Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA SUSPENSÃO PRECÁRIA DA EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- A suspensão precária da execução, prevista nos arts. 861º, n.º 6 e 863º, n.ºs 3 a 5 do CPC, para a execução de entrega de coisa certa, é aplicável à execução para pagamento de quantia certa (não por aplicação extensiva ou analógica das mencionadas disposições legais a essa execução), por determinação expressa do art. 828º do mesmo Código, quando, uma vez vendido, na execução para pagamento de quantia certa, prédio que constitua a casa de habitação principal do executado, e emitido ao adquirente o respetivo título de transmissão, este, no âmbito dela, com base no título de transmissão, requeira que o prédio que adquiriu lhe seja coercivamente entregue, face à recusa do executado ou de terceiro detentor daquele em lho entregar voluntariamente. 2- O referido mecanismo processual não é apto a suspender a execução para pagamento de quantia certa em geral (isto é, qualquer que seja o seu estado), mas apenas a operar a suspensão precária e temporária (pelo tempo mencionado no atestado médico como ocorrendo o perigo de vida da pessoa doente que nele se encontra, por via de doença aguda que a afeta) da diligência de entrega de prédio que constitua a casa principal do executado ao seu adquirente, quando o último tenha recorrido ao incidente do art. 828º do CPC, solicitando, com base no título de transmissão, que o prédio que adquiriu lhe seja coercivamente entregue. 3- Não tendo o prédio penhorado (que constitui a casa de habitação principal da executada), no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, ainda sido vendido, não existe fundamento legal para se suspender a execução ao abrigo do disposto nos arts. 861º, n.º 6 e 863º, n.ºs 3 a 5, ex vi, art. 828º, todos do CPC. 4- A ação executiva não pode ser suspensa ao abrigo do disposto no art. 272º, n.º 1, 1ª parte, do CPC (pendência de causa prejudicial), uma vez que na execução não existe uma causa a decidir que possa depender do julgamento de outra, como pressupõe o conceito de «causa prejudicial». 5- No entanto, a ação executiva pode ser suspensa com fundamento na segunda parte daquele n.º 1 do art. 272º (quando ocorra «outro motivo justificado»), desde que esse outro motivo não seja a pendência de causa prejudicial e se prenda com vicissitudes extraordinárias relacionadas com razões endógenas à própria ação executiva ou com a situação concreta em que se encontra o executado, os membros do seu agregado familiar ou de pessoa que com ele resida em economia comum no prédio a entregar ao exequente (na execução para entrega de coisa certa) ou ao adquirente (na execução para pagamento de quantia certa, quando o adquirente tenha lançado mão do disposto no art. 828º e o prédio e entregar constitua a casa de habitação principal do executado) que, ao abrigo dos princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade, reclamem essa suspensão precária e temporária da diligência de entrega do prédio ao exequente ou ao adquirente. 6- Verificando-se que a execução para pagamento de quantia certa sobre que versam os autos foi instaurada em 05/02/2009, ou seja, há mais de 16 anos, que o prédio penhorado (que constitui a casa de morada de família da executada e do seu agregado familiar), ainda não foi vendido, mas que apenas se determinou a respetiva venda, que a doença diagnosticada à executada em abril de 2024 (doença oncológica pulmonar, em estado avançado, com metastização pancreática e peritoneal, presentemente estabilizada, mas cujo prognóstico é incerto), tem natureza crónica, não existe fundamento legal para se suspender a execução com base no art. 272º, n.º 1, parte final, do CPC, uma vez que o prosseguimento da execução não interfere com o atual estado situacional em que se encontra a executada, que continuará a residir no prédio até que a venda se venha a concretizar e de ao futuro adquirente vir a ser emitido o título de transmissão do prédio e deste, com base nesse título, lançar mão do disposto no art. 828º, requerendo que o prédio lhe seja coercivamente entregue face à eventual recusa da executada em lho entregar voluntariamente, o que tudo demandará o decurso de meses ou até de anos. | ||
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Decisão Texto Integral: | I- Relatório Nos autos de execução para pagamento de quantia certa que Banco 1..., S.A., com sede na Avenida ..., ... ..., instaurou, em 05/02/2009, contra AA e BB, residentes na Rua ..., ... ..., foi penhorado o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...97 da união de freguesias ... e .... Por despacho proferido em 14/02/2024 ordenou-se a venda total, no âmbito da presente execução do prédio penhorado, com posterior repartição do produto da venda, destinando-se metade desse produto à presente execução e a outra metade aos autos de ação especial de divisão de coisa comum, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, Juiz 1, sob o n.º 858/11.8TBRG. Em 17/12/2024, a executada BB requereu que se ordenasse a suspensão da instância executiva pelo período de seis meses. Para tanto alegou, em síntese: sofrer de doença oncológica pulmonar em estado avançado, diagnosticada em abril passado, que apesar de estar controlada, a obriga a tratamentos de imunoterapia de 21 em 21 dias; o prédio penhorado constitui a sua casa de morada de família, sendo nele que reside; as normas dos arts. 861º e 863º do CPC são aplicáveis por interpretação extensiva ou analógica à execução para pagamento de quantia certa quando exista penhora de casa de habitação do executado e posterior venda desta; mesmo que se entenda que as referidas normas não são aplicáveis à execução para pagamento de quantia certa o juiz tem o poder de, nos termos do art. 272º, n.º 1, parte final, do CPC, ordenar a suspensão da instância sempre que exista “motivo justificado”; a descrita doença aguda de que padece constitui motivo mais que justificado para que se suspenda a presente execução por um período não inferior a 6 meses, uma vez que esse prazo possibilita à sua filha procurar um comprador para a casa, que aceite que a venda seja feita com reserva de usufruto a favor da executada ou, até obter empréstimo que lhe permita adquirir aquela nas mesmas condições, além de obstar a que veja agravada a sua doença, de natureza crónica e que constitui um risco para a sua vida, para além de que seria uma forma de a exequente ser paga pelo seu crédito. Juntou em anexo ao requerimento acabado de referir o «Relatório de Consulta», emitido em ../../2023, pelo Hospital ..., ..., em que se lê: “A utente identificada está em seguimento na consulta de pneumologia oncológica desde abril de 2024 por doença oncológica pulmonar em estado avançado (metastização pancreática e peritoneal). Neste contexto iniciou tratamento paliativo com quimioterapia e imunoterapia, estando atualmente a cumprir tratamento com imunoterapia em esquema de manutenção (de 21/21 dias). Até ao momento a doença encontra-se controlada, no entanto o prognóstico é incerto”. Observado o contraditório, a exequente não se pronunciou quanto ao requerido. Por despacho proferido em 17/02/2025, a 1ª Instância indeferiu a suspensão da instância requerida pela executada. Inconformada, a executada, BB, interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões: 1. Dos autos resultam provados os seguintes factos: - a Executada sofre de doença oncológica pulmonar em estado avançado, diagnosticada em abril p.p.; - tal doença está em estado avançado; - já ocorreram metástases ao nível do pâncreas e do peritoneu; - a Executada está a cumprir um tratamento paliativo; - tal doença é de prognóstico incerto. - o bem penhorado e que está para venda é a casa de habitação da Executada. 2. Perante tais factos e atento o disposto nos arts. 861º e 863º do CPC aplicáveis à execução para pagamento de quantia certa, ou por interpretação extensiva ou por integração analógica, determinam a suspensão da instância por prazo certo. 3. Contrariamente ao que consta do douto despacho em recurso, do atestando médico junto resulta que são cumpridos os requisitos previstos no art. 863º do CPC. 4. Assim, quando o cancro – que, no caso dos autos, é pulmonar – se metastizou e atinge o pâncreas e o peritoneu, isso só pode significar que se agudizou a doença, ou seja, nesta fase da doença oncológica da Executada a mesma é aguda. 5. Por isso é que a Executada está em tratamento paliativo – doença em que ocorreu uma agudização e em que só resta minorar o sofrimento da paciente. 6. Por outro lado e como é do domínio público, quando o cancro já se encontra em fase de metastização, qualquer mudança do estilo de vida do doente, tal facto é letal para o doente – donde que o atestado médico demonstra inequivocamente que a venda do bem penhorado e a consequente obrigação (para a Executada) de o entregar ao comprador põe em risco a vida da Executada. 7. Se é verdade que o atestado médico não diz qual o tempo exato em que se vai manter a agudização da doença da Executada, o certo é que diz que a Executada está em tratamentos paliativos. 8. Isso só pode significar, como significa, que “o fim da linha” está próximo. Os seis meses de suspensão da instância que a Executada requereu é o tempo mais que previsível para ultrapassar a presente situação. 9. Finalmente e a não se aplicar o disposto nos arts. 861º e 863º do CPC ao caso dos autos, sempre a instância devia ser suspensa, porquanto existe motivo justificado – a doença grave e aguda da Executada. 10. Entende a Executada que o disposto no art. 272º do CPC se aplica ao processo executivo e aplica-se em toda a sua dimensão, ou seja, sem qualquer limitação. 11. Por isso, provada a doença grave e aguda da Executada impunha-se, como se impõe, a suspensão da instância pelo prazo requerido de seis meses. 12. Foram violados os arts. 861º e 863º do CPC e ainda o art. 272º do mesmo diploma legal. Termos em que, dando-se provimento ao recurso nos termos expostos, se cumprirá a lei e se fará JUSTIÇA! * Não foram apresentadas contra-alegações.* A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo, o que não foi objeto de alteração no tribunal ad quem.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o despacho recorrido padece de erro de direito (ao indeferir o pedido formulado pela recorrente para que se suspendesse a instância executiva pelo período de seis meses padece de erro de direito) e se, em consequência, se impõe a sua revogação e substituição por decisão em que se determine a referida suspensão da execução. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância não deu cumprimento ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 607º do CPC na medida em que, no despacho recorrido, não discriminou entre os factos que foram alegados pela recorrente no requerimento de 17/12/2024, com relevância para a decisão a proferir quanto ao pedido por ela aí formulado em ver suspensa a presente execução, por um período de seis meses, quais os que considera provados, nem indicou os que considera não provados, pelo que se impõe dar cumprimento aos identificados comandos legais. Destarte, tendo em conta a prova documental constante dos autos de execução, a qual, porque não foi invocada a respetiva falsidade, nos termos do disposto nos arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 364º, n.º 1, 369, 370º, n.ºs 1 e 2 e 371º, n.º 1, todos do CC, faz prova plena quanto aos factos que referem como praticados pela autoridade pública ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, e tendo presente que a restante facticidade que foi alegada pela recorrente no requerimento de 17/12/2024, com relevância para a questão a decidir, não foi alvo de impugnação, encontram-se provados, por força do disposto nos arts. 292º, 293º, n.º 3, 551º, n.º 1 e 574º, n.º 2 do CPC, os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir no presente recurso: A- Encontra-se penhorado à ordem da presente execução o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27, inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...97 da união de freguesias ... e .... B- Por despacho proferido em 14/02/2024, ordenou-se a venda total do prédio penhorado no âmbito da presente execução. C- A executada BB reside, em permanência, no prédio penhorado. D- A executada BB sofre de doença oncológica pulmonar em estado avançado, com metastização pancreática e peritoneal, que lhe foi diagnosticada em abril de 2024. E- Apesar da doença da executada estar presentemente controlada, obriga-a a ter de fazer tratamento de imunoterapia de 21 em 21 dias, sendo incerto o prognóstico quanto à sua evolução. F- A executada juntou aos autos «Relatório de Consulta», emitido em ../../2023, pelo Hospital ..., ..., o qual consta do seguinte teor: “A utente identificada está em seguimento na consulta de pneumologia oncológica desde abril de 2024 por doença oncológica pulmonar em estado avançado (metastização pancreática e peritoneal). Neste contexto iniciou tratamento paliativo com quimioterapia e imunoterapia, estando atualmente a cumprir tratamento com imunoterapia em esquema de manutenção (de 21/21 dias). Até ao momento a doença encontra-se controlada, no entanto o prognóstico é incerto”. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICANo âmbito da presente execução para pagamento de quantia certa foi ordenada a venda do prédio urbano penhorado descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...27 e inscrito na matriz predial sob o art. ...97 da união de freguesias ... e ..., na sequência do que a recorrente (executada) requereu que, por interpretação extensiva ou analógica das normas dos arts. 861º e 863º do CPC, ou, subsidiariamente, por aplicação do regime jurídico do art. 272º, n.º 1, parte final, do mesmo diploma, se suspendesse a presente execução pelo período de seis meses, por via do prédio a vender constituir a casa onde reside em permanência, lhe ter sido diagnosticada, em abril de 2024, doença pulmonar, em estado avançado que, apesar de se encontrar presentemente controlada, a obriga a fazer tratamento de imunoterapia de 21 em 21 dias e cuja evolução é incerta, correndo risco de vida. E, para prova do alegado juntou aos autos o «Relatório de Consulta», emitido em ../../2023, pelo Hospital ..., .... O tribunal a quo indeferiu a suspensão da execução requerida com o argumento de que não se encontram preenchidos os pressupostos legais dos arts. 861º, 863º e 272º, n.º 1, parte final, do CPC, decisão essa com a qual não se conforma a recorrente, imputando ao decidido erro de direito. A questão decidenda no âmbito do presente recurso resume-se assim em saber se existe fundamento legal para se suspender a presente execução para pagamento de quantia certa à luz do regime jurídico dos arts. 861º e 863º, ex vi, art. 828º, do CPC, ou do disposto no art. 272º, n.º 1, parte final, do mesmo Código. A- Da suspensão da execução ao abrigo do disposto nos arts. 861º e 863º, ex vi, art. 828º do CPC No âmbito da execução para entrega de coisa certa, isto é, a que tem por base um título executivo do qual consta a obrigação de entrega de uma certa coisa, de uma universalidade de coisas ou de uma quota-parte duma coisa e em que, por isso, o objeto da obrigação exequenda é a prestação duma coisa (art. 10º, n.º 6 do CPC, onde constam todas as disposições legais que se venham a citar sem referência em contrário) [2], estabelece o art. 863º, n.ºs 3 a 5, ex vi, art. 861º, n.º 6 que, nos casos em que o prédio a desocupar constitua a casa de habitação principal do executado, o agente de execução suspende as diligências executórias quando se mostre, por atestado médico, que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda (n.º 3 do art. 863º). Nesse caso, o agente de execução deve lavrar certidão da ocorrência, juntar ao processo os documentos que lhe foram exibidos e advertir o detentor, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prosseguirá, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante (n.º 4 do mesmo preceito). Caso o executado ou a pessoa que se encontre no local requeira, no prazo de 10 dias, ao juiz para que confirme a suspensão da execução determinada pelo agente de execução, este, uma vez ouvido o exequente, dispõe do prazo de cinco dias para decidir se mantém a suspensão ou se ordena o seu levantamento, com a imediata prossecução da execução e a consequente entrega do prédio ao exequente (n.º 5 do art. 863º). Preveem os preceitos que se acabam de referir aquilo que a doutrina e a jurisprudência denominam de “suspensão precária da execução”, em que, quando o prédio a entregar ao exequente constitua a casa de habitação principal do executado e em que, portanto, este tem de o despejar, verificados determinados pressupostos legais, a título excecional, por razões humanitárias e tendo em consideração o valor superior da vida humana de pessoa doente que se encontre no prédio a entregar no confronto com o direito de propriedade do exequente sobre este, se admite a suspensão temporária da execução, com a consequente suspensão da diligência de entrega do prédio ao exequente pelo prazo mencionado no atestado médico em que ocorra a situação de perigo para a vida da pessoa doente. Os pressupostos para que a suspensão precária da execução possa ser determinada reconduzem-se aos seguintes requisitos legais cumulativos: a) a casa a entregar/“despejar” constituir a casa de habitação principal do executado (n.º 6, do art. 861º); b) ser apresentado, no ato de entrega, atestado médico, em que seja certificado que o executado, um familiar deste ou outra pessoa que com ele resida em economia comum[3] se encontra doente; c) que naquele atestado se certifique tratar-se de doença de natureza aguda, isto é, súbita, inesperada, de evolução rápida e de curta duração (v.g. amigdalite, enfarte do miocárdio, enquanto o doente não for estabilizado, etc.)[4]; d) que no dito atestado médico se ateste que a realização da diligência de entrega do prédio põe em risco a vida da pessoa doente; e, finalmente e) que nele se indique o prazo durante o qual se deve suspender a diligência de entrega do prédio ao exequente. Dada a natureza excecional da referida suspensão precária, porquanto, reafirma-se, aquela implica sempre uma agressão ao direito de propriedade do exequente sobre o prédio a ser-lhe entregue em benefício do valor superior da vida humana, compreende-se que, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art. 863º, o procedimento em causa seja integrado por duas fases: primo - a fase de suspensão liminar da diligência de entrega/despejo do prédio, a ser determinada pelo agente de execução, perante a exibição de atestado médico que indique fundadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência de entrega do prédio ao exequente, com o consequente despejo deste, um seu familiar ou outra pessoa que com ele resida em economia comum no prédio põe em risco de vida essa pessoa, e que esse perigo decorre de doença aguda que a afeta; secundo - fase da apreciação judicial, em que perante a apresentação pelo executado de requerimento, solicitando ao juiz a manutenção da suspensão da execução precariamente determinada pelo agente de execução, este, uma vez ouvido o exequente, no prazo de cinco dias, decide manter a execução suspensa ou ordena o levantamento dessa suspensão, com a consequente imediata entrega do prédio ao exequente (n.º 3, do art. 863º)[5]. O mecanismo processual vindo a descrever é aplicável ao adquirente de prédio penhorado e vendido no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, quando este constitua a casa de habitação principal do executado, conforme expressamente o determina o art. 828º, ao estatuir que: «O adquirente pode, com base no título de transmissão a que se refere o artigo anterior, requerer contra detentor, na própria execução, a entrega dos bens, nos termos prescritos no art. 861º, devidamente adaptados”. Com efeito, na execução para pagamento de quantia certa, não pagando o executado ao exequente o crédito exequendo são penhorados bens que integrem o seu património, a fim de serem vendidos para, com o produto da venda se dar pagamento ao crédito exequendo e às custas da execução. Uma vez vendidos os bens penhorados e pago integralmente o preço devido pela respetiva aquisição e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão daqueles bens para o adquirente, nos termos do n.º 1 do art. 827º, cumpre ao agente de execução emitir o título de transmissão desses bens a favor do adquirente, no qual tem de identificar os bens adquiridos, certificar o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e declarar o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adquiridos. No caso em que o executado ou o terceiro detentor dos bens adquiridos não os entregue voluntariamente ao adquirente, este, nos termos do art. 828º, com base no título de transmissão, pode requerer contra o detentor daqueles, na própria execução (de pagamento de quantia certa), a entrega dos mesmos, “nos termos prescritos no art. 861º, devidamente adaptados”. Dito por outras palavras, o art. 828º dispensa que sendo adquiridos bens no âmbito de execução para pagamento de quantia certa, quando o executado ou terceiro detentor daqueles não proceda à respetiva entrega voluntária, o adquirente tenha de instaurar execução para entrega de coisa certa contra o detentor, a fim de obter a sua entrega coerciva. Confere-se ao adquirente o direito de, no âmbito da própria execução para pagamento de quantia certa, com base no título de transmissão, deduzir um incidente contra o detentor, requerendo que os bens adquiridos lhe sejam coercivamente entregues, obtendo, através dessa via incidental e simplificada, aquilo que obteria caso tivesse de instaurar contra o detentor execução para entrega de coisa certa. O incidente em causa processa-se “nos termos prescritos no artigo 861º, devidamente adaptados”. Ora, prevendo o n.º 6 do referido art. 861º que quando o bem a entregar constitua a casa de habitação principal do executado, “é aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do art. 863º”, da conjugação dos arts. 828º, 861º, n.º 6 e 863º, n.ºs 3 a 5 deriva que, no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, quando sejam penhorados e vendidos bens, uma vez emitido o título de transmissão sobre os mesmos a favor do adquirente, no caso do exequente ou do detentor daqueles não proceder à sua entrega voluntária ao último e este recorrer ao incidente enunciado no art. 828º, requerendo contra o detentor dos bens que adquiriu que estes lhe sejam coercivamente entregues, no caso do bem a entregar constituir a casa de habitação principal do executado, este ou um terceiro que se encontre presente no local, aquando da diligência de entrega do prédio ao adquirente, poderá requerer a suspensão temporária dessa diligência de entrega do prédio ao último, apresentando ao agente de execução atestado médico em que se certifique que o executado, um seu familiar ou outra pessoa que com ele resida em economia comum no prédio a entregar se encontra doente; que essa doença tem natureza aguda; que a realização da diligência de entrega do prédio ao adquirente, com o consequente despejo do mesmo da pessoa doente, põe em risco de vida a última; e, finalmente, o prazo durante o qual se deve suspender a diligência de entrega do prédio ao seu adquirente. Nessa situação, no caso do atestado médico que lhe foi exibido cumprir com os pressupostos legais que se acabam de enunciar, cumpre ao agente de execução suspender de imediato, precária e temporariamente, a diligência de entrega do prédio ao adquirente, lavrando certidão da ocorrência, juntando aos autos os documentos que lhe foram exibidos, advertindo o executado ou o terceiro (a pessoa que se encontra no local e lhe requereu a suspensão da diligência de entrega e exibiu o atestado médico) de que a suspensão prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação desta, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, e, finalmente, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante. Na sequência da referida suspensão precária da diligência de entrega do prédio ao adquirente, o executado ou o terceiro que se encontrava no local aquando da suspensão, terá de, no prazo de dez dias, requerer ao juiz a confirmação daquela suspensão, apresentando para o efeito requerimento em que formule tal pedido e alegando os respetivos fundamentos e juntando a esse requerimento os documentos disponíveis para prova do alegado, o qual, uma vez ouvido o exequente, no prazo de cinco dias, decide se mantém a suspensão da execução, com a consequente suspensão da diligência de entrega do prédio ao adquirente pelo prazo indicado no atestado médico, ou ordena o levantamento da suspensão determinada pelo agente de execução, com o imediato prosseguimento da execução e a entrega do prédio ao adquirente. Destarte, contrariamente ao pretendido pelo recorrente e também parece ter sido o entendimento que foi sufragado pelo julgador a quo em sede de despacho recorrido, a aplicação do regime jurídico dos arts. 861º, n.º 6 e 863º, n.ºs 3 a 5 à execução para pagamento de quantia certa não decorre da aplicação extensiva ou analógica do disposto nos identificativos preceitos legais a esse tipo de execução, mas antes do disposto no art. 828º, que determina a aplicação do regime jurídico previsto naqueles preceitos (art. 861º, n.º 6 e 863º, n.ºs 3 a 5) ao incidente deduzido pelo adquirente do prédio, com base no título de transmissão, contra o detentor do último, formulado na própria execução para pagamento de quantia certa em que adquiriu a propriedade sobre o prédio[6]. Por outro lado, o regime jurídico dos arts. 861º, nº 6 e 863º, n.ºs 3 a 5, aplicável à execução para pagamento de quantia certa por força do disposto no art. 828º, constitui um mecanismo processual excecional que, por razões humanitárias possibilita a paralisação temporária da diligência de entrega do prédio que constitua a casa de habitação principal do executado ao seu adquirente, pelo prazo indicado no atestado médico, quando aquele, um seu familiar ou outra pessoa que com ele resida em economia comum no prédio a entregar se encontra doente, em caso de doença aguda e o despejo dessa pessoa do prédio (a fim de ser entregue ao adquirente) a coloque em risco de vida, quando o adquirente do prédio, no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, com base no título de transmissão, tenha requerido o prosseguimento desta, formulando, nos próprios autos de execução para pagamento de quantia certa, pedido de entrega coerciva daquele prédio contra o detentor, face à recusa do último em lho entregar voluntariamente. Por isso, contrariamente ao pretendido pela recorrente, o dito mecanismo não opera a suspensão da instância executiva para pagamento de quantia certa antes da concretização da venda do prédio nela penhorado ao terceiro adquirente, do prédio ter sido adjudicado ao último e de lhe ter sido emitido título de transmissão e antes deste, nessa sequência, face à não entrega voluntária do prédio, ter lançado mão do mecanismo do art. 828º e do agente de execução, nessa sequência, se deslocar ao local para realizar a diligência de entrega do prédio ao adquirente. Isto é, aquele mecanismo não é apto a suspender a execução para pagamento de quantia certa antes do ato de entrega do prédio ao adquirente, na medida em que apenas possibilita que, na sequência da dedução do incidente pelo adquirente do art. 828º, requerendo que o prédio lhe seja coercivamente entregue, face à recusa do executado ou detentor do prédio de lho entregarem voluntariamente, designado dia para proceder a essa diligência de entrega, e deslocando-se ao local o agente de execução, na data designada, para proceder à diligência de entrega do prédio ao adquirente, obter a suspensão temporária da execução, ou seja, do ato de entrega do prédio ao exequente, pelo prazo designado no atestado médico, isto naturalmente se, uma vez suspenso, temporária e precariamente aquele ato de entrega, o juiz vier a confirmar essa suspensão nos termos acima descritos. Em suma, não se está perante um mecanismo que permita a paralisação/suspensão da execução em geral, mas que apenas permite a suspensão temporária do ato de entrega do prédio ao adquirente, nos casos em que este tenha requerido, após a compra do prédio penhorado e após o respetivo título de transmissão lhe ter sido emitido, o seu prosseguimento, com base neste último título, contra o detentor do prédio, pedindo que lhe seja feita a entrega coerciva do último e de, nessa sequência, o agente de execução se desloque ao local para dar concretização prática ao ato de entrega do prédio ao seu adquirente e que, por isso, é o seu legítimo proprietário. Destarte, não tendo no caso sobre que versam os presentes autos o prédio nele penhorado sido vendido, não existe fundamento legal para que se suspenda a presente execução com fundamento nos arts. 861º, n.º 6 e 863º, ex vi, art. 828º. Ao indeferir a suspensão da execução requerida pela recorrente com fundamento no regime legal enunciado nas identificadas disposições legais, o tribunal a quo não incorreu assim em nenhum dos erros de direito que são assacados pela recorrente ao despacho recorrido. Acresce referir que, ainda que o prédio que constitui a casa de habitação principal da recorrente penhorado no âmbito da presente execução para pagamento de quantia certa já tivesse sido nela vendido (o que não é o caso) e tivesse sido já emitido à respetiva adquirente o título de transmissão a favor desta e ela tivesse requerido, nos termos do art. 828º, o prosseguimento da presente execução contra a recorrente, face à recusa desta em lho entregar voluntariamente e de, nessa sequência, o agente de execução se tivesse deslocado ao local para concretizar o ato de entrega do prédio à dita adquirente (o que naturalmente não é o caso dos autos, em que, reafirma-se, o prédio penhorado nem sequer ainda foi vendido), impõe-se referir que, como foi corretamente sinalizado pela 1ª Instância no despacho recorrido, a suspensão requerida pela recorrente nunca poderia ser determinada com base naquelas disposições legais, na medida em que não se encontram preenchidos os requisitos legais do n.º 3 do art. 863º. A doença que afeta a recorrente e que se encontra identificada no «Relatório de Consulta» que juntou aos autos (doença oncológica pulmonar, em estado avançado, com metastização pancreática e peritoneal) não consubstancia uma situação de doença “aguda”, mas antes um doença “crónica” e, finalmente, no identificado relatório de consulta não se indica o prazo durante o qual se deveria suspender a execução, ou seja, o ato de entrega do prédio penhorado ao seu adquirente, por forma a afastar o perigo de vida que emerge da doença aguda (que não é o caso da doença de que padece a executada) que eventualmente a afetasse. Decorre do excurso antecedente, em suma, improceder o fundamento de recurso acabado de analisar, dado que, ao recusar a suspensão da instância executiva com fundamento nos arts. 861º, n.º 6 e 863º, ex vi, art. 828º, o despacho recorrido não padece de nenhum dos erros de direito que lhe são assacados pela recorrente. B- Da suspensão da execução com fundamento no art. 272º, n.º 1, parte final Advoga a recorrente que, ao não suspender a presente execução para pagamento de quantia certa, com fundamento na parte final do n.º 1 do art. 272º, o despacho recorrido padece de erro de direito, na medida em que o regime jurídico enunciado na dita disposição legal “se aplica ao processo executivo e aplica-se em toda a sua dimensão, ou seja, sem qualquer limitação” e, bem assim, que a situação de doença “grave e aguda” de que padece constitui motivo mais que justificado para que se suspenda a execução por um período não inferior a 6 meses à luz dessa disposição legal. Quid inde? De harmonia com o art. 272º, n. º1, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. A primeira parte do preceito acabado de referir concede ao tribunal a faculdade ou poder de suspender a instância quando a decisão da causa estiver dependente de outra já proposta, isto é, quando penda causa prejudicial, enquanto a segunda parte do mesmo preceito confere ao tribunal a faculdade de suspender a instância «quando ocorrer outro motivo justificado». A suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial relaciona-se com o mérito da ação já instaurada, na medida em que nela se discute uma questão que tem influência decisiva para a decisão a proferir na segunda ação intentada, ao destruir o fundamento ou ao retirar a razão de ser desta última. Daí que, com a suspensão da instância da segunda ação proposta com fundamento em causa prejudicial visa-se prosseguir a economia processual e a coerência dos julgamentos e, por isso, só se justifica a identificada suspensão da instância, por pendência de causa prejudicial nas ações declarativas[7], as quais têm por escopo a declaração judicial da solução concreta resultante da lei para a situação real que serve de base à pretensão, mas já não nas ações executivas, em que não se discute a existência ou inexistência de um direito de crédito (que pode consistir no pagamento de uma prestação pecuniária, na entrega de coisa certa, ou na prestação de um facto positivo ou negativo – n.º 6 do art. 10º), mas em que a existência desse direito já se encontra declarada, em sentença judicial transitada em julgado, ou em título para-judicial ou extrajudicial que transporta em si uma forte, ainda que variável, presunção da existência da titularidade do direito de crédito[8], e em que a finalidade prosseguida pela ação executiva é, por isso, o cumprimento coercivo daquele direito de crédito por parte do executado (devedor), face à recusa deste em o cumprir voluntariamente perante o exequente (credor). Como ensina Alberto dos Reis, citando Manuel Andrade, só existe verdadeira prejudicialidade e dependência “quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não seja a reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outra em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal”[9]. Frise-se que o atual art. 282º, n.º 1 corresponde ao art. 284º do CPC de 1939. Embora a doutrina e a jurisprudência maioritárias no âmbito daquele art. 284º do CPC de 1939 fossem no sentido de que não era possível suspender a execução com fundamento na primeira parte daquele preceito (causa prejudicial), dado o caráter geral da norma em causa, em que não se distingue entre ações declarativas e ações executivas, existia quem defendesse ser admissível a suspensão da execução com fundamento em pendência de causa prejudicial. Acontece que a referida divergência jurisprudencial foi dirimida pelo Assento n.º 2/1960, de 24/05/1960, publicado no BMJ, n.º 97, págs. 173 e segs. (transformado pelo art. 17º, n.º 2, do DL. n.º 329-A/95, de 12/132, em acórdão uniformizador de jurisprudência), em que se fixou a seguinte jurisprudência: “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284º do CPC”. Essa jurisprudência mantém-se em vigor no CPC vigente, dado que, tal como acontecia na vigência do CPC de 1939, no âmbito da atual lei adjetiva nacional o fim do processo executivo continua a ser, não decidir uma causa, ou seja, dirimir um conflito de interesses que contrapõe os pleiteantes quanto à existência ou inexistência de um direito de crédito, mas sim o de dar satisfação efetiva e coerciva a um direito de crédito que assiste ao exequente (credor) sobre o executado (devedor) face à recusa deste em lhe dar cumprimento voluntário, já declarado por sentença judicial transitada em julgado ou constante de título executivo extrajudicial, tipificados de modo taxativo no art. 703º, que leva a que o legislador considere que contêm um grau de certeza e de segurança suficientes quanto à existência do direito em causa para que possam servir de base à ação executiva tendo em vista o cumprimento coercivo do mesmo. Em suma, face à atual redação do art. 272º, n.º 1, 1ª parte, do CPC, mantém-se válida a jurisprudência fixada no assento n.º 2/1960, continuando a não ser possível suspender a ação executiva com fundamento na prejudicialidade de uma ação declarativa antes proposta e que se encontre pendente, uma vez que, na execução, não existe uma causa a decidir que possa depender do julgamento de outra, como pressupõe o conceito de «causa prejudicial», mas antes nela visa-se dar cumprimento coercivo a um direito de crédito detido pelo exequente sobre o executado, sustentado em título executivo que já contém o acertamento ou o reconhecimento suficiente do direito em causa, tanto mais que o art. 733º prescreve agora que, no caso de serem deduzidos embargos à execução e destes serem recebidos, é suspensa a execução no caso de ser prestada caução pelo embargante e legitima que noutros casos seja decretado o mesmo efeito[10]. Na verdade, a questão da suspensão da execução por via da pendência de causa prejudicial apenas pode colocar-se quando seja deduzida oposição à execução mediante embargos e no caso destes serem recebidos e do embargante prestar caução (al. a) do n.º 1 do art. 733º) ou, independentemente da prestação desta última, nos casos a que se reportam as als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 733º; ou ainda nos casos em que sejam deduzidos embargos de terceiro quanto aos bens penhorados no âmbito da execução, em que, nos termos do art. 347º, o despacho que os receba determina a suspensão dos termos do processo executivo quanto aos bens a que dizem respeito (art. 347º); ou, ainda, no âmbito da verificação e graduação de créditos, em que o n.º 1 do art. 792º prevê que o credor que não esteja munido de título exequível pode requer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta[11]. Em todos os casos que se acabam de identificar é a própria lei que determina a suspensão da execução por via de pendência de causa prejudicial e os termos em que essa suspensão se processa. Fora desses casos expressamente tipificados na lei adjetiva, não é legalmente consentido suspender a execução por pendência de causa prejudicial, com fundamento na primeira parte do n.º 1 do art. 271º do CPC. Acontece que, se a ação executiva não pode ser suspensa com fundamento na primeira parte do n.º 1 do art. 272º, por pendência de causa prejudicial, diversamente do decidido pela 1ª Instância, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a execução pode ser suspensa com fundamento na segunda parte do n.º 1 do art. 272º, isto é, quando ocorra «outro motivo justificado» que leve o juiz a entender justificar-se a suspensão da execução, que não a pendência de causa prejudicial[12]. O referido motivo justificado que permite a suspensão da execução tem de ser outro, que não o previsto na primeira parte do n.º 1 do art. 272º (pendência de causa prejudicial), conforme decorre expressamente da previsão legal daquela norma - “ou quando ocorrer outro motivo justificado” -, além de que entendimento contrário traduzir-se-ia, em termos ontológicos e materiais, em permitir-se a suspensão da execução com fundamento em pendência de causa prejudicial, quando essa suspensão não é legalmente consentida. A suspensão da instância executiva com fundamento na verificação de “outro motivo justificado” que leve o juiz a entender que há motivo suficientemente justificativo para tomar essa medida tem de se relacionar com vicissitudes extraordinárias, relacionadas com razões endógenas ao próprio processo executivo (v.g. uma das partes alega ter tido conhecimento do falecimento da outra, mas não junta certidão do assento de óbito, mas fornece sérios elementos de informação nesse sentido; as partes requerem a suspensão da instância executiva, alegando estarem em vias de celebrarem acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações ou de estarem em vias de celebrarem um contrato de arrendamento que permitirá ao executado ou ao detentor do prédio continuar nele a residir, tornando desnecessária a entrega do prédio ao adquirente por este requerida, e o juiz convence-se que irão efetivamente celebrar aqueles acordos, etc.), ou que se prendam com a situação em que se encontra o executado, o seu agregado familiar ou pessoa que com ele resida em economia comum no prédio a entregar e que, face a essas circunstâncias específicas do caso concreto, ao abrigo dos princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade, reclamem que se determine a suspensão temporária da instância executiva até essas circunstâncias concretas se encontrarem ultrapassadas. Com efeito, visando a ação executiva a realização coerciva da uma obrigação face ao incumprimento voluntário desta pelo respetivo devedor, e tendo aquela ação necessariamente como suporte um documento que exterioriza ou demonstra a existência de um ato constitutivo ou certificativo daquela obrigação, ao qual a lei confere força bastante para servir de base à ação executiva e em que, por princípio, a coberto desse título e sem necessidade de outras indagações, haverá de ser desenvolvida a atividade processual adequada ao cumprimento da obrigação que nele é reconhecida ao exequente sobre o executado (pagamento de quantia certa, entrega de coisa ou a prestação de facto positivo ou negativo), apenas circunstâncias excecionais, a serem aferidas perante o caso concreto, poderão determinar a suspensão da instância executiva. Assentes nas premissas acabadas de referir, regressando ao caso concreto, adiante-se desde já não se descortinar a existência de qualquer fundamento factual que reclame a suspensão da instância executiva à luz do art. 272º, n.º 1, parte final, do CPC. A presente execução para pagamento de quantia certa foi instaurada em 05/02/2009, isto é, há mais de dezasseis anos e nela foi penhorado o prédio que constitui a casa de habitação principal da recorrente. Sucede que no âmbito da presente execução apenas se ordenou a venda desse prédio, a qual poderá demandar meses ou até anos a ser concretizada e a ser emitido ao futuro adquirente do prédio o título de transmissão. A recorrente (executada) encontra-se a residir naquele prédio e nele pode continuar a residir até a venda se vir a concretizar, de quem vier a adquirir o prédio pagar integralmente o preço que vier a propor pela sua aquisição e que vier a ser aceite e, bem assim demonstrar encontrarem-se satisfeitas as obrigações fiscais inerentes a essa aquisição, posto que só então lhe poderá ser emitido o respetivo título de aquisição e esse adquirente, no caso da recorrente não lhe entregar voluntariamente o prédio, poderá lançar mão do incidente de entrega coerciva do último (arts. 827º, n.º 1º e 828º), o que tudo demandará seguramente mais de seis meses, podendo, inclusivamente, demandar anos. A situação de doença que afeta a recorrente e que lhe foi detetada em abril de 2024 - doença oncológica pulmonar, em estado avançado, com metastização pancreática e peritoneal -, além de ter natureza crónica, encontra-se presentemente estabilizada, mas cujo prognóstico é incerto. O que se acaba de referir denota que não existe qualquer fundamento legal que permita suspender a presente execução ao abrigo do art. 272º, n.º 1, parte final, na medida em que, além da doença crónica que afeta a recorrente ter prognóstico incerto, o prosseguimento da presente execução, ao permitir a manutenção do status quo atual em que se encontra, a qual, conforme antes referido, se manterá a residir no prédio penhorado durante meses ou até anos, até a venda se vir a concretizar e a ser emitido ao seu futuro adquirente o respetivo título de transmissão, em nada interferindo com o atual modus vivendi daquela e, consequentemente, com o seu estado clínico. Esse estado clínico, além de ser crónico, encontra-se presentemente controlado e é de prognóstico (de evolução) incerto, não demandando que a executada tenha, no imediato (seguramente nos próximos seis meses), de despejar o prédio, mas, reafirma-se, essa situação apenas se colocará num futuro mais ou menos longínquo e em que, por isso, até lá aquela não verá alterado o seu estilo de vida. Decorre do que se vem dizendo, que ao julgar não se encontrar preenchido o fundamento de suspensão da instância executiva do art. 272º, n.º 1, parte final, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direitos que são invocados pela recorrente. Deriva do exposto que, na improcedência de todos os fundamentos de recurso invocados pela recorrente, impõe-se julgar o presente recurso improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido. C- Das custas Nos termos do disposto no art. 527º, n.ºs 1 e 2, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, quem do recurso tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do recurso a parte vencida, na proporção em que o for. Tendo o presente recurso improcedido, as custas do mesmo têm de ficar a cargo da recorrente, BB, dado que ficou totalmente “vencida”. * V- DecisãoNesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido. * Custas do recurso pela recorrente, BB, dado que ficou totalmente “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 10 de julho de 2025 José Alberto Moreira Dias – Relator Rosália Cunha – 1ª Adjunta Susana Raquel Sousa Pereira – 2ª Adjunta [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, págs. 431 e 432, em que expende que: “A ação executiva para entrega de coisa certa tem lugar sempre que o objeto da obrigação, tal como o título o configura, é a prestação duma coisa. Tal como no caso da obrigação pecuniária, o qualificativo certa tem a ver com o pressuposto processual da certeza da prestação, pelo que não obsta à execução a necessidade de se proceder à individualização das unidades que serão objeto da prestação a efetuar no caso de obrigação genérica cujo objeto se apresente qualitativa e quantitativamente determinado. Sempre que, portanto, que o título configure uma obrigação de prestação de coisa, deve usar-se o processo de execução para entrega de coisa certa, ainda que esta já não exista, seja objeto dum direito incompatível com o do exequente ou não venha a ser encontrada, casos em que tem lugar a subsequente conversão da execução para entrega de coisa certa em execução para pagamento de quantia certa. Diversamente da ação executiva para pagamento de quantia certa, a ação executiva para entrega de coisa certa não se traduz na efetivação de direitos sobre o património do devedor. Por ela, o credor faz valer, não a garantia patrimonial do seu crédito, mas sim a faculdade de execução específica, mediante a apreensão da coisa que o devedor está obrigado a prestar-lhe. Não é requerida a execução do património do devedor (art. 817º do CC), mas sim a entrega judicial da coisa da coisa devida (art. 827º do CC). Não há, por isso, neste tipo de ação, lugar à penhora. Para realizar o direito exequendo, o tribunal procede à apreensão da coisa e à sua imediata entrega ao exequente, após efetivação das buscas e outras diligências necessárias (art. 861º)” (destacado nosso). [3] Ac. RC., de 20/06/2017, Proc. 2939/14.7T8CBR-E.C1. [4] Ac. R.G., de 21/03/2019, Proc. 153/15.3T8CHV-C.G1, em que se expende: “No âmbito dos arts. 861º, n.º 6 e 868º, n.º 3, ambos do CPC, são requisitos para a suspensão da execução de entrega do imóvel: (i) tratar-se da casa de habitação principal do executado; (ii) apresentar-se atestado médico que indique fundadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução; (iii) e indicar o dito atestado médico que a realização da diligência coloca em risco de vida, por doença aguda, a pessoa que se encontra no local. Doença aguda significa doença súbita e inesperada, isto é, que tem um curso acelerado, terminando com convalescença ou morte num curto espaço de tempo, em regra inferior a três meses; e distingue-se de episódios agudos das doenças crónicas, que são exacerbação de sintomas normalmente menos intensos nessas condições, que não põem em risco, num prazo curto, a vida do doente, não consubstanciando por isso emergência médica. O diferimento de desocupação de imóvel previsto no art. 864º do CPC constitui um meio de tutela excecional, por consubstanciar uma restrição ao direito de propriedade”. Ainda Ac. R.L., de 14/10/2008, Proc. 3870/2008-1: “A doença crónica do ocupante de uma casa, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativa da sustação da execução de um mandado de despejo, por a lei só prever a situação de risco de vida relacionada com uma doença aguda desse ocupante”. [5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, págs. 296 e 297. [6] Rui Pinto, “A Ação Executiva”, 2018, AAFDL Editora, págs. 878 e 879; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 248; Acs. RG., de 08/05/2025, Proc. 1473/22.6T8VCT.1.G1; de 06/03/2025, Proc. 3370/14.0T8VNF-H.G1 (relatado pelo aqui relator), R.P., de 25/01/2021, Proc. 1781/20.0T8PRT-B.P1; de 05/12/21016, Proc. 1631/14.7TBGDM.P1; RC., de 24/04/2018, Proc. 2911/11.9TBFIG.C1. [7] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, em que após expender, a fls. 146 que: “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, e de adiantar, a fls. 271, que “Quanto às execuções, a suspensão só pode ter lugar no caso de serem opostos embargos, de estes serem recebidos e de o embargante prestar caução”, de afirmar, a fls. 272, que “A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos e por isso só se justifica a sua aplicação na fase declaratória”, conclui, a fls. 274 que: “A primeira parte do artigo 284º (atual vigente art. 272º, n.º 1) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efetiva a um direito já declarado por sentença ou constantes de título executivo. Não se verifica assim, no tocante à execução, o requisito exigido no começo do artigo: estar a decisão da causa dependente do julgamento doutra proposta”. [8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pire de Sousa, ob. cit., vol. I, pág. 17. [9] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 269. [10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 333 e 333; Ac. STJ. de 31/05/2007, Proc. 07B864, em que se decidiu ser “de manter a doutrina do assento de 24/05/1960, que entendeu que a ação executória não pode ser suspensa pela existência de causa prejudicial. Com efeito, a execução apenas admite uma espécie de suspensão, uma espécie de prejudicialidade interna, ou no âmbito da própria ação executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta poder dar origem à suspensão da própria execução. Aliás, se assim não fosse, o regime do art. 818º do CPC (atual art. 733º) deixaria de ter aplicação”. [11] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 552, em que defendem que: “A ação executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão duma causa e pressupondo o título a existência da obrigação exequenda, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito. Isso mesmo foi decidido na pendência do CPC de 1939, por Assento de 14/05/60, BMJ, 97, p. 232, e em 14/01/93, CJ-STJ, 1993, I, p. 59, se manteve no CPC de 1961 (até ao DL 329-A/95), dado que o preceito interpretado não teve nele alteração (não o altera tão-pouco o CPC de 2013). Mas a questão da suspensão pode pôr-se para os embargos de executado (máxime por via da pendência de ação em que se discuta a existência da obrigação exequenda), para os embargos de terceiro (pendência de ação de reivindicação da coisa penhorada ou de mera declaração da titularidade do direito sobre ela) e para o apenso de verificação e graduação de créditos (pendência de ação respeitante a dívida reclamada)”. [12] Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 279 e 280; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, ob. cit., vol. I, pág. 334, em que referem que: “Agora, como dantes, não existe, no entanto, obstáculo formal a que a suspensão da execução seja decretada pelo juiz por outros motivos (quaisquer motivos) que considere suficientemente justificados. Por outro lado, aquela restrição apenas vale para a atividade tendente à execução coerciva da obrigação exequenda, não sendo de aplicar aos embargos de executado ou a outros procedimentos declarativos enxertados na ação declarativa, cujos objetivos são diferenciados. A suspensão da instância em geral pode encontrar outros motivos cuja justificação é sujeita ao escrutínio do juiz, o qual, neste campo, goza de uma larga margem de discricionariedade, devendo aquilatar se efetivamente se justifica tal medida. Nesses casos, o juiz deve sempre fixar o prazo de suspensão, o que, no entanto, não obsta a que o mesmo seja renovado se acaso as circunstâncias continuarem a revelar a necessidade de suspensão”; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 553, onde postulam ser “pacífico que a ação executiva pode ser suspensa com fundamento na 2ª parte do n.º 1. Mas a 2ª parte tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte, não podendo nela fundar-se a suspensão da ação executiva por pendência de ação autónoma”. Na jurisprudência, no sentido de que é admitida a suspensão da execução com fundamento no art. 272º, n.º1, parte final, do CPC (ocorrência de «outro motivo justificado», que não pode ser a pendência de outra ação, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, esta como verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite), Acs. STJ., de 16/04/2009, Proc. 09B0674; R.G., de 17/02/2022, Proc. 391/17.4T8VCT-B.G1; RC., de 19/05/2020, Proc. 1075/09.2TBCT-E.C1; de 15/03/2011, Proc. 538-E/1999.C1; e de 07/07/2004, Proc. 2000/04, lendo-se neste último que: “Não tendo, todavia o legislador definido o conceito de “motivo justificado”, será perante cada caso concreto que se terá de indagar se ocorre ou não motivo que justifique a suspensão da instância com tal fundamento, sendo que, contudo, que o mesmo não poderá ter nada a ver com a pendência de outra ação”. |