Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
| Descritores: | EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ CONTRADITÓRIO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. E essa aferição só pode ser feita em concreto. 2. Quando, na sequência de um divórcio e de as partes terem sido remetidas para os meios comuns quanto à natureza de bem próprio ou de bem comum de um determinado bem, e um dos cônjuges instaura acção contra o outro na qual pede que esse mesmo bem seja declarado bem comum do ex-casal, e o Tribunal lhe dá razão, declarando tal bem um bem comum do ex-casal, a questão fica definitivamente decidida com trânsito em julgado. 3. Se o outro ex-cônjuge, após ser notificado dessa sentença, vier intentar outra acção contra a sua ex-mulher, na qual pede ao Tribunal que declare que esse mesmo bem é seu bem próprio, tal acção tem de findar com uma decisão de absolvição da instância, por verificação da excepção dilatória de caso julgado, pois essa mesma questão já foi decidida definitivamente por um Tribunal e não pode renascer noutro. 4. Muito embora o julgamento sobre a litigância de má-fé não careça de prova suplementar, pois o Julgador tem à sua frente todos os factos de que precisa, não havendo nada a esclarecer, a acrescentar ou a explicar, mas apenas a decidir, e não fazendo muito sentido dizer a uma das partes que o Tribunal está a ponderar condená-la como litigante de má-fé, e dar-lhe um prazo para se pronunciar sobre essa intenção do Tribunal, até porque a parte em causa poderá sempre recorrer dessa condenação, o certo é que a Jurisprudência dominante do STJ e do Tribunal Constitucional entende que o cumprimento estrito do princípio do contraditório impõe que se dê a oportunidade à parte para dizer se litigou ou não de má-fé, antes do próprio tribunal decidir tal questão. Assim, antes de condenar a parte como litigante de má-fé, o Tribunal tem de lhe comunicar essa sua intenção e dar-lhe prazo para a mesma se pronunciar, querendo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Na presente acção, instaurada em 18/06/2024, que corre termos no J... do Juízo Local Cível de Barcelos, AA demandou BB, pedindo: a) que o Tribunal declare que o saldo de activos financeiros da conta n.º ...01 da Banco 1..., no montante de €27.000,00 constitui um bem próprio do Autor; Sem prescindir, no caso de improcedência do deduzido em a), b) deve a Ré ser condenada a entregar ao Autor o montante de €27.000,00 a título de montante qual se apropriou sem causa justificativa ou a título ilegítimo; c) Cumulativamente com os pedidos deduzidos, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor um valor não inferior a €3.000,00 (três mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até ao seu efectivo e integral pagamento, para além das custas judiciais. Alega em síntese que Autor e Ré foram casados entre si, e foi dissolvido o vínculo conjugal no dia ../../2013, em processo de divórcio. Corre termos inventário para partilha dos bens comuns no Cartório Notarial ..., no qual a Ré apresentou a relação de bens, tendo relacionado, como bem comum, entre outros, o seguinte bem: o saldo de activos financeiros da conta n.º ...01 da Banco 1..., no montante conhecido à data do divórcio de €27.000,00. Não tendo o Autor concordado com a inclusão de tal bem na relação de bens comuns, por o mesmo consistir um bem próprio seu, por já possuir tal valor em data anterior ao casamento apresentou a correspondente reclamação à relação de bens (note-se desde já, que o autor não diz qual o destino que teve esse incidente da reclamação contra a relação de bens). Avança com argumentação para fazer ver que o saldo em causa é bem próprio seu, e deduz o pedido que vimos supra. Citada a ré, veio de imediato apresentar contestação, na qual começa por arguir a excepção de caso julgado, dizendo em síntese que no referido processo de inventário, a que o autor fez menção, foi a Ré, ali cabeça de casal, notificada pelo Cartório para recorrer aos meios comuns, a fim de dirimir o diferendo quanto à definição dos bens comuns a partilhar. Nessa conformidade, intentou contra o aqui Autor acção declarativa comum, que correu seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz ..., sob o n.º 2094/20.3T8BRG, na qual pedia que o Tribunal reconhecesse que integravam o património comum do extinto casal, entre outros, o seguinte bem: o saldo da conta de activos financeiros da Banco 1..., com o n.º ...01, no montante, à data do divórcio, no valor de €27.000,00”. E por sentença proferida em 13.05.2024 nesses autos, já transitada em julgado em 11.7.2024, foi decidido julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente, reconhecer que integra o património comum do extinto casal formado pela Autora e Réu, o saldo da conta de activos financeiros da Banco 1..., com o n.º ...01, no montante, à data do divórcio, no valor de €27.000,00. Ora, na presente acção, o Autor pretende que o Tribunal declare que esse mesmo exacto bem (o saldo de activos financeiros da conta n.º ...01 da Banco 1..., no montante de €27.000,00), constitui um bem próprio seu. A acção é idêntica a outra, quando há identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 581.º do CPC). Ocorre, deste modo, a excepção de caso julgado, que expressamente invoca. O autor respondeu, argumentando contra a verificação da dita excepção, dizendo que não há identidade de sujeitos, não há identidade de pedidos, nem sequer há identidade de causas de pedir. Chegando os autos à fase de saneamento, foi proferida decisão que julgou procedente a excepção dilatória de Caso Julgado e/ou Autoridade de Caso Julgado, e, consequentemente, absolveu a Ré da instância. E o Tribunal ainda condenou o Autor como litigante de má-fé, pelos danos materiais ou patrimoniais e morais ou não patrimoniais causados à Ré, em multa no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros). Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o autor que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC). Termina com as seguintes conclusões: I. Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido, no dia 23 de Junho de 2025, foi decidido o seguinte: “Julga-se Procedente a excepção dilatória de CASO JULGADO e/ou AUTORIDADE DE CASO JULGADO. (…) Por conseguinte, este Tribunal decide CONDENAR o Autor, AA, como litigante de MÁ-FÉ, pelos danos materiais ou patrimoniais e morais ou não patrimoniais causados à Ré BB, em MULTA processual civil a pagar ao Tribunal no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros)”. II. Sucede que, com o devido respeito – que é muito –, o Autor/Recorrente não se pode conformar com a mencionada sentença proferida. III. Em primeiro lugar, a decisão recorrida julgou procedente a excepção de caso julgado e/ou autoridade de caso julgado, com fundamento em alegada identidade entre os presentes autos e a acção n.º 2094/20.3T8BRG, que correu termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz .... IV. Nos termos do artigo 581.º do CPC, a excepção de caso julgado exige a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. V. No caso vertente, inexiste identidade de sujeitos, uma vez que, apesar de coincidirem formalmente as partes, estas ocupam posições processuais distintas nos dois processos, o que descaracteriza a coincidência subjectiva exigida pela lei. VI. Também não se verifica identidade de pedidos: no processo n.º 2094/20.3T8BRG discutiu-se a inclusão de bens no património comum do extinto casal, ao passo que nos presentes autos o Recorrente peticiona a declaração de bem próprio e, subsidiariamente, a condenação da Recorrida em restituição por enriquecimento sem causa, sendo, pois, diversos os efeitos jurídicos pretendidos. VII. Do mesmo modo, inexiste identidade de causa de pedir, porquanto no processo anterior a controvérsia se reportava à origem de depósitos bancários, enquanto na presente acção o Recorrente invoca novos factos – concretamente, movimentações bancárias efectuadas pela Ré e o subsequente enriquecimento sem causa –que consubstanciam uma relação material distinta e autónoma. VIII. A decisão recorrida incorreu, assim, em erro de direito ao julgar verificada a excepção de caso julgado, inexistindo a repetição de causa exigida pelo artigo 581.º do CPC. IX. Ao condenar o Autor/Recorrente como litigante de má-fé, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 542.º do CPC, uma vez que não resultou demonstrado qualquer dolo ou negligência grave. X. Para além de que, o Autor/Recorrente exerceu de forma legítima o seu direito de acção, fundamentando-se numa interpretação jurídica plausível e em factos novos. XI. Além do mais, não ficou provado qualquer dano patrimonial ou não patrimonial causado à Ré/Recorrida. XII. A condenação por litigância de má-fé não pode confundir-se com o simples decaimento da pretensão nem com a defesa convicta de determinada interpretação jurídica, sob pena de se atentar contra o direito fundamental de acesso à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP. XIII. Acresce que, no caso concreto, a condenação em má-fé foi proferida sem prévia audição do Autor/Recorrente, em violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, o que gera uma nulidade. XIV. Face ao exposto, impõe-se a revogação da decisão recorrida, através da improcedência da excepção de caso julgado e o consequente prosseguimento dos autos para apreciação do mérito da causa, bem como a absolvição do Autor/Recorrente como litigante de má-fé. XV. Pelo exposto, a sentença recorrida deve ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos com as legais consequências daí advenientes. A ré apresentou as suas contra-alegações. Termina-as com as seguintes conclusões: 1- Sobre a mesma questão ou objecto processual dos presentes autos, já o Tribunal se havia pronunciado em acção anterior, com decisão transitada em julgado. 2- Nos presentes autos e no proc. n.º 2094/20.3T8BRG, do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim-Juiz ..., há identidade das partes, causa de pedir e pedido. 3- Verificados estão, assim, os requisitos do caso julgado, pelo que bem decidiu o Tribunal a quo, considerando verificada a excepção de caso julgado e/ou autoridade de caso julgado. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir são: a) verifica-se a excepção de caso julgado; b) Foi correcta a condenação do autor como litigante de má-fé; III A decisão recorrida tem o seguinte teor: “Da Excepção Dilatória de CASO JULGADO Conforme referido pelo Autor, sob o artigo 4º da sua Petição Inicial, encontra-se a correr seus termos, no Cartório Notarial ..., do Dr. CC, o Processo de Inventário nº ...18, para partilha dos bens comuns do extinto casal formado por ora Autor e ora Ré. No referido processo de inventário, foi a aqui Ré, ali (no aludido Processo de Inventário) cabeça de casal, notificada pelo Cartório Notarial para recorrer aos meios comuns, a fim de dirimir o diferendo quanto à definição dos bens comuns a partilhar. Em conformidade com o teor de tal notificação, a aqui Ré intentou, contra o aqui Autor, Acção declarativa com processo comum que correu seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz ..., sob o nº 2094/20.3T8BRG. Nessa acção a aí Autora (ora Ré) pedia que o Tribunal reconhecesse que integravam o património comum do extinto casal, formado pela aí Autora (ora Ré) e pelo Réu (ora Autor), entre outros, o seguinte bem: “-O saldo da conta de activos financeiros da Banco 1..., com o n.º ...01, no montante, à data do divórcio, no valor de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros)”. Por Sentença proferida em 13.05.2024 nesses autos (Processo nº 2094/20.3T8BRG), já transitada em julgado em 11/07/2024, foi decidido julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção e, consequentemente, reconhecer (nessa parte integralmente procedente) que integra o património COMUM do extinto casal formado pela aí Autora (ora Ré) e pelo aí Réu (ora Autor), o saldo da conta de activos financeiros da Banco 1..., com o nº ...01, no montante, à data do divórcio, no valor de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros), tudo conforme Sentença junta como doc. nº 1 à Contestação apresentada pela ora Ré sob a Refª ...90. Na presente acção que corre termos neste J... do Juízo Local Cível de Barcelos, o aqui Autor pretende que o Tribunal declare que o saldo de activos financeiros da conta n.º ...01 da Banco 1..., no montante de € 27.000,00, constitui um bem próprio do aqui Autor, ou seja, pretende o aqui Autor que este Tribunal profira sobre a mesma questão uma decisão posterior contrária ao sentido da decisão anterior proferida num outro processo e por um outro Tribunal, decisão/Sentença já transitada em julgado em 11/07/2024. Frise-se que a presente acção foi instaurada em 18/06/2024, ou seja, antes de ocorrer o trânsito em julgado daquela Sentença, o que configurava à data Litispendência, mas é sobretudo revelador da ânsia por parte do ora Autor de obter decisão distinta da já proferida e em relação à qual cumpria, de acordo com os mais elementares princípios da boa fé processual e da cooperação entre as partes e o Tribunal, aguardar pela decisão definitiva a proferir na Acção declarativa com processo comum que correu seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz ..., sob o nº 2094/20.3T8BRG. A excepção do Caso Julgado e/ou de Autoridade de Caso Julgado visa evitar a duplicação de decisões sobre idêntico objecto processual, assim se evitando o risco de a decisão posterior ser contrária ao sentido da decisão anterior. A acção é idêntica a outra, quando há identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigo 581º do Código de Processo Civil). Quanto aos sujeitos, constata-se que nas duas acções, nos presentes autos e no Processo nº 2094/20.3T8BRG, do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz ..., as partes são exactamente as mesmas – a aqui Ré foi Autora naqueles outros autos e o aqui Autor foi Réu naqueles outros autos. Quanto ao pedido e à causa de pedir verifica-se que na presente acção o Autor pretende que o Tribunal declare que o saldo de activos financeiros da conta n.º ...01 da Banco 1..., no montante de € 27.000,00 constitui um bem próprio do aqui Autor, quando o Tribunal já havia decidido, em acção anterior, que esta mesma conta e este mesmo saldo constituem bem COMUM do extinto casal. Estamos, assim, perante uma questão já decidida pelo Tribunal em sede própria, o que configura Caso Julgado e/ou Autoridade de Caso Julgado. Não podemos, assim, no âmbito dos presentes autos repetir tal discussão, uma vez que a mesma já está abrangida pela autoridade do caso julgado - cfr. artigo 580º do Código de Processo Civil (CPC). Assim, como facilmente se intui, a Sentença proferida no Processo nº 2094/20.3T8BRG, do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz ..., apresenta-se indiscutivelmente definitiva e exequível e não é passível de discussão no âmbito dos presentes autos, conforme resulta do citado artigo 729º do CPC. Improcede, assim, a argumentação do Autor vertida no seu Requerimento de exercício do contraditório, sob a Refª ...15. Em suma, é manifesto e evidente que estamos perante uma situação de caso julgado material que impede o conhecimento da questão já amplamente discutida nesse outro Processo, no qual foi proferida Sentença transitada em julgado. Face ao supra exposto, julga-se Procedente a excepção dilatória de Caso Julgado e/ou Autoridade de Caso Julgado. Consequentemente, determina-se a absolvição da Ré da presente instância. Custas pelo incidente a cargo do Autor AA, fixando-se a taxa de justiça nos termos tabelares do Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigos 539º/1, 529º/2 e 607º/6 todos do CPC). Notifique e Registe (artigo 153º/4 do CPC). Em conformidade com o acima exposto e decidido, este Tribunal tem, oficiosamente, de apreciar e aplicar as seguintes normas legais: Artigo 542.º do Código de Processo Civil (CPC) Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé 1- Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2- Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3- Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé. Artigo 543.º do CPC - Conteúdo da indemnização 1- A indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé. 2- O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa. 3- Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte. 4- Os honorários são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado. Face ao supra exposto e nomeadamente à procedência da excepção de Caso Julgado e/ou Autoridade de Caso Julgado, não há dúvidas de que o Autor litiga conscientemente contra a verdade dos factos que bem conhece e vem alegar factos cuja falta de fundamento não podia desconhecer nem desconhece. Por conseguinte, este Tribunal decide CONDENAR o Autor, AA, como litigante de má-fé, pelos danos materiais ou patrimoniais e morais ou não patrimoniais causados à Ré BB, em MULTA processual civil a pagar ao Tribunal no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros)”. IV Conhecendo do recurso. É tão óbvia a falta de razão do recorrente quanto ao caso julgado que nos apetece dizer apenas que damos por reproduzida a decisão recorrida, mantendo-a nos seus exactos termos. Porém, o dever de ofício e as inúmeras arguições de nulidades que infestam o tecido processual civil, obrigam-nos a dizer algo mais. Mas não muito mais. Ensinava Alberto dos Reis, in CPC anotado, anotação ao art. 672º, que “com o trânsito da sentença em julgado, facto processual definido no § único do art. 677º, produz-se este fenómeno: a formação do caso julgado. O art. 671º propõe-se determinar a autoridade e o valor desta formação”. E determina-os assim: “a decisão proferida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele”. O conceito de caso julgado emerge actualmente dos arts. 580º e 581º CPC. No primeiro pode ler-se que “1 - As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2 - Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”. E o art. 581º dispõe que: “1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico…”. A melhor ajuda para aplicar devidamente este regime aos casos concretos pode vir do art. 580º CPC: depois de, no nº 1, explicar em que consistem as excepções de litispendência e de caso julgado, o nº 2 põe o dedo na ferida: “tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”. Essa aferição só pode ser feita em concreto, num raciocínio circular e concêntrico que parta dos factos concretos para cada um dos requisitos abstractos da existência do caso julgado (mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir), e destes para a visão de conjunto que permita perceber se poderemos estar a contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. E chega de conceitos abstractos: vamos terminar descendo ao terreno da realidade. No âmbito de uma partilha após divórcio entre autor e ré a ora ré começou por intentar uma acção contra o ora autor na qual pedia que o Tribunal reconhecesse que o saldo da conta de activos financeiros da Banco 1..., com o n.º ...01, no montante, à data do divórcio, no valor de €27.000,00” integrava o património comum do casal. E o Tribunal deu-lhe razão, pelo que por sentença proferida em 13.05.2024 foi declarado que o referido bem integra o património comum do extinto casal. Esta sentença foi proferida em 13.05.2024 e transitou em julgado em 11.7.2024, porque o réu dela não interpôs recurso. O que ele fez foi, em 18/06/2024, vir intentar a presente acção, na qual pede que o Tribunal declare que o mesmo exacto bem (saldo de activos financeiros da conta n.º ...01 da Banco 1..., no montante de €27.000,00) constitui um bem próprio seu. Até hoje, não encontrámos um caso mais flagrante de repetição da mesma acção, com os mesmos sujeitos, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir do que este. Depois de por sentença ter sido declarado que aquela conta bancária integrava o património comum do dissolvido casal, o réu nessa acção veio “a correr” instaurar outra acção contra a sua ex-mulher na qual pede que o Tribunal declare que a referida conta bancária é bem próprio dele. É verdade que quando a presente acção foi instaurada ainda não tinha transitado em julgado a sentença proferida na primeira acção, e aí, estaríamos perante um caso de litispendência, cujo resultado seria o mesmo, a absolvição da ré da instância. Mas quando a questão foi conhecida, por ter sido arguida na contestação pela ré, já a primeira sentença estava transitada em julgado. E por isso a sentença recorrida não merece a menor censura, sendo de confirmar na íntegra. Não podemos deixar de dizer que a leitura das alegações de recurso é um exercício fascinante, pois partindo da realidade que acabámos de descrever, o recorrente cobre-a de um rendilhado de palavras e conceitos técnico-jurídicos de tal maneira intrincado que um leitor menos atento quase poderia ficar convencido que lhe assiste razão. Só assim é possível entender que o recorrente tenha tentado afirmar que não são as mesmas as partes processuais (quando nas duas acções as partes são sempre ele e a sua ex-esposa), que não é o mesmo o pedido formulado nas duas acções (quando é evidente que nas duas acções é o mesmo o efeito jurídico pretendido, saber se aquele bem em concreto era bem comum do casal ou bem próprio do ora recorrente), e que não é a mesma a causa de pedir. Quanto a este último requisito, afirma o recorrente que na presente acção “invoca novos factos – concretamente, movimentações bancárias efectuadas pela Ré e o subsequente enriquecimento sem causa –que consubstanciam uma relação material distinta e autónoma”, o que nos diz que o recorrente se esqueceu completamente, ou pelo menos decidiu ignorar, o princípio da concentração de todos os meios de defesa na contestação (art. 573º,1 CPC). Ou seja, se tinha mais provas e mais argumentos para utilizar, devia tê-los utilizado quando apresentou a sua contestação na primeira acção. Não agora, intentado uma nova acção, ignorando olimpicamente a sentença já transitada em julgado. A questão da litigância de má-fé O recorrente vem afirmar, entre outras coisas, que a condenação em litigância de má-fé foi proferida sem prévia audição do Autor/Recorrente, em violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3º,3 CPC, o que gera uma nulidade. Efectivamente, o Tribunal recorrido proferiu a decisão que condenou o ora autor como litigante de má-fé sem previamente lhe ter dado a oportunidade de se pronunciar sobre essa condenação. Ora, como refere a sentença recorrida, a questão da litigância de má-fé pode e deve sempre ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal (art. 542º,1 CPC). O julgamento sobre a litigância de má-fé não carece de prova suplementar: antes, é o único momento processual em que o Julgador não precisa que as partes lhe tragam os factos necessários para decidir, porque já tem todos de que precisa. Ao contrário do litígio que deu origem aos autos, que é uma realidade extra-processual, o incidente da litigância de má-fé nasce e desenvolve-se todo ele dentro do processo. Fazendo um paralelismo com o jogo de xadrez, podemos dizer que as jogadas feitas pelas duas partes foram feitas perante a observação directa do julgador, e ficaram devidamente registadas e gravadas. Conhecendo as regras do jogo, seja do xadrez, seja do processo civil, para nós não faz sentido estar a perguntar a uma das partes se violou essas regras, quando tudo se passou perante o olhar do julgador e este tem toda a informação que precisa para decidir. Ou seja, a conduta processual das partes está exposta nos autos, de forma definitiva e imutável. Nada há a acrescentar, a alterar, a explicar, e muito menos a rectificar; nada mais há a dizer, não há prova a produzir. Apenas resta analisar e aplicar a lei. Dar a palavra à parte sob suspeita de ter litigado de má-fé, para que se pronuncie sobre essa questão, é um procedimento que à primeira vista não parece fazer muito sentido, pois trata-se de pôr a parte a opinar em causa própria; o julgamento da actuação processual de má-fé é, pela sua natureza, um “hetero-julgamento”. Não pode ser o próprio a analisar e qualificar, e, já agora, branquear, a sua própria conduta. Ou, dito de outra forma, fazer essa pergunta à parte sob suspeita afigura-se ser um acto inútil, pois por definição a parte irá tentar explicar que não litigou de má-fé. Acresce que poderia sempre dizer-se que estar a abrir nesta fase um incidente processual para dar à parte prazo para se vir pronunciar sobre a convicção do Julgador de que ela litigou de má-fé, quando ela vai poder, se assim o entender, impugnar essa decisão perante o Supremo Tribunal de Justiça (art. 542º,3 CPC), seria a prática de um acto absolutamente inútil. Que é proibido pelo art. 130º CPC. E existe Jurisprudência do STJ neste sentido: veja-se, por exemplo, o Acórdão de 22.5.2001 (Relator – Tomé de Carvalho), onde se pode ler: “Não existe preterição absoluta do princípio do contraditório, estatuído no artigo 3º, do C.P.C., quando a condenação do recorrente, como litigante de má-fé, foi pedida pelo recorrido na sua contra-alegação, não sendo, assim e portanto, aquele, surpreendido com tal decisão”. Não obstante estas considerações que entendemos dever deixar consignadas, o certo é que a Jurisprudência dominante do STJ e do Tribunal Constitucional entende que o cumprimento estrito do princípio do contraditório impõe que se dê a oportunidade à parte para dizer se litigou ou não de má-fé, antes do próprio tribunal decidir tal questão (Acórdão Trib. Const. nº 498/2011 e anotação 8 ao art. 542º no CPC anotado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa). Assim, e seguindo a contragosto essa jurisprudência dominante, temos de reconhecer que foi violado o contraditório, ao condenar o autor como litigante de má-fé sem primeiro lhe ser dada a oportunidade de dizer se litigou ou não de má-fé. Sumário: … V- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso parcialmente procedente, e em consequência: a) confirma integralmente a decisão de absolvição da ré da instância por se verificar caso julgado; b) revoga a condenação do autor como litigante de má-fé, devendo o mesmo ser notificado para se pronunciar sobre uma eventual condenação como litigante de má-fé, só depois sendo proferida a decisão. Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC), porque vencido na questão central, sendo que a ré não contra-alegou sobre a questão da litigância de má-fé. Data: 16.10.2025 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Paulo Reis) 2º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida) |