da portaria das instalações da Ré “EMP01..., S.A.”, que se encontra desativada, para colher ameixas de uma ameixoeira, subiu à cobertura dessas instalações e, quando se encontrava no telhado, este cedeu, partiu-se e BB caiu no interior do armazém de uma altura de 7 (sete) metros.
I. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em H., BB, após ter terminado a sua jornada de trabalho, pelas 20 horas, e ter saído da portaria das instalações da Ré “EMP01..., S.A.”, deslocava-se dessas instalações para a sua residência habitual.
J. BB subiu ao telhado referido em H. com o intuito de colher ameixas para as comer.
K. Ao invés de se dirigir ao seu veículo automóvel em que se faria transportar, como habitualmente, para a sua residência, BB saiu das instalações da Ré “EMP01..., S.A.” e convidou o colega EE, a deslocar-se ao prédio propriedade da empresa EMP03... com a intenção de cortar e apanhar ameixas diretamente da árvore de fruto plantada naquele prédio.
L. Para colher as ameixas, BB acedeu, por escalamento do muro, à cobertura do pavilhão industrial da EMP03....
M. A cobertura dista mais de 6 metros do solo e é composta por chapas com vários metros de comprimento.
N. BB não utilizou arnês ou cinto de segurança.
O. Como consequência direta e necessária da queda resultaram para BB as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 42 a 46, cujo teor se dá por reproduzido, as quais lhe determinaram, direta e necessariamente, a morte, verificada nesse mesmo dia 21 de junho de 2021.
P. A Autora despendeu com o funeral de BB, com transladação, a quantia de € 2.675,80.
Q. A Autora e CC despenderam, cada um deles, a importância de € 30 em transportes para comparência obrigatória ao Tribunal.
R. CC entre os anos letivos de 2021/2022 e 2023/2024 frequentou e concluiu o Curso de Restauração – Técnico de Cozinha/Pastelaria na “EMP04..., CRL”.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos, designadamente que:
1. BB trabalhava por turnos e tinha como horário de saída as 20 horas.
2. BB deslocava-se habitualmente para a sua residência habitual a pé.
3. As chapas que compunham a cobertura estavam em mau estado de conservação, e várias delas deficientemente fixas.
4. O mau estado de conservação do telhado era visível.
5. BB sabia que se o telhado cedesse cairia para o seu interior.
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A recorrente levanta a questão de saber se se subir ao telhado das instalações de um prédio com intenção de cortar e apanhar ameixas de uma árvore de fruto plantada nesse prédio para o comer constituiu uma necessidade atendível, para efeitos do artigo 9º, nº 3 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro).
***
Na sentença recorrida considerou-se que:
“valorando a atuação do sinistrado, à luz do conceito supramencionado, e tomando em linha de conta o comportamento normal de um trabalhador colocado na situação do sinistrado falecido, não cremos poder considerar a sua atuação num quadro de necessidade atendível.
Com efeito, ainda que se pudesse considerar atendível o ato de colher determina fruta para a comer, o mesmo já não se pode dizer quanto ao ato de subir um telhado de determinado prédio e ali se deslocar, porquanto“[m]ais importante do que olhar para os exemplos é procurar entender o sentido da lei dos acidentes de trabalho neste segmento: abarcar os casos em que o desvio e a interrupção mantêm, com razoabilidade, conexão com a relação laboral, isto é, em que tal é compreensível atenta a situação do trabalhador.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de dezembro de 2018 citado). E, subir ao telhado de determinado prédio para colher ameixas não corresponde a uma necessidade compreensível, na perspetiva de alguém com bom senso, inteligível quer para um empregador, quer para um trabalhador razoáveis.”

Vejamos:
Refere o artigo 9º da LAT:
Extensão do conceito
1 - Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;

2 - A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:

b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;

3 - Não deixa de se considerar acidente de trabalho o que ocorrer quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
(…)

No caso ocorre um desvio no trajeto, tendo entrado nas instalações de uma outra empresa, situada a cerca de 100 metros da portaria das instalações da sua empregadora, para colher ameixas de uma ameixoeira. Para o efeito subiu à cobertura dessas instalações, acedendo por escalamento do muro e, quando se encontrava no telhado, este cedeu, ocorrendo a queda fatal para o interior do armazém, e de uma altura de cerca de sete metros.
Entende a recorrente que tal comportamento corresponde a uma necessidade atendível, invocando que após uma longa jornada de trabalho, de mais de oito horas, subir ao telhado das instalações de um prédio com intenção de cortar e apanhar ameixas de uma árvore de fruto plantada nesse prédio para as comer constituiu uma necessidade atendível e compreensível de acordo com um critério de adequação social.
A jurisprudência tem defendido que o conceito de necessidade atendível, deve concretizar-se com recurso a critérios de adequação social e de razoabilidade. Tem que tratar-se de uma necessidade pessoal/familiar compreensível, do ponto de vista social, i é, “consentânea com os modelos de vida normalmente praticados pela generalidade das pessoas” – STJ de 2-4-2025, processo nº 22380/22.7T8LSB.L1.S1. Por outro, não é necessário que se trate de situação inadiável ou urgente, devendo o comportamento configurar-se como razoável, no quadro da apreciação global do desvio e percurso em causa. 
Podendo aceitar-se, em tese, que após uma jornada de oito horas de trabalho, um desvio desta natureza, para colher ameixas para comer, colhendo do chão, constitua para efeitos da norma, desvio de trajeto para satisfazer necessidade atendível, já se mostra excessivo considerar nas concretas circunstâncias como atendível o desvio.
O sinistrado teve não apenas que fazer um desvio, como teve que penetrar em instalações de uma outra empresa – local em princípio vedado ao público -, escalando um muro e colocando-se sem qualquer proteção por cima da cobertura do armazém, a uma altura de sete metros, para colher frutos de uma árvore que lhe não pertencia.
O comportamento em toda a sua abrangência, é completamente desrazoável, sendo desconforme às mais elementares regras de cuidado e bom senso. Colocar-se num risco tão elevado para colher umas ameixas, que simplesmente poderia adquirir num supermercado, não se afigura comportamento socialmente adequado, nem consentâneo com os modelos de comportamento normais.
Como se refere na sentença, “subir ao telhado de determinado prédio para colher ameixas não corresponde a uma necessidade compreensível, na perspetiva de alguém com bom senso, inteligível quer para um empregador, quer para um trabalhador razoáveis.”
O próprio ato de escalamento e colocação em cima do telhado sem proteções constitui em si um risco elevado, em violação de regras elementares de segurança, constituindo conduta temerária. Seria incompreensível colocar tal risco a cargo da empregadora, que por lei é obrigada a fazer cumprir regras de segurança por parte dos seus trabalhadores e no desempenho das respetivas tarefas.
Como se refere no douto parecer: “A situação em apreço nestes autos, em função da normalidade do acontecer e dos procedimentos habituais da generalidade das pessoas, não pode ser considerada como correspondendo a uma necessidade atendível do trabalhador.”
Consequentemente é de confirmar decisão.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente sem prejuízo de apoio judiciário.
10-7-25

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Leonor Barroso