| Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA CRISTINA CERDEIRA | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ANULAÇÃO DE TESTAMENTO ANULAÇÃO DE CESSÃO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO ERRO VÍCIO ERRO NA FORMAÇÃO DA VONTADE DOLO | ||
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| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/15/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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| Sumário: | I) - O vício da vontade negocial que se traduza em deficiência de discernimento do autor constitui erro. O erro em direito civil consiste numa falsa percepção da realidade, na desconformidade entre a realidade e o entendimento dessa realidade e pode incidir sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, sobre os motivos determinantes da vontade e sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio. II) - O Código Civil distingue fundamentalmente o erro na declaração (também designado erro-obstáculo), caso em que a vontade real diverge da vontade declarada, produzindo uma divergência no processo de formulação ou de manifestação da vontade, previsto no artº. 247º; do erro sobre os motivos (também designado por erro-vício) previsto nos artºs 251º a 254º, em que não existe qualquer divergência entre a vontade e a declaração, pois a declaração está em perfeita sintonia com a vontade, mas é esta que está viciada, porque foi mal esclarecida. III) - O erro-vício ou erro sobre os motivos ocorre quando o declarante tem uma ideia ou representação inexacta sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância de facto ou de direito que foi determinante na formação da sua vontade, em termos de se poder afirmar que se o declarante tivesse conhecimento exacto da realidade não teria celebrado o negócio ou tê-lo-ia celebrado em termos diversos. IV) - O erro-motivo ou erro-vício pode incidir sobre a pessoa do declaratário ou sobre o objecto do negócio, nos termos do artº. 251º do Código Civil, que remete o seu regime para o do artº. 247º (concernente ao erro na declaração), ou ainda sobre os motivos determinantes da vontade nos termos do artº. 252º, nº. 1 do mesmo Código. V) - Por via da remissão que o artº. 251º faz para o disposto no artº. 247º do Código Civil, em qualquer uma das situações ali previstas – erro sobre a pessoa do declaratário ou erro sobre o objecto do negócio – para que o negócio seja anulável mostra-se necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que recaiu o erro determinante da vontade. VI) - O erro sobre os motivos determinantes da vontade previsto no artº. 252º, nº. 1 do Código Civil só é causa de anulação se as partes tiverem aceite e reconhecido a essencialidade do motivo. Trata-se de um erro que inquina a formação da vontade negocial, que condiciona o declarante, porquanto este criou previamente o convencimento sobre determinada condição ou facto e pautou o seu comportamento em função desse factor, evento ou acontecimento querido, essencialidade que o outro contraente também conhece e que é causa de anulação. VII) - A parte que invoque o erro sobre os motivos determinantes da vontade tem o ónus de alegar e provar a essencialidade do erro e o acordo quanto a essa essencialidade (acordo que pode ser expresso ou tácito e determina-se por interpretação negocial). VIII) - Existe erro sobre os motivos determinantes da vontade do Autor quando este assinou a escritura de cessão do quinhão hereditário por a Ré lhe ter garantido verbalmente de que se tratava de uma mera formalidade e que posteriormente lhe pagaria o preço declarado no documento, e ainda por estar presente no acto o companheiro daquela, magistrado judicial na altura, em quem o Autor depositava total confiança e cuja presença conferia seriedade à situação, quando nunca foi intenção da Ré pagar ao irmão o montante de € 700.000,00 declarado na escritura como sendo o preço da cessão, sabendo aquela que o Autor não abriria mão do seu quinhão na herança do pai e muito menos o faria gratuitamente. IX) - O dolo implica uma prévia “sugestão” ou “artifício” do declaratário e tem, como reverso necessário, induzir ou manter em erro o autor da declaração, como resulta do disposto no artº. 253º, nº. 1 Código Civil. Existe assim uma dupla causalidade no dolo, que tem a ver com o dolo e o erro, por ele causado no declarante, erro esse determinante do negócio. X) - Enquadra-se na figura do dolo a actuação da Ré (no pré e pós realização da escritura de cessão do quinhão hereditário), designadamente quando se reaproximou do Autor para obter a sua finalidade última (de se tornar a única e exclusiva dona dos bens da herança deixada pelo progenitor comum), apelou ao sentimento e às emoções do próprio irmão, pessoa carente e frágil a nível afectivo e garantiu ao Autor que depois da celebração da escritura de cessão lhe pagaria o preço nela declarado, quando não era sua intenção fazê-lo, uma vez que depois da outorga da escritura a Ré não mais manteve qualquer contacto com o Autor e quando interpelada por este, recusou-se a pagar-lhe o dito preço, bem como ao servir-se da presença do então companheiro, magistrado judicial, no acto da escritura para conferir seriedade à situação, convencendo o Autor das suas legítimas intenções quanto ao pagamento do preço declarado. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO J. B. intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra M. B., pedindo que: a) seja declarado nulo e sem qualquer efeito o testamento outorgado pelo de cujus J. F. a favor da Ré em 29 de Junho de 2010; b) seja declarado nulo o contrato de cessão de quinhão hereditário celebrado entre o Autor e a Ré em 22 de Outubro de 2010; c) se assim não se entender, sejam declarados anulados o testamento e o contrato de cessão de quinhão hereditário; d) seja condenada a Ré a reconhecer a herança indivisa como a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte do pai J. F., identificados na petição inicial; e) seja condenada a Ré à restituição à herança de todos os bens identificados e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente os constantes das contas bancárias do de cujus; f) em conformidade com o pedido constante das alíneas a) a c) supra, sejam declarados nulos e ineficazes todos os negócios celebrados pela Ré sobre bens da herança em datas posteriores às escrituras colocadas em crise; g) se ordene o cancelamento das inscrições que incidam sobre os bens identificados na petição inicial, a favor da Ré e de terceiros; h) subsidiariamente, e sem prescindir, seja declarada nula a declaração de quitação constante do contrato de cessão, por falta de pagamento do preço, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 700.000,00 (setecentos mil euros) a título de capital, acrescida dos competentes juros de mora à taxa legal, vencidos no valor de € 44.032,88 (quarenta e quatro mil trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos) e vincendos à mesma taxa, até efectivo e integral pagamento. Para tanto alega, em síntese, que o Autor e a Ré são filhos e os únicos e universais herdeiros de J. F., falecido em 8 de Outubro de 2010, no estado de divorciado, cuja herança é composta por bens móveis e imóveis, dinheiro, títulos de crédito e outros direitos de natureza patrimonial. Apesar das relações familiares entre o A. e a Ré nunca terem sido afectuosas nem próximas, face ao passado de toxicodependência do primeiro, do qual recuperou em Setembro de 2010, a Ré reatou o contacto pessoal com o A., seu irmão, aquando do óbito do pai, predispondo-se a apoiá-lo em todos os actos da sua vida e passando a transmitir-lhe afecto, cuidado, carinho e atenção, pelo que o A. passou a depositar plena confiança na irmã e permitiu que a mesma procedesse à administração do património mobiliário e imobiliário que integrava a herança ilíquida e indivisa do pai de ambos. Pouco tempo após o óbito do pai e com o pretexto de que importava definir, até por questões fiscais, a situação da herança, a Ré convenceu o A. de que seria melhor formalizar a administração da herança, através da outorga da escritura de habilitação de herdeiros, sob pena de ambos correrem o risco de ficar sem nada, prometendo-lhe que garantiria todos os seus interesses patrimoniais (fosse em termos de habitação, locomoção e/ou rendimentos) e que todos os bens que integravam a herança permaneceriam em comum, para serem utilizados pelos dois como até ali havia acontecido, ameaçando-o ainda que, caso perdessem o património herdado, nunca mais iria admitir que lhe dirigisse a palavra e poria termo, definitivamente, a qualquer contacto entre A. e Ré e o seu agregado familiar. Em 21 de Outubro de 2010 a Ré comunicou verbalmente ao A. que deveria comparecer no dia seguinte no Cartório Notarial de A. C., em Vila Nova de Famalicão, a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros por óbito do pai. Porém, no dia 22 de Outubro de 2010, para além de ter sido outorgada a escritura de habilitação de herdeiros, o A. e a Ré celebraram uma escritura de cessão do quinhão hereditário do Autor, com a qual este foi confrontado apenas no momento da sua leitura, tendo solicitado explicações à Ré, que lhe garantiu verbalmente que se tratava de uma mera formalidade para lhe permitir administrar melhor a herança, e que só dessa forma lhe podia assegurar um rendimento suficiente para prover a todas as suas necessidades de habitação, alimentação e vestuário, bem como aos demais encargos correntes do seu quotidiano. Por força dessa explicação e no quadro de confiança criado pela irmã, o A. aceitou assinar a referida escritura de cessão de quinhão hereditário, na qual a Ré se obrigou a pagar ao A. o preço de € 700.000,00 e uma prestação mensal vitalícia no montante de € 500,00. Naquela altura, a Ré assegurou ao A. que não iria “perder” quaisquer dos bens que seu pai lhe havia prometido deixar, nomeadamente o imóvel onde este residia e os veículos automóveis, de duas e de quatro rodas, que sempre utilizou no seu exclusivo interesse. Contudo, após a celebração das escrituras, a Ré comunicou ao A. que não pretendia manter com ele qualquer contacto e que passava a estar-lhe vedada a utilização de qualquer bem da herança, porque todos lhe pertenciam, recusando-se a prestar ao irmão qualquer apoio, à excepção da prestação mensal de € 500,00 que começou a depositar na conta bancária dele. Naquela altura, a Ré começou a colocar à venda alguns motociclos e automóveis que haviam sido doados ao A. e que eram do seu uso exclusivo. Apesar do A. ter sido interveniente na mencionada escritura de cessão do quinhão hereditário, o certo é que tudo quanto foi declarado em tal instrumento notarial não tem qualquer correspondência com a verdade material, não só porque nenhuma correspondência existe entre a vontade real do A. e aquela que foi declarada, como também a Ré não pagou ao A. o respectivo preço, tratando-se a “declaração de quitação” ínsita naquela escritura de mera “formalidade” que integrou o logro da Ré sobre o A., sendo manifesto que aquela se socorreu de artifícios sentimentais e aproveitou-se da fragilidade psicológica e emocional do A., induzindo-o à celebração do negócio em causa, com o intuito de se apropriar de todos os bens da herança aberta por óbito do pai. A Ré, aproveitando-se ainda da presença do seu companheiro - magistrado judicial em cuja idoneidade e integridade o A. confiava - convenceu este da legalidade do acto que veio a praticar, obtendo ardilosamente uma declaração de quitação de um preço que nunca pagou. O A. agiu em erro, motivado pela conduta dolosa da Ré, que sabia que o irmão não tinha a consciência do sentido e alcance da declaração que emitiu, nomeadamente dos seus efeitos jurídicos, não correspondendo o ali declarado à sua vontade real, ao que foi induzido pela conduta daquela, pelo que a cessão do quinhão hereditário é anulável por erro sobre o objecto do negócio nos termos dos artºs 247º e 251º do Código Civil. Assim como é anulável por dolo nos termos dos artºs 253º e 254º do Código Civil, porquanto a Ré bem sabia que o A., ao assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, estava persuadido de que apenas viabilizava a melhor administração do património da herança e que aquele não abriria mão do seu quinhão hereditário a favor da Ré, muito menos, a título gratuito. A declaração negocial do A. é também anulável por coacção moral nos termos dos artºs 255º e 256º do Código Civil, pois o A. foi ameaçado pela Ré que lhe transmitiu a ideia de que se não fosse formalizada a denominada “administração” da herança, este não só perderia os bens a que tinha direito, como lhe seriam cortadas pela Ré todas e quaisquer relações familiares com a sua pessoa. O ardil criado pela Ré foi de tal forma eficaz que não só o A. não sabia o que estava a outorgar, como se convenceu de que tal contrato em nada contenderia com os seus interesses patrimoniais, pelo que apesar de informado de que emitia uma declaração negocial, acabou por não ter consciência da mesma, o que determina que aquela não produza quaisquer efeitos jurídicos, nos termos do artº. 246º do Código Civil. O A. veio posteriormente a ter conhecimento de que em 29 de Junho de 2010, o pai outorgou um testamento no Cartório Notarial de A. R., em Braga, através do qual instituiu a Ré como única e universal herdeira da sua quota disponível e, em caso de pré-falecimento desta, as suas filhas T. P. e A. P.. O testador deslocou-se ao Cartório Notarial, para lavrar o testamento, em cadeira de rodas, imediatamente após ter estado internado no Hospital da Universidade de … a que se seguiu um internamento no IPO do Porto, donde saiu com o diagnóstico “para morrer”, uma vez que padecia de uma doença oncológica muito grave, sob o efeito de inúmera medicação, revelando sérias dificuldades em se exprimir, sem noção do espaço e do tempo, além de que residia na casa da filha, que lhe ministrava todos os cuidados necessários, por intermédio de uma empregada, encontrando-se ele na total dependência de terceiros para executar todos os actos da sua vida diária. Foi a Ré quem tratou de toda a documentação necessária para elaborar o testamento, que definiu, sem consultar o pai, o que deviria constar do mesmo e que arranjou duas testemunhas da sua confiança, assim como foi ela quem transportou o pai até ao Cartório Notarial, tendo estado presente no momento em que o testamento foi lavrado. Era tal o estado de desorientação do testador e grande a capacidade da Ré em dominar a vontade do pai, que se chegou a lavrar dois testamentos no mesmo dia - um da parte da manhã e outro à tarde - porquanto no primeiro apenas se previa ficar a mesma como usufrutuária dos bens do pai, na medida do disponível, o que não lhe agradava. O A. apenas teve conhecimento desta situação relativa ao testamento em Setembro de 2011, nomeadamente que o testador não só estava incapacitado de entender o sentido da sua declaração – aliás contrária ao que sempre afirmou de não pretender prejudicar e/ou beneficiar qualquer um dos filhos - como não tinha o livre exercício da sua vontade, ainda que transitoriamente. Face ao estado debilitado em que se encontrava, o testador estava impossibilitado de exprimir cumprida e claramente a sua vontade, tendo-o feito necessariamente por sinais ou monossílabos perante a notária e, quem sabe, através da filha, encontrando-se num estado de semiconsciência ou depressão psicológica face à iminência da morte e à presença inibidora da Ré, sendo, por isso, o testamento nulo nos termos do artº. 2180º do Código Civil ou, se assim não se entender, é anulável nos termos do artº. 2199º do mesmo Código. A Ré, munida do testamento e da escritura de cessão da quota hereditária, operou a transmissão a seu favor dos bens móveis e imóveis, valores e direitos pertencentes à herança do seu pai enunciados na petição inicial, de que são beneficiários em partes iguais o A. e a Ré, e que por isso devem ser restituídos à massa da herança. Subsidiariamente, caso o Tribunal entenda que são válidos o testamento e o contrato de cessão do quinhão hereditário, deve reconhecer-se que é patente a divergência entre a declaração contida nesta última e a realidade dos factos, já que o A. não podia dar quitação de um preço que não recebeu, nem nunca pretendeu abrir mão da sua parte da herança gratuitamente. Como a Ré não pagou o dito preço, nem antes nem no momento ou depois da outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário do A., a declaração de quitação ali aposta padece dos mesmos vícios que afectam a declaração de venda desse quinhão e terá que ser havida como não séria nos termos do artº. 245º do Código Civil, com a consequência de não originar qualquer efeito jurídico, devendo a Ré ser condenada no pagamento de tudo o que constituiu contraprestação desse negócio, nomeadamente no pagamento do preço de € 700.000,00 acrescido dos juros de mora legais, vencidos e vincendos. A Ré contestou, defendendo-se por excepção, alegando que a petição inicial é inepta por na mesma se cumularem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, nos termos do artº. 193º, n.º 2, al. c) do CPC. Defendeu-se também por impugnação, alegando, em síntese, que o A. e a Ré quiseram celebrar a escritura de cessão de quinhão hereditário nos termos nela exarados, onde aquele se exprimiu livre e conscientemente, já que reconheceu que vem dissipando desde a adolescência o património dos pais, que investiram grande parte do seu dinheiro a tentar a sua recuperação da dependência de drogas. Subsidiariamente, refere que os saldos das contas bancárias e aplicações financeiras descritos no artº. 137º da petição inicial não pertenciam na totalidade à herança do pai, mas antes pertenciam em partes iguais à Ré e ao seu pai. Conclui, pugnando pela procedência da excepção deduzida, com a sua absolvição da instância, devendo a presente acção ser julgada improcedente e a Ré absolvida de todos os pedidos. O Autor apresentou réplica na qual alegou, em síntese, que a petição inicial não padece de qualquer vício, para além de que é falso o alegado pela Ré quanto à compropriedade dos saldos bancários e aplicações financeiras descritos no seu articulado, porquanto os valores em causa eram e são da exclusiva propriedade do pai do A. e da Ré, sendo que esta nunca auferiu rendimentos provenientes do trabalho ou outros, nem nunca teve capacidade para aforrar as elevadas quantias que irregularmente pretende fazer suas. Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido o despacho saneador onde se julgou não verificada a invocada ineptidão da petição inicial e se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que não sofreram reclamações. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo. Em 3 de Fevereiro de 2014 foi proferida sentença pelo Tribunal de 1ª instância que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu: - anular o testamento outorgado a 29.6.2010 e a cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de Outubro de 2010; - condenar a ré a reconhecer a herança indivisa como a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte de J. F.; - condenar a ré à restituição à herança de todos os bens e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente das contas bancárias do de cujus; - condenar a ré a restituir à herança o correspondente valor dos bens já alienados e registados a favor de terceiros, nomeadamente o preço obtido com os veículos indicados no ponto 7 dos factos provados; - ordenar o cancelamento das inscrições existentes a favor da ré sobre os bens da herança, não alienados a terceiros. Inconformada com tal sentença, a Ré dela interpôs recurso de apelação para este Tribunal da Relação, tendo em 6/11/2014 sido proferido acórdão nesta instância superior em que se decidiu eliminar os pontos 63 a 65 e 67 do elenco dos factos provados e “julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão na parte em que decidiu anular o testamento outorgado a 29.06.2010, por não considerar verificados os requisitos exigidos nos artºs 257º e 2199º do Código Civil, mantendo-se a anulação da cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de Outubro de 2010, e tudo o mais decidido”. Em 22/03/2018 a Ré apresentou recurso extraordinário de revisão, por apenso aos autos principais (Apenso A), do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 6/11/2014, na parte em que decidiu manter a sentença proferida pela 1ª instância, com fundamento no disposto no artº. 696º, al. b) do CPC. Por decisão singular datada de 26/04/2018, proferida ao abrigo do disposto no artº. 699º, n.º 1 do CPC, o Sr. Juiz Desembargador Relator a quem o processo foi distribuído, decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial do recurso extraordinário de revisão com fundamento na incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia. Inconformada com essa decisão, a Ré interpôs recurso de revista para o STJ em 15/05/2018, nos termos do disposto no artº. 671º, n.º 2, al. a) do CPC. Por despacho datado de 20/09/2018, após comprovado o pagamento da multa a que alude o artº. 139º, n.º 6 do CPC, considerando para o efeito que “só os acórdãos da Relação – e não as decisões singulares do relator – são susceptíveis de impugnação para o STJ mediante recurso de revista, seja ela normal ou excepcional”, e por se entender que o meio idóneo para impugnar aquela decisão singular era a reclamação para a conferência (art.º 652º, nºs 3 e 4 do CPC), ao abrigo do disposto no artº. 193º, n.º 3 do CPC, este Tribunal procedeu oficiosamente à “correcção do erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte, determinando a convolação do recurso de revista em reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artº. 652º do CPC”. Em 8/11/2018 este Tribunal da Relação proferiu acórdão a “julgar improcedente a reclamação deduzida pela recorrente M. B., confirmando o despacho reclamado que indeferiu liminarmente o pedido de revisão por incompetência absoluta deste tribunal, em razão da hierarquia.” Interposto recurso de revista desse acórdão pela Ré, o STJ, por acórdão proferido em 7/09/2020, julgou procedente o recurso de revista e revogou a decisão recorrida, considerando este Tribunal da Relação competente para conhecer do recurso de revisão. Por despacho proferido em 8/10/2020, este Tribunal da Relação admitiu liminarmente o recurso de revisão, em obediência ao decidido pelo STJ, e ordenou a notificação do recorrido, autor nos autos principais, para responder, querendo, ao recurso de revisão. O A./recorrido apresentou resposta, na qual concluiu pela improcedência do recurso de revisão na medida em que o alegado testemunho falso não determinou a decisão a rever. Dispensada a realização da audiência prévia e remetido o processo à conferência, em 17/12/2020 foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso extraordinário de revisão requerido pela Ré M. B.. Inconformada com tal decisão, a Ré interpôs recurso de revista para o STJ que, por acórdão proferido em 13/05/2021, decidiu “julgar procedente a revista, revogando-se o acórdão da Relação proferido no presente recurso extraordinário de revisão. Consequentemente: a) Declara-se anulado o acórdão da Relação datado de 6-11-2014, proferido na ação declarativa, na parte em que confirmou a sentença de 1ª instância de 3-2-2014, que, por seu lado: - declarou a anulação do contrato de cessão do quinhão hereditário celebrado por escritura pública de 22-10-2010; - condenou a R. à restituição à herança dos bens e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente as contas bancárias do de cujus; - condenou a R. a restituir à herança o correspondente ao valor dos bens já alienados e registados a favor de terceiros, nomeadamente o preço obtido com os veículos indicados no ponto 7. dos factos provados na sentença; - ordenou o cancelamento das inscrições existentes a favor da R. sobre os bens da herança não alienados a terceiros; - e condenou a R. nas custas processuais. b) Determina-se que se dê seguimento ao disposto no art. 701º, nº. 1, al. b) do CPC, na parte relacionada com o pedido de anulação do contrato de cessão do quinhão hereditário e com os pedidos dependentes dessa anulação, considerando-se prejudicado o depoimento oportunamente prestado pela testemunha V. V..” Remetidos os autos à 1ª instância e tendo em atenção a decisão do STJ, a Mª Juíza “a quo”, por despacho proferido em 28/06/2021, ordenou a notificação das partes para requererem o que tivessem por conveniente e indicarem datas para a reabertura da audiência final, previamente concertadas entre si. Não foi requerida pelas partes a realização de outras diligências de prova. Em 29/10/2021 foi reaberta a audiência de julgamento, onde foram novamente proferidas alegações orais pelos mandatários das partes, tendo posteriormente sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu: - anular a cessão do quinhão hereditário celebrada a 22 de Outubro de 2010; - condenar a ré a reconhecer a herança indivisa como a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte de J. F., com excepção da quota disponível; - condenar a ré à restituição à herança de todos os bens e montantes de que se tenha locupletado, nomeadamente das contas bancárias do de cujus, com excepção do que lhe seja adjudicado por conta da quota disponível; - condenar a ré a restituir à herança o correspondente valor dos bens já alienados e registados a favor de terceiros, nomeadamente o preço obtido com os veículos indicados no ponto 7 dos factos provados, com excepção do que lhe seja adjudicado por conta da quota disponível; - ordenar o cancelamento das inscrições existentes a favor da ré sobre os bens da herança, ainda não alienados a terceiros, com excepção do que lhe seja adjudicado por conta da quota disponível. Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1. O Tribunal a quo, nesta segunda sentença, não aproveitou o ensejo para corrigir os erros anteriormente cometidos na apreciação da matéria de facto, limitando-se a “podar” a sentença das referências que na primeira (sentença) foram feitas ao depoimento da testemunha V. V., mantendo, no entanto, como provados os mesmos factos, os quais lhe permitiram basear esta decisão na mesma solução tida em mente aquando da proferição da primeira sentença. 2. Extraindo-se dos autos o falso depoimento prestado pela referida testemunha V. V., é manifesto que a apreciação isolada do depoimento das testemunhas C. D., P. A. e E. B. (depoimentos em que a sentença de que agora se recorre no essencial se baseia) não permite dar como provada grande parte da factualidade considerada pelo Tribunal a quo como demonstrada, essencialmente tendo em conta que agora é sabido que as mesmas, principalmente as duas primeiras, prestaram depoimento absolutamente imbuídas de uma forte influência exercida pela testemunha V. V., e da versão dos factos que por este lhes foi relatada. 3. O Tribunal a quo andou mal em considerar provada a matéria constante do ponto 40 dos factos provados, pois, além de a recorrente ter esclarecido que nunca teve um relacionamento próximo com o irmão, e que apenas voltou a falar com o mesmo, após o falecimento do pai de ambos, com o intuito de definir os termos da partilha (sessão de 19.09.2013, minuto 00:12:16 a 00:03:21, minuto 00:13:03 a 00:13:16), o certo é que, a referida versão não foi contrariada pelo depoimento de nenhuma das testemunhas que se pronunciou quanto a esta matéria. 4. A testemunha P. A., embora inicialmente tenho feito referência à existência de uma reaproximação entre as partes após o falecimento do pai de ambos, acabou por esclarecer que utilizou tal expressão (reaproximação) para caracterizar o facto de os dois irmãos terem voltado a conversar, e não no sentido de terem ficado próximos após o aludido infortúnio, sendo certo que, deixou igualmente claro que desconhecia em absoluto em quê que se consubstanciaram as conversas que A. e R. mantiveram, pelo que, se impõe concluir que tal depoimento em nada pode ter contribuído para a decisão do Tribunal a quo de dar como provado o referido ponto 40 (sessão de 19.09.2013, minuto 00:57:09 a 00:58:15, minuto 1:03:10 a 1:03:34). 5. As testemunhas M. T. (sessão de 19.03.2013, 00:03:20 a 00:03:59) e M. E. (sessão de 19.09.2013, minuto 00:50:30 a 00:06:14), também demonstraram total desconhecimento quanto a tal matéria, referindo expressamente não terem conhecimento se houve ou não uma reaproximação entre as partes após o falecimento do Eng. P. B.. 6. A testemunha C. D., quando foi expressamente questionada se efetivamente tinha ouvido essas conversas, a aludida testemunha acabou por admitir expressamente que não (Localização 19/09/2013, minuto 00:28:32 a 00:30:41). 7. A testemunha E. B., quando questionada sobre esta matéria, deixou claro que a invocada reaproximação dos irmãos se consubstanciou nas conversas inerentes à celebração do acordo que deu origem à outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário (sessão de 18/10/2013, minuto 00:12:03 a 00:12:27, minuto 00:13:22 a 00:13:37). 8. NENHUMA prova foi feita quanto à matéria constante do ponto 40 dos factos provados, impunha-se que o Tribunal a quo julgasse a mesma como não provada. 9. O Tribunal a quo andou mal em considerar provada a matéria constante dos pontos 41, 43 e 45 dos factos provados, pois, analisada toda a prova constante dos autos e a produzida em audiência de julgamento, constata-se que, além de não constar do processo qualquer outro elemento de prova, seja de que natureza for, onde possa inferir-se tal matéria, nenhuma testemunha confirmou tais factos, isto é, não houve uma única testemunha que tivesse deposto no sentido de que a apelante convenceu o irmão a outorgar uma escritura de habilitação de herdeiros, com vista à administração da herança, e que o A. desconhecesse que ia ser celebrado o contrato de cessão do quinhão hereditário. 10. A análise da globalidade da prova aponta em sentido diametralmente oposto ao constante da sentença, pois, além de a recorrente ter negado tal factualidade (sessão de 19/09/2013, minuto: 00:03:37 a 00:03:57), e da testemunha A. P. ter corroborado tal versão, confirmando que assistiu à conversa que A. e R. tiveram antes da outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário, esclarecendo inclusive que durante a mesma as partes chegaram a acordo quanto aos termos em que a referida escritura seria celebrada (sessão de 18.10.2013, minuto 00:22:49 a 00:23:19), o certo é que, nenhum outra prova contrariou tal versão, pois, a testemunha P. A., demonstrou total desconhecimento sobre esta matéria (sessão de 19/09/2013, minuto 00:16:00 a 00:17:22); a testemunha C. D., embora com alguma renitência, por recear que tal versão não fosse vantajosa para o A., acabou por admitir expressamente que as partes haviam chegado a um acordo quanto à venda do quinhão hereditário (sessão de 19/09/2013, minuto 00:12:02 a 00:12:26, minuto 00:32:01 a 00:35:05); e a testemunha E. B., quando descreveu a conversa que manteve com o A. referiu expressamente que o mesmo lhe disse que após a morte do Eng. P. B., havia conversado com a R., chegando a um acordo com a mesma (sessão de 18/10/2013, minuto 00:12:03 a 00:12:27). 11. O depoimento da testemunha P. A., como já se demonstrou, embora não tenha prestado o seu depoimento sobre estes pontos da matéria de facto, a descrição que o mesmo faz da conversa que alegadamente teve com o A., permitir reforçar a convicção de que este não celebrou a escritura de cessão do quinhão hereditário na convicção de que tal ato constituía um mero instrumento para permitir que a R. procedesse à administração da herança, pois, se assim fosse, parece-nos evidente que, quando alegadamente confidenciou com a referida testemunha, o A. lhe teria dado conta disso, relatando, por exemplo que tinha celebrado uma escritura com a finalidade de permitir que a R. administrasse a herança e que, depois disso, esta o impediu de aceder aos bens, ou seja, se efetivamente o A. estivesse convencido de que apenas iria proceder à outorga de uma escritura de habilitação de herdeiros, ou que a escritura de cessão do quinhão hereditário era uma mera formalidade legal para legitimar a administração da herança por parte da R., como entendeu o Tribunal a quo, encontrar-se-ia desvirtuada de qualquer sentido a alegada referência feita pelo A. relativamente ao pagamento do montante de € 700.000,00, pois, inexistiria qualquer justificação para o invocado direito do A. ao recebimento da referida contrapartida (sessão de 19/09/2013, minuto 00:17:53 a 00:18:38). 12. Nenhuma das testemunhas confirmou expressamente a factualidade vertida nos pontos impugnados, e, por isso, analisados os depoimentos das testemunhas A. P., C. D., E. B. e P. A., de acordo com as regras da lógica, impunham que o Tribunal a tivesse considerado não provados os pontos 41 e 45 dos factos provados, e tivesse retirado do ponto 43 dos factos provados a seguinte referência: “a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros”. 13. O Erudito Tribunal de Primeira Instância também cometeu um erro clamoroso ao considerar provada a matéria constante dos pontos 46, 47, 48 e 49, pois, relativamente à primeira parte do ponto 46 dos factos provados (“Confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura”), dá-se aqui por reproduzido – por economia processual – tudo quanto já ficou nos números antecedentes, impondo-se, por iguais argumentos, concluir que o Tribunal a quo deveria ter considerado tal facto como não provado. 15. Não podemos também deixar de chamar a atenção deste Tribunal Superior para o depoimento prestado pelo Sr. Notário A. C. (sessão de 19/09/2013, minuto 00:05:30 a 00:07:28), o qual, confirmou que leu e explicou o teor da escritura aos outorgantes e que nenhum deles manifestou qualquer discordância. 16. É, manifestamente inverosímil e até surrealista acreditar que, durante uma escritura, um dos outorgantes solicite explicações ao outro outorgante quanto ao conteúdo da mesma e à menção feita, no texto do documento que lhe está a ser lido, quanto ao recebimento do montante de € 700.000,00; a outra outorgante, em resposta àquela interrogação, tenha dito que tal ato constitui uma mera formalidade para lhe permitir administrar a herança, e que, perante isso, o Senhor Notário nada tenha feito, aceitando celebrar uma escritura nesses termos, ou seja, é absolutamente contrário às regras da experiência que um Notário tenha verificado que um declarante não queria declarar o que consta da escritura e, mesmo assim, decida prosseguir na respetiva leitura e permita a consumação do ato, particularmente tendo em conta que nem o A. nem a R. eram clientes habituais do cartório (sessão de 19/09/2013, minuto 00:00:26 a 00:01:38). 17. O depoimento da testemunha A. C., por um lado, e o facto de nenhuma testemunha presencial ter confirmado a versão trazida aos autos pelo A., por outro, impunham que o tribunal a quo julgasse não provados os pontos 46 e 47, o que, por decorrência lógica, implicava que fossem julgados igualmente não provados os pontos 48 e 49 dos factos provados, pois, reitera-se, além da matéria constante dos referidos pontos 46 e 47 ser absolutamente contrária às regras da experiência (pois, é inconcebível que um Notário tenha assistido a tais factos sem ter tomado qualquer posição), o certo é que, o que foi relatado pelas testemunhas C. D. e P. A. não tem a virtualidade de demonstrar a veracidade da matéria constante dos pontos ora em análise, já que, além de não terem estado presentes no ato, a própria versão das referidas testemunhas é contraditória com a matéria de facto que agora se impugna, na medida em que, segundo a testemunha P. A., o pedido de explicações e os esclarecimentos estavam apenas relacionados com o momento em que os € 700.000,00 iriam ser pagos, sendo, por isso, inequívoco que o A. não estava convencido de que através daquela escritura se visava apenas permitir que a R. administrasse a herança (sessão de 19/09/2013, minuto 00:22:10 a 00:23:07). 18. Analisados, o depoimento de parte prestado pela R., e o depoimento das testemunhas P. A., C. D. e E. B., a recorrente não consegue compreender como é que o tribunal a quo pode fundamentar a sua decisão de dar como provada a matéria constante dos pontos 50 e 52, pois, tais depoimentos, o Tribunal a quo conseguiu dar por verificada a factualidade constante dos pontos 50 e 52, na medida em que, no seu depoimento de parte, a R. esclareceu que nunca manteve um relacionamento próximo com o irmão, e que após o pai de ambos falecer se limitou a conversar com o mesmo sobre aspetos relacionados com a partilha da herança (sessão de 19/09/2013, minuto 00:13:03 a 00:13:16 e minuto 00:30:06 a 00:30:4), pelo que, salvo o devido respeito, não entendemos como pôde o Tribunal a quo ter considerado que o depoimento prestado pela apelante se mostrou relevante para prova de tais factos, na medida em que, reitera-se, do aludido depoimento não é possível, de forma alguma, chegar à conclusão de que, após a escritura, a R. disse ao A. que não pretendia manter qualquer contacto com o mesmo, nomeadamente, do tipo pessoal, e que se recusou a prestar-lhe qualquer apoio, pois, o que é possível retirar do aludido depoimento, é que A. e R. nunca se relacionaram e que, após o falecimento do pai, limitaram-se a conversar sobre temas relacionados com a herança, deixando de falar, naturalmente, depois de estar resolvido o assunto que os conduziu ao diálogo! 19. Do depoimento da testemunha P. A., este não confirma, de forma alguma, que após a outorga da escritura aludida em 12, a R. comunicou ao A. que não pretendia manter qualquer contacto com este, sendo aliás certo que, conforme já se referiu, embora tenha inicialmente referido que, após o falecimento do Eng. P. B., houve uma reaproximação entre os irmãos, quando questionado expressamente pela Exma. Senhora Juiz e pelo à data mandatário da recorrente, o Sr. P. A. esclareceu que utilizou essa palavra (reaproximação) apenas para caracterizar o facto de as partes terem voltado a falar um com o outro, declarando, no entanto, desconhecer em absoluto o teor das conversas que ambos mantiveram (sessão de 10/09/2013, minuto de 00:57:09 a 00:58:16, minuto 01:03:11 a 01:03:33), pelo que, não se compreende igualmente como é que tal depoimento pode ter contribuído para que o Tribunal a quo considerasse demonstrada a matéria constante nos pontos 50 e 52 dos factos provados, pois, sendo certo que, a aludida testemunha não conseguiu concretizar em quê que se basearam as conversas mantidas entre as partes, dúvidas não existem de que o depoimento da testemunha em nada poderá ter contribuído para a perceção do comportamento da R. após a celebração do referido contrato. 20. O depoimento da testemunha C. D. é também absolutamente irrelevante para prova de tal matéria, pois, por um lado, admitiu que nunca ouviu os telefonemas mantidos entre as partes antes da outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário, o que, consequentemente, a impede de atestar que após aquele ato a R. se afastou do A., pois, podem simplesmente ter deixado de se falar por ter deixado de existir o motivo que fundamentava os telefonemas, por outro lado, porque de acordo com as regras da experiência, parece-nos manifesto que, se efetivamente tal factualidade fosse verdadeira, no telefonema que a identificada testemunha diz ter presenciado, quando o A. alegadamente ligou à R., e esta última lhe teria dito que não pretendia manter qualquer contacto com o mesmo, o que de acordo com o relato feito pela testemunha C. D. não terá ocorrido (sessão de 19/09/2013, minuto 00:28:32 a 00:30:41, minuto 00:13:04 a 00:14:00, minuto 00:14:38 a 00:15:06). 21. A testemunha E. B., também não fez nenhuma referência quanto a tal matéria, sendo certo que, nem poderia ter feito, já que, só teve conhecimento da celebração da escritura do Natal de 2010, por a R. lhe ter relatado tal acontecimento, e, por isso, esta prova impunha que o Tribunal a quo tivesse julgado como não provada a matéria constante dos pontos 50 e 52 dos factos provados. 22. O tribunal a quo cometeu um erro flagrante ao ter dado como provada a matéria constante do ponto 54, na medida em que, tal factualidade é contraditória com os factos vertidos no ponto 37 dos factos considerados demonstrados, pois, tendo ficado provado (ponto 37) que após a celebração da escritura de cessão do quinhão hereditário, a R. começou a depositar na conta do A. o montante de € 500,00; sendo pacífico que este continuou a residir num imóvel pertencente à herança, e sendo ainda certo que, antes da referida cessão, o A. não tinha qualquer rendimento, dúvidas não existem de que a situação económica do A. sofreu melhorias após a celebração do acordo, pois, reitera-se, até àquele momento nem € 500,00 por mês auferia, pelo que, impunha-se igualmente julgar como não provada a matéria constante do ponto 54. 23. O tribunal recorrido também andou mal ao considerar provada a matéria constante dos pontos 58, 60, 61 e 62 dos factos provados, chamando-se desde já a atenção deste Tribunal ad quem para o facto de a matéria constante destes pontos (58, 60, 61 e 62) estar em flagrante contradição com os factos descritos sob os n.ºs 46 a 49, pois, por um lado, considerou-se demonstrado que o A. não tinha consciência do sentido e alcance da sua declaração (58), e, por outro lado, considerou-se provado que, no próprio ato da leitura do contrato, o A. terá pedido explicações sobre o seu conteúdo. 24. A existir qualquer pedido de explicações, que, como já se demonstrou, não poderia ter sucedido, na medida em que a existir, revela, por si só, que o A. tinha perfeita consciência do sentido da declaração que estava a emitir e do respetivo alcance jurídico, pois, se alguém compreende que está a ceder um quinhão hereditário e a declarar que recebeu o preço, necessariamente não pode ter dúvidas sobre o alcance jurídico e prático dessa declaração (transmissão do quinhão hereditário). 25. Além de estar em frontal contradição com os referidos pontos 46 a 49, a matéria descrita no ponto 58, está também em oposição com a prova testemunhal produzida, concretamente, com o depoimento das testemunhas C. D. e P. A., pois, quando descreve a conversa que alegadamente teve com o A., a testemunha C. D., relata que o mesmo lhe confidenciou que a R. lhe havia prometido pagar o montante de € 700.000,00, a quantia de € 500,00 por mês, dar-lhe um carro, e ainda constituir a seu favor o direito de usufruto sobre um dos imóveis da herança (localização 10/09/2013, minuto 00:12:02 a 00:12:26), por um lado, e a testemunha P. A., além de referir que o A. “descreveu o ato na parte em que ouviu o Notário a ler que declarava que já ter recebido o preço” (cfr. folha 33 da sentença), quando descreveu a conversa que alegadamente teve com o A., disse que este último lhe havia confidenciado que a irmã tinha prometido dar-lhe algum dinheiro logo após saírem do cartório notarial onde foi celebrado o contrato de cessão de quinhão hereditário (localização: sessão de 19/09/2013, minuto 00:17:52 a 00:18:38), por outro lado, pois, a descrição dos factos relatada pelas duas testemunhas identificadas na conclusão anterior, não permitem nenhuma dúvida de que o A. tinha plena consciência da realidade que proferiu e da sua implicação jurídica, o que, por decorrência lógica, implica que também não são verdadeiros os factos descritos nos pontos 60, 61 e 62 dos factos provados. 26. A referência feita à cessão a “título gratuito” que é feita no ponto 61 dos factos provados é desprovida de qualquer sentido, pois, conforme é pacificamente aceite, a cessão foi feita a título oneroso, desde logo porque foi estabelecida a contrapartida de uma pensão vitalícia e de um direito de uso e habitação, sendo certo que, diversamente do que consta da sentença de que se recorre, a R. só não entregou ao A. o montante de € 700.000,00 que este declarou ter recebido porque, efetivamente, esse montante correspondia ao valor encontrado por acordo das partes para o montante que o A. gastou em vida do pai e que, nessa medida e significado, já tinha recebido por antecipação da herança que lhe cabia. 27. Existe também outra contradição flagrante na sentença, pois, não se compreende como pôde o Tribunal a quo considerar provado que “a ré transmitiu a ideia de que se não fosse formalizada a denominada “administração” da herança, o autor perderia bens a que tinha direito para o fisco”, e, por sua vez, ter considerado que nenhuma prova foi feita quanto ao ponto 3 dos factos não provados, isto é, ter considerado que o A. não logrou demonstrar que a R. o convenceu “de que, se não fizesse a outorga da escritura de habilitação de herdeiros, iriam ambos correr o risco de ficar sem nada”… 28. Retirado dos autos o depoimento falso da testemunha V. V., dúvidas não existem de que atenta a prova produzida, esta impunha sem margem para dúvidas que o Tribunal a quo tivesse julgado como não provados os factos constantes dos pontos 58, 60, 61 e 62, e, assim sendo, o Tribunal a quo cometeu um flagrante erro, erro de raiz, de análise e de perspetiva, que inquinou todo o processo de apreciação da prova e, consequentemente determinou um erro clamoroso na apreciação crítica do caso submetido à sua análise, e, consequentemente na sua decisão. 29. O Tribunal a quo declarou anulável a escritura de cessão do quinhão hereditário com base em erro sobre os motivos determinantes da vontade, por ter considerado que o A. não quis realizar negócio algum, referindo que o mesmo “não só desconhecia que iria ao cartório para ser lavrada a cessão da quota hereditária, com a qual é confrontado no próprio ato, quando apenas foi informado que iria fazer-se a habilitação de herdeiros para dessa forma viabilizar a melhor administração da herança, e evitar-se a perda de bens para o fisco. E, mesmo confrontado com o teor da escritura de cessão, que o autor acabou por assinar, fê-lo convencido de que se tratava de uma mera formalidade para permitir (à ré) administrar melhor a herança, sabendo a ré que o autor, ao assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, estava persuadido de que apenas viabilizava a melhor administração do património hereditário, pois ele nunca pretendeu abrir mão em favor dela do património hereditário”, quando TODA a prova constante dos autos, incluindo o depoimento das testemunhas C. D., P. A. e E. B. apontarem em sentido absolutamente inverso. 30. Mesmo segundo a tese das testemunhas cujo depoimento foi relevado pelo Tribunal a quo (C. D., P. A. e E. B.) – tese essa que também não se aceita como sendo verdadeira – se impunha concluir que o A. efetivamente pretendeu ceder o seu quinhão hereditário à R., pois, segundo estas testemunhas, o que o A. reclama é o pagamento da contrapartida do montante de € 700.000,00, pelo que, atento o que se deixa alegado, impunha-se claramente que o Tribunal a quo julgasse improcedente o pedido de anulação da escritura de cessão do quinhão hereditário, e os pedidos dele dependentes. 31. A recorrente entende que também teria de improceder o pedido subsidiário deduzido pelo recorrido, concretamente, o de condenação da R. no pagamento do montante de € 700.000,00, acrescido de juros de mora, na medida em que, no nosso modesto entendimento, o A. não logrou fazer prova cabal de que o referido montante não correspondia, de facto, ao valor que as partes fixaram, por acordo, como sendo aquele que o de cujus despendeu, por conta da herança, com o ora recorrido. 32. A versão apresentada pelas testemunhas C. D., P. A. e E. B. é absolutamente incompatível e contraditória com a versão constante da petição inicial, na medida em que, neste, que deu origem aos presentes autos o A. alegou que celebrou a escritura de cessão do quinhão hereditário em erro, porquanto, estava convencido de que apenas conferia poderes à R. para proceder à administração da herança, e as identificadas testemunhas relataram que o A. pretendia ceder o quinhão mediante o recebimento do montante de € 700.000,00 em momento posterior), o certo é que, nenhuma das identificadas testemunhas tem conhecimento direito dos factos, pois, conforme já se mencionou, além de não terem presenciado as conversas prévias à celebração da aludida escritura, também não estiveram presentes no momento da outorga da escritura pública de cessão do quinhão hereditário, tendo em comum o facto de terem estado na reunião de setembro de 2011 onde lhes foi “cartilhado” todo o conhecimento indireto que depois reproduziram em cada um dos depoimentos que prestaram nos presentes autos. 33. A versão trazida aos autos pelas referidas três testemunhas é absolutamente contraditória com o depoimento prestado pelas duas testemunhas – M. B. e A. C. - que, efetivamente, acompanharam, quer as negociações prévias, quer a celebração do contrato de cessão do quinhão hereditário, sendo também contrárias às regras da experiência, na medida em que, como também já se alegou, não é minimamente credível que o A. tenha pedido explicações à R., sobre a menção feita ao recebimento da quantia de € 700.000,00, na presença do Senhor Notário que procedeu à outorga do ato, e que ainda assim este último tenha aceitado prosseguir com a formalização da escritura. 34. As testemunhas P. A. e C. D. prestaram os seus depoimentos imbuídas de uma forte influência da testemunha V. V. (cujo depoimento foi considerado falso), o que, aliás, resulta expressamente do depoimento das referidas testemunhas, na medida em que, a testemunha C. D. não conseguiu esconder o ressentimento que sentia em relação à R. quando refere (sessão de 19/09/2013, minuto 00:30:41 a 00:31:49), e a testemunha P. A., disse expressamente que lhe era difícil falar do assunto esquecendo o conhecimento que teve posterior da situação (sessão de 19/09/2013, minuto 00:14:07 a 00:14:20), ou seja, as duas referidas testemunhas, quando prestaram depoimentos, estavam absolutamente influenciadas pela versão dos factos que lhe foi relatada pela testemunha V. V. na reunião que tiveram e que deu origem aos presentes autos, ficando igualmente contaminadas pelo mesmo vicio da nulidade, por serem testemunhos ramificados da mesma árvore envenenada. 35. O Tribunal a quo não atendeu também à circunstância de a testemunha E. B. estar de relações cortadas com a R.; ter estado desavinda com o A. durante 8 anos, e de apenas ter voltado a reaproximar-se do mesmo, após ter tido conhecimento da celebração do contrato em causa nos presentes autos, demonstrando claro interesse no desfecho do presente processo, na medida em que, encontrando-se a viver com o A., beneficiaria com o resultado dos autos. 36. Analisadas as contradições verificadas, desde logo, entre a versão alegada pelo A. na petição inicial e a trazida aos autos pelas testemunhas C. D., P. A. e E. B., parece-nos, salvo o devido respeito, evidente que A. e R., após o falecimento do pai de ambos, chegarem efetivamente a acordo quanto à venda, pelo primeiro à segunda, do quinhão hereditário que aquele era titular, bem como, quanto aos termos do respetivo contrato, sendo certo que, não podemos concordar com o entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual, o aludido acordo efetuado entre as partes é desadequado da realidade dos nossos dias, pois, não cabe ao tribunal adequar ou desadequar os negócios às realidades das partes, mas apenas aferir da validade jurídica dos mesmos, sendo que, nos presentes autos não há qualquer prova de que haja algum vicio que afete a formação da vontade das partes em outorgar o negócio nos exatos termos em que o fizeram. 37. O legislador pretendeu legitimar a alteração de uma decisão transitada em julgado, por via deste recurso extraordinário, por se verificar que o depoimento de uma testemunha que, deliberadamente, faltou à verdade, contaminou todo o seu depoimento, na medida em que, constatando-se a falsidade, dúvidas não existem de que tal depoimento deixa de poder ser valorado, devendo a motivação ser saneada de toda essa factualidade proibida. 38. Assim, parece-nos ser evidente que, verificando-se que uma testemunha MENTIU, a falsidade do seu depoimento terá necessariamente de contaminar todo o depoimento da testemunha, bem como, todos os outros depoimentos que dele dependeram sob a forma indireta – C. D. – P. A. – sob pena de admitindo tais depoimentos se estar a “braquear” um nulidade de depoimento consagrado pelo STJ, permanecendo a dúvida junto da comunidade, se efetivamente foi feita ou não justiça com recurso a um depoimento falso ainda que na forma indireta! 39. O Tribunal a quo, sem invocar nenhum outro meio de prova válido, em alternativa ao único depoimento efetivamente valorado na primeira decisão de 21 de janeiro de 2014, agora julgado nulo, mantém agora a mesma valoração, na decisão por si proferida há oito anos atrás. 40. Constata-se que o Tribunal da Relação de Guimarães, bem como o Tribunal de Primeira Instância, formaram a sua convicção quanto aos factos constantes nas alíneas a), b) e c), através do depoimento das testemunhas P. A. e V. V.. 41. Importa por isso, atualizar os autos sem o depoimento direto da testemunha V. V. e sem a necessária contaminação ao depoimento indireto da testemunha P. A. temos um processo cheio de nada… 42. Sendo certo que, é manifesto que para formar a convicção do tribunal foi determinante o que foi relatado pela testemunha V. V., já que, a testemunha P. A. não acompanhou a escritura de cessão de quinhão hereditário, nem tão pouco o acordo celebrado entre as partes antes da sua celebração, só tendo conhecimento dos factos em discussão nos autos, por via indireta, após a celebração da respetiva escritura. 43. Da leitura dos dois depoimentos, e conforme referiu o tribunal, é manifesto que a sua convicção assentou essencialmente no que foi relatado pela Testemunha V. V., tendo o depoimento de P. A. sido um mero complemento contaminado e indireto daquele. 44. Quanto ao depoimento da testemunha C. D., a verdade é que, da leitura da mencionada decisão é manifesto que este depoimento também foi um mero complemento contaminado e indirecto do depoimento da testemunha V. V.. 45. A testemunha C. D. também esteve presente na referida reunião havida entre o A. e a testemunha V. V., ocorrida em momento anterior ao da instauração da presente ação. 46. A testemunha C. D. disse em tribunal que só nessa reunião é que se apercebeu da alegada “verdade viciada”, o que é revelador que a convicção da própria testemunha sobre a realidade dos factos efetivamente ocorridos teve por base a história que lhe foi relatada pela testemunha V. V., à semelhança do que aconteceu com a testemunha P. A., ficando ambos contaminados pelo mesmo vicio. 47. A convicção do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, antiga Vara de Competência Mista, plasmada nas suas respetivas decisões, quando à matéria referente a contrato de cessão do quinhão hereditário, assentou essencialmente no depoimento prestado pela Testemunha V. V.. 48. Aliás, a sentença proferida em Primeira Instância, refere expressamente que a testemunha V. V. “foi sem margem para dúvidas uma testemunha essencial ao convencimento do tribunal face à proximidade com a R. e o seu pai aquando dos factos em discussão nos presentes autos”, sem que tenha havido mais produção de prova, estranhamos que o tribunal mantenha a mesma convicção sem essa prova ESSENCIAL… 49. O tribunal a quo, julgou de forma absolutamente incorreta a matéria de facto, pois, não efetuou a atualização da matéria de facto com uma análise crítica apenas quanto às provas válidas que à data constam dos autos e dos depoimentos diretos das testemunhas. 50. O Tribunal a quo, continuou a valorar depoimentos indiretos contaminados pela mesma “verdade viciada”. 51. Os fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal a quo, são os mesmos da primeira decisão, e assentam em exclusivo na mesma “verdade viciada” trazida pela Testemunha V. V., desta forma “branqueada” pela valorização de depoimentos indiretos contaminados pelo facto da fonte de saber residir no único contacto com essa “verdade” na reunião de setembro de 2011. 52. Os factos assentes são manifestamente contraditórios e assentam em depoimentos de testemunhas manifestamente influenciadas pela transmissão de factos e pelo depoimento da testemunha V. V., considerado falso, pelo que, deverá o Acórdão a proferir, corrigir a decisão quanto à matéria de facto como aqui se reclama, com as consequências legais daí resultantes, ou seja, a total improcedência da ação. Termina entendendo que deve ser julgado procedente o presente recurso e, por via dele, revogada a sentença recorrida, sendo a presente acção julgada totalmente improcedente, absolvendo-se a recorrente dos pedidos formulados. Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido por despacho de 25/02/2022 (refª. 177880896). Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6. Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela Ré, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: I) - Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]: 1. Em 8 de Outubro de 2010, faleceu J. F., no estado de divorciado. – cfr. certidão de fls. 187 a 189. 2. O J. B. deixou bens móveis e imóveis, bem como dinheiro, títulos de crédito e outros direitos de natureza patrimonial. – acordo. 3. À data do óbito o pai de autor e ré era proprietário dos seguintes imóveis: - o prédio misto, sito na Rua …, n.º …, na freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e na matriz rústica com o artigo …, descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de fls. 92 a 94 e fls. 116 a 118); - o prédio urbano, sito no Beco do …, freguesia e concelho de ..., destinado à habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U … e descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de ónus e encargos de fls. 119 a 121); - o prédio urbano composto por bloco de rés-do-chão, 1º e 2º, pátio e quintal, correspondente a armazéns e actividade industrial, sito na Estrada da ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. … e descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de ónus de fls. 122 a 124); - um prédio urbano, sito na freguesia e concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo U … e descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de ónus e encargos de fls. 125 e 126); - uma fracção autónoma, designada pela letra “L”, sita na Rua ..., 2º dt.º, em ..., destinada a habitação, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo U ...-L e descrita na CRP de ... com o nº ...-L (certidão de ónus e encargos de fls. 127 a 129 e de fls. 133 a 135); - uma fracção autónoma, designada pela letra “X”, sita na Rua ..., freguesia e concelho de ..., destinada a garagem, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo U ...-X e descrita na CRP de ... com o nº ...-X (certidão de ónus e encargos de fls. 130 a 135); - um prédio rústico, sito em Urteiras na freguesia e concelho de ... (...), com a área total de 4.230 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo R … e descrito na CRP de ... com o nº …. (certidão de ónus e encargos de fls. 136 a 138); - um prédio rústico, sito na freguesia e concelho de ... (...), com a área total de 540 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo R … e descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de ónus e encargos de fls. 139 a 141); - um prédio rústico, sito na freguesia e concelho de ... (...), com a área total de 9.920,00 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo R … e descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de ónus e encargos de fls. 142 a 144); - um prédio rústico, sito no lugar de ..., freguesia e concelho de ... (...), com a área total de 25.000,00 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo R … e descrito na CRP de ... com o nº … (certidão de ónus e encargos de fls. 145 a 147); - um terreno de doze palmos de comprido e nove e meio de largo, onde está construído um jazigo de família, jazigo n.º 2, secção 11.ª, sito no Cemitério do …, no Porto, a que se atribui o valor de 500,00€ (quinhentos euros) (registo de fls. 225 a 227 e ofício/súmula de averbamento da Divisão Municipal de Parques Urbanos da Câmara do Porto de fls. 278 e 279). 4. À data do óbito o pai de autor e ré era dono dos seguintes valores e direitos: - saldo da conta bancária, com o n.º …..-20-034, no Banco ..., S.A., agência de Portomar, do montante de 92.807,29€ (noventa e dois mil oitocentos e sete euros e vinte e nove cêntimos); - saldo da conta bancária, com o n.º ….., no Banco…, S.A. Sociedade Aberta, agência de ..., no montante de 35.419,19€ (trinta e cinco mil quatrocentos e dezanove euros e dezanove cêntimos); - saldo da conta bancária, com o n.º ……………20, no …, S.A., agência da …, do montante 45.718,68€ (quarenta e cinco mil setecentos e dezoito euros e sessenta e oito cêntimos); - saldo da conta de aforro do Instituto de Gestão da Tesouraria e Crédito Público, I.P., com o n.º ……25, com a subscrição de 62.000 unidades, Série B, do montante de 313.940,04€ (trezentos e treze mil novecentos e quarenta euros e quatro cêntimos); - direito a uma prestação de facto positivo, sobre o Município de ..., traduzido na celebração de uma escritura pública de determinação do objecto, na sequência do contrato promessa de permuta, celebrado entre o Município de ... e o falecido, em - de Maio de 2008, e da escritura pública de permuta de bem presente por bem futuro, outorgada em 18 de Setembro de 2008, perante a Notária A. S., celebrada entre o Município de ... e o falecido J. F., a que se atribui o valor de 460.000,00€ (quatrocentos e sessenta mil euros); - 2939 (duas mil novecentos e trinta e nove) acções da “Y – …, SGPS”, depositadas no BANCO ..., S.A., em nome do falecido, com a cotação de 0,0800, no valor global de 235,12€ (duzentos e trinta e cinco euros e doze cêntimos); - crédito sobre P. A. no valor de 25.000,00€ (vinte cinco mil euros), acrescido de juros à taxa de 4% ao ano, contados desde 14/2/2010 (cfr. certidão de sentença transitada em julgado, datada de 6/3/2012, pelo Tribunal Judicial de ..., no processo n.º 10/12.5TBMIR, de fls. 39 a 43); - crédito sobre J. A. no valor de 42.500,00€ (quarenta e dois mil e quinhentos euros), acrescido de juros à taxa legal, contados da citação (cfr. certidão de sentença transitada em julgado, datada de 4/7/2012, pelo Tribunal Judicial de ..., no processo n.º 238/09.5TBMIR, de fls. 247 a 267). 5. À data do óbito, o pai do autor e da ré era proprietário dos seguintes bens móveis: - Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula SJ, Categoria IUC A, com o valor venal de 600,00 € (seiscentos euros); - Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula GS, Categoria IUC A, com o valor venal de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros); - Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com matrícula RT, Categoria IUC A, com o valor venal de 30.000,00 € (trinta mil euros); - Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula LL, Categoria IUC A, com o valor venal de 6.500,00 € (seis mil e quinhentos euros); - Veículo automóvel, misto, com a matrícula EP, Categoria IUC C, com o valor venal de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros); - Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula CA, Categoria IUC C, com o valor venal de 5.500,00 € (cinco mil e quinhentos euros); - Veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula CS, destinado a abate, com o valor venal de 5,00 € (cinco euros); - Motociclo, com a matrícula TI, Categoria IUC E, com o valor venal de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros); - Motociclo, com a matrícula TQ, Categoria IUC E, com o valor venal de 3.000,00 € (três mil euros); - Motociclo, com a matrícula LS, marca BMW, registada a favor do falecido, desde 06/07/1987, com o valor venal de 500,00 € (quinhentos euros); - Motociclo, com a matrícula TI, marca BMW, registada a favor do falecido, desde 23/06/1993, com o valor venal de 200,00 € (duzentos euros); - Motociclo, com a matrícula TT, registada a favor do falecido, com o valor venal de 500,00 € (quinhentos euros); - Embarcação, com conjunto de identificação …, denominada “… I”, registada na Autoridade Marítima Nacional, Capitania do Porto de Aveiro, com o valor venal de 1.000,00€ (mil euros); - Motorizada, com a matrícula IF, registada no Município de ..., com o valor venal de 200,00 € (duzentos euros). – cfr. certidões da C.R.Automóvel de fls. 192 a 217 e fls. 232 a 244, prints de fls. 97 a 109, ofício da Capitania do Porto de Aveiro de fls. 270 e 273 e registo de propriedade de fls. 274 e 275. 6. Os veículos de matrícula EP, RT, CA, CS, TI, TQ, LS, TI, TT e IF, estão registados em nome da ré desde 16 de Fevereiro de 2011. – cfr. certidões referidas. 7. O veículo de matrícula GS está registado desde 20.7.2011 em nome de A. J.; o veículo de matrícula SJ está registado em nome de A. K. desde 17.10.2012; e o veículo de matrícula LL está registado em nome de V. E. desde 13.12.2012. – cfr. certidões referidas. 8. Sobre o prédio rústico descrito em B.1) § 10.º (n.º 11029 .../São Salvador) está registado direito de superfície a favor de “… – Águas da Região de …, S.A”, por cessão da ré, através da Ap. 3304 de 2012/09/28, relativo a uma faixa de terreno com 472 m para instalação da rede colectora. – certidão de fls. 145 a 147. 9. A ré registou os prédios e jazigo referidos em B.2) em seu nome por sucessão hereditária e cessão de quota hereditária. – teor das certidões e averbamento referidos. 10. Por óbito de J. F., não se procedeu a inventário ou partilha extra-judicial, pelo que a aberta permaneceu ilíquida e indivisa. – acordo. 11. Através de escritura lavrada a 22 de Outubro de 2010, no cartório notarial da Rua ..., edifício ..., lojas 3 e 4, em Vila Nova de Famalicão, do Dr. A. C., foram habilitados como seus únicos herdeiros legitimários os dois filhos: J. B., aqui autor, e M. B., aqui ré. – cfr. certidão da escritura de fls. 30 e 31. 12. Através de escritura denominada de “cessão de quinhão hereditário”, lavrada a 22 de Outubro de 2010, no cartório notarial da Rua ..., edifício ..., lojas 3 e 4, em Vila Nova de Famalicão, do Dr. A. C., o autor declarou que “mediante o preço de setecentos mil euros, que já recebeu e de que dá quitação, cede à segunda outorgante, sua irmã … o direito e acção ao quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai, J. F. … de cuja herança fazem parte bens imóveis com o valor patrimonial atribuído correspondente à parte transmitida de sessenta mil cento e trinta e nove euros e noventa e dois cêntimos … e bens móveis e direitos de crédito com o valor atribuído … de seiscentos e trinta e nove mil oitocentos e sessenta euros e oito cêntimos …”, o que a segunda outorgante declarou aceitar. Mais disseram “Que a segunda outorgante compromete-se a dar ao primeiro outorgante, seu irmão, uma prestação mensal vitalícia no valor de quinhentos euros, a qual será paga dentro dos primeiros oito dias do mês a que disser respeito, com início no próximo mês de Dezembro, mediante transferência bancária … Que a segunda outorgante promete constituir a favor do seu irmão, o direito de habitação sobre a fracção autónoma designada pela letra “L”, do prédio urbano sito na freguesia e concelho de ..., inscrito na matriz predial sob o art. ..., no prazo de seis meses, a partir da data da presente escritura.”. – teor da escritura de fls. 32 a 34. 13. No dia 29 de Junho de 2010 o pai do autor e da ré, J. F., celebrou um testamento, no Cartório da Notarial a cargo da notária A. R., na Rua …, n.º …, 2.ª sala, em Braga, através do qual instituiu a ré como única e universal herdeira da sua quota disponível e, em caso de pré-falecimento desta, como tais, as suas netas, T. P. e A. P.. – cfr. escritura de fls. 37 e 38. 14. O testador deslocou-se ao Cartório Notarial para lavrar o testamento, numa cadeira de rodas, imediatamente após ter estado internado nos Hospitais de Coimbra e no IPO do Porto, donde saiu com o diagnóstico: “para morrer”, uma vez que padecia de uma doença oncológica muito grave. – acordo. 15. Nessa altura, o testador estava incontinente. – acordo. 16. Residia na casa da filha, a aqui ré, que, por intermédio de uma empregada, de nome Cristina, lhe ministrava os necessários cuidados. – acordo. 17. Nessa altura, o testador estava na total dependência de terceiros para executar toda e qualquer tarefa, designadamente para se alimentar, tomar medicação, tomar banho, mudar as fraldas, vestir-se, calçar-se, e tudo o mais que é usual um ser humano fazer no dia-a-dia. – acordo. 18. Foi a ré quem transportou o pai para o Cartório Notarial. – acordo. 19. A ré esteve presente no momento em que foi lavrado o testamento. – acordo. 20. No mesmo dia chegaram a lavrar dois testamentos, um da parte da manhã e outra da parte da tarde. – acordo. 21. O autor teve um passado de toxicodependência grave o que condicionou o seu percurso familiar, escolar e, posteriormente, a sua actividade laboral. – acordo. 22. A escolaridade do autor foi marcada pelo insucesso, falta de motivação, absentismo, associação a grupo de pares ligado ao consumo de drogas. – acordo. 23. O autor iniciou o consumo de drogas aos 13 anos com haxixe. – acordo. 24. Aos 15 anos passou, também, a consumir heroína, cocaína e álcool, adquirindo dependência. – acordo. 25. Abandonou os estudos com 20 anos, concluindo o 9.º ano de escolaridade. – acordo. 26. Em meados de 2009, decidiu fazer um tratamento na clínica de desintoxicação “...”, em Vila Real, onde esteve internado entre Agosto de 2009 e Janeiro de 2010 (correspondente à primeira fase do tratamento). – acordo. 27. Cumpriu a 2.ª fase do tratamento, já não internado, até Setembro de 2010, deslocando-se diariamente para as instalações da referida clínica e frequentou as sessões de grupo, baseadas no “Programa dos Doze Passos” dos Narcóticos Anónimos. – acordo. 28. Nesse período, frequentou e concluiu o curso de conselheiro de adictos. – acordo. 29. Desde Agosto de 2009 mantinha-se afastado do consumo de drogas. – acordo. 30. O autor acompanhou o pai na sua fase terminal, pessoa a quem conseguiu, finalmente, evidenciar que havia mudado de rumo na vida. – acordo. 31. Após a morte do pai, o autor passou a depositar plena confiança na irmã. – acordo. 32. E passou a permitir-lhe também a administração do património mobiliário e imobiliário que integrava a herança ilíquida e indivisa comum, porque àquela pertencia tal encargo, como cabeça de casal. – acordo. 33. A ré acompanhara sempre com mais proximidade a situação patrimonial do falecido pai. – acordo. 34. A ré é pessoa mais instruída e esclarecida e vivia à data maritalmente com um magistrado judicial. – acordo. 35. A ré prometeu ao autor que garantiria todos os seus interesses patrimoniais, fosse em termos de habitação, locomoção e/ou rendimentos. – acordo. 36. No dia de 22 de Outubro de 2010 o autor e a ré almoçaram juntos, seguindo depois para o Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, referido em 11 e 12, onde foi outorgada a escritura de habilitação de herdeiros e, acto contínuo, a escritura de cessão de quinhão hereditário referidas. – acordo. 37. Após a outorga das escrituras referidas a ré passou a depositar na conta bancária do autor a prestação mensal referida em 12. – acordo. 38. O autor esteve preso, em cumprimento de pena, entre 8 de Dezembro de 2011 e 20 de Junho de 2012. – ofício da DGSP de fls. 269. (alíneas A) a AE) da matéria assente) * 39. As relações familiares entre o autor e a ré nunca foram afectuosas, nem próximas. 40. Após o óbito referido em 1, a ré reatou o contacto pessoal com o autor e predispôs-se a apoiá-lo em todos os actos da sua vida, passando a transmitir-lhe afecto, cuidado, carinho e atenção. 41. Pouco tempo volvido sobre o óbito do pai e com o pretexto de que importava definir, até por questões fiscais, a situação da herança, a ré convenceu o autor de que o melhor seria formalizar a administração da herança, através da outorga da escritura de habilitação de herdeiros. (resposta aos quesitos 1.º a 3.º) 42. agora eliminado. 43. No dia 21 de Outubro de 2010, a ré comunicou verbalmente ao autor que este deveria comparecer no Cartório Notarial a cargo do notário A. C., em Vila Nova de Famalicão, a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros. 44. Na manhã de 22 de Outubro 2010 convidou o autor para almoçar em Braga. 45. O autor desconhecia que ia ser celebrado o contrato de cessão titulado pela escritura referida em 12. 46. Confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura, o autor solicitou explicações à ré. 47. Que lhe garantiu verbalmente que se tratava de uma mera formalidade para lhe permitir administrar melhor a herança. (resposta aos quesitos 8.º a 12.º) 48. Aproveitou ainda a ré a presença do seu companheiro – então magistrado judicial, em cuja idoneidade e integridade o autor confiou – para convencer o autor da legalidade do acto. 49. Foi por força das explicações e no quadro de confiança criado pela irmã, que o autor concordou em outorgar a escritura de cessão de quinhão hereditário. (resposta aos quesitos 15.º e 16.º) 50. Depois da outorga das escrituras referidas em 11 e 12, a ré comunicou ao autor não pretender manter com ele qualquer contacto, nomeadamente do tipo pessoal. 51. E que lhe estava vedado utilizar qualquer bem da herança, porque todos os bens lhe pertenciam. 52. Recusando-se a prestar ao autor qualquer apoio. 53. Colocou à venda alguns bens da herança. 54. O autor foi forçado a viver do auxílio de terceiros, pois face ao referido em 26 a 28 e 38 não auferia qualquer tipo de rendimentos. (resposta aos quesitos 18.º a 22.º) 55. Foi então C. D., com quem mantinha uma relação de namoro, quem proveu ao seu sustento por algum tempo. (resposta explicativa ao quesito 23.º) 56. A ré não pagou ao autor o preço declarado na escritura referida em 12. 57. A “declaração de quitação” ínsita naquele acto foi uma mera “formalidade”. 58. A ré sabia que o autor não tinha consciência do sentido e alcance da sua declaração, nomeadamente, dos seus efeitos jurídicos. (resposta aos quesitos 24 a 26) 59. agora eliminado 60. O autor não pretendia abrir mão em favor da ré do património da herança. 61. A ré sabia que o autor não abriria mão do seu quinhão hereditário, a título gratuito. 62. A ré transmitiu a ideia de que se não fosse formalizada a denominada “administração” da herança, o autor perderia bens a que tinha direito para o fisco. (respostas aos 28.º a 30.º sendo esta última explicativa e restritiva) 63. Eliminado pelo TRG 64. Eliminado pelo TRG 65. Eliminado pelo TRG 66. Foi a aqui ré quem tratou de toda a documentação necessária à elaboração do testamento. (resposta ao quesito 35) 67. Eliminado pelo TRG 68. Foi a ré que arranjou duas testemunhas da sua inteira confiança. 69. Como o conteúdo do primeiro testamento lavrado – referido em 20, previa apenas que a ré fosse usufrutuária dos bens do pai, na medida do disponível, esta fez lavrar o segundo testamento, nessa mesma tarde, que corresponde ao descrito em 13, tendo a notária dado sem efeito o celebrado nessa manhã. 70. Para o efeito, a ré levou novamente o pai ao referido Cartório. (resposta aos quesitos 37.º, 38.º e restritiva ao 39.º) 71. O pai de autor e ré sempre referiu que jamais queria prejudicar o filho e/ou beneficiar a M. B.. 72. O testador sempre afirmou no seu círculo de relações pessoais que era sua vontade proteger o filho, uma vez que, infelizmente, era toxicodependente. 73. O autor tomou conhecimento do referido de 13 a 20 e de 63 a 70 em Setembro de 2011. (resposta aos quesitos 41.º a 43.º) 74. O testador encontrava-se deprimido, face à iminência da sua morte. (resposta restritiva ao quesito 45.º) Por outro lado, na sentença recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]: 1. Aquando do referido em 41 dos provados, a ré prometeu ao autor que os bens que integravam a herança permaneceriam em comum, para serem utilizados pelos dois como até ali havia acontecido. 2. Aproveitando-se da situação de vida do autor, da sua fragilidade emocional e da importância do seu afecto, a ré convenceu-o que seria incapaz de o prejudicar, fosse de que maneira fosse, nomeadamente, em termos patrimoniais. 3. Mais o convenceu de que, se não fizesse a outorga da escritura de habilitação de herdeiros, iriam ambos correr o risco de ficar sem nada. 4. Ameaçou-o ainda de que, caso perdessem o património herdado, nunca mais iria admitir que lhe dirigisse a palavra, e que poria termo, definitivamente, a qualquer contacto entre o autor, ela e o seu agregado familiar. (resposta aos quesitos 4.º a 7.º) 5. … com a expressa advertência de que deveria ir sozinho. (parte do quesito 9.º) 6. Aquando do acto de outorga da cessão, a ré disse ao autor que só assim poderia cuidar de forma adequada de todos os imóveis, fossem eles as casas de férias ou a residência do autor. 7. E que, só dessa forma, poderia assegurar-lhe um rendimento suficiente para prover a todas as suas necessidades, de habitação, alimentação e vestuário, bem como aos demais encargos correntes do seu quotidiano. (resposta aos quesitos 13.º e 14.º) 8. Naquela altura a ré assegurou ao autor que não iria “perder” quaisquer dos bens que seu pai lhe havia prometido deixar, nomeadamente o imóvel onde este residia e os veículos automóveis, de duas e de quatro rodas, que sempre utilizou no seu único e exclusivo interesse. (resposta ao quesito 17.º) 9. … motociclos e automóveis que foram doados ao autor. (parte do quesito 21.º) 10. O autor foi obrigado a solicitar um empréstimo a C. D., a 16 de Fevereiro de 2011. (parte do quesito 23.º) 11. A ré sabia que o autor, ao assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, estava persuadido de que apenas viabilizava a melhor administração do património da herança. (quesito 27.º) 12. O pai do autor e ré, não conseguia ler, nem entender um livro ou notícia. (resposta ao quesito 33.º) 13. … que não compreenderia o alcance de eventual consulta …. (parte do quesito 36.º) 14. … tendo previamente consultado uma advogada, com escritório em Braga. (parte do quesito 37.º) 15. E esteve presente durante a sua elaboração. (resposta ao quesito 40.º) 16. O testador exprimiu a sua vontade apenas por sinais ou monossílabos, em resposta a perguntas que lhe terão sido feitas naquele acto. (resposta ao quesito 44.º) 17. Aquando da outorga do testamento, o testador estava em estado de semi-consciência, também devido à presença inibidora da ré no acto. (parte do quesito 45.º) 18. O saldo das contas bancárias referidas em 4 pertenciam em partes iguais ao falecido e à ré. (resposta ao quesito 46.º) * Apreciando e decidindo. I) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: (…) Decorre do disposto no artº. 662º, n.º 1 do NCPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao recorrente. Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no entender do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação (cfr. acórdão do STJ de 1/10/2015, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, proc. n.º 6626/09.0TVLS, disponível em www.dgsi.pt). Neste sentido, o artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada. Por força deste dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer oficiosamente e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1). Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, a recorrente cumpriu os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos do depoimento de parte da Ré e dos depoimentos das testemunhas P. A., C. D., E. B. e A. C. e de um pequeno excerto dos depoimentos das testemunhas M. T., M. E. e A. P., por ela mencionadas para fundamentar a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, tais depoimentos, bem como constando do processo toda a prova documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados colocados em crise no presente recurso. Em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, incumbe à Relação, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (cfr. acórdão da RG de 15/10/2020, proc. nº. 3007/19.0T8GMR, disponível em www.dgsi.pt). Importa, porém, não esquecer que se mantêm em vigor os princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (este último consagrado no artº. 607º, nº. 5 do NCPC), sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação. Assim, a alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando seja possível concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, ou seja, quando a Relação tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento relativamente a concretos pontos de facto impugnados (cfr. acórdãos da RG de 30/11/2017, proc. nº. 1426/15.0T8BGC-A, de 30/01/2020, proc. nº. 500/18.6T8MDL e de 15/10/2020 acima referido, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Tendo por base estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto apresentada pela ora recorrente. Com efeito, após ouvida a gravação da prova produzida em audiência de julgamento – com destaque para o depoimento de parte da Ré M. B. e os depoimentos das testemunhas P. A. e M. T. (ambos primos do Autor e da Ré), M. E. (tia por afinidade do Autor e da Ré), C. D. (ex-companheira do Autor), E. B. (ex-mulher do falecido Engº. J. F. e mãe do Autor e da Ré), A. P. (filha da Ré e sobrinha do Autor) e A. C. (notário que celebrou as escrituras de habilitação de herdeiros e de cessão do quinhão hereditário), todos eles mencionados nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados acima referidos e colocados em crise pela recorrente - e sopesando-a com a restante prova existente no processo, designadamente com os documentos juntos aos autos e referidos na “motivação de facto”, e ainda com as regras da experiência comum e do ónus da prova, concluímos ser de atender parcialmente à pretensão da Ré/recorrente, no sentido de: - serem dados como não provados os pontos 41, 58 e 62 dos factos provados, conforme pretendido pela recorrente; - ser alterada a redacção do ponto 43 dos factos provados, eliminando a expressão “a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros”. No entanto, salvo o devido respeito, não assiste razão à recorrente, quanto à restante matéria de facto que pretende ver alterada – ou seja, os pontos 40, 45 a 50, 52, 54, 60 e 61 dos factos provados sejam dados como não provados – relativamente aos quais constatamos que o Tribunal “a quo” fez, no essencial, uma correcta apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova mencionados na fundamentação, tal como consta explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida que acima transcrevemos, havendo, apenas, que: - introduzir uma alteração na redacção dos pontos 40, 47, 50, 52 e 54 dos factos provados, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a prova testemunhal produzida nos autos; - alterar a redacção do ponto 51 dos factos provados, em face da alteração introduzida nos pontos 50 e 52 dos factos provados e por forma a estar mais em conformidade com a prova testemunhal produzida nos autos. Vejamos, então, os factos cuja decisão a Ré/recorrente pretende impugnar. Quanto ao ponto 40 dos factos provados que tem a seguinte redacção: 40. Após o óbito referido em 1, a ré reatou o contacto pessoal com o autor e predispôs-se a apoiá-lo em todos os actos da sua vida, passando a transmitir-lhe afecto, cuidado, carinho e atenção. Alega a recorrente que nenhuma prova foi feita quanto à matéria constante deste ponto, pois além da Ré/recorrente ter esclarecido que nunca teve um relacionamento próximo com o irmão, e que apenas voltou a falar com o mesmo, após o falecimento do pai de ambos, com o intuito de definir os termos da partilha, esta sua versão dos factos não foi contrariada pelo depoimento de nenhuma das testemunhas que se pronunciou quanto a esta matéria, com excepção da testemunha V. V. cujo depoimento não poderá ser valorado. É certo que a Ré/recorrente referiu, no seu depoimento de parte, que nunca teve um relacionamento próximo com o irmão, que sempre se deram mal - o que, aliás, foi confirmado pelas testemunhas P. A., M. T., M. E., E. B. e A. P., todas elas familiares de ambas as partes - e que apenas voltou a falar com o mesmo, após o falecimento do pai de ambos, para resolverem os problemas relativos à partilha da herança do falecido, negando que tenha havido uma reaproximação entre eles. Por outro lado, embora a testemunha P. A. (primo do A. e da Ré), quando inquirido pelo mandatário do A., tenha feito referência à existência de uma reaproximação entre as partes após o falecimento do pai daqueles, a instâncias da Mª Juíza “a quo” e do mandatário da Ré, acabou por esclarecer que tal reaproximação traduziu-se no facto da Ré, que não falava com o irmão, ter começado a ter alguns contactos com ele, revelando, no entanto, desconhecer o conteúdo das conversas que A. e Ré mantiveram por não ter estado presente durante as mesmas. As testemunhas M. T. (prima do A. e da Ré) e M. E. (mãe das testemunhas P. A. e M. T. e tia por afinidade de ambas as partes) também demonstraram nada saberem quanto a esta matéria. A testemunha E. B. (mãe do A. e da Ré) não acompanhou de perto a situação ocorrida logo após a morte de seu ex-marido e pai de ambas as partes, pois segundo ela própria confirmou, esteve afastada do filho cerca de 8 anos, período durante o qual não manteve contactos com ele, por este ser toxicodependente e não concordar com o apoio que o pai lhe dava na altura, tendo reatado relações com o A. no início de 2012, depois deste ser preso e ter sido transferido para o E.P. da Covilhã, onde o visitava regularmente, vindo a saber pelo filho que, depois da morte do pai, houve conversas entre o A. e a Ré, afirmando, ainda, que na véspera de Natal de 2010 foi-lhe dito pela filha que tinha feito um acordo com o irmão e que ele estava a receber € 500,00 por mês da herança, sendo que nessa altura ainda não tinha reatado o relacionamento com o Autor. A Ré/recorrente também procura desvalorizar o depoimento da testemunha C. D. alegando que, quando a mesma foi expressamente questionada sobre se efectivamente tinha ouvido as conversas telefónicas havidas entre as partes, acabou por admitir que não ouviu. Contudo, revisitado o depoimento prestado por C. D., namorada do A. entre Setembro de 2010 e Junho de 2012, embora já fossem amigos há mais tempo, tendo-se conhecido na clínica de reabilitação onde aquele esteve internado em tratamento e tirou o curso de conselheiro, constatamos que esta confirmou a inexistência de qualquer relação entre o A. e a irmã, aqui Ré, e relatou que após a morte do pai, a testemunha vivia com o A. e presenciava que a Ré estava constantemente a fazer telefonemas para o irmão a dizer que “agora eram só os dois”, “meu querido irmão, eu gosto muito de ti”, “eu estou aqui para te ajudar”, o que deixou o A. ad...do e sensibilizado com a atitude da irmã, sendo que ele estava feliz com a aproximação daquela pois tinha ficado muito abalado com a morte do pai, e como na época a testemunha nem sequer conhecia a Ré, acabou por achar a situação normal dadas as circunstâncias. Embora a testemunha C. D. tivesse admitido que não ouvia directamente o que a Ré dizia ao irmão, no entanto confirmou que assistia a esses telefonemas (o que certamente lhe permitia ouvir o que o A. dizia à irmã e percepcionar as reacções deste ao que lhe era dito pela Ré) e ouvia aquilo que o A. lhe contava. Ora, existindo na altura um relacionamento amoroso entre a testemunha e o A., com quem residiu maritalmente, e tendo a mesma apoiado e acompanhado o A. após o falecimento do pai, não é crível que o A. tivesse necessidade de mentir ou de “inventar” sobre aquilo que lhe era dito pela Ré, quando contava à sua companheira o conteúdo dessas conversas telefónicas tidas com a irmã - e que foi reproduzido de forma credível e desinteressada por C. D. - tendo o depoimento desta testemunha, nesta parte, logrado convencer o Tribunal não só pelo facto da mesma ter acompanhado de perto toda esta situação, mas também pela forma sincera e espontânea como relatou os factos. Assim, com base essencialmente no depoimento da testemunha C. D., que não foi suficientemente contrariado pelos restantes meios de prova, não podemos dar como não provado o ponto 40 dos factos provados como pretende a recorrente, entendendo, no entanto, que a sua redacção deve ser alterada, por forma a reflectir mais cabalmente o que resultou do depoimento da referida testemunha, passando a ser a seguinte: 40. Após o óbito referido em 1, a Ré reatou o contacto com o Autor e predispôs-se a ajudá-lo, passando a transmitir-lhe carinho. Relativamente aos pontos 41, 43 e 45 a 49 dos factos provados que passamos a transcrever: 41. Pouco tempo volvido sobre o óbito do pai e com o pretexto de que importava definir, até por questões fiscais, a situação da herança, a ré convenceu o autor de que o melhor seria formalizar a administração da herança, através da outorga da escritura de habilitação de herdeiros; 43. No dia 21 de Outubro de 2010, a ré comunicou verbalmente ao autor que este deveria comparecer no Cartório Notarial a cargo do notário A. C., em Vila Nova de Famalicão, a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros; 45. O autor desconhecia que ia ser celebrado o contrato de cessão titulado pela escritura referida em 12; 46. Confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura, o autor solicitou explicações à ré; 47. Que lhe garantiu verbalmente que se tratava de uma mera formalidade para lhe permitir administrar melhor a herança; 48. Aproveitou ainda a ré a presença do seu companheiro – então magistrado judicial, em cuja idoneidade e integridade o autor confiou – para convencer o autor da legalidade do acto; 49. Foi por força das explicações e no quadro de confiança criado pela irmã, que o autor concordou em outorgar a escritura de cessão de quinhão hereditário. No que toca aos factos provados 41, 43, 45 e à primeira parte do facto 46 (“Confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura”), argumenta a recorrente que analisada toda a prova constante dos autos e a produzida em audiência de julgamento constata-se que, além de não constar do processo qualquer outro elemento de prova, seja de que natureza for, onde possa inferir-se tal matéria, não houve uma única testemunha que tivesse deposto no sentido de que a recorrente convenceu o irmão a outorgar uma escritura de habilitação de herdeiros com vista à administração da herança, e que o A. desconhecesse que ia ser celebrado o contrato de cessão do quinhão hereditário. Segundo a recorrente, a análise da globalidade da prova aponta em sentido oposto, nomeadamente o depoimento de parte da Ré, que negou tal factualidade e os depoimentos das testemunhas A. P. (filha da Ré), que corroborou a versão trazida aos autos pela mãe, P. A. que demonstrou total desconhecimento sobre esta matéria, C. D. que, embora com alguma renitência, acabou por admitir expressamente que as partes haviam chegado a um acordo quanto à venda do quinhão hereditário, divergindo da verdade apenas no que respeita ao pagamento do montante de € 700.000,00 e E. B., quando descreveu a conversa que manteve com o A. referiu expressamente que o mesmo lhe disse que após a morte do pai havia conversado com a Ré, chegando a um acordo com a mesma. No que respeita à factualidade atinente ao pedido de explicações formulado pelo A., no decurso da escritura de cessão de quinhão hereditário, e aos esclarecimentos alegadamente prestados pela Ré naquele acto (segunda parte do facto provado 46 e facto 47), entende a recorrente que não pode deixar de se ter em atenção o depoimento prestado pelo Sr. Notário A. C., que confirmou ter lido e explicado o teor da escritura aos outorgantes e que nenhum deles manifestou qualquer discordância, sendo contrário às regras da experiência que um notário tenha verificado que um declarante não queria declarar o que constava da escritura e, mesmo assim, decida prosseguir na respectiva leitura e permita a consumação do acto, particularmente tendo em conta que nem o A. nem a Ré eram clientes habituais do Cartório. Em suma, defende a recorrente que, além de nenhuma das testemunhas ter confirmado expressamente a versão trazida aos autos pelo A. plasmada nos pontos de facto supra referidos, os depoimentos das testemunhas A. P., P. A., C. D., E. B. e A. C., analisados de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, impunham que o Tribunal “a quo” tivesse considerado não provados os pontos 41 e 45 a 49 dos factos provados e tivesse retirado do ponto 43 dos factos provados a seguinte expressão: “a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros”. Ora, revisitados os depoimentos da Ré e das testemunhas acima referidas prestados em audiência de julgamento, teremos de concluir que assiste razão à recorrente ao pretender que seja considerado não provado o ponto 41 dos factos provados e que seja retirada do ponto 43 dos factos provados a expressão “a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros”, porquanto para além da Ré ter negado tal factualidade, nenhuma testemunha confirmou expressamente que a Ré tivesse convencido o irmão a outorgar a escritura de habilitação de herdeiros, com vista a formalizar a administração da herança e que aquela tivesse comunicado ao A. que deveria comparecer no Cartório Notarial de A. C., a fim de se proceder à outorga da escritura de habilitação de herdeiros, tanto mais que, como é sabido, a Ré não necessitava da presença do irmão para outorgar a referida escritura. Deste modo, é de atender à pretensão da recorrente devendo o ponto 41 dos factos provados ser dado como não provado e o ponto 43 dos factos provados ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: 43. No dia 21 de Outubro de 2010, a ré comunicou verbalmente ao autor que este deveria comparecer no Cartório Notarial a cargo do notário A. C., em Vila Nova de Famalicão. No que se refere aos pontos 45 a 49 dos factos provados que a recorrente pretende sejam considerados não provados, resulta da audição da prova gravada que a Ré, em sede de depoimento de parte, apresentou a versão de que acordou previamente com o irmão que, como o pai já tinha gasto com ele, em vida, mais de um milhão de euros em tratamentos de desintoxicação e no pagamento de dívidas por ele contraídas, o A. abdicaria da sua parte na herança, cedendo o seu quinhão à Ré, recebendo € 500,00 por mês o resto da sua vida e o direito a habitar o apartamento onde já residia. Quando questionada pela Mª Juíza “a quo” sobre se o A. só no Cartório Notarial é que soube que ia fazer a escritura de cessão do quinhão hereditário, a Ré negou tal facto, afirmando que o seu irmão “sabia para o que ia” e já sabia de antemão qual era o teor daquela escritura, não lhe tendo pago o preço de € 700.000,00 declarado na escritura de cessão porque entendeu que ele já tinha gasto aquele valor por conta da herança, ainda em vida do pai, para além de que ao pagar-lhe a prestação mensal de € 500,00 e ceder-lhe o direito à habitação de um apartamento, o A. estaria a receber muito acima daquilo a que tinha direito. Contudo, esta versão dos factos apresentada pela Ré não logrou convencer o Tribunal, porquanto apenas foi corroborada parcialmente pela sua filha A. P., cujo depoimento foi, na sua maioria, desconsiderado pelo Tribunal recorrido pelas razões referidas na fundamentação de facto, não tendo sido confirmada pelas restantes testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, sendo até mesmo contrariada pelos depoimentos das testemunhas P. A., C. D. e E. B. como adiante se mencionará. Relativamente ao depoimento de parte a que aludem os artºs 352º e 356º, nº. 2 do Código Civil, refere o acórdão da Relação de Lisboa de 10/04/2014 (proc. nº. 2022/07.1TBCSC-B, disponível em www.dgsi.pt) que “é já hoje aceite por numerosa jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios”. Ademais, no acórdão da Relação de Guimarães de 29/05/2014 (proc. nº. 2797/12.6TBBCL-A, disponível em www.dgsi.pt) refere-se que “actualmente, e perante o que dispõe o artº. 466º do C.P.C. vigente, é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, segundo a sua livre convicção”, acrescentando, ainda, no que concerne ao depoimento de parte, que já não fará sentido reduzir tal depoimento aos factos que sejam desfavoráveis ao depoente, “integrando também o domínio da livre apreciação do juiz os factos declarados pela parte que lhe sejam favoráveis, ainda que se reconheça que esta apreciação terá de ser mais rigorosa e apertada que a parte do relato dos factos desfavoráveis, impondo-se a conjugação com outros elementos de prova que apontem no sentido da corroboração da realidade daqueles factos”. Defende o Prof. José Lebre de Freitas (in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278) que a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas. Por outro lado, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade. Como é sabido, as declarações/depoimento de parte (quando este último não se traduza em confissão) contêm sempre um risco de parcialidade decorrente da posição das mesmas na lide e do manifesto interesse que têm no desfecho da acção, pelo que devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, tendo sempre em conta a fragilidade intrínseca deste meio probatório. Fazer depender a avaliação de um facto, unicamente, das declarações/depoimento de uma parte sem a necessária confirmação de outros meios de prova relevantes, dificilmente se justificará, uma vez que a parte, tendo um interesse directo na causa, normalmente confirma as posições por si assumidas nos articulados, que lhe são favoráveis. Como vem sendo defendido na jurisprudência, a relevância das declarações de parte (e também do depoimento de parte) poderá justificar-se pela possibilidade de vir a fornecer elementos relevantes para a apreciação da prova, particularmente se forem confirmadas por outros elementos probatórios relevantes. Importa, assim, nas declarações da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja corroborado por outros meios de prova, designadamente que tais declarações sejam confirmadas por outros dados que, ainda que indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a confirmação por algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes (cfr. acórdão da RG de 18/01/2018, proc. nº. 294/16.0Y3BRG, disponível em www.dgsi.pt). Como bem resulta da “motivação de facto”, o Tribunal “a quo” analisou o depoimento de parte da Ré, “ainda que não valorado totalmente como confissão, mas sim como meras declarações de parte apreciadas livremente”, de forma crítica e com o cuidado que lhe é exigido, dado o interesse directo que a mesma tem na decisão da causa, confrontando-o com os depoimentos das testemunhas A. P., P. A., C. D. e E. B. e em conjugação com as regras da experiência comum. Na verdade, acompanhando o que é referido na sentença recorrida, o alegado acordo entre a Ré e o A. quanto à cessão da quota hereditária parece desadequado à realidade dos nossos dias e desconforme com as regras da experiência comum, pois toxicodependente ou não, o A. jamais cederia a sua quota num património tão valioso como o da herança, sem receber qualquer tipo de contrapartida mais significativa, precisamente pelo facto de ser um adicto, que certamente não se contentaria com uma mensalidade inferior a um salário mínimo nacional e o direito de habitar um apartamento, quando a herança é integrada por diversos imóveis, um jazigo, saldos bancários e aplicações financeiras em montante superior a € 500.000,00, uma prestação do Município de ... no valor de € 460.000,00, acções tituladas na bolsa, créditos sobre terceiros, veículos automóveis, motociclos e uma embarcação. Além do mais, não se mostra convincente o argumento utilizado pela Ré de que o não pagamento do preço declarado na escritura de cessão foi aceite e acordado entre ela e o A., por este alegadamente reconhecer já ter gasto em vida do pai mais de um milhão de euros, sendo por isso justo fazer equivaler esse montante ao preço formalmente escriturado, quando ninguém soube concretizar o valor efectivamente gasto pelo falecido J. F. para ajudar o filho. Aliás, a própria Ré referiu que sabia que o seu irmão tinha gasto mais de um milhão de euros, mas colocou na escritura os € 700.000,00 (o que se nos afigura contraditório), acabando por admitir que não sabia porque pôs aquela quantia. Por outro lado, é caso para perguntar se o A. tivesse tido um cancro ou outra doença grave e o falecido pai de ambas as partes tivesse gasto a quantia referida na escritura de cessão, ou o tal milhão de euros avançado pela Ré, para ajudar o filho no tratamento dessa doença, será que a Ré também iria considerar que o irmão já tinha gasto aquele valor por conta da herança, ainda em vida do pai, e exigir que o mesmo fosse tido em conta na partilha? De todo o modo, sempre se dirá que se a Ré se considerava prejudicada pelo facto do pai ter gasto tão avultada quantia com o irmão, então poderia, no âmbito de um processo de inventário, relacioná-la como crédito da herança, competindo-lhe, nesse caso, fazer prova da existência do mesmo, importando, no entanto, salientar que a testemunha P. A. esclareceu que o pai de ambas as partes também ajudou muito a Ré na actividade empresarial que esta exerceu e sempre que ela tinha necessidade, o que foi corroborado pela testemunha E. B. que referiu que o pai dava tudo o que fosse preciso a ambos os filhos. Na sequência da apreciação e análise crítica feita pelo Tribunal “a quo” dos depoimentos da Ré e das testemunhas acima referidas, tivemos oportunidade de constatar, pela audição da gravação, que a testemunha A. P. (filha da Ré e sobrinha do A.) limitou-se, de certa forma, a corroborar a versão trazida aos autos pela mãe, na medida em que confirmou ter assistido à conversa que A. e Ré tiveram antes da outorga da escritura da cessão de quinhão hereditário, referindo que durante a mesma a sua mãe e o seu tio chegaram a um acordo, não sabendo, no entanto, descrever a dita conversa, recordando-se apenas do facto deles terem falado e de o A. ter admitido que já tinha gasto muito dinheiro, tendo ainda mencionado que a mãe afirmava que o tio já havia recebido a parte dele em vida do avô, referindo a testemunha que “já recebeu”, sem concretizar o montante, imputando na herança o dinheiro que o avô gastou com os tratamentos de desintoxicação do A. e pagamentos de multas e indemnizações a terceiros, para justificar a existência de um “acordo” entre a mãe e o tio, no sentido deste ceder àquela a sua parte da herança. Como é referido na “motivação de facto” da sentença recorrida, o depoimento desta testemunha foi, na sua maioria, desconsiderado pelo Tribunal “a quo” porquanto “do mesmo perpassou a clara noção do temor reverencial que a testemunha tem à mãe, o que se constatou pela postura na sala de audiência, pela própria linguagem corporal, pela inquietude na cadeira e nervosismo dos gestos, o que conjugado com a idade da testemunha à data dos factos (de 16/17 anos), nos fez crer que a mesma vinha preparada para defender a tese que ouviu da mãe”, tendo o julgador a vantagem, que lhe é conferida pela imediação adveniente do julgamento, de poder visualizar e percepcionar directamente o comportamento e as reacções da testemunha aquando da prestação do seu depoimento, vantagem de que este tribunal de recurso não dispõe ao ouvir apenas a gravação da prova. Por outro lado, a testemunha P. A. (primo de ambas as partes) confirmou que teve conhecimento da aludida escritura de cessão do quinhão hereditário através do A., que lhe contou que tinha assinado um documento em que dizia que já tinha recebido € 700.000,00 (sem ter recebido nada) e no qual a Ré lhe prometia o pagamento de uma mensalidade de € 500,00 e o usufruto de um apartamento sito em ..., que era do pai deles, tendo a testemunha estranhado logo o teor do documento e perguntado ao A. se não tinha recebido mesmo nada, ao que ele respondeu que não tinha recebido, que a irmã tinha prometido que lhe ia dando e que logo à saída do notário lhe daria algum e não deu. Esta testemunha acrescentou que, quando o A. lhe contou os pormenores de como a escritura havia sido feita, confrontou-o com o facto dele ter assinado um documento importante a declarar que recebeu a quantia nele mencionada sem a ter recebido, tendo o A. referido que esteve presente no acto da escritura o Dr. V. V., que era magistrado judicial e companheiro da Ré na altura, e em quem o A. tinha muita confiança, o que o terá levado a assinar a escritura. Referiu, ainda, a testemunha P. A. que o A. contou-lhe que nunca tinha lido o documento e que a primeira vez que ouviu falar nos € 700.000,00 e no recebimento daquela quantia foi no Cartório Notarial, tendo tal documento sido lido na altura e quando passou na parte dos € 700.000,00, o A. terá feito o comentário “mas eu não recebi nada” e terá olhado para o Dr. V. V. e este terá feito um gesto para que ele assinasse pois a situação seria regularizada, sendo que o A. confiou nele e assinou a escritura. Esclareceu aquela testemunha que pela reacção do próprio A., quando lhe contou os pormenores da escritura, e face ao estado de fragilidade em que o mesmo se encontrava devido ao falecimento do pai e ao facto da Ré se ter novamente distanciado dele e se negar a ter contacto com o irmão, percebeu que o A. havia sido apanhado de surpresa, quando se deslocou ao notário, em relação ao contrato de cessão do quinhão hereditário titulado pela escritura junta aos autos, e que apenas assinou a escritura por estar convencido, à data, face à prévia reaproximação da irmã e ao facto desta estar acompanhada pelo Dr. V. V., que aquela iria pagar-lhe o preço declarado na mesma. Em face de todo o circunstancialismo que envolveu a realização da escritura de cessão do quinhão hereditário, que lhe foi relatado pelo A., a testemunha P. A. considerou que a Ré estaria a agir de má fé e, por isso, aconselhou o A. a consultar um advogado para tentar anular essa escritura. Foi, ainda, referido pela testemunha que esta situação da escritura criou no A. um sentimento de revolta em relação à irmã e estando o mesmo bastante fragilizado por ter sofrido dois abalos grandes – a morte do pai e “o golpe dado pela irmã” – passado pouco tempo teve uma recaída e voltou a consumir estupefacientes, o que também constitui um indicador de que o A. foi surpreendido, quando se deslocou ao Cartório Notarial, com a celebração do contrato de cessão do quinhão hereditário e confrontado com o teor da aludida escritura apenas no momento da sua leitura, tendo, na altura, assinado a aludida escritura no quadro de confiança criado pela Ré e na expectativa de que esta iria cumprir o que estava declarado no documento, expectativa essa que foi gorada. No tocante ao depoimento da testemunha C. D. (ex-companheira do A.), entendemos que este não tem o significado nem o alcance que a recorrente lhe pretende dar. Com efeito, esta testemunha relatou que houve uma altura em que o A. lhe disse que a irmã estava a querer que ele fosse a Vila Nova de Famalicão para tratar de uns assuntos relacionados com a morte do pai, não especificando que assuntos eram esses. Ora, se o A. soubesse de antemão que ia celebrar a dita escritura de cessão do quinhão hereditário, não vemos razão para o mesmo não ter contado à testemunha, com quem vivia maritalmente na altura, o que efectivamente ia fazer. Relatou a testemunha que quando o A. regressou a casa notou que ele não vinha bem, “vinha um pouco desanimado e estava muito estranho”, mas ele não quis falar e como não se quis intrometer na situação, porque eram assuntos de família, nessa ocasião nada lhe perguntou. Com o passar do tempo, a testemunha notou que a Ré já não ligava ao irmão, “não dava sinal de vida” e nunca mais lhe disse nada, e como o A. andava muito preocupado questionou-o sobre o que se passava, tendo ele respondido que achava que a sua irmã o estava a enganar, estava desconfiado que algo se estava a passar, e foi aí que contou à testemunha que a Ré fez um contrato consigo em que lhe prometeu que iria dar-lhe € 700.000,00, ia dar-lhe um carro à sua escolha, que podia ficar com o apartamento onde residia e iria pagar-lhe um rendimento mensal vitalício de € 500,00, mas a única coisa que estava a cumprir era o depósito de € 500,00 por mês e o usufruto do apartamento. Embora a testemunha C. D. tenha referido que, segundo lhe foi transmitido pelo A., foi celebrado um contrato entre ele e a irmã nos termos do qual a Ré ficou de dar ao A. o montante de € 700.000,00 como contrapartida de ela ficar com a herança do pai, daí não se retira que esta testemunha tenha admitido expressamente que as partes haviam chegado a um acordo quanto à venda do quinhão hereditário, em momento prévio à celebração da escritura, divergindo da verdade apenas no que respeita ao pagamento do valor de € 700.000,00, como pretende a recorrente. Em nosso entender, a testemunha C. D. reproduziu o que lhe foi transmitido pelo A., estando este a referir-se apenas ao contrato que celebrou com a irmã no próprio acto de celebração da escritura de cessão do quinhão hereditário e às promessas que lhe foram feitas naquela altura. Por sua vez, a testemunha E. B. (ex-mulher do falecido Engº. P. B. e mãe do A. e da Ré), e na sequência da apreciação que é feita do seu depoimento na “motivação de facto” da sentença recorrida, relatou os factos a que assistiu ou os factos e circunstâncias que o A. e a Ré lhe relataram, em diversas ocasiões, a propósito do contrato de cessão de quota hereditária, ao qual efectivamente também não assistiu, mas cujos contornos foi reconstituindo à medida que o tempo avançou e se reaproximou do A., sem deixar de contactar com a Ré, ouvindo as versões de um e de outro, bem assim como assistindo à forma como a relação pessoal dos seus filhos foi evoluindo após a outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário e o A. ter informado a Ré que iria impugnar a validade daquela cessão e exigir-lhe o preço ali declarado. Esta testemunha esclareceu que soube o que se estava a passar entre o A. e a Ré na véspera de Natal de 2010 (altura em que ainda não tinha reatado relações com o filho), quando a Ré lhe contou que tinha feito um acordo com o irmão e que estava a pagar-lhe € 500,00 por mês da herança, tendo estranhado que o filho tivesse aceite esse acordo. Relatou ainda que passado algum tempo, que não soube concretizar, a Ré telefonou-lhe muito chorosa e angustiada a dizer que o irmão tinha proposto uma acção contra ela em tribunal, exigindo-lhe a entrega dos € 700.000,00 mencionados na escritura de cessão, assumindo expressamente perante a mãe que colocou aquela importância na escritura apenas para convencer o A. a assinar, não sendo sua intenção pagar-lhe, pedindo-lhe que o convencesse a desistir da acção. Mais relatou que transmitiu à filha que não concordava com a atitude dela, que o irmão tinha razão e se estivesse no lugar dele faria exactamente o mesmo, pelo que não a ia ajudar, sendo que mais tarde a Ré ligou-lhe novamente a contar que o irmão havia desistido do processo, tendo a testemunha alertado aquela para a hipótese do A. ter retirado a acção para a reformular. Acrescentou, ainda, que passados uns tempos, a Ré voltou a telefonar-lhe a contar que o irmão tinha proposto uma nova acção, pretendendo que a mãe o convencesse a desistir da mesma, o que a testemunha recusou por entender que aquilo que a Ré fez ao irmão não estava certo, tendo esclarecido que só soube da situação pela boca do filho na primeira visita que lhe fez na prisão da Covilhã, no início de 2012, quando este lhe contou a manipulação sentimental feita pela Ré para se reaproximar de si, o facto de ter assinado a escritura de cessão sem ter conhecimento da existência do testamento que o pai havia previamente outorgado e sem se aperceber das eventuais consequências de ter assinado um documento em que declarou ter recebido € 700.000,00, por estar convencido de que a irmã lhe iria pagar aquele valor, uma vez que lhe tinha prometido, tendo a mesma lhe referido que tinha de assinar a escritura para lhe dar o dinheiro, nunca lhe passando pela cabeça que ela o ia enganar. Todavia, o facto da testemunha E. B. ter referido, quando descreveu a conversa que teve com o A., que o mesmo lhe disse que depois da morte do pai houve conversas entre ele e a Ré, tendo ambos chegado a um acordo, não significa que o A. tivesse admitido perante a mãe que tinha acordado previamente com a Ré a celebração do contrato de cessão do quinhão hereditário nos moldes constantes da escritura junta aos autos, como a recorrente pretende fazer crer. Conjugando esta parte do depoimento da testemunha E. B. com o que foi relatado pelo primo de ambas as partes P. A. e pela ex-companheira do A., sobre o que lhes foi transmitido por este relativamente à cessão do quinhão hereditário, somos levados a concluir que o A., na conversa que teve com a mãe, estaria a referir-se às conversas telefónicas que teve com a irmã nos termos acima referidos e ao contrato que celebrou com a mesma no próprio acto de celebração da escritura de cessão, tanto mais que foi relatado por esta testemunha que o A. sofreu bastante com toda esta situação e por a irmã o ter deixado sem nada, o que, de certa forma, evidencia que ele foi apanhado de surpresa com a atitude da Ré. O depoimento da testemunha E. B. mostrou-se credível e verosímil pois, apesar de ser mãe de ambas as partes, relatou com sinceridade, isenção e segurança não apenas os factos a que assistiu, mas também aquilo que lhe foi relatado pela Ré e pelo A. em ocasiões diferentes, a propósito do contrato de cessão da quota hereditária, tendo podido percepcionar directamente a reacção de cada um dos filhos ao desenrolar dos acontecimentos, designadamente o sentimento de revolta e o sofrimento manifestado pelo A. ao descobrir que tinha sido enganado pela irmã, descrevendo essas reacções em audiência de julgamento. A isenção e sinceridade deste depoimento é revelada também pelo facto, que é referido na “motivação de facto” da sentença recorrida, desta testemunha ter admitido “sem pudor que esteve afastada do filho cerca de oito anos, período durante o qual não manteve com ele contactos, pois este era toxicodependente”, tendo o falecido J. F. gasto muito dinheiro com o A., em vários tratamentos de desintoxicação, e porque a testemunha não concordava com o apoio que o ex-marido dava ao filho na altura, afastou-se dele, tendo reatado relações com o A. somente no início de 2012, depois deste ser preso e ter sido transferido para o E.P. da Covilhã, onde o visitava regularmente, “sendo que após a sua libertação, já no Verão de 2012, o acolheu em sua casa, residindo juntos os dois desde aí.” Além disso, como já se referiu, “a testemunha também não viu problemas em assumir que o falecido J. F. gastou muito dinheiro com o filho em tratamentos e pagamento de prejuízos a terceiros, e afirmou que até discordou dele em muitas opções tomadas a favor do filho, porém, também afirmou que o falecido dava tudo o que fosse necessário aos dois filhos, e que também a ré já havia beneficiado em vida do dinheiro do pai.” Por último, no que se refere ao depoimento do Dr. A. C. (notário que celebrou as escrituras de habilitação de herdeiros e de cessão de quinhão hereditário em causa nos autos), alega a recorrente que é manifestamente inverosímil e até surrealista acreditar que, durante uma escritura, um dos outorgantes solicite explicações ao outro outorgante quanto ao conteúdo da mesma e à menção feita, no texto do documento que lhe está a ser lido, quanto ao recebimento do montante de € 700.000,00, que a outra outorgante, em resposta àquela interrogação, tenha dito que tal acto constitui uma mera formalidade para lhe permitir administrar a herança e que, perante isso, o Sr. Notário nada tenha feito, aceitando celebrar uma escritura nesses termos, sendo contrário às regras da experiência comum que um Notário tenha verificado que um declarante não queria declarar o que consta da escritura e, mesmo assim, decida prosseguir na respectiva leitura e permita a consumação do acto, particularmente tendo em conta que nem o A. nem a Ré eram clientes habituais do Cartório. Contudo, o depoimento desta testemunha não tem a relevância que a recorrente lhe pretende dar, pois resulta do mesmo que a testemunha não conhecia o A. e a Ré antes da celebração da escritura, uma vez que não eram clientes habituais do seu Cartório, não se recordando de pormenores deste acto notarial em concreto. Afirmou, ainda, que não se recordava de ter havido alguma recção estranha por parte dos outorgantes, tendo referido apenas que “basta para o notário a declaração da pessoa a dizer que já recebeu o que tinha a receber”, não sabendo se essa declaração é verdadeira ou não. Para além do depoimento da testemunha Dr. A. C. incidir essencialmente sobre os procedimentos normalmente adoptados pelo notário em actos como este, e tendo a testemunha celebrado centenas de escrituras e outros actos notariais, é expectável que não se lembrasse concretamente de algo que se tivesse passado durante a outorga desta escritura de cessão de quinhão hereditário, não sendo de excluir a hipótese do pedido de explicações do A. à Ré e a reacção desta e de seu companheiro Dr. V. V., também presente no acto, terem ocorrido de forma a passarem despercebidas ao notário, tendo em atenção o que foi relatado pelas testemunhas P. A. e C. D. sobre aquilo que lhes foi transmitido pelo Autor. Importa, ainda, referir que não obstante a relação de parentesco entre a testemunha P. A. e as partes nesta acção, o carinho por ele demonstrado em relação ao A. e alguma animosidade que sente pela Ré, bem como o facto da testemunha C. D. ter sido companheira do A., e mesmo sabendo-se que estas testemunhas não assistiram à outorga da mencionada escritura de cessão de quinhão hereditário, os respectivos depoimentos lograram convencer o Tribunal quanto à matéria vertida nos pontos de facto acima referidos, tendo em conta o que lhes foi posteriormente relatado sobre aquele acto notarial pelo A. e pela testemunha V. V. (este último na reunião ocorrida em Setembro de 2011), as circunstâncias que rodearam a outorga da escritura e a percepção que tiveram da reacção do próprio A. em relação àquela escritura e ao afastamento da irmã após a mesma ter sido celebrada. Como bem se refere na sentença recorrida, apesar da testemunha C. D. ter mantido um relacionamento amoroso com o A., com quem residiu maritalmente, o seu depoimento pareceu-nos objectivo, claro e firme no relato feito ao Tribunal sobre o suceder dos acontecimentos, convencendo pela postura e pelo distanciamento mostrado em relação à causa, onde nenhum interesse terá, tanto mais que na data da audiência de julgamento já nem sequer era companheira do Autor. «Face à proximidade vivenciada pela testemunha à situação pessoal e familiar do autor, antes e após o óbito do pai, bem ainda atendendo às regras da normalidade da vida, pareceu-nos consentânea com a realidade e a própria personalidade do autor a relatada ausência de uma reacção deste mais veemente no acto de outorga da escritura, ou sequer o manifestar de oposição à mesma, bem como entendemos justificada a circunstância de a testemunha não ter antes convencido o companheiro a reagir aos termos da escritura e ao não cumprimento das obrigações ali delineadas para a ré, resultando claro que a mesma não se quis imiscuir nos assuntos familiares do autor, muito menos nas questões de nível patrimonial, sendo que só depois de perceber os reais contornos da outorga do acto decidiu ajudá-lo a impugnar a mesma.» Como forma de descredibilizar os depoimentos das testemunhas P. A. e C. D., alega a recorrente que estas prestaram depoimentos indirectos da “verdade” contaminada levada pela testemunha V. V., e como tal não têm a virtualidade de demonstrar a veracidade da matéria constante dos pontos ora em análise, pois além de não terem estado presentes no acto, a própria versão das referidas testemunhas é contraditória com a matéria de facto impugnada, na medida em que, segundo a testemunha P. A., o pedido de explicações e os esclarecimentos estavam apenas relacionados com o momento em que os € 700.000,00 iriam ser pagos. Todavia, salvo o devido respeito, não tem razão. Apesar das testemunhas P. A. e C. D. não terem estado presentes no acto notarial, consideramos que as mesmas não prestaram depoimento indirecto do que lhes foi transmitido pela testemunha V. V., cujo depoimento foi expurgado na sentença ora sob escrutínio, pois ao fazerem referência ao telefonema que lhes foi feito pelo Dr. V. V. a pedir para se reunirem juntamente com o A., à reunião que tiveram em Setembro de 2011, ao que lhes foi transmitido pelo Dr. V. V. nessa reunião e à reacção do próprio A. quer depois da Ré se ter de novo distanciado dele, quer no decurso daquela reunião, estas testemunhas relataram factos a que assistiram e nos quais tiveram intervenção, descrevendo o que percepcionaram directamente sobre a reacção do A. relativamente àquilo que foi vivenciado por ele e ao que foi falado nessa reunião, bem como sobre o desenrolar dos acontecimentos após a outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário. No seguimento do que é referido na sentença recorrida, acresce referir que embora nenhuma das testemunhas P. A., C. D. e E. B. tenham estado presentes no acto de outorga da escritura de cessão da quota hereditária, a testemunha C. D. foi a pessoa que acompanhou de perto o desenvolvimento da reaproximação da Ré ao Autor, que ocorreu por iniciativa dela, tendo todas aquelas testemunhas, através do que lhes foi posteriormente relatado pelo Autor e do que directamente percepcionaram, vindo a aperceber-se dos contornos que envolveram o aludido acto notarial, pois que sendo familiares directos do A. ou a sua companheira à data, a quem aquele foi relatando as conversas mantidas com a irmã, sendo que nalgumas situações a C. D. ouviu mesmo essas conversas telefónicas, todas confirmaram que o A. confiava na irmã, sobretudo porque à época residia com um magistrado judicial, em quem o A. depositava confiança e acreditava na sua integridade e honestidade. Além do mais, as mencionadas testemunhas explicaram que o A., fruto de anos de consumos de produtos estupefacientes, sempre foi pessoa muito frágil a nível emocional - fragilidade essa que se acentuou devido à morte do pai, com quem mantinha uma relação muito próxima - que podia ser facilmente manipulado, por não ter uma personalidade que lhe permitisse alcançar ou discernir eventuais intenções ocultas da irmã. Ora, analisando os depoimentos das três testemunhas acima referidas, tudo leva a crer que foi o facto de a Ré ter então como companheiro um juiz, que marcou as escrituras, ajudou até na definição de parte do respectivo conteúdo e que acompanhou a outorga da habilitação de herdeiros e da cessão de quota hereditária, que levou o A., ex-toxicodependente e muito fragilizado com a morte do pai, confrontado no acto da escritura com o texto da cessão da sua quota hereditária, a acreditar que as intenções da Ré eram genuínas, que iria regularizar a situação e que receberia a sua parte na herança, correspondente ao preço declarado, além do valor mensal ali referido e de manter o direito de habitar o apartamento de .... Ou seja, foi o facto de o Dr. V. V. ter estado presente no acto de celebração da escritura de cessão, na qualidade de companheiro da Ré, magistrado judicial de profissão, que conferiu credibilidade a esse mesmo acto aos olhos do Autor. De acordo com o depoimento da testemunha P. A., a presença do Dr. V. V., juiz na altura, não foi indiferente para o A., pois foi essa mesma presença e as demais circunstâncias que rodearam o negócio, desde logo tendo em conta a prévia reaproximação da irmã e a própria fragilidade e carência afectiva do A., que o determinaram e convenceram a assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário e a declarar ter recebido o preço, ao contrário da realidade. Assim, da conjugação da prova testemunhal acima enunciada, que não foi suficientemente contrariada pelos restantes meios de prova, e ainda em consonância com as regras da experiência comum, não podemos dar como não provados os pontos 45 a 49 dos factos provados como pretende a recorrente, entendendo, no entanto, que a redacção do ponto 47 dos factos provados deve ser alterada, por forma a que seja rigorosamente mais consentânea com a prova testemunhal produzida nos autos e a não estar em contradição com a restante matéria de facto provada e não provada, passando a ter a seguinte redacção: 47. Que lhe garantiu verbalmente que se tratava de uma mera formalidade, sendo que depois lhe pagaria o preço declarado na escritura. No que se refere aos pontos 50 e 52 dos factos provados que têm a seguinte redacção: 50. Depois da outorga das escrituras referidas em 11 e 12, a ré comunicou ao autor não pretender manter com ele qualquer contacto, nomeadamente do tipo pessoal; 52. Recusando-se a prestar ao autor qualquer apoio. Argumenta a Ré/recorrente que não compreende como é que o Tribunal “a quo” pode dar como provada a matéria constante daqueles pontos de facto com base no seu depoimento de parte e nos depoimentos das testemunhas P. A., C. D. e E. B., na medida em que, no seu depoimento de parte, a Ré esclareceu que nunca manteve um relacionamento próximo com o irmão e que após o pai de ambos falecer se limitou a conversar com o mesmo sobre aspectos relacionados com a partilha da herança, não sendo possível, do aludido depoimento, chegar à conclusão de que, após a escritura, a Ré disse ao A. que não pretendia manter qualquer contacto com ele, nomeadamente do tipo pessoal, e que se recusou a prestar-lhe qualquer apoio. Segundo a recorrente, apenas se pode retirar do seu depoimento de parte, que ela e o A. nunca se relacionaram e que após o falecimento do pai limitaram-se a conversar sobre temas relacionados com a herança, deixando de falar, naturalmente, depois de estar resolvido o assunto que os conduziu ao diálogo. Mais alega a recorrente que a testemunha P. A. não confirmou a factualidade constante do ponto 50, pois embora tenha inicialmente referido que, após o falecimento do Engº. P. B., houve uma reaproximação entre os irmãos, quando questionado expressamente pela Mª Juíza “a quo” e pelo mandatário da recorrente, esta testemunha esclareceu que utilizou a palavra reaproximação apenas para caracterizar o facto de as partes terem voltado a falar um com o outro, declarando, no entanto, desconhecer o teor das conversas que ambos mantiveram, não podendo o seu depoimento ter contribuído para a percepção do comportamento da Ré após a celebração do referido contrato. A recorrente considera, ainda, que o depoimento da testemunha C. D. é irrelevante para a prova desta matéria, porquanto a mesma admitiu que nunca ouviu os telefonemas mantidos entre as partes antes da outorga da escritura de cessão do quinhão hereditário (o que a impede de atestar que após aquele acto a Ré se afastou do A., pois podem simplesmente ter deixado de se falar por ter deixado de existir o motivo que fundamentava os telefonemas), para além de que, se tal factualidade fosse verdadeira, no telefonema que a testemunha diz ter presenciado, quando o A. alegadamente ligou à Ré, esta última lhe teria dito que não pretendia manter qualquer contacto com o mesmo, o que de acordo com o relato feito pela testemunha C. D. não terá sucedido. Por fim, refere que a testemunha E. B. também não fez nenhuma referência quanto a tal matéria, nem o poderia ter feito, uma vez que só teve conhecimento da celebração da escritura de cessão no Natal de 2010, por a Ré lhe ter relatado tal acontecimento. Vejamos se lhe assiste razão. Em relação aos depoimentos da Ré e das testemunhas P. A., C. D. e E. B., remetemos para o que atrás deixámos dito sobre os mesmos, aquando da análise do ponto 40 dos factos provados, e que também se aplica a estes pontos de facto. Ademais, embora a Ré e as aludidas três testemunhas não tenham confirmado expressamente que, após a outorga das escrituras de habilitação de herdeiros e de cessão do quinhão hereditário, a Ré comunicou ao A. que não pretendia manter com ele qualquer contacto e que se recusou a prestar-lhe qualquer apoio, todas elas confirmaram o afastamento da Ré em relação ao A. e o facto daquela não mais ter mantido qualquer contacto com o irmão depois da realização daqueles actos notariais, descrevendo, ainda, a reacção do A. a esse afastamento da irmã. Neste contexto, salientamos a relevância do depoimento da testemunha C. D., companheira do A. à data dos factos, na parte em que esclareceu que com o passar do tempo notou que a Ré já não ligava ao irmão, “não dava sinal de vida” e nunca mais lhe disse nada e em que confirmou ter presenciado um telefonema entre o A. e a Ré, por o telefone estar em alta voz, o que lhe permitiu ouvir a conversa havida entre eles. Com efeito, esta testemunha relatou que num dia em que seguia no seu carro com o A., após este se lamentar várias vezes que a irmã o estava a enganar, estando desconfiado de que alguma coisa se estava a passar, pois ela nunca mais tinha dado sinais de vida, aconselhou-o a ligar à Ré para lhe perguntar como é que estava a situação relativamente ao tal contrato que fizeram e que ele tinha assinado; o A. ligou, naquele momento, à irmã e perguntou-lhe como estava o assunto deles, uma vez que nunca mais havia dito nada, tendo C. D. ouvido ela dizer, por o telefone estar em alta voz, de forma muito brusca, impulsiva e arrogante “Eu não tenho nada que te dar, tudo aquilo que tinhas direito, o pai já te deu, já recebeste tudo quando o pai era vivo, tu não tens a levar nada”, reparando, na altura, que o A. ficou bastante transtornado, sendo que começaram a discutir, tendo aquele respondido que ela tinha que lhe dar, pois havia assinado um documento e ela tinha prometido que lhe dava. A testemunha C. D. esclareceu que foi ali que se apercebeu que a Ré “estava a tramar” o irmão e a aproveitar-se da fragilidade emocional dele, e que confirmou que o A. tinha razão nas suas desconfianças em relação à irmã, tendo ainda mencionado que esta atitude da Ré contribuiu para a subsequente recaída do A. no consumo de estupefacientes, pois face ao estado de fragilidade emocional em que estava desde a morte do pai, aquele ao aperceber-se das reais intenções da irmã, voltou a consumir estupefacientes, a que se seguiu um período de prisão domiciliária entre Janeiro de 2011 e 8/12/2011, seguido desde aí e até 20/06/2012 de um período de reclusão no E.P. de Aveiro e depois no E.P. da Covilhã. Deste modo, tendo em atenção os depoimentos das três testemunhas acima referidas, com especial relevância para o depoimento de C. D. pelas razões supra expostas, concluímos que não assiste razão à recorrente ao pretender dar como não provados os pontos 50 e 52 dos factos provados. No entanto, de acordo com o disposto no artº. 5º, nº. 2, al. a) e b) do NCPC, entendemos que a redacção daqueles pontos de facto, bem como do ponto 51 (E que lhe estava vedado utilizar qualquer bem da herança, porque todos os bens lhe pertenciam) que está directamente relacionado com o facto provado sob o nº. 52, deve ser alterada, por forma a estar mais em conformidade com a prova testemunhal produzida nos autos, passando a ter a seguinte redacção: 50. Depois da outorga das escrituras referidas em 11 e 12, a Ré não mais manteve qualquer contacto com o Autor, nomeadamente do tipo pessoal; 51. E quando interpelada pelo Autor, disse-lhe que não tinha que lhe dar nada, nem ele tinha nada a receber; 52. Recusando-se a pagar ao Autor o preço declarado na escritura de cessão do quinhão hereditário. Quanto ao ponto 54 dos factos provados que tem a seguinte redacção: 54. O autor foi forçado a viver do auxílio de terceiros, pois face ao referido em 26 a 28 e 38 não auferia qualquer tipo de rendimentos. Defende a recorrente que a factualidade constante do ponto 54 é contraditória em relação aos factos vertidos no ponto 37 dos factos considerados provados, pelo que se impunha que a matéria vertida no aludido ponto 54 fosse julgada não provada. Pese embora tenha ficado provado no ponto 37 que, após a celebração das escrituras de habilitação de herdeiros e de cessão do quinhão hereditário, a Ré passou a depositar na conta bancária do A. a prestação mensal de € 500,00, é pacífico que o A., no período em que esteve em tratamento de desintoxicação até à outorga da escritura de cessão (ou seja, desde meados de 2009 até Outubro de 2010), não tinha qualquer rendimento (cfr. factos provados 26 a 28). Ademais, tendo as mencionadas escrituras sido celebradas em 22/10/2010 e em face da matéria dada como provada no aludido ponto 37, daí resulta que o A. passou a auferir, pelo menos, o rendimento mensal de € 500,00 que a Ré começou a depositar na sua conta bancária, inclusive no período em que esteve preso, em cumprimento de pena, dado como provado no ponto 38 (ou seja, entre 8/12/2011 e 20/06/2012), não podendo pois concluir-se que, após a celebração da escritura de cessão, o A. não auferia qualquer tipo de rendimento, razão pela qual deverá esta parte ser retirada dos factos provados. No entanto, resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas P. A., C. D. e E. B. que o A., após a morte do pai, necessitou do auxílio de terceiros, designadamente da sua namorada/companheira na altura, para poder viver. Com efeito, a testemunha P. A. confirmou que, soube através da C. D., que esta chegou a adiantar algum dinheiro ao A. e lhe prestou o apoio necessário. A própria C. D. afirmou que teve de ajudar o A. porque ele não tinha nada e teve de lhe prestar apoio financeiro até para ele poder reagir judicialmente contra a irmã. Ao passo que a testemunha E. B. confirmou que quando o pai do A. faleceu, este ficou sem nada, tendo pedido dinheiro emprestado para sobreviver, sobretudo à sua companheira na altura, que lhe deu todo o apoio, uma vez que a irmã o deixou sem dinheiro nenhum até ser outorgada a aludida escritura de cessão. Assim, da conjugação dos depoimentos das três testemunhas acima enunciadas, não podemos dar como não provado o ponto 54 dos factos provados como pretende a recorrente, entendendo, no entanto, que a sua redacção deve ser alterada, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a prova testemunhal produzida nos autos e esteja em harmonia com o ponto 55 dos factos provados, passando a ter a seguinte redacção: 54. O autor foi forçado a viver do auxílio de terceiros, face ao referido em 26 a 28 e 38. Relativamente aos pontos 58 e 60 a 62 dos factos provados que passamos a transcrever: 58. A ré sabia que o autor não tinha consciência do sentido e alcance da sua declaração, nomeadamente, dos seus efeitos jurídicos; 60. O autor não pretendia abrir mão em favor da ré do património da herança; 61. A ré sabia que o autor não abriria mão do seu quinhão hereditário, a título gratuito; 62. A ré transmitiu a ideia de que se não fosse formalizada a denominada “administração” da herança, o autor perderia bens a que tinha direito para o fisco. Entende a recorrente que a matéria constante destes pontos de facto está em flagrante contradição com os factos descritos sob os nºs 46 a 49, pois por um lado, considerou-se demonstrado que o A. não tinha consciência do sentido e alcance da sua declaração (ponto 58) e, por outro lado, considerou-se provado que, no próprio acto da leitura do contrato, o A. terá pedido explicações sobre o seu conteúdo. Segundo a recorrente, a existir qualquer pedido de explicações, revela, por si só, que o A. tinha perfeita consciência do sentido da declaração que estava a emitir e do respectivo alcance jurídico, pois, se alguém compreende que está a ceder um quinhão hereditário e a declarar que recebeu o preço, necessariamente não pode ter dúvidas sobre o alcance jurídico e prático dessa declaração (transmissão do quinhão hereditário). Além da alegada contradição com os referidos pontos 46 a 49, argumenta a recorrente que a matéria descrita no ponto 58 também está em oposição com a prova testemunhal produzida, mais concretamente com os depoimentos das testemunhas C. D. e P. A., sendo que a descrição dos factos por eles relatada não suscita nenhuma dúvida de que o A. tinha plena consciência da realidade que proferiu e da sua implicação jurídica, o que, por decorrência lógica, implica que também não são verdadeiros os factos descritos nos pontos 60 a 62 dos factos provados, o que impunha que todos estes factos fossem julgados não provados. No que se refere à matéria vertida no ponto 58 dos factos provados, conforme se constata da audição da prova gravada, quando a testemunha C. D. descreveu a conversa que teve com o A., relatou que o mesmo lhe confidenciou que a Ré havia feito um contrato consigo em que lhe prometeu que iria pagar-lhe o montante de € 700.000,00 como contrapartida de ela ficar com a herança do pai e a quantia mensal de € 500,00, bem como iria dar-lhe um carro à sua escolha e ainda constituir a seu favor o direito de usufruto sobre um dos imóveis da herança, mas a única coisa que estava a cumprir era o depósito de € 500,00 por mês e o usufruto do apartamento. Por outro lado, a testemunha P. A., quando descreveu a conversa que teve com o A. sobre a escritura de cessão do quinhão hereditário, relatou que quando confrontou o A. com o facto dele ter assinado um documento importante a declarar que recebeu a quantia nele mencionada sem a ter recebido, o mesmo confidenciou-lhe que, no momento em que ouviu o Notário a ler que declarava já ter recebido o montante de € 700.000,00, terá feito o comentário de que não tinha recebido nada e olhado para o Dr. V. V., que esteve presente no acto, tendo aquele feito um gesto para que ele assinasse pois a situação seria regularizada, referindo ainda que a irmã lhe prometeu que lhe ia dando o dinheiro e dar-lhe-ia algum logo após saírem do Cartório Notarial, tendo o A. confiado na irmã e no Dr. V. V. e assinado a escritura. Ora, a descrição que as identificadas testemunhas fizeram das conversas que mantiveram com o A. após ter sido celebrada a escritura de cessão do quinhão hereditário e da reacção daquele face ao posterior afastamento da irmã e à atitude dela em relação ao pagamento do preço declarado na escritura, permite-nos concluir que o A. tinha consciência do sentido e alcance da sua declaração, e que só terá assinado a aludida escritura por ter acreditado que as intenções da irmã eram genuínas e estar convencido de que ela iria pagar-lhe o preço declarado na mesma, uma vez que lhe tinha prometido, bem como pelo facto de ter estado presente naquele acto notarial o Dr. V. V., que era magistrado judicial e companheiro da Ré na altura, pessoa por quem o A. tinha grande estima e consideração e em quem depositava muita confiança. Nesta conformidade, teremos de concluir que a recorrente tem razão ao pretender que o ponto 58 dos factos provados seja considerado não provado. Em relação aos pontos 60 e 61 dos factos provados, entende a recorrente que dos depoimentos das testemunhas supra referidas é possível concluir que o A. quis efectivamente ceder o seu quinhão hereditário à Ré, para além de que a referência à cessão a “título gratuito” que é feita no ponto 61 dos factos provados é desprovida de qualquer sentido pois, conforme é pacificamente aceite, a cessão foi feita a título oneroso, desde logo porque foi estabelecida a contrapartida de uma pensão vitalícia e de um direito de uso e habitação, sendo certo que, diversamente do que consta da sentença, a Ré só não entregou ao A. o montante de € 700.000,00 que este declarou ter recebido porque, efectivamente, esse montante correspondia ao valor encontrado por acordo das partes para o montante que o A. gastou em vida do pai e que, nessa medida e significado, já tinha recebido por antecipação da herança que lhe cabia. Em primeiro lugar, importa salientar que aqui não está em causa saber se dos depoimentos das testemunhas P. A. e C. D. se pode concluir que o A. quis (ou não) ceder o quinhão hereditário à Ré, como a recorrente pretende fazer crer. Na verdade, o que se mostra provado no ponto 60 é que o Autor não pretendia abrir mão em favor da Ré do património da herança, o que, em nosso entender, é algo substancialmente diferente de pretender ceder o seu quinhão hereditário à Ré – enquanto a cessão do quinhão implicava a transmissão para a Ré do seu direito à herança do pai mediante uma contrapartida monetária, um preço aceite por ambas as partes (como consta da escritura), o abrir mão a favor da Ré do património da herança significava que o A. “abandonaria” a favor da Ré o seu direito ao património da herança, não queria saber desse património ficando a sua irmã como única beneficiária do mesmo. Ora, contrariamente ao que é referido pela recorrente, resulta dos depoimentos das testemunhas P. A. e C. D. que o A. não pretendia abrir mão em favor da Ré do património da herança, tanto mais que ambos se aperceberam, pelas razões já referidas, que o A. fora apanhado de surpresa, quando se deslocou ao Cartório Notarial, com a celebração do contrato de cessão do quinhão hereditário titulado pela escritura junta aos autos e que, na altura, assinou aquela escritura no quadro de confiança criado pela Ré supra descrito e convencido de que esta iria pagar-lhe o preço declarado no documento, o que não veio a acontecer, tendo o comportamento da irmã gerado nele um sentimento de revolta ao descobrir que esta o tinha enganado, o que, a nosso ver, constitui uma evidência de que o A. não pretendia abrir mão a favor da Ré do património da herança sem mais. O facto do A. ter assinado a escritura de cessão referida no ponto 12, é indicador de que ele aceitou celebrar um contrato com a Ré no circunstancialismo atrás descrito, nos termos do qual aquele cedeu à irmã a sua quota na herança do pai, mediante a contrapartida de pagamento por aquela do preço declarado no documento (€ 700.000,00). Por outro lado, a referência que é feita à cessão a “título gratuito” no ponto 61 dos factos provados não é desprovida de sentido como defende a recorrente, pois resulta do depoimento da testemunha P. A. e do texto da própria escritura que o A. assinou que ele não cederia o seu quinhão hereditário a título gratuito. Com efeito, na referida escritura o A. declarou que “mediante o preço de setecentos mil euros, que já recebeu e de que dá quitação, cede à segunda outorgante, sua irmã … o direito e acção ao quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai, J. F. (…)”, o que demonstra que o A. apenas aceitou ceder o seu quinhão a título oneroso, constituindo o valor de € 700.000,00 o preço da cessão (e não propriamente a prestação mensal vitalícia e o direito de habitação referidos posteriormente na escritura que, a nosso ver, não integram esse preço, constituindo apenas um compromisso e uma promessa da Ré para com o Autor), valor esse que ele acreditou que a irmã lhe iria pagar. Por sua vez, quando foi perguntado pelo mandatário do A. à testemunha P. A. se achava que o A. teria tido intenção de deixar o património da herança à irmã sem receber dinheiro algum, a mesma respondeu de forma clara e peremptória “de maneira nenhuma”. Na verdade, seria desconforme com as regras da experiência comum e do normal acontecer que um ex-toxicodependente sem meios de subsistência, como era o A., cedesse a sua quota num património tão vasto e valioso como o da herança de seu pai, sem receber qualquer tipo de contrapartida monetária mais significativa do que uma mensalidade inferior a um salário mínimo nacional e o direito de habitar um apartamento, quando a herança é integrada por diversos imóveis, um jazigo, saldos bancários e aplicações financeiras em montante superior a € 500.000,00, uma prestação do Município de ... no valor de € 460.000,00, acções tituladas na bolsa, créditos sobre terceiros, veículos automóveis, motociclos e uma embarcação. Para além disso, a testemunha E. B. relatou, de forma sincera e espontânea, que a Ré admitiu expressamente perante ela que colocou o valor de € 700.000,00 na escritura apenas para convencer o A. a assinar, não sendo sua intenção pagar-lhe, o que demonstra que a Ré bem sabia que o irmão não cederia o seu quinhão sem receber uma contrapartida monetária. Para sustentar a sua tese, a recorrente alega que só não entregou ao A. o montante de € 700.000,00 que este declarou ter recebido porque, efectivamente, esse montante correspondia ao valor encontrado por acordo das partes para a quantia que o A. gastou em vida do pai e que, nessa medida, já tinha recebido por antecipação da herança que lhe cabia. Contudo, a Ré não logrou fazer prova desta sua versão dos factos pelas razões já atrás mencionadas. Por último, entendemos que assiste razão à recorrente ao pretender que seja dado como não provado o ponto 62 dos factos provados, porquanto não foi confirmado por nenhuma das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, para além de que seria contraditório dar como provado que «a ré transmitiu a ideia de que se não fosse formalizada a denominada “administração” da herança, o autor perderia bens a que tinha direito para o fisco» (ponto 62) e, ao mesmo tempo, ter considerado que nenhuma prova foi feita quanto ao ponto 3 dos factos não provados, isto é, ter considerado que o A. não logrou demonstrar que a Ré o convenceu “de que, se não fizesse a outorga da escritura de habilitação de herdeiros, iriam ambos correr o risco de ficar sem nada”. Assim, da conjugação de todos os elementos de prova acima enunciados com as regras da experiência comum nos termos supra expostos, entendemos que devem manter-se os pontos 60 e 61 dos factos provados e serem considerados não provados os pontos 58 e 62 dos factos provados, procedendo, nesta parte, a pretensão da recorrente. Em face do acima exposto e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré/recorrente, alterando-se a redacção dos pontos 40, 43, 47, 50 a 52 e 54 dos factos provados nos termos atrás mencionados e dando-se como não provados os pontos 41, 58 e 62 dos factos provados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita. * II) - Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa: Pretende a Ré/recorrente, com base na alteração da matéria de facto por ela pretendida, que a presente acção seja julgada improcedente, absolvendo-se a mesma dos pedidos formulados, alegando, em suma, que os fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal “a quo” na sentença ora sob censura, são os mesmos da primeira decisão, e assentam em exclusivo na mesma “verdade viciada” trazida pela testemunha V. V., desta forma “branqueada” pela valorização de depoimentos indirectos contaminados pelo facto da fonte de conhecimento residir no único contacto com essa “verdade” na reunião de Setembro de 2011. Mais alega que os factos assentes são manifestamente contraditórios e assentam em depoimentos de testemunhas manifestamente influenciadas pela transmissão de factos e pelo depoimento da testemunha V. V., que foi considerado falso, pelo que deverá ser corrigida a decisão sobre a matéria de facto nos termos por ela pretendidos, com a consequente improcedência da acção. Ora, conforme resulta das alegações de recurso e respectivas conclusões, o que a ora recorrente faz no recurso da decisão jurídica propriamente dita é uma nova incursão na matéria de facto e na análise dos depoimentos das testemunhas P. A., C. D. e E. B., no confronto com o depoimento da testemunha V. V., expurgado da segunda sentença ora sob escrutínio por ter sido considerado falso, repetindo grande parte dos argumentos por si expendidos na impugnação da matéria de facto, sem sequer indicar as normas jurídicas que considera violadas e o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, tal como impõe o artº. 639º, nº. 2, al. a) e b) do NCPC. Na sentença recorrida, após analisar correcta e detalhadamente a figura do erro enquanto vício na formação da vontade de contratar e respectivo regime consagrado no Código Civil, distinguindo as diversas situações em que o erro dá direito à anulação do negócio jurídico - o que pode acontecer em caso de erro-obstáculo ou erro na declaração (artº. 247º), erro na transmissão da declaração (artº. 250º), erro-motivo ou erro-vício (artº. 251º) e erro sobre os motivos (artº. 252º) - da situação de falta de consciência da declaração (artº. 246º), análise para a qual remetemos por com ela concordarmos, evitando, assim, repetições inúteis, o Tribunal “a quo” conclui que «No caso não está em causa qualquer falta de consciência da declaração ou de coacção física, pelo que não se analisará mais profundamente o estatuído no art. 246º, apesar de o autor a este também ter apelado. É que, olhando aos factos provados sob os pontos 12, 29, 36 e 43 a 49 e 62, temos de concluir que, apesar de o autor apenas ter sido confrontado com o teor da cessão no próprio acto notarial, quando pensava que apenas ia fazer a escritura de habilitação, que depois de confrontada a ré e colhidas as explicações dadas, aliadas ao facto de estar ali também presente o companheiro da ré, pessoa em quem o autor confiava, que o mesmo anuiu em realizar a escritura de cessão de quota hereditária, pelo que o autor sabia que emitia uma declaração negocial. Ou seja, apesar de se ter provado que o autor anuiu no acto, e em fazer a declaração de venda da sua quota à ré, sua irmã, por estar convencido que estava ante uma formalidade que viabilizaria a melhor administração da herança e evitava a perda de bens para o fisco, na verdade não existe falta de consciência de declaração, nem sequer existe divergência entre a vontade real e a declaração feita pelo autor. Também não está em causa o denominado erro obstáculo ou erro na declaração previsto no art. 247º do Código Civil, que abarca as situações em que se formou, sem erro, certa vontade, mas declarou-se outra. Neste caso há consciência de uma declaração negocial, mas esta tem um conteúdo diferente do que foi pretendido. (…) Afastado que foi no caso a existência de erro obstáculo ou na declaração, é evidente que, tendo em conta a factualidade apurada, também não existe erro na transmissão da declaração pois não está em causa uma declaração negocial inexactamente transmitida nos termos do art. 250º do Código Civil. (…) No caso, não decorre dos factos provados qualquer transmissão defeituosa ou deturpada por parte do intermediário transmitente (notário).» (sublinhado nosso). Por último, após fazer uma correcta caracterização do denominado erro-motivo ou erro-vício, seja ele sobre a pessoa do declaratário, sobre o objecto do negócio ou sobre os motivos determinantes da vontade, previsto nos artºs 251º e 252º do Código Civil, o Tribunal “a quo” concluiu que do conjunto dos factos provados nos pontos 10 a 12, 21 a 37, 39 a 41, 43 a 53, 56 a 58 e 60 a 62 resulta a existência de um vício na formação da vontade do autor/vendedor consistente no erro que, segundo Castro Mendes, se opõe à liberdade na formação da vontade (in Teoria Geral do Direito Civil, Faculdade de Direito de Lisboa, 1973, Vol. III, pág. 123 e segts). E em conformidade com os considerandos que teceu sobre essa matéria, o Tribunal recorrido declarou anulável a escritura de cessão do quinhão hereditário com base em erro sobre os motivos determinantes da vontade, por ter considerado que o A. não quis realizar negócio algum, referindo que o mesmo «não só desconhecia que iria ao cartório para ser lavrada a cessão da quota hereditária, com a qual é confrontado no próprio acto, quando apenas foi informado que iria fazer-se a habilitação de herdeiros para dessa forma viabilizar a melhor administração da herança, e evitar-se a perda de bens para o fisco. E, mesmo confrontado com o teor da escritura de cessão, que o autor acabou por assinar, fê-lo convencido de que se tratava de uma mera formalidade para permitir (à ré) administrar melhor a herança, sabendo a ré que o autor, ao assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, estava persuadido de que apenas viabilizava a melhor administração do património hereditário, pois ele nunca pretendeu abrir mão em favor dela daquele património, muito menos o faria gratuitamente. Existe, pois, erro sobre os motivos determinantes da vontade do autor, e não erro sobre o objecto do negócio (pois este não se identifica com os seus efeitos mas com aquilo sobre que versa o próprio negócio), nem erro sobre a base do negócio (que surge quando a falsa representação incide sobre as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar). (…) Tendo em conta todo circunstancialismo que rodeou a assinatura das escrituras de habilitação de herdeiros e de cessão de quota hereditária, entendemos que se mostra igualmente provado o requisito da essencialidade deste erro, desde logo porque apesar de não ser necessário acordo expresso sobre a essencialidade do motivo, a ré sabia bem que o autor nunca quis abdicar da sua parte na herança a seu favor, muito menos que o faria gratuitamente, como decorre ainda dos pontos 60 a 62 dos factos provados.» (sublinhado nosso). Acrescentou, ainda, o Tribunal “a quo” que na situação dos autos está provado que o erro do A. foi ainda determinado por dolo da Ré, sendo que «toda a actuação revelada pela ré (no pré e pós realização da escritura de cessão) se enquadra nesta figura, pois não só se reaproximou do autor para obter a sua finalidade última – de se tornar a única e exclusiva dona dos bens da herança deixada pelo progenitor comum - como apelou ao sentimento e às emoções do próprio irmão, pessoa carente e frágil a nível afectivo, como o fez crer e recear que poderiam perder bens para o fisco, para o determinar a assinar a escritura de cessão, circunstâncias que, por ser o autor pessoa menos atenta às questões relativas ao património do pai e da herança, e desligado até desses assuntos face ao seu passado de toxicodependência, que lhe moldou uma personalidade mais frágil, carente de afectos, o levou a crer que tal escritura de cessão, que a irmã não lhe comunicou previamente que iria ser feita, pois só foi com tal confrontado no cartório, se tratava de uma formalidade imperiosa, para melhor administrar a herança e evitar que o fisco se apoderasse de parte dos bens que a integravam. Acresce que, a ré se serviu ainda da presença do então companheiro no acto da cessão, magistrado judicial, para conferir seriedade à situação, convencendo o autor das suas legítimas intenções, quer quanto à necessidade de outorgar essa escritura, quer quanto ao pagamento do preço declarado, tudo o determinando a assinar a mesma. Não só o autor∕declarante estava em erro como, o erro foi provocado pela ré∕declaratária, tendo a mesma recorrido ao dito artifício sentimental e à suposta perda de bens para o Estado∕Fisco para persuadir o irmão a assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, sabendo que ele pretendia tão-só viabilizar a melhor administração daquele património, confiando através da escritura tal tarefa à irmã agora formalmente, pois até ali ela já o fazia na qualidade de cabeça-de-casal.» Em face das alterações introduzidas por este Tribunal na matéria de facto dada como provada e não provada, importa agora apreciar se deve manter-se a solução jurídica da causa, designadamente se a escritura de cessão do quinhão hereditário celebrada por ambas as partes é anulável por erro-vício do Autor e por erro determinado por dolo da Ré. Daquilo que nos é possível apreender do recurso interposto pela Ré, veio a mesma insurgir-se contra a sentença recorrida, partindo do pressuposto de que sendo admitidas as alterações à matéria de facto nos termos por ela pretendidos, sustenta, em suma, que o A. quis celebrar a escritura de cessão nos termos em que o fez, pelo que o negócio válido, e a questão “viciada” dos autos é o pagamento do montante de € 700.000,00, pugnando pela improcedência do pedido de anulação da escritura de cessão do quinhão hereditário e dos pedidos dele dependentes. Entende, ainda, a Ré/recorrente que também teria de improceder o pedido subsidiário deduzido pelo A./recorrido, concretamente o de condenação da Ré no pagamento do montante de € 700.000,00 acrescido de juros de mora, na medida em que o A. não logrou fazer prova cabal de que o referido montante não correspondia, de facto, ao valor que as partes fixaram, por acordo, como sendo aquele que o de cujus despendeu, por conta da herança, com o ora recorrido. Vejamos se lhe assiste razão. Face ao já decidido pelas instâncias superiores, o Tribunal “a quo” debruçou-se apenas sobre a validade do contrato de cessão de quota hereditária celebrado entre o A. e a Ré, sendo esta a questão a apreciar no âmbito do presente recurso interposto pela Ré. Relembramos que o A., na petição inicial, invoca que o contrato de cessão do quinhão hereditário é anulável pois o mesmo apenas fez tal declaração porque foi induzido pela Ré, sendo que a vontade por si ali declarada, na qualidade de cedente, não corresponde à sua vontade real, o que se traduz em erro sobre o objecto do negócio, nos termos dos artºs 247º e 251º do Código Civil. Por outro lado, alega também que como a Ré, sua irmã, usou de um artifício para o induzir em erro, tal declaração negocial da cessão é ainda anulável por dolo, nos termos dos artºs 253º e 254º do Código Civil. E que a mesma declaração é ainda anulável por ter sido feita sob coacção moral, nos termos dos artºs 255º e 256º do Código Civil, pois alega que foi ameaçado pela Ré de que se não outorgasse tal escritura de cessão, não só perderia os bens a que tinha direito, como seriam cortadas pela Ré todas e quaisquer relações familiares com a sua pessoa. Por fim, alega o A. que apesar de ter sido informado, embora mal no contexto criado pela Ré, de que estava a emitir uma declaração negocial, acabou por não ter consciência da mesma, pelo que nos termos do artº. 246º do Código Civil esta também fica desprovida de qualquer efeito jurídico. Atentas as regras do ónus da prova expressas no artº. 342º, n.º 1 do Código Civil incumbia ao A. demonstrar os factos constitutivos em que fundamenta a sua pretensão, designadamente, dadas as causas de pedir invocadas, a existência de divergência entre a sua vontade real e a vontade declarada, por força de erro, dolo, coacção ou a ausência de declaração, por não ter consciência de que emitia sequer uma declaração com repercussão jurídica. No que refere à questão da relevância do erro no negócio jurídico, importa considerar a posição que tem sido defendida pela doutrina e pela jurisprudência do STJ. Sobre esta matéria pronunciou-se o acórdão do STJ de 17/01/2017 (proc. nº. 4527/14.9T8FNC, relatora Ana Paula Boularot, disponível em www.dgsi.pt) no qual se procede à definição de declaração de vontade negocial como aquela que traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negocial, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objectivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes: o comportamento externo em que se traduz a declaração manifesta, normalmente, uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 416; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 122; Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pág. 417/422). A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito e/ou de uma regulamentação jurídico-privada (cfr. Heinrich Ewald Hörste, ob. e pág. citadas). Contudo, o negócio jurídico só poderá operar de pleno, enquanto manifestação de duas (ou mais) vontades livres e esclarecidas, se as mesmas tiverem sido obtidas dessa forma, sem quaisquer deformações provindas de influências externas. Se a formação da vontade foi abalada por algum vício que a toldou, é óbvio que a expressão da mesma ficou viciada. Aliás, como se refere no acórdão do STJ de 18/06/2015 (proc. nº. 3200/04.0TVLSB, relator Granja da Fonseca, disponível em www.dgsi.pt), que aqui também seguimos de perto, “o negócio jurídico apenas pode desempenhar as suas funções quando a vontade, que se manifesta através da declaração negocial, se formou de uma maneira esclarecida, assente em bases correctas, e livre, sem deformações provindas de influências exteriores. Se a vontade não se formou esclarecida e livremente, ela está viciada. Na sequência do vício, que fere a vontade, também a declaração negocial, em que esta se manifesta, ficou viciada. Tendo ocorrido um vício, está em causa o lado interno da declaração. O problema não reside numa divergência entre a declaração e vontade ou na falta desta última, mas na deformação da vontade durante o seu processo formativo. A vontade viciada diverge da vontade que o declarante teria tido sem a deformação (vontade conjectural ou hipotética). O vício afecta a génese da vontade e repercute-se numa declaração negocial coincidente com ela”. Refere-se no acórdão do STJ de 17/01/2017 supra citado que “estamos no âmbito do erro-vício: não existe aqui qualquer divergência entre a vontade e a declaração, pois a declaração está em perfeita sintonia com a vontade, mas é esta que está viciada, porque foi mal esclarecida.” Dito de outro modo, a vontade negocial, quando exista, pode estar viciada na sua formação, no processo volitivo e de decisão, por deficiências de esclarecimento ou de liberdade. Assim sucede quando o esclarecimento ou a liberdade do seu autor tenham sido perturbados de tal modo que os negócios jurídicos assim celebrados fiquem enfraquecidos e fragilizados. Em termos muito gerais, e sem prejuízo dos regimes específicos de cada um dos vícios da vontade, o seu regime geral é o da anulabilidade. A parte cuja vontade negocial tenha sido perturbada no seu discernimento e liberdade negociais pode, se assim o desejar, libertar-se do negócio viciado, procedendo à sua anulação. Se quiser libertar-se do negócio, terá o ónus de o impugnar com fundamento no vício e de demonstrar os fundamentos da anulação. O vício da vontade negocial que se traduza em deficiência de discernimento do autor constitui erro. O erro em direito civil consiste numa falsa percepção da realidade, na desconformidade entre a realidade e o entendimento dessa realidade e pode incidir sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, sobre os motivos determinantes da vontade e sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8ª ed., 2015, Almedina, pág. 578 e 579). O Código Civil distingue fundamentalmente o erro na declaração (também designado erro-obstáculo), caso em que a vontade real diverge da vontade declarada, previsto no artº. 247º, do erro na formação da vontade, erro-vício ou erro-motivo previsto nos artºs 251º a 254º. O erro na declaração ou erro-obstáculo diz respeito ao processo declarativo, ao processo da formulação ou da manifestação da vontade (sendo a vontade não viciada ou deformada) e verifica-se sempre que se reúnam duas condições: uma perfeita formação da vontade contratual do declarante, por um lado; uma divergência entre o querido e o declarado, por outro, divergência essa não desejada pelo declarante. Quando o erro recai só sobre a vontade (o elemento interno), não produz uma divergência entre a vontade e a declaração. A declaração está em perfeita conformidade com a vontade; no entanto, é esta que está viciada. Trata-se agora de um erro sobre os motivos (também designado por erro-vício). A vontade, por ser mal esclarecida ou por não ser livre, está viciada, convergindo com ela a respectiva declaração. O erro-vício ou erro sobre os motivos, enquanto vício na formação da vontade, consiste no desconhecimento ou falsa representação da realidade que determinou ou podia ter determinado a celebração do negócio, e que pode consistir numa circunstância de facto ou de direito. Conforme é referido no acórdão do STJ de 3/10/2006 (proc. nº. 06A2497, relator Sebastião Póvoas, disponível em www.dgsi.pt), “enquanto o primeiro (erro obstáculo) traduz uma desconformidade entre a declaração e a vontade real, no segundo (erro-vício) há coincidência entre o querido e o declarado, contudo a declaração surge como consequência de uma errónea representação da realidade”. Tendo sido afastada, na sentença recorrida, a hipótese de ocorrência “in casu” de falta de consciência da declaração ou de coacção física (artº. 246º do Código Civil) invocada pelo A. na petição inicial, bem como de erro na declaração ou erro-obstáculo previsto no artº. 247º do mesmo Código, posição com a qual concordamos, importa verificar se a situação dos autos preenche a hipótese de erro-vício ou erro-motivo nas suas diferentes vertentes previstas nos artºs 251º e 252º do Código Civil. O erro-vício ou erro sobre os motivos ocorre quando o declarante tem uma ideia ou representação inexacta sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância de facto ou de direito que foi determinante na formação da sua vontade, em termos de se poder afirmar que se o declarante tivesse conhecimento exacto da realidade não teria celebrado o negócio ou tê-lo-ia celebrado em termos diversos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 218 e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 386; acórdãos do STJ de 17/01/2017 e de 18/06/2015 acima referidos e da RP de 8/04/2017, proc. nº. 1603/11.3TBGDM, todos disponíveis em www.dgsi.pt). O erro-motivo ou erro-vício pode incidir sobre a pessoa do declaratário ou sobre o objecto do negócio, nos termos do artº. 251º do Código Civil, que remete o seu regime para o do artº. 247º (concernente ao erro na declaração), ou ainda sobre os motivos determinantes da vontade nos termos do artº. 252º, nº. 1 do mesmo Código. Preceitua o artº. 251º do Código Civil que «O erro que atinge os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º». Por seu turno, decorre do artº. 247º daquele mesmo diploma que «Quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro». O erro sobre a pessoa do declaratário resulta de uma desconformidade entre o conhecimento ou a percepção que a parte tem da pessoa do outro contraente ou das suas qualidades e a verdade – como acontece, por exemplo, no caso de se contratar uma empregada doméstica na convicção errónea de que ela sabe cozinhar. Este erro nem sequer foi invocado pelo A. na petição inicial, não estando em causa na situação ora em apreço. O erro sobre o objecto do negócio tanto pode recair sobre a identidade do objecto, como sobre a sua substância ou como sobre as suas qualidades essenciais, devendo entender-se por qualidades de um objecto todos os factores determinantes do valor ou da utilização pretendida. Nesse sentido, e como escreve Heinrich Ewald Hörster (in ob. cit., pág. 573 e 574) “está em causa apenas directamente o objecto do negócio, por ex., o objecto de compra e venda, da doação, (…) etc., de modo que o art. 251º já não abrange um erro sobre os efeitos produzidos pela declaração negocial a respeito de certo objeto)”, sendo que “(…) também o erro sobre os efeitos jurídicos do negócio, que se verificam independentemente da vontade do declarante, não releva no âmbito do art. 251º”. No mesmo sentido se pronunciaram os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (in ob. cit., pág. 218) quando afirmam que o “objecto não se identifica, aqui, com os efeitos do negócio, mas com aquilo sobre que versa o negócio.” Ademais, por via da remissão que o artº. 251º faz para o disposto no artº. 247º do Código Civil, em qualquer uma das situações acima referidas – erro sobre a pessoa do declaratário ou erro sobre o objecto do negócio – para que o negócio seja anulável mostra-se necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que recaiu o erro determinante da vontade. Como refere Pedro Pais de Vasconcelos (in ob. cit., pág. 580), “o negócio só é anulável por erro sobre a pessoa ou sobre o objeto se esse erro for tal que sem ele a parte o não teria celebrado ou não o teria celebrado com aquele conteúdo. É esse o sentido da essencialidade a que se refere o artigo 247º: se se concluir que a parte teria celebrado o negócio do mesmo modo, ainda que não tivesse incorrido em erro, não haverá fundamento para o anular. Mais precisamente, a essencialidade não é do erro, mas antes do elemento do negócio sobre o qual o erro incidiu. Assim, por exemplo, na compra de um cão, o pedigree pode ser essencial para um comprador, mas não para o outro. Mas não é suficiente a essencialidade: é necessário ainda que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual o erro incidiu. A parte que errou tem, pois, o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não teria celebrado o negócio ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era.” Por outro lado, o nº. 1 do artº 252º do Código Civil estabelece o regime jurídico do erro que incida sobre os “motivos determinantes da vontade, mas que se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio”. Referem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (in ob. cit., pág. 219) que “o regime prescrito no n.º 1 é diferente do regime prescrito nos artigos anteriores. Exige-se para que haja anulabilidade que tenha sido reconhecida, por acordo, a essencialidade do motivo”. No seu quadro geral, o erro sobre os motivos determinantes da vontade só é causa de anulação se as partes tiverem aceite e reconhecido a essencialidade do motivo (artº. 252º, nº. 1 “in fine” do Código Civil). Trata-se de um erro que inquina a formação da vontade negocial, que condiciona o declarante, porquanto este criou previamente o convencimento sobre determinada condição ou facto e pautou o seu comportamento em função desse factor, evento ou acontecimento querido, essencialidade que o outro contraente também conhece e que é causa de anulação. A parte que invoque o erro sobre os motivos determinantes da vontade tem o ónus de alegar e provar a essencialidade do erro e o acordo quanto a essa essencialidade (acordo que pode ser expresso ou tácito e determina-se por interpretação negocial). Diz-se que um erro é essencial quando foi por causa dele que a vontade se formou e, se não fosse esse erro, a vontade da pessoa não se teria formado. Assim, erro essencial é o que deu causa ao negócio de tal modo que, sem o erro, o autor do negócio teria desistido em absoluto de o celebrar. Reportando-nos ao caso dos autos, resultou provado que ambas as partes outorgaram a escritura de cessão de quinhão hereditário referida no ponto 12 dos factos provados, na qual o A. declarou que “mediante o preço de setecentos mil euros, que já recebeu e de que dá quitação, cede à segunda outorgante, sua irmã … o direito e acção ao quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai, J. F. … de cuja herança fazem parte bens imóveis com o valor patrimonial atribuído correspondente à parte transmitida de sessenta mil cento e trinta e nove euros e noventa e dois cêntimos … e bens móveis e direitos de crédito com o valor atribuído … de seiscentos e trinta e nove mil oitocentos e sessenta euros e oito cêntimos…”, o que a segunda outorgante declarou aceitar”. Mais disseram “Que a segunda outorgante compromete-se a dar ao primeiro outorgante, seu irmão, uma prestação mensal vitalícia no valor de quinhentos euros, a qual será paga dentro dos primeiros oito dias do mês a que disser respeito, com início no próximo mês de Dezembro, mediante transferência bancária … Que a segunda outorgante promete constituir a favor do seu irmão, o direito de habitação sobre a fracção autónoma designada pela letra “L”, do prédio urbano sito na freguesia e concelho de …, inscrito na matriz predial sob o art. ..., no prazo de seis meses, a partir da data da presente escritura.” Assumem, ainda, relevância na apreciação da questão da validade do aludido contrato de cessão celebrado entre as partes, os seguintes factos provados: 31. Após a morte do pai, o autor passou a depositar plena confiança na irmã; 32. E passou a permitir-lhe também a administração do património mobiliário e imobiliário que integrava a herança ilíquida e indivisa comum, porque àquela pertencia o encargo, como cabeça de casal; 35. A ré prometeu ao autor que garantiria todos os seus interesses patrimoniais, fosse em termos de habitação, locomoção e/ou rendimentos; 36. No dia de 22.10.2010 o autor e a ré almoçaram juntos, seguindo depois para o Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, onde foi outorgada a escritura de habilitação de herdeiros e, acto contínuo, a escritura de cessão de quinhão hereditário; 37. Após a outorga das escrituras referidas a ré passou a depositar na conta bancária do autor a prestação mensal referida; 39. As relações familiares entre o autor e a ré nunca foram afectuosas, nem próximas; 40. Após o óbito referido em 1, a Ré reatou o contacto com o Autor e predispôs-se a ajudá-lo, passando a transmitir-lhe carinho; 43. No dia 21.10.2010, a ré comunicou verbalmente ao autor que este deveria comparecer no Cartório Notarial a cargo do notário A. C., em Vila Nova de Famalicão; 45. O autor desconhecia que ia ser celebrado o contrato de cessão titulado pela escritura referida em 12; 46. Confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura, o autor solicitou explicações à ré; 47. Que lhe garantiu verbalmente que se tratava de uma mera formalidade, sendo que depois lhe pagaria o preço declarado na escritura; 48. Aproveitou ainda a ré a presença do seu companheiro -magistrado judicial em cuja idoneidade e integridade o autor confiou – para convencer o autor da legalidade do acto; 49. Foi por força das explicações e no quadro de confiança criado pela irmã, que o autor concordou em outorgar a escritura de cessão de quinhão hereditário; 50. Depois da outorga das escrituras referidas em 11 e 12, a Ré não mais manteve qualquer contacto com o Autor, nomeadamente do tipo pessoal; 51. E quando interpelada pelo Autor, disse-lhe que não tinha que lhe dar nada, nem ele tinha nada a receber; 52. Recusando-se a pagar ao Autor o preço declarado na escritura de cessão do quinhão hereditário; 53. Colocou à venda alguns bens da herança; 56. A ré não pagou ao autor o preço declarado na escritura referida em 12; 57. A “declaração de quitação” ínsita naquele acto foi uma mera “formalidade”; 60. O autor não pretendia abrir mão em favor da ré do património da herança; 61. A ré sabia que o autor não abriria mão do seu quinhão hereditário, a título gratuito. Resultou também provado que o A. tomou conhecimento do testamento que foi celebrado pelo seu falecido pai, referido no ponto 13 dos factos provados, apenas em Setembro de 2011, ou seja, já depois de ter outorgado a escritura de cessão do quinhão hereditário. No seguimento do que é referido na sentença recorrida, não obstante as alterações introduzidas por este tribunal de recurso na matéria de facto provada e não provada, designadamente sendo dados como não provados os pontos 41, 58 e 62 dos factos provados e alterada a redacção dos pontos 47 e 50 a 52 dos factos provados, entendemos que se mantém a conclusão expressa pelo Tribunal “a quo” de que do conjunto dos factos supra descritos resulta que ocorreu um vício na formação da vontade do Autor/vendedor, consistente no erro sobre os motivos determinantes da vontade, pese embora com alguns fundamentos ligeiramente diferentes dos expendidos por aquele Tribunal como passamos a explanar. Decorre dos autos que o A. desconhecia que iria ao Cartório Notarial para ser lavrada a escritura de cessão da quota hereditária referida no ponto 12 dos factos provados, pois apenas lhe foi comunicado pela Ré que deveria comparecer no Cartório, tendo sido confrontado com o teor da mesma apenas no momento da leitura da escritura. Não obstante isso, o A. acabou por assinar a escritura de cessão por a Ré lhe ter garantido verbalmente de que se tratava de uma mera formalidade e que posteriormente lhe pagaria o preço declarado no documento, e ainda por estar presente no acto o companheiro daquela, magistrado judicial, na altura, em quem o A. depositava total confiança e cuja presença conferia seriedade à situação, quando nunca foi intenção da Ré pagar ao irmão o montante de € 700.000,00 declarado na escritura como sendo o preço da cessão, o que se depreende dos pontos 50 a 52 e 56 dos factos provados, sabendo aquela que o A. não abriria mão do seu quinhão na herança do pai e muito menos o faria gratuitamente. Com efeito, o Autor, quando proferiu a declaração de quitação dos € 700.000,00 sem os ter recebido, incorreu em erro induzido pelo quadro de confiança criado pela Ré, com a garantia de que depois da escritura pagaria o preço e com o aproveitamento da presença do seu companheiro para convencer o A. da seriedade do negócio. Como se refere na sentença recorrida, existe, pois, erro sobre os motivos determinantes da vontade do autor, e não erro sobre o objecto do negócio (pois este não se identifica com os seus efeitos, mas com aquilo sobre que versa o próprio negócio), nem erro sobre a base do negócio (que surge quando a falsa representação incide sobre as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar). Ademais, tendo em conta todo circunstancialismo que rodeou a assinatura da escritura de cessão de quinhão hereditário, entendemos que se mostra igualmente provado o requisito da essencialidade deste erro, desde logo porque apesar de não ser necessário acordo expresso sobre a essencialidade do motivo, a Ré sabia bem que o A. não pretendia abdicar da sua parte na herança a seu favor, muito menos que o faria gratuitamente, como decorre dos pontos 60 e 61 dos factos provados. Por outro lado, refere-se na sentença recorrida que está provado nos autos que o erro do A. foi ainda determinado por dolo da Ré. O dolo implica uma prévia “sugestão” ou “artifício” do declaratário e tem, como reverso necessário, induzir ou manter em erro o autor da declaração, como resulta do disposto no artº. 253º, nº. 1 Código Civil. Existe assim uma dupla causalidade no dolo, que tem a ver com o dolo e o erro, por ele causado no declarante, erro esse determinante do negócio (cfr. acórdão da RP de 8/04/2014 acima referido). De acordo com os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela (in ob. cit., pág. 220), para que haja dolo são necessários os seguintes requisitos: a) que o declarante esteja em erro; b) que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro; c) que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão e embuste. “O dolo pressupõe um artifício ou embuste. Não é necessariamente activo. Pode haver dolo omissivo. (…) É necessário que haja uma trama, um embuste, seja ele traduzido em acção ou numa simples abstenção. Por isso, tanto constitui dolo a manobra enganosa, como o simples deixar a outra parte no engano” (cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 592). Para que o dolo determine anulabilidade do negócio jurídico, nos termos do artº. 254º do Código Civil, é necessário que se verifiquem dois requisitos: a) dupla causalidade – é preciso que o dolo seja determinante do erro e o erro determinante do negócio jurídico; b) pessoalidade – o regime do dolo é diferente consoante as relações do seu autor ou agente (do dolo) com o negócio jurídico. No caso dos autos toda a actuação revelada pela Ré (no pré e pós realização da escritura de cessão) se enquadra nesta figura, pois não só se reaproximou do A. para obter a sua finalidade última – de se tornar a única e exclusiva dona dos bens da herança deixada pelo progenitor comum - como apelou ao sentimento e às emoções do próprio irmão, pessoa carente e frágil a nível afectivo, como garantiu ao A. que depois da celebração da escritura de cessão lhe pagaria o preço nela declarado, quando não era sua intenção fazê-lo, uma vez que depois da outorga da escritura a Ré não mais manteve qualquer contacto com o A. e quando interpelada por este, recusou-se a pagar-lhe o dito preço. Para além disso, a Ré serviu-se ainda da presença do então companheiro, magistrado judicial, no acto da escritura para conferir seriedade à situação, convencendo o A. das suas legítimas intenções quanto ao pagamento do preço declarado, o que o levou a assinar a mesma. Não só o Autor/declarante estava em erro como o erro foi provocado pela Ré/declaratária, tendo a mesma recorrido ao dito artifício sentimental e à promessa de pagamento do preço para persuadir o irmão a assinar a escritura de cessão do quinhão hereditário, sabendo que ele não abdicaria a favor da Ré do seu quinhão na herança do pai e muito menos a título gratuito. Embora com alguns fundamentos diferentes dos plasmados na sentença recorrida, concordamos com o Tribunal “a quo” ao concluir que a escritura de cessão do quinhão hereditário é anulável nos termos expostos e como solicitado pelo Autor. Nesta conformidade e como bem se refere na sentença recorrida, «tendo em conta os efeitos advenientes da anulação do negócio, previstos no art. 289°, e que têm eficácia retroactiva, tem a ré de ser condenada a reconhecer que a herança permanece indivisa e que é a herança a única proprietária dos bens e direitos deixados por morte do pai, que terá de restituir-lhe, sem prejuízo de pertencer já à ré toda a quota disponível, objecto da outorga do testamento validado pelas instâncias superiores. Apesar da reconhecida ineficácia dos negócios celebrados pela ré, com base na escritura de cessão de quota, relativamente ao autor, não pode o Tribunal sem mais declarar todos eles sem efeito, nulos, porquanto se desconhece se os terceiros intervenientes nos mesmos estavam de boa-fé e se já lograram registar o seu direito de propriedade a título definitivo sobre esses bens, daí que quanto aos negócios que tiveram por base bens∕direitos cuja restituição seja já hoje impossível, fica a ré obrigada a restituir à herança o correspondente valor nos termos da parte final do n.° 1 do art. 289º. Sucederá assim nomeadamente com os bens/veículos automóveis referidos no ponto 7 dos factos provados, sendo até mais prático a nosso ver a restituição do preço obtido com a sua transmissão à herança, do que a própria restituição dos veículos, sob pena de novo recurso a juízo, caso os adquirentes não os restituíssem voluntariamente, o que seria certamente o caso.» Partilhamos da posição defendida na sentença recorrida de que, ainda que assim não se entendesse, sempre lograria o A. obter a procedência do pedido subsidiário. Alega o A. na petição inicial que, mesmo que se reconheça a validade do contrato de cessão do quinhão hereditário, sempre deverá reconhecer-se a divergência entre a declaração nele contida e a realidade dos factos, já que o A. não podia dar quitação de um preço que não recebeu, nem pretendeu abrir mão da sua parte da herança gratuitamente. Na sentença recorrida, após se tecerem alguns considerandos sobre a força probatória das declarações feitas numa escritura pública, a prova da falta ou vício da vontade da declaração confessória de recebimento do preço e quitação feita extrajudicialmente e o regime das declarações não sérias previstas no artº. 245º do Código Civil, considerações essas para as quais remetemos por com elas concordarmos, evitando, assim, repetições inúteis, o Tribunal “a quo” refere que «provou-se que a declaração de recebimento do preço e quitação feita pelo autor não correspondia à verdade, bem como se provou que a ré sabia perfeitamente que a declaração (de quitação) não correspondia nem à autêntica vontade do autor, nem à realidade dos factos e, além disso, provou-se que a ré não pagou esse preço nem antes nem depois da outorga da escritura de cessão de quota hereditária. Ou seja: a ré, declaratária, devia conhecer a falta de seriedade do comportamento do autor, declarante, que não existia da parte deste qualquer declaração negocial quando declarou que tinha recebido o preço a que tinha direito e do qual dava quitação. Deste modo, não tendo sido produzida qualquer declaração de recebimento do preço, que consubstancie uma declaração negocial vinculativa para o autor, competia à ré provar que tinha efectuado o pagamento, o que não logrou fazer (art. 342º, n.º 2 do Código Civil). Pelo contrário, até ficou provado o não pagamento. – cfr. ponto 56 dos factos provados. Pelo que, validando-se a cessão mas não a declaração de quitação, sempre a ré teria de responder pelo pagamento do preço, nos termos dos arts. 762º, 798º e 799º do Código Civil. Resumindo, ficou demonstrado que o autor produziu uma declaração não séria, o que a ré, seu concreto destinatário, sabia e conhecia, não só porque não lhe entregou o preço previamente à outorga da escritura, ou sequer no acto da escritura, nem o tencionava fazer, como não o fez posteriormente, como bem a ré sabia que o autor apenas declarou vender-lhe a quota hereditária, porque tinha a expectativa de que iria receber o preço, em momento posterior à outorga da escritura, convencido pelas explicações dadas na hora e ante a presença do então companheiro da ré, juiz, pessoa em cuja honestidade e integridade também confiou. Ou seja, a factualidade provada revela que o autor assinou a escritura de cessão, e emitiu a declaração de quitação dela constante, relativa a um preço que não recebeu/não foi pago, o que consubstancia a emissão de uma declaração patentemente não séria, por não corresponder à realidade. Face à não seriedade da declaração de recebimento do preço efectuada pelo autor na escritura de cessão de quota hereditária, sempre seria de concluir pela invalidade da referida declaração, por nula, o que sempre levaria à condenação da ré no pagamento da contraprestação do negócio, nomeadamente no pagamento do aludido preço acrescido dos juros de mora legais.» Nestes termos, terá de ser julgado improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré, mantendo-se a decisão recorrida, embora com fundamentação diferente da proferida pelo Tribunal de 1ª instância. *SUMÁRIO: I) - O vício da vontade negocial que se traduza em deficiência de discernimento do autor constitui erro. O erro em direito civil consiste numa falsa percepção da realidade, na desconformidade entre a realidade e o entendimento dessa realidade e pode incidir sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, sobre os motivos determinantes da vontade e sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio. II) - O Código Civil distingue fundamentalmente o erro na declaração (também designado erro-obstáculo), caso em que a vontade real diverge da vontade declarada, produzindo uma divergência no processo de formulação ou de manifestação da vontade, previsto no artº. 247º; do erro sobre os motivos (também designado por erro-vício) previsto nos artºs 251º a 254º, em que não existe qualquer divergência entre a vontade e a declaração, pois a declaração está em perfeita sintonia com a vontade, mas é esta que está viciada, porque foi mal esclarecida. III) - O erro-vício ou erro sobre os motivos ocorre quando o declarante tem uma ideia ou representação inexacta sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância de facto ou de direito que foi determinante na formação da sua vontade, em termos de se poder afirmar que se o declarante tivesse conhecimento exacto da realidade não teria celebrado o negócio ou tê-lo-ia celebrado em termos diversos. IV) - O erro-motivo ou erro-vício pode incidir sobre a pessoa do declaratário ou sobre o objecto do negócio, nos termos do artº. 251º do Código Civil, que remete o seu regime para o do artº. 247º (concernente ao erro na declaração), ou ainda sobre os motivos determinantes da vontade nos termos do artº. 252º, nº. 1 do mesmo Código. V) - Por via da remissão que o artº. 251º faz para o disposto no artº. 247º do Código Civil, em qualquer uma das situações ali previstas – erro sobre a pessoa do declaratário ou erro sobre o objecto do negócio – para que o negócio seja anulável mostra-se necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que recaiu o erro determinante da vontade. VI) - O erro sobre os motivos determinantes da vontade previsto no artº. 252º, nº. 1 do Código Civil só é causa de anulação se as partes tiverem aceite e reconhecido a essencialidade do motivo. Trata-se de um erro que inquina a formação da vontade negocial, que condiciona o declarante, porquanto este criou previamente o convencimento sobre determinada condição ou facto e pautou o seu comportamento em função desse factor, evento ou acontecimento querido, essencialidade que o outro contraente também conhece e que é causa de anulação. VII) - A parte que invoque o erro sobre os motivos determinantes da vontade tem o ónus de alegar e provar a essencialidade do erro e o acordo quanto a essa essencialidade (acordo que pode ser expresso ou tácito e determina-se por interpretação negocial). VIII) - Existe erro sobre os motivos determinantes da vontade do Autor quando este assinou a escritura de cessão do quinhão hereditário por a Ré lhe ter garantido verbalmente de que se tratava de uma mera formalidade e que posteriormente lhe pagaria o preço declarado no documento, e ainda por estar presente no acto o companheiro daquela, magistrado judicial na altura, em quem o Autor depositava total confiança e cuja presença conferia seriedade à situação, quando nunca foi intenção da Ré pagar ao irmão o montante de € 700.000,00 declarado na escritura como sendo o preço da cessão, sabendo aquela que o Autor não abriria mão do seu quinhão na herança do pai e muito menos o faria gratuitamente. IX) - O dolo implica uma prévia “sugestão” ou “artifício” do declaratário e tem, como reverso necessário, induzir ou manter em erro o autor da declaração, como resulta do disposto no artº. 253º, nº. 1 Código Civil. Existe assim uma dupla causalidade no dolo, que tem a ver com o dolo e o erro, por ele causado no declarante, erro esse determinante do negócio. X) - Enquadra-se na figura do dolo a actuação da Ré (no pré e pós realização da escritura de cessão do quinhão hereditário), designadamente quando se reaproximou do Autor para obter a sua finalidade última (de se tornar a única e exclusiva dona dos bens da herança deixada pelo progenitor comum), apelou ao sentimento e às emoções do próprio irmão, pessoa carente e frágil a nível afectivo e garantiu ao Autor que depois da celebração da escritura de cessão lhe pagaria o preço nela declarado, quando não era sua intenção fazê-lo, uma vez que depois da outorga da escritura a Ré não mais manteve qualquer contacto com o Autor e quando interpelada por este, recusou-se a pagar-lhe o dito preço, bem como ao servir-se da presença do então companheiro, magistrado judicial, no acto da escritura para conferir seriedade à situação, convencendo o Autor das suas legítimas intenções quanto ao pagamento do preço declarado. III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré M. B. e, em consequência, confirmam a sentença recorrida, embora com fundamentação diferente da proferida pelo Tribunal de 1ª instância. Custas pela recorrente. Notifique. Guimarães, 15 de Setembro de 2022 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora) Maria Cristina Cerdeira (Relatora) Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta) Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta) |