Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL EMBARGOS DE TERCEIRO TESTEMUNHAS FASE INTRODUTÓRIA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA CAUSA PREJUDICIAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE/APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Os embargos de terceiro comportam uma fase de admissibilidade liminar, sem contraditório da parte contrária – fase em que pode ser proferido despacho de indeferimento liminar, findando os autos –, e uma fase de admissibilidade introdutória – não foi proferido despacho de indeferimento liminar e abrem-se, então, duas possibilidades: i) os autos contêm todos os elementos que permitem uma decisão de recebimento; ii) os autos não contêm esses elementos, sendo necessário produzir as provas indicadas pelo embargante que o juiz repute necessárias para aferir da admissibilidade, após o que o mesmo decide se recebe ou rejeita os embargos. II - No caso de serem admitidos/recebidos, os embargos passam a seguir os termos do processo comum, o que significa, desde logo, que as partes primitivas são notificadas para contestar, poderá haver lugar a despacho pré-saneador (art.º 590º), poderá haver audiência prévia (art.º 591º) ou não (art.º 592º), ou ser dispensada (art.º 593º), prolação de despacho saneador (art.º 595º), despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.º 596º), eventual alteração dos requerimentos probatórios (art.º 598º), audiência final (art.º 599º a 606º), na qual, em regra, são ouvidas todas as testemunhas (art.º 500º do CPC), sentença e eventualmente recurso. III - A eficácia da prova pessoal produzida na fase introdutória fica confinada a essa fase, não se projectando para a fase em que os embargos seguem os termos do processo comum, ainda que esteja gravada, não podendo ser considerada no âmbito da decisão final (um pouco à semelhança do que sucede com a prova produzida nos procedimentos cautelares, que nenhuma influência tem no julgamento da acção principal). IV - Uma das causas de nulidade processual é a prática de um acto em violação da sequência processual fixada pela lei, já que o processo é um conjunto ordenado e sequencial de actos tendo em vista um fim. V – A prejudicialidade entre acções verifica-se quando o que é decidido numa delas (a acção prejudicial) condiciona o que pode ser decidido na outra (a acção dependente). VI - De acordo com o Assento STJ de 24/5/1960, publicado no Diário do Governo, I, de 15/6/1960 e in BMJ 97, 392, “a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284.º” [actualmente 272.º] VII - Mas o mesmo não se aplica aos processos declarativos que sejam dependentes da execução (embargos de executado, embargos de terceiro). Tais processos podem ser suspensos por prejudicialidade de outra acção já proposta. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório A Banco 1..., CRL intentou acção executiva contra AA e BB tendo em vista, nomeadamente, a entrega de um lote de terreno, com o n.º 1, com casa de habitação de rés-do-chão, sita na ..., inscrita na matriz da União de freguesias ... e ... sob o artigo ...76, descrita na CRPredial ... sob o n.º ...14 da extinta freguesia ... e inscrita a seu favor pela Ap. ...05 de 2010/12/03. Com o requerimento executivo juntou transação entre a Banco 1..., CRL e AA e BB, apresentada no processo n.º 1868/19.2T8VRL do J 1 do Juízo Central Cível de Vila Real - Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real A seguir ao requerimento executivo está junta sentença de homologação da referida transação, proferida a 20/06/2022. CC deduziu os presentes embargos de terceiro invocando que a casa de habitação objecto da diligência de entrega foi construída pela embargante e pelo seu falecido marido num lote de terreno que adquiriram para o efeito; desde então e até à presente data, a embargante, primeiro no estado de casada e depois no estado de viúva, sempre habitou a casa; no período em que esteve emigrada, sempre que vinha de férias a Portugal, dormia e tomava as refeições na referida casa; tendo regressado definitivamente a Portugal em 2015, passou a habitá-la de forma permanente até à presente data; todos os actos de posse descritos foram praticados de forma pacífica e contínua aos olhos de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, sempre na convicção de exercer um direito próprio; a diligência ofende a posse da embargante; o título que sustenta a execução para entrega da casa tem na sua base a aquisição do imóvel no âmbito do processo de execução para pagamento de quantia certa n.º 327/07.0TBMTR, instaurado pela embargada, então com a denominação de Banco 2..., CRL; a embargante nunca foi citada para os termos da referida execução; a embargante requereu a anulação da execução ao abrigo do art.º 851º do CPC, no referido processo 327/07.0TBMTR, com os fundamentos constantes da Reclamação que junta; anulada a execução, será anulada a venda da casa de habitação. O Sr. Juiz a quo considerou que não havia elementos para decidir de imediato sobre a admissão dos embargos de terceiro e designou data para inquirição de testemunhas, a qual se realizou. Durante a inquirição a embargante requereu a junção aos autos e foi admitido o requerimento apresentado no processo 327/07.0TBMTR, em que a mesma requer a anulação da execução nos termos do art.º 851º do CPC e em que invoca, em síntese, a falta de conhecimento do acto de citação, dizendo para tanto que, muito embora tenha sido demandada em tais autos na qualidade de executada, nunca foi citada para os termos da execução; o marido, também ele executado, muito embora tenha sido citado, escondeu da embargante a pendência da execução; na referida execução foi promovida a citação da embargante por carta registada com AR na morada que refere; o AR foi assinado por pessoa que a embargante desconhece e a carta não lhe foi entregue; à data a embargante e o marido residiam em outra morada, que indica; e invoca a nulidade da citação, por não residir na morada para a qual foi enviada a carta de citação. Os embargos foram recebidos e foi ordenada a notificação das partes primitivas para contestar. A Banco 1..., CRL apresentou contestação, invocando, no que releva, que em nenhum lugar do requerimento executivo refere a acção 327/07.0TBMTR, estando, sim, a executar a sentença proferida no processo 1868/19.2T8VRL, que correu termos no J 1 do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real; a requerida anulação da execução é infundada, extemporânea e inadmissível, porque ainda que a citação não tivesse sido feita, e não foi o caso, e a execução tivesse corrido à sua revelia, o que não foi o caso, nos termos do n.º 4 do art.º 851º do CPC já decorreu o tempo necessário para a usucapião, porque não existiu qualquer dolo ou má fé da exequente; isso também não foi invocado no requerimento de anulação da execução. Os autos desenvolveram-se tendo sido proferido despacho saneador e designada audiência final para 26/09/2024. A 19/09/2024 veio a embargada dizer, em síntese, que as testemunhas indicadas pela embargante no requerimento inicial não haviam sido notificadas; apesar do depoimento das testemunhas da embargante ter sido prestado para efeitos de rejeição ou admissão dos embargos, não tendo nunca tais testemunhas podido ser inquiridas pelo mandatário da embargada e independentemente do facto de tais depoimentos se encontrarem gravados, é obrigatório que todas as testemunhas indicadas pela embargante sejam convocadas para depor na audiência de discussão e julgamento sob pena de violação do princípio do contraditório na audição da prova, já que, se assim não for, a embargada fica impedida de contrainterrogar tais testemunhas. E terminou requerendo que fosse dada sem efeito a audiência final agendada, concedido o prazo de 10 dias à embargante para se pronunciar quanto ao requerido e ordenada a notificação das testemunhas indicadas pela embargante no requerimento de embargos de terceiro para deporem na audiência de julgamento. Foi dado sem efeito o julgamento por estar a decorrer o prazo para a embargante se pronunciar. A embargante pronunciou-se dizendo ter tido conhecimento que as testemunhas por si arroladas não foram efectivamente notificadas para prestar depoimento, facto a que é alheia e o seu depoimento será de extrema importância para o apuramento da verdade material, nada tendo a opor à designação de nova data para a realização da audiência final. Mais invocou que corre termos no Juízo de Execução de Chaves o processo 327/07.0TBMTR, no qual a embargante requereu a anulação da execução; em caso de procedência do pedido formulado pela embargante, tal conduzirá à anulação dos actos subsequentes à citação, nomeadamente a venda à Banco 1... da habitação onde reside a embargante; o imóvel cuja entrega a embargada pretende, entrou na sua esfera jurídica através da venda no referido processo; existe um nexo de prejudicialidade entre a pretensão da embargada nos presentes autos e a anulação da execução pugnada pela embargante no âmbito do referido processo, pelo que deve ser determinada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir naqueles autos. Mais invocou que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando ocorrer outro motivo justificado; a embargante é pessoa frágil, com pouca literacia, tem 78 anos; em Portugal sempre residiu na habitação que construiu nos anos 90 com o seu marido, objecto dos presentes embargos; não possui outro lugar onde residir, nem familiares próximos em Portugal. Terminou requerendo a suspensão da instância nos termos do n.º 1 do art.º 272º do CPC. A embargada, notificada, pronunciou-se, dizendo opor-se à suspensão da instância porque ainda que viesse a ser verificada a falta de citação da embargante no mencionado processo de execução, tendo em atenção o disposto no n.º 4 do art.º 851º do CPC [por manifesto lapso refere-se 1851º] e art.º 1294º, alínea c) do CC, nunca estaria colocada em crise, por essa razão, a finalidade a que execução se destina, devendo apenas ser verificado se a embargada é, ou não, a dona e legítima possuidora do prédio urbano em causa, se o adquiriu no processo de execução, ou se o adquiriu originariamente por usucapião, uma vez que possui título de aquisição e registo e o possui há mais de 10 anos e de boa fé. De seguida foi proferido o seguinte despacho: “No requerimento junto aos autos pela Exequente/Embargada em 19/09/2024 veio a mesma, em síntese, alegar que se apercebeu que as testemunhas indicadas pela Executada/Embargante DD, EE, FF e GG, não foram notificadas para comparecer/prestar depoimento na audiência de discussão e julgamento pelo que requereu que se desse sem efeito o julgamento agendado e se notificassem as mesmas para comparecerem na próxima data designada para julgamento. Em 26/09/2024, a Executada/Embargante, para além do mais, nada opôs a que se agendasse nova data de julgamento. Cumpre apreciar: Compulsados os autos constata-se que a data designada para julgamento foi dada sem efeito para ser cumprido o contraditório tal como requerido pela exequente. No que concerne ao facto de as testemunhas supra identificadas não terem sido notificadas para comparecerem em audiência de julgamento, tal deveu-se ao facto de a prova indicada pela Executada/Embargante na sua petição de embargos de executado já ter sido produzida na diligência realizada no pretérito dia 23/10/2023, estando os respetivos depoimentos gravados e documentados na respetiva ata, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais. Por outro lado, caso a Exequente/Embargada quisesse instar em audiência de discussão e julgamento as aludidas testemunhas, que não teve oportunidade de pedir esclarecimentos por não ter participado na diligência efetuada para recebimento dos embargos de terceiro, deveria tê-las indicado no seu requerimento probatório quando apresentou o seu douto articulado de contestação aos presentes embargos de executado, o que não fez, pelo que, no nosso modesto entendimento, o Tribunal não podia ordenar a notificação de pessoas que já tinham prestado declarações sobre o teor da petição de embargos, sem que a exequente/embargada as tivesse indicado como testemunhas no rol que apresentou com a contestação. Assim sendo salvo melhor opinião, não existe qualquer violação do princípio do contraditório porque a Exequente/Embargada não manifestou interesse em ouvi-las nem indicou, no momento próprio (contestação), as mesmas como testemunhas pelo que, a nosso ver, foi a própria Exequente/Embargada que prescindiu de as instar em audiência de julgamento. Quando se proferiu o despacho datado de 18/06/2024 não nos apercebemos, face ao volume processual existente nesta instância, que a testemunha que tinha sido pedida a substituição era uma testemunha que já tinha sido ouvida e cujo depoimento se encontrava gravado por ter sido indicada pela Embargante e que, não tendo sido também oferecida como testemunha por parte da Exequente/Embargada não iria ser novamente ouvida em julgamento. Contrariamente ao afirmado pela Exequente/Embargada no requerimento em apreço, a prova que vai ser produzida em audiência de julgamento é apenas aquela que ela própria indicou no seu requerimento probatório junto com a contestação de embargos porque, como supra já referimos, a prova indicada pela Executada/Embargante na petição de embargos já foi ouvida e encontra-se documentada nos autos, razão pela qual se indefere o requerido quanto à reinquirição das testemunha já ouvidas em momento anterior. Notifique. * No requerimento de 26/09/2024 a executada veio também requerer a suspensão da presente instância de embargos alegando, em síntese que “(…) Corre termos no Juízo de Execução de Chaves o proc. n.º 327/07.0TBMTR, no qual a ora Embargante requereu a Anulação da Execução, mercê da falta da sua citação para os termos do aludido processo. Em caso de procedência do pedido formulado pela ora Embargante no processo em apreço, tal conduzirá, consequentemente, à anulação no mesmo dos actos subsequentes à citação, nomeadamente a venda à Banco 1... da habitação onde reside a Embargante. Sendo certo que o imóvel que a Embargada Banco 1... pretende a entrega entrou na sua esfera jurídica através da supra aludida venda no processo n.º 327/07.0TBMTR (…). Assim sendo, existe um nexo de prejudicialidade entre a pretensão da Embargada Banco 1... nos presentes autos e a Anulação da Execução pugnada pela ora Embargante no âmbito do processo n.º 327/07.0TBMTR, pelo que deve ser determinada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado a proferir nesses autos, cfr. art. 272º, n.º 1 do CPC. Caso assim se não entenda, no que não se concede, o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando ocorrer outro motivo justificativo, cfr. art. 272º, n.º 1 in fine do CPC. Ora, a Embargante é pessoa frágil, com pouca literacia (possui apenas o 4º ano de escolaridade) e idosa, actualmente com 78 anos, porquanto nasceu em ../../1946. Que, quando em Portugal, sempre residiu na habitação que construiu nos anos 90 com o seu marido, objecto dos presentes embargos. Não possuindo qualquer outro lugar onde residir. Nem familiares próximos em Portugal. Acresce que, no limite, poderão vir a ocorrer 2 decisões judiciais incompatíveis entre si: - procedência da acção de anulação da execução, com a consequente anulação da venda; - improcedência dos embargos, com a consequente entrega do imóvel à Embargada Banco 1.... Pelo que tudo conjugado, a suspensão da instância revela-se como manifestamente justificada, perante o conflito e importância dos interesses a dirimir (…)”.Ao pedido de suspensão veio opor-se a Exequente/Embargada alegando, em síntese que “(…) conforme a embargada refere nos artigos 5.º a 10.º, da contestação que deduziu e apresentou no presente processo, no dia 22/11/2023, para os quais remetemos, ainda que viesse a ser verificada a falta de citação da embargante no mencionado processo de execução, tendo em atenção o disposto no n.º 4 do artigo 1851, e no artigo 1294, alínea a), ambos do Código Civil, nunca estaria posta em risco, por essa razão, a finalidade a que a presente execução se destina, devendo apenas ser verificado se a embargada é ou não a dona e legítima possuidora do prédio urbano em causa, e se o adquiriu por aquisição em processo de execução, ou se o adquiriu originariamente por usucapião uma vez que possui título de aquisição e registo, e o possui há mais de 10 anos de boa fé (…)”. Cumpre apreciar: A executada pretende que seja deferido o pedido de suspensão ou por prejudicialidade ou que o Tribunal decrete por entender que há outro motivo que a justifique. Sobre a questão da suspensão da suspensão da instância executiva diremos que tem-se entendido que não pode suspender-se a instância executiva, com fundamento em prejudicialidade. De acordo com o disposto nos arts. 269.º, n.º1-c) e 272.º, n.º1 do CPC, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão de uma causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado. Contudo, uma causa está dependente do julgamento de outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afetar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 206, Teixeira de Sousa, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, nº 4, pág. 306, e acs. do STJ de 18/02/93, BMJ nº 424, pág. 587, de 1/02/95, CJ/STJ, Tomo I, pág. 265, e da RC de 7/07/2004 e de 15/02/2005, disponíveis em www dgsi.pt.). Por outro lado, afirma-se no ac. do STJ de 14/10/2004, Proc. 04B2771, www.dgsi.pt., que a jurisprudência é praticamente uniforme no sentido de que a norma do referido art. 272.º, n.º1 não é aplicável às ações executivas. Percebe-se que assim seja, tanto mais que, conforme resulta do art.10.º, n.º 4 do CPC, a ação executiva destina-se à reparação efetiva do direito violado, à realização coerciva do referido direito e para a sua instauração o exequente deve estar necessariamente munido de um título executivo, sendo por este que se determinam o fim e os limites daquela ação – art. 703.º, n.º1 do mesmo compêndio legal. Com efeito, nela não se visa a obtenção de uma decisão, mas antes a realização coerciva de uma prestação que está reconhecida no título dado à execução pois somente em sede de oposição à ação executiva, através de embargos de executado, quando se vise infirmar total ou parcialmente o título executivo, se profere uma decisão, ainda que de conteúdo negativo, pois terá sempre como objetivo precípuo ajuizar da subsistência total ou parcial do título dado à execução. Por outro lado há que ter em consideração que, embora a lei não distinga no art. 272.° do CPC entre a ação declarativa e a ação executiva, e se trate de uma norma geral sobre a suspensão da instância, a redação da primeira parte do nº 1 torna inaplicável esse comando à execução propriamente dita, porquanto, desde que a suspensão resulta de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta, parece clara a sua inaplicabilidade ao processo de execução, em que não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efetivar já estar declarado (ou consta de título que lhe confere prova de primeira aparência), e daí que, enquanto tal direito subsistir, é sempre possível a sua execução. A ser assim, parece-nos ser de entender que apesar de a lei admitir que, dentro do processo executivo, exista uma fase em que é possível ainda discutir a relação jurídica em questão (a fase da oposição), seria contrário a um princípio de eficácia, que deve presidir à concretização ou satisfação prática de um direito, bem como à própria economia processual, admitir que a execução pudesse ficar sujeita às questões da prejudicialidade. Todavia, dúvidas não existem de que correm termos neste Juízo de Execução, do qual a signatária é a única titular, o proc. n.º 327/07.0TBMTR, no qual a ora Embargante requereu a Anulação da Execução, mercê da falta da sua citação para os termos do aludido processo, sendo que, em caso de procedência do pedido formulado pela ora Embargante no aludido processo, tal conduzirá, consequentemente, à anulação no mesmo dos actos subsequentes à citação, nomeadamente a venda à Banco 1... da habitação onde reside a Embargante. Sendo certo que o imóvel que a Embargada Banco 1... pretende a entrega entrou na sua esfera jurídica através da supra aludida venda no processo n.º 327/07.0TBMTR. Mais importante é a questão da necessidade de evitar que sejam proferidas decisões contraditórias e/ou incompatíveis entre si neste e no processo n.º327/07.0TBMTR pois poderia acontecer ser proferida uma decisão de procedência na ação de anulação da execução, com a consequente anulação da venda e de improcedência dos embargos, com a consequente entrega do imóvel à Embargada Banco 1.... Assim sendo, para que tal não aconteça, entende-se que existe motivo justificado para determinar a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no âmbito do processo executivo n.º327/07.0TBMTR, nos termos do disposto no n.º do art.272.º, in fine do CPC. Notifique e comunique.” A embargada interpôs recurso, pedindo sejam anuladas as decisões proferidas no despacho recorrido, decidindo-se que a instância não deve ser suspensa e que as testemunhas arroladas pela embargante na peça da dedução de embargos de terceiro devem ser convocadas para depor na audiência de julgamento, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 - No dia 25/10/2023, a embargada, aqui recorrente, tomou o primeiro contacto com o processo de embargos de terceiro, ao ser notificada para, querendo, os contestar no prazo de 30 dias (cfr. referência Citius 38809614). 2 - No mesmo dia, face ao douto despacho junto com a aludida notificação, soube também que aqueles embargos de terceiro foram aceites por “terem sido considerados indiciariamente provados factos suscetíveis de serem equacionados à luz da situação de posse relativa ao direito da embargante sobre o imóvel objeto da diligência de entrega constante dos autos principais de execução”, atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas HH, EE, FF, GG e II, que a embargada nunca ouviu nem pôde contra interrogar porque não foi convocada para estar presente no ato dos seus depoimentos. 3 - No dia 22/11/2023, a embargada, aqui recorrente, apresentou a respetiva contestação aos embargos de terceiro, tendo junto a sua prova documental, requerido o depoimento de comparte, e indicado as suas testemunhas (cfr. referência Citius 3465223). 4 - Em 09/04/2024, foi proferido o douto despacho saneador, onde foi decidido dispensar a audiência prévia e onde foram admitidos os requerimentos probatórios juntos aos autos, tendo a audiência de julgamento sido agendada para o dia 26 de setembro de 2024, com a advertência de que os mandatários das partes deveriam comparecerem no Juízo de Execução sediado em ..., bem como todas as pessoas convocadas para deporem, “à exceção daquelas pessoas que foram autorizadas a deporem por videoconferência, as quais deverão deslocar-se para os respetivos Tribunais.” (cfr. referência Citius 39454090). 5 - Após cerca de 10 dias, em 19/04/2024, a embargante veio proceder à alteração do seu rol de testemunhas, indicado na dedução de embargos de terceiro, requerendo que ficasse a ser composto pelas testemunhas HH, EE, FF, GG e JJ, tendo ainda requerido que a testemunha HH fosse inquirida através das Plataformas Zoom ou Webex (cfr. requerimento com a referência Citius 3621585), tendo tal alteração sido deferida, e bem, por douto despacho de 14/05/2024 (referência Citius 39623222), com a menção, correta, de que a nova testemunha arrolada deveria ser a apresentar. 6 - Cerca de uma semana antes da data agendada para a audiência de julgamento, a embargada/recorrente, apercebeu-se que as testemunhas arroladas pela embargante na dedução de embargos de terceiro, não foram convocadas para prestarem os seus depoimentos na audiência de julgamento (já que as posteriormente por ela aditadas, nos termos da lei, seriam a apresentar). 7- E, por isso, a embargada/recorrente, no dia 19/09/2024 fez um requerimento ao processo onde, resumidamente (o requerimento está transcrito acima na íntegra) mencionou que, não tendo as testemunhas arroladas pela embargante na peça de dedução de embargos de terceiro sido convocadas para deporem na audiência de julgamento, tendo os seus depoimentos prévios sido prestados sem a presença do mandatário da embargada/exequente, e apenas para efeitos de verificação indiciária de rejeição ou admissão de tais embargos de terceiro, pelo que, requereu que fosse reagendada a audiência de julgamento com a convocação daquelas testemunhas da embargante para prestarem depoimento na mesma, uma vez que existia interesse em proceder ao seu contra interrogatório (cfr. requerimento com a referência Citius 3754385). 8 - Mais referiu a recorrente neste último requerimento (referência Citius 3754385) que se impõe que todas aquelas testemunhas indicadas pela embargante tenham que ser convocadas para depor na audiência de discussão e julgamento, sob pena de violação, entre outras normas, do princípio do contraditório na audição da prova, já que, se assim não for, a embargada fica impedida de contra interrogar tais testemunhas, e remeteu para o disposto das normas constantes dos artigos 348.º (Processamento subsequente ao recebimento dos embargos) e 500.º (Lugar e momento da inquirição da prova testemunhal) do C.P.C, que, transcrevem claramente que, recebidos os embargos de terceiro, seguem a forma de processo comum, e que as testemunhas depõem na audiência final. 9 - Inclusivamente, foi a própria embargante que, através de requerimento apresentado no dia 19/04/2024 (referência Citius 3621585), procedeu a uma primeira alteração ao seu Rol de testemunhas, requerendo que a testemunha DD fosse inquirida em audiência de julgamento através das plataformas “Zoom” ou “Webex”, e que, através de novo requerimento apresentado no dia 28/05/2024 (referência Citius 3661523), transmitiu que procedeu à alteração do seu rol de testemunhas, dizendo que a testemunha previamente indicada, JJ, foi substituída pela testemunha KK, e que se mantêm no Rol as testemunhas HH, EE, FF e GG (que não foram agora notificadas para prestarem depoimento na audiência de julgamento). 10 - E, na sequência do exposto nas precedentes conclusões números 6 a 9, a embargada/recorrente, veio requerer, a final, que fosse dada sem efeito a realização da audiência de julgamento agendada para o dia 26 de setembro, por não ser possível proceder à convocação das testemunhas indicadas pela embargante em tempo útil, e que fosse ordenada a notificação das testemunhas indicadas pela embargante na peça de dedução de embargos de terceiro (DD, EE, FF e GG) para deporem na audiência de julgamento a reagendar, já que, as demais testemunhas indicadas pela embargante eram a apresentar. 11 - Não foi em vão que, através de requerimento apresentado no dia 26/09/2024 (cfr. referência Citius 3764494), a embargante se pronunciou sobre o teor do requerimento da embargada acabado de referir, de 19/09/2024, tendo dito claramente no respetivo § 4.º: “Sendo certo que o depoimento das referidas testemunhas se revelará de extrema importância para o apuramento da verdade material”, e rebatendo a final “Nada tem a opor ao reagendamento da audiência final, mercê da não notificação das testemunhas arroladas pela embargante”. 12 - Ou seja, também a embargante concordou em absoluto com a embargada/recorrente, na senda de que as testemunhas que arrolou nos embargos de terceiro deduzidos, deveriam ter sido notificadas para a audiência final, razão pela qual esta devia ser reagendada. 13 - No entanto, a embargante, aproveitou aquele requerimento (cfr. referência Citius 3764494), para requerer que a presente instância fosse suspensa nos termos do n.º 1 do artigo 272.º do C. P. C., alegando encontrar-se a correr também no Juízo de execução de Chaves o processo n.º 327/07.0TBMTR (onde a embargante deu entrada a um requerimento para anulação da sua citação), acrescendo que, além do mais, no limite, poderiam vir a ocorrer duas decisões judiciais incompatíveis entre si, tudo conforme o requerimento que foi acima transcrito na íntegra (na parte inicial das alegações). 14 - Perante tal pedido de suspensão, a embargada/recorrente reagiu através de requerimento apresentado em 07/10/2024 (cfr. referência Citius 3776297), opondo-se a tal pretensão, e muito em particular porque já nos artigos 5.º a 10.º, da contestação que deduziu e apresentou no presente processo no dia 22/11/2023 (cfr. referência Citius 3465223), alegou que, ainda que viesse a ser verificada a falta de citação da embargante no processo de execução n.º 327/07.0TBMTR, tendo em atenção o disposto no n.º 4 do artigo 851 do C. P. C., e na alínea a) do artigo 1294 do Código Civil, nunca estaria posta em risco, por essa razão, a finalidade a que a presente execução se destina, devendo apenas ser verificado se a embargada é ou não a dona e legítima possuidora do prédio urbano em causa. 15 - Após esta sequência de requerimentos, que começam pelo facto das testemunhas da embargante arroladas na dedução dos embargos de terceiro não terem sido convocadas para deporem na audiência de julgamento agendada, e culminam num pedido de suspensão desta instância executiva pela embargante ao qual foi deduzida oposição pela embargada, foi proferido o douto despacho recorrido, no passado dia 29/10/2024 (cfr. referência Citius 40209595). 16 - Ora, em tal despacho recorrido, salvo melhor opinião, segundo uma interpretação da qual discordamos, foi decidido: a) suspender a presente instância executiva, e b) que as testemunhas arroladas pela embargante na dedução de embargos de terceiro não têm que ser convocadas para depor na audiência de julgamento. 17 - Assim, em relação à primeira decisão, de suspender a presente instância executiva, necessário se torna, desde já, e para que o Douto Tribunal da Relação possa apreciar convenientemente o despacho recorrido, que possa também verificar o requerimento junto pela embargante ao referido processo de execução 327/07.0TBMTR (iniciado há cerca de 17 anos e terminado há mais de 12), pelo que, aqui se procede à respetiva junção (cfr. Doc. 1, que se junta com o requerimento de interposição do presente recurso, e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos). 18 - No dito requerimento (Doc. 1) e confrontado com a peça de dedução de embargos de terceiro, pode verificar-se que o mesmo deu entrada no dia 13/09/2023, ou seja, duas horas antes da entrada dos embargos de terceiro, com a manifesta intenção de, posteriormente, ser requerida a suspensão da presente instância, como veio a acontecer, observando-se assim as fundadas razões a que se reporta o n.º 2 do artigo 272.º do Código Civil. 19 - A embargada/recorrente, opôs-se à suspensão desta instância também com as razões que já tinha invocado nos artigos 5.º a 10.º da contestação que deduziu (cfr. referência Citius 3465223), e que na parte inicial das presentes alegações se transcrevem na íntegra, razões essas que, na nossa modesta opinião, não foram tidas em devida consideração na ponderação para não suspensão da instância (juntam-se Docs. 2 e 3, que também comprovam a matéria alegada nos artigos 5. a 10.º daquela contestação). 20 - Isso porque, provando-se decorrido o prazo para a usucapião, o que resulta claramente dos referidos documentos juntos com a contestação (cfr. Docs. 1, 2 e 3, juntos com a contestação), e também aqui (Docs. 2 e 3 juntos com o requerimento de interposição do presente recurso), os embargos de terceiro deverão ser julgados improcedentes, o que em nada contende com a decisão a proferir no aludido processo de execução n.º 327/07.0TBMTR (que se vier a decidir que a citação da embargante é nula, não levará à nulidade de venda do imóvel à embargada, porque já decorreu o prazo para a usucapião - n.º 4, do artigo 851.º do C. P. C.). 21 - Além de que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 348.º do C. P. C., a embargada, recorrente, pediu o reconhecimento, na contestação que apresentou, do seu direito de propriedade sobre o bem imóvel em causa, também, com base na usucapião. 22 - Não podendo de maneira alguma desconsiderar-se, na decisão de suspensão da instância constante do despacho recorrido, o disposto no n.º 4 do artigo 851.º do C. P. C., e na alínea a) do artigo 1294.º do Código Civil. 23 - Facilmente se apura que o requerido pedido de suspensão dos embargos de terceiro até que a decisão do requerimento de eventual falta de citação da aqui embargante no processo de execução 327/07.0TBMTR transite em julgado, mais não é do que um mero estratagema para atrasar a entrega do prédio urbano exigida na presente execução, que a embargante indevidamente ocupa. 24 - Tal como é referido no despacho recorrido, a jurisprudência é praticamente uniforme no sentido de que a norma do n.º 1 do artigo 272.º do C. P. C., não é aplicável às ações executivas (Ac. do STJ de 14/10/2004, Proc. 04B2771, www.dgsi.pt), passando de seguida o mesmo despacho a expor sucintamente as razões para que assim seja. 25 - Por tudo o referido quanto a esta decisão de suspensão da instância constante do despacho recorrido, ao contrário do que posteriormente foi entendido nos seus três últimos parágrafos, e mesmo olvidando que a suspensão a que alude o n.º 1 do artigo 272.º do C. P. C. não se aplica no processo executivo, tendo a venda no longínquo processo n.º 327/07TBMTR ocorrido há bem mais de 10 anos (o que resulta documentalmente e claramente provado nesse processo de execução), sendo pois de aplicar o disposto no n.º 4 do artigo 851.º do C. P.C., não existe qualquer risco de que sejam proferidas duas decisões contraditórias e/ou incompatíveis entre si, não havendo qualquer motivo justificado para determinar a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no âmbito do processo executivo n.º 327/07TBMTR. 26 - Esta decisão, de suspensão da instância executiva, constante do despacho de que se recorre, viola, pelo menos, o disposto nos números 1 e 2 do artigo 272.º, e no n.º 4 do artigo 851.º, ambos do C. P. C. 27 - Já em relação à segunda decisão proferida no despacho recorrido, defendendo que as testemunhas arroladas pela embargante na dedução de embargos de terceiro não têm que ser convocadas para depor na audiência de julgamento, e no seguimento do alegado nas precedentes conclusões números 6 a 12, importa apenas acrescentar, 28 - Dispõe o Artigo 345.º do C. P. C., no que respeita à fase introdutória dos embargos: “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”. 29 - Dispõe o Artigo 348.º do mesmo código, no que respeita ao processamento subsequente ao recebimento dos embargos: “1 - Recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum (…)”. 30 - As testemunhas indicadas pela embargante no processo de dedução de embargos de terceiro deviam ter sido convocadas para deporem na audiência de discussão e julgamento, sob pena de violação, entre outras normas, do princípio do contraditório na audição da prova, já que, se assim não for, a embargada fica impedida de contrainterrogar tais testemunhas. 31 - Em oposição ao que menciona o despacho recorrido, não resulta em qualquer parte da lei que tem que ser a embargada a indicar, em sede de contestação, as testemunhas da embargante que já foram ouvidas para apurar factos indiciários, caso pretenda esclarecimentos. 32 - Antes pelo contrário, conjugando o referido n.º 1 do artigo 348.º, com o artigo 500.º, ambos do C. P. C., “as testemunhas depõem na audiência final, presencialmente ou através de teleconferência”, porquanto, a audição a que se reportam as diligências probatórias constantes do disposto no artigo 345.º do C. P.C., não se enquadra em nenhuma das exceções mencionadas nas alíneas a) a g) do artigo 500.º do C. P. C.. 33 - E a embargada tem todo o interesse em contrainterrogar ou contraditar as testemunhas da embargante, sendo essa uma das prerrogativas conferida pela lei processual. 34 - Esta decisão, de que as testemunhas arroladas e ouvidas previamente pela embargante não têm que ser convocadas para a audiência de julgamento para serem interrogadas ou contraditadas pela embargada, também constante do despacho recorrido, viola o disposto nos artigos 3.º (n.º 3), 348.º e 500.º do Código de Processo Civil. Contra-alegou a embargante, pugnando pela manutenção da decisão recorrida quanto à suspensão da instância e dizendo que as testemunhas que a embargada pretende inquirir não constam do respectivo rol. A embargante também interpôs recurso, pedindo seja declarada a nulidade do segmento do despacho de 29-10-2024 que determinou que a prova que vai ser produzida em audiência final é apenas aquela que a Embargada indicou no seu requerimento probatório e o mesmo seja substituído por outro que ordene a notificação das testemunhas arroladas pela Embargante, a fim de comparecerem e deporem em audiência de julgamento, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1º Vem o presente recurso interposto do douto despacho de 29-10-2024, ref.ª citius 40209595, proferido pelo Tribunal a quo, na parte em que decidiu que a prova que vai ser produzida em audiência de julgamento é apenas aquela que a Embargada indicou no requerimento probatório junto com a contestação de embargos, porque a prova indicada pela Executada/Embargante na petição de embargos já foi ouvida e encontra-se documentada nos autos. 2º Extrai-se, indubitavelmente, do segmento decisório em apreço que a prova tempestivamente arrolada pela Embargante, em requerimentos de 19-04-2024, ref.ª Citius 3621585 e 28-05-2024, ref.ª Citius 3661523, não poderá ser ouvida em audiência de julgamento. 3º Não obstante a mesma tenha sido admitida por despachos de 14-05-2024, ref.ª Citius 39623222 (reportado à prova arrolada em requerimento de 19-04-2024) e de 18-06-2024, ref.ª Citius 39753819, (reportada ao requerimento da embargante a alterar o respectivo rol). 4º Ora, a prova testemunhal que foi produzida e valorada em sede de decisão liminar, ou seja, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 345º e 347º do CPC, tinha como única finalidade aquilatar a probabilidade séria da existência ou não do direito invocado pela Embargante e, em caso afirmativo, determinar o recebimento dos embargos, com suspensão dos termos da execução, quantos aos bens a que dizem respeito e a notificação às partes primitivas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum, cfr. arts. 347º e 348º do CPC. 5º Não tendo nas diligências realizadas sobre a admissibilidade dos embargos sido proferida qualquer decisão de mérito sobre os próprios embargos. 6º Apesar de assim ser, no despacho recorrido decidiu-se que a prova que vai ser produzida em audiência final é apenas aquela que a Embargada indicou no seu requerimento probatório junto com a contestação aos embargos, porquanto a prova indicada pela Executada/Embargante na petição de embargos já foi ouvida e encontra-se documentada nos autos. 7º Deixando assim à margem a produção da prova testemunhal arrolada pela Embargante após o recebimento dos embargos. 8º Sendo que, salvo o devido respeito, assiste pleno direito à Embargante, ora Recorrente, de apresentar e produzir prova testemunhal em sede de audiência final, que habilite o Tribunal a proferir decisão de mérito sobre os embargos. 9º Tanto mais que o Princípio do Contraditório impõe que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, cfr. art. 3º, n.º 3 do CPC. 10º A decisão recorrida, a ser mantida, impedirá a Embargante, ora Recorrente, de contraditar, à custa de prova testemunhal a produzir, todos os “pedaços da vida” que a Embargada levou à sua Contestação aos embargos, em manifesta violação do Princípio do Contraditório e da Igualdade das Partes. 11º Acresce que, dispõe o art. 348º, n.º 1 do CPC que, recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum e prevê o n.º 1 do art. 415º do CPC que, salvo disposição legal em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas. 12º Tratando-se de prova constituenda (prova testemunhal) deve ser observado o princípio do contraditório relativamente à sua admissão, preparação e produção. 13º Andou mal o Tribunal a quo ao ter consignado, ainda mais nas circunstâncias em que o fez (após ter, por duas vezes, admitido a alteração à composição do rol de testemunhas da Embargante), que a prova a produzir em audiência de julgamento é apenas aquela que a Embargada indicou no seu requerimento probatório junto com a Contestação aos embargos, impedido assim a produção da prova testemunhal, em audiência de julgamento, indicada pela Embargante, ora Recorrente, impossibilitando esta de produzir tal meio de prova sobre factos por si alegados, bem como contraprova dos factos alegados pela Embargada Banco 1..., CRL. 14º Encerrando a decisão recorrida, quanto a esta questão, acto que a lei não permite. 15º Sendo, consequentemente nula, cfr. artigo 195º, n.º 1 e 2 do CPC. Nulidade essa que aqui se argui, com as legais consequências. 16º Ao ter decidido nos termos supra mencionados, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 3º, n.º 3, 348º, n.º 1, 415º, n.º 1, 500º e 507º, n.º 2, todos do CPC, e 20º, n.º 1 e 4 da CRP. 17º As normas supra citadas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas por forma a ser determinado que as testemunhas arroladas pela Embargante, ora Recorrente, cfr. requerimentos de 19-04-2024, ref.ª Citius 3621585, e 28-05-2024, ref.ª Citius 3661523, devem ser notificadas e inquiridas em sede de audiência final. Não consta que a embargada tenha contra-alegado 2. Questões a apreciar O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. As questões que cumpre apreciar são: - relativamente ao recurso interposto pela embargada: a) as testemunhas arroladas pela Executada/Embargante na petição de embargos, ouvidas na fase introdutória dos embargos de terceiro, têm que ser obrigatoriamente convocadas para a audiência final? b) o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao suspender a instância dos embargos de terceiro? - relativamente ao recurso interposto pela embargante a única questão consiste em saber se o tribunal a quo, ao decidir que na audiência final apenas há lugar à inquirição das testemunhas arroladas pela embargada, incorreu na nulidade prevista no art.º 195º do CPC? 3. Fundamentação de facto As incidências fácticas relevantes para a decisão são as que constam do antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas. 4. Fundamentação de direito 4.1. Enquadramento jurídico 4.1.1. Dos embargos de terceiro Dispõe o art.º 342º n.º 1 do CPC: “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.” E dispõe o art.º 345º: “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados, conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”. E, no que releva ao recurso, o art.º 348º n.º 1 do CPC dispõe que recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum. Face ao preceituado nos art.ºs 345º e 348º do CPC verifica-se que, relativamente ao processo comum declarativo, os embargos de terceiro comportam uma fase de admissibilidade liminar, sem contraditório da parte contrária – fase em que pode ser proferido despacho de indeferimento liminar, findando os autos –, e uma fase de admissibilidade introdutória – não foi proferido despacho de indeferimento liminar e abrem-se, então, duas possibilidades: i) os autos contêm todos os elementos que permitem uma decisão de recebimento; ii) os autos não contêm esses elementos, sendo necessário produzir as provas indicadas pelo embargante que o juiz repute necessárias para aferir da admissibilidade, após o que o mesmo decide se recebe ou rejeita os embargos. Como refere Marco Carvalho Gonçalves in Lições de Processo Executivo, 5ª edição, pág. 473 “esta fase introdutória dos embargos de terceiro visa a apreciação liminar da viabilidade [dos mesmos], com vista a prevenir e acautelar as hipóteses de dedução de embargos sem fundamento sério, razão pela qual o juiz não funda a sua decisão com base numa convicção segura acerca da existência do direito invocado, mas antes num mero juízo de probabilidade séria quanto à existência desse direito…” E como refere Salvador da Costa in Os Incidentes da Instância, 12ª edição, pág. 170 “o despacho que admita liminarmente os embargos, porque se baseia num mero juízo de viabilidade e se limita a assegurar o prosseguimento do processo, não forma caso julgado formal quanto à existência do direito derivado da posse ou outro em que o embargante baseie a sua pretensão, ou seja, não vincula o julgador na sentença final.” No caso de serem admitidos/recebidos e como dispõe o art.º 348º, os embargos passam a seguir os termos do processo comum, o que significa, desde logo, que as partes primitivas são notificadas para contestar, poderá haver lugar a despacho pré-saneador (art.º 590º), poderá haver audiência prévia (art.º 591º) ou não ( 592º), ou ser dispensada (art.º 593º), prolação de despacho saneador (art.º 595º), despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.º 596º), eventual alteração dos requerimentos probatórios (art.º 598º), audiência final (art.º 599º a 606º), na qual, em regra, são ouvidas todas as testemunhas (art.º 500º do CPC), sentença e eventualmente recurso. Do exposto resulta que, caso os embargos sejam recebidos, a eficácia da prova pessoal produzida na fase introdutória fica confinada a essa fase, não se projectando para a fase em que os embargos seguem os termos do processo comum, ainda que esteja gravada, não podendo ser considerada no âmbito da decisão final (um pouco à semelhança do que sucede com a prova produzida nos procedimentos cautelares, que nenhuma influência tem no julgamento da acção principal). E já assim era entendido no âmbito do art.º 376º do CPC revogado, o qual dispunha que “[r]ecebidos os embargos, são notificadas para contestar as partes primitivas, seguindo-se os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor“, como resulta do Ac. da RP de 11/03/2014, processo 1891/13.0TBAMT-B.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, citado pela embargante nas suas alegações, em cujo sumário consta: II - Seguindo o processo (…) os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, nenhum aproveitamento ulterior terão os depoimentos colhidos na fase liminar do incidente. Essa prova nada pode significar para a ulterior apreciação do mérito dos embargos, até porque ocorre num momento processual em que o contraditório nem está instalado plenamente. Assim, recebidos os embargos, o embargante tem o ónus de, na fase posterior, produzir prova de que a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofende a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, o que poderá ser feito mediante a prova pessoal produzida na fase introdutória ou nova prova, já que, como referido, a eficácia da prova produzida na fase introdutória fica confinada a essa fase, não tendo qualquer influência no julgamento final dos embargos de terceiro e, além disso, o embargante pode alterar o seu requerimento probatório nos termos do disposto no art.º 598º do CPC, podendo prescindir de umas testemunhas e arrolar outras. E são quatro as razões essenciais para ser assim e não ser admissível o aproveitamento da prova produzida na fase introdutória. A primeira e desde logo é que a lei dispõe que, recebidos os embargos, as partes primitivas são notificadas para contestar, seguindo-se os termos do processo comum, o que tem o significado já supra explicado. A segunda é que o despacho de recebimento dos embargos apenas assegura o prosseguimento do processo, fundado num mero juízo de probabilidade séria quanto à existência de uma situação de posse e do direito invocado. A terceira radica no facto de toda a fase introdutória, incluindo a eventual produção de prova a que haja lugar, se processar sem contraditório do embargado. Ora, nos termos do disposto no art.º 415º do CPC, salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas. As excepções resultam necessariamente da lei, como sucede, por exemplo, com a produção de prova para efeitos de admissibilidade introdutória dos embargos de terceiro ou nos procedimentos cautelares em que não seja admissível o contraditório prévio. E nos termos do nº 2 do mesmo normativo, quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não for revel, para todos os atos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses atos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória. Finalmente, admitir a possibilidade de aproveitamento da prova produzida na fase introdutória, só havendo lugar à produção de prova apresentada pelo embargado, constituiria uma clara violação do principio da igualdade das partes (cfr. art.º 4º do CPC), pois o embargado ficaria impossibilitado de exercer o contraditório nos termos do n.º 2 quanto à prova pessoal produzida na fase introdutória, ao contrário do embargante, que poderia exercer esse contraditório quanto às provas constituendas apresentadas pelo embargado. 4.1.2. Da nulidade processual No quadro da tramitação da causa um despacho, enquanto trâmite, pode resultar numa nulidade processual, ex vi art.º 195º do CPC, o qual dispõe: 1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. 2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. Este normativo coloca duas questões: - a definição da irregularidade na tramitação processual; - quando é que se deve considerar que a mesma pode influir no exame ou na decisão da causa. Uma das causas de nulidade processual é a prática de um acto em violação da sequência processual fixada pela lei. Isto porque o processo é um conjunto ordenado e sequencial de actos tendo em vista um fim. Assim refere Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª edição, Volume 1º, pág. 381: “(…) na verificação da nulidade, há que atender ao momento processual em que o ato é ou devia ter sido praticado, de tal modo que a prática de atos processuais por ordem inversa daquela por que deviam ter sido praticados, equivale, ao mesmo tempo, à prática inadmissível do ato praticado em primeiro lugar e à omissão do ato que, segundo a lei, o devia preceder (…)” Não existe definição legal sobre «irregularidade com influência no exame ou na decisão da causa». Continuam, por isso, a ter total validade os ensinamentos de Alberto dos Reis In Comentário ao Código de Processo Civil, Volume II, 1945, p. 486: “Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos atos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e, portanto, a instrução, a discussão ou o julgamento dela”. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 249 referem que o “sistema remete para uma análise casuística, suscetível de só invalidar o ato que não possa, de todo, ser aproveitado, sendo certo que a nulidade de um ato acarreta a invalidação dos atos da sequência processual que daquele dependam absolutamente.” Deste modo, podemos assentar que uma irregularidade influiu no exame e decisão da causa se não assegurar a justa decisão da mesma. Em principio a nulidade processual deve ser invocada no tribunal que cometeu a irregularidade e no prazo previsto no art. 199º n.º 1: a) se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; b) se não estiver, o prazo para a arguição (de 10 dias, nos termos do n.º 1 do art.º 149º do CPC) conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência. No entanto, Alberto dos Reis, in CPC Anotado, V, reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 424, referia que “se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos e não por meio de arguição de nulidade do processo.” Era também esta a posição de Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 183, que afirmava: “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo.” Por sua vez, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, pág.133, pronunciava-se quanto ao modo de arguição das nulidades, dizendo: “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está, ainda que indireta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há despacho que pressuponha o ato viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respetivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reação contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respetivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º).” Também Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 387 e segs. afirmava: “as nulidades, para cuja apreciação é competente o tribunal onde o processo se encontre ao tempo da reclamação, (…) serão julgadas logo que apresentada reclamação (…). Se, entretanto, o ato afetado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão.” Finalmente, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, I, 3ª pág. 384, referem: “ Assim também, quando um despacho judicial aprecia a nulidade de um ato processual ou, fora do âmbito da adequação formal do processo, admite a prática de um ato da parte que não podia ter lugar, ordena a prática de um ato inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo ato prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional.” Destarte, desde que a nulidade esteja coberta por decisão judicial, o meio próprio para a invocar é o recurso e não a reclamação junto do tribunal que cometeu a irregularidade. 4.1.2. Em concreto 4.1.2.1. Da apelação da embargada quanto à questão da convocação das testemunhas arroladas pela embargante e ouvidas na fase introdutória, para a audiência final A embargada/recorrente entende que as testemunhas arroladas pela embargante e ouvidas na fase introdutória devem ser convocadas obrigatoriamente para a audiência final a fim de a mesma pode exercer o contraditório. Face a tudo o que ficou exposto em sede de enquadramento jurídico, cremos resultar claro o equívoco da embargada/recorrente, pois a eficácia da prova produzida na fase introdutória dos embargos de terceiro fica confinada à mesma, não podendo ser considerada na decisão final, pelo que não tem a embargada de exercer o contraditório quanto à mesma. Isto sem prejuízo de se considerar também como certo o equívoco da decisão recorrida, ao considerar aproveitável a final a prova produzida pela embargante na fase introdutória dos embargos de terceiro e que a Exequente/Embargada devia ter arrolado como testemunhas as pessoas ouvidas na referida fase introdutória a fim de exercer o contraditório e, não o tendo feito, prescindiu de as instar na audiência final. Após o recebimento dos embargos e na audiência final, cabe à embargante produzir prova de que a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofende a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, o que poderá ser feito mediante a prova pessoal produzida na fase introdutória ou nova prova, já que, seguindo os embargos de terceiro, após o seu recebimento, os termos do processo comum de declaração, a embargante pode alterar o seu requerimento probatório. Destarte, carece de fundamento legal a pretensão da embargada/recorrente de que as testemunhas arroladas pela embargante e ouvidas na fase introdutória, devem ser convocadas obrigatoriamente para a audiência final a fim de a mesma poder exercer o contraditório, pelo que o recurso da mesma improcede nesta parte. 4.1.2.2. Da apelação da embargante quanto à questão de saber se na audiência final apenas há lugar à inquirição das testemunhas arroladas pela embargada Perante o disposto na parte final do n.º 1 do art.º 348º do CPC, que determina que, após o recebimento dos embargos de terceiros, os mesmos seguem os termos do processo comum, a prova a ser produzida na audiência final é toda a prova arrolada por ambas as partes, ficando a eficácia da prova produzida na fase introdutória confinada a essa fase. Temos assim de concluir que o despacho recorrido, ao considerar aproveitável a final a prova produzida pela embargante na fase introdutória dos embargos de terceiro, por se encontrar gravada, e que a prova a ser produzida em audiência de julgamento é apenas aquela que a embargada indicou no seu requerimento probatório junto com a contestação de embargos, viola a sequência processual fixada pela lei, o que compromete claramente o julgamento da causa e, assim, a boa decisão da mesma, do que resulta a sua nulidade à luz do disposto no art.º 195º, n.º 1 do CPC. Em função disso e nesta parte o despacho recorrido não se pode manter, devendo ser revogado e substituído por outro que determine a inquirição na audiência final, também, das testemunhas arroladas pela embargante e a notificação das mesmas, com excepção das testemunhas que devam ser apresentadas em audiência de julgamento nos termos do art.º 598º, n.º 3 do CPC e, em consequência, a apelação da embargante deve ser julgada procedente. 4.2. Da suspensão da instância 4.2.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 272º n.º 1 do CPC que o juiz pode determinar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta. Atento o que consta do artigo 276º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. E tal normativo acolhe o ensinamento de Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, III vol): «Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (...)» (pág. 268), «... a razão de ser da suspensão por pendência da causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos» (pág. 269). O que é necessário é que a causa prejudicial esteja proposta no momento em que se ordena a suspensão; nada importa que o não estivesse ainda na data em que se intentou a causa dependente. A frase “já proposta” reporta-se ao momento em que o juiz profere o despacho de suspensão, visto estar em correlação com o passo: «O juiz pode ordenar a suspensão» (pág. 288). De forma mais lata afirma-se que a prejudicialidade entre acções verifica-se quando o que é decidido numa delas (a acção prejudicial) condiciona o que pode ser decidido na outra (a acção dependente) (Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, Livro II, pág. 155). No Ac do STJ de 26/5/94 (CJ II, 2º, pág. 117) preconiza-se que a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando «na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução por si só, possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.» De acordo com o Assento STJ de 24/5/1960, publicado no Diário do Governo, I, de 15/6/1960 e in BMJ 97, 392, “a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284.º [actualmente 272.º]” Mas o mesmo não se aplica aos processos declarativos que sejam dependentes da execução (embargos de executado, embargos de terceiro). Tais processos podem ser suspensos por prejudicialidade de outra acção já proposta (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, Livro II, pág. 156 com citação de jurisprudência). 4.2.2. Em concreto Na acção executiva de que os presentes são apenso a embargada peticiona a entrega de um lote de terreno, com o n.º 1, com casa de habitação de rés-do-chão, sita na ..., inscrita na matriz da União de freguesias ... e ... sob o artigo ...76, descrita na CRPredial ... sob o n.º ...14 da extinta freguesia ... e inscrita a seu favor pela Ap. ...05 de 2010/12/03. Está invocado e não está questionado que a embargada adquiriu o citado imóvel no processo 327/07.0TBMTR que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Montalegre. Está ainda invocado e não está questionado que a embargante foi executada em tal processo. Também está invocado e demonstrado que a embargante pediu no referido processo a anulação da execução ao abrigo do disposto no art.º 851º do CPC invocando a falta de conhecimento da citação e, sem prescindir, a nulidade da citação. Dispõe o art.º 851º do CPC Anulação da execução, por falta ou nulidade de citação do executado 1 - Se a execução correr à revelia do executado e este não tiver sido citado, quando o deva ser, ou houver fundamento para declarar nula a citação, pode o executado invocar a nulidade da citação a todo o tempo. 2 - Sustados todos os termos da execução, conhece-se logo da reclamação e, caso seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado. 3 - A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução. 4 - Se, após a venda, tiver decorrido o tempo necessário para a usucapião, o executado fica apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou de má-fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto. Como decorre do n.º 2 caso seja julgada procedente a reclamação, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado. Destarte, verifica-se uma situação de prejudicialidade entre a anulação da execução requerida no processo 327/07.0TBMTR e os presentes embargos de terceiro pois se aquela for julgada procedente, tal implicará a anulação do acto de aquisição pela embargada do imóvel cuja entrega está peticionada na acção executiva de que os presentes autos são apenso e não poderá deixar de ser considerado na decisão dos mesmos. A embargada invoca o disposto no n.º 4 do art.º 851º, dizendo que, ainda que haja falta de citação da ora embargante naquele processo, decorreu o tempo necessário para a usucapião. Tal questão constitui um facto impeditivo do direito da aqui embargante, ali executada, obter a anulação da venda. E sendo assim, é nos referidos autos 327/07.0TBMTR que carece de ser invocada e conhecida e não nos presentes autos. A embargada, aquando da pronúncia quanto à requerida suspensão da instância requerida pela embargante, não invocou que existem fundadas razões para crer que aquela anulação da execução foi intentada unicamente para se obter a suspensão (cfr. n.º 2 do art.º 272º do CPC). Fê-lo no recurso. Trata-se, porém, de questão que este tribunal ad quem não pode conhecer por ser uma questão nova. Em face de tudo o exposto e ainda que por razões em parte diferentes, a decisão de suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no incidente de anulação da execução deduzido pela embargante no processo 327/07.0TBMTR que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Montalegre deve manter-se e nesta parte o recurso da embargada deve ser julgado improcedente. 4.3. Custas Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que: 1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A embargada ficou totalmente vencida no recurso, pelo que é integralmente responsável pelas custas da apelação por si interposta. A embargante obteve vencimento no recurso. A embargada não contra-alegou, pelo que a mesma não é vencida. Destarte a embargante é responsável pelas custas da apelação por si interposta à luz do critério do proveito. 5. Decisão Termos em que acordam os Juízes da 1ª secção da Relação de Guimarães em julgar: - totalmente improcedente a apelação da embargada; - procedente a apelação interposta pela embargante e, em consequência, revogar o despacho recorrido na parte em que considerou aproveitável a final a prova produzida pela embargante na fase introdutória dos embargos de terceiro, por se encontrar gravada, e que a prova a ser produzida em audiência de julgamento é apenas aquela que a embargada indicou no seu requerimento probatório junto com a contestação de embargos, que se substitui por outro, que determina a inquirição na audiência final, também, das testemunhas arroladas pela embargante e a notificação das mesmas, com excepção das testemunhas que devam ser apresentadas em audiência de julgamento nos termos do art.º 598º, n.º 3 do CPC. Custas: i) da apelação interposta pela embargada – pela embargada ii) da apelação interposta pela embargante – pela embargante Notifique-se * Guimarães, 10/07/2025 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos Susana Raquel Sousa Pereira |