Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
986/11.0TABRG.G2
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÂMBITO DO RECURSO
CONCLUSÕES
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/31/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A matéria que não consta dos factos «provados» e «não provados» não pode ser objeto de impugnação em recurso interposto para a relação.
II – Sendo as conclusões que delimitam o âmbito do recurso, não devem ser conhecidas as questões que não constem delas, apesar de suscitadas no corpo da motivação.
III – Não deve beneficiar do regime especial para jovens adultos (Dec.-Lei 401/82 de 23-9) o arguido que, tendo embora 20 anos na data dos factos e sem antecedentes criminais, cometeu um crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pela morte da vítima, que não procurou informar-se sobre o estado desta no período de tempo que mediou até à morte, nunca contactou com os seus familiares, nem revelou, nomeadamente no julgamento, ter interiorizado o desvalor da sua conduta e respetivas consequências.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Keven A... foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada agravado pelo resultado, p. e p. pelo disposto nos artigos 144º, alínea d), 145º, nºs 1, alínea b) e 2 e 147º, nº1, todos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão.

Inconformado recorre o mesmo, suscitando, em síntese, as seguintes questões:

- impugnação da matéria de facto;

- qualificação jurídica dos factos;

- aplicabilidade do regime especial para jovens e

- medida da pena e respectiva suspensão.

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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

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II- Fundamentação

A) Factos provados

1. No dia 9 de Abril de 2011, o arguido Keven, juntamente com dois colegas da Faculdade, um dos quais o Célder F..., depois de terem estado a fazer um trabalho de grupo para a Faculdade, dirigiram-se ao “B... Bar” sito na Rua P..., em Braga, onde se encontraram com outros cabo-verdianos e ingeriram bebidas alcoólicas.

2. Cerca das 4h30m da madrugada, dirigiram-se para a “Roullote do X... Bifanas” que se encontrava aparcada no largo do antigo mercado abastecedor de Braga, junto à rotunda das piscinas desta cidade.

3. Quando aí chegaram, já embriagados, o arguido Keven começou a discutir, de forma exaltada, com alguns dos cabo-verdianos que faziam parte do grupo que o acompanhava, tendo inclusive agarrado numa pedra do chão, em gesto de exaltação, mas veio a lançá-la ao chão.

4. Depois de ter sido interpelado pelos seus amigos, a pedido do proprietário da roulotte, para evitar com tal comportamento, acabou por também se dirigir contra os mesmos, insultando-os.

5. Por causa do mal-estar e confusão que o arguido causou, e tendo em vista evitar as suas investidas, alguns dos cabo-verdianos que faziam parte do grupo, nomeadamente o Eloi S... e os seus primos Péricles M... e Cleide M..., optaram por abandonar o local e recolher a suas casas, tendo seguido em direcção à rotunda das piscinas.

6. Logo atrás e na mesma direcção seguia o Keven e um grupo de amigos.

7. Na rotunda que dá acesso ao B..., o Eloi S... foi abordado por António P..., nascido em 14/12/1950, filho de José P... e de Engrácia L..., também conhecido pela alcunha de “L...”, que lhe pediu um isqueiro, ao que aquele acedeu, após o que começaram a conversar.

8. O arguido Keven, ao passar pelo local onde o Eloi e o “L...” se encontravam a conversar, e ao invés de prosseguir a sua marcha com os amigos, sem que nada o fizesse prever e sem nada dizer, dirigiu-se ao “L...”, arrancou-lhe os óculos de sol que este trazia colocados na cabeça e atirou-os para o chão, partindo-os, sem qualquer motivo e sem que a vítima tivesse reagido.

9. Depois de o Eloi ter ajudado o “L...” a apanhar os óculos partidos, o arguido, que entretanto se afastara alguns metros, repentinamente e de forma inesperada, também sem proferir qualquer expressão, correu na direcção do António P... e, quando se aproximou dele a correr, deu um salto, projectou a perna e desferiu um pontapé contra o peito deste.

10. Mercê do impacto, o António P... foi projectado de forma abrupta e desamparada para o solo, caindo de costas e embatendo violentamente com a cabeça no asfalto, na sequência do que ficou inanimado e sem dar acordo de si, a sangrar pelo ouvido do lado esquerdo e pela parte posterior da cabeça.

11. O arguido aproximou-se e efectuou um movimento com um dos pés próximo da face dele sem que o tivesse atingido.

12. Em consequência da conduta do arguido e, concretamente, do embate da cabeça no chão ocasionado pela queda sofrida, o António P... sofreu as lesões melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia médico-legal junto a fls. 169 a 178 dos autos – cujo teor damos aqui por integralmente reproduzido, designadamente:

a) ao nível do hábito externo: equimose na cabeça na região periorbitária à esquerda de tonalidade amarelo-esverdeada e otorragia à esquerda; duas equimoses de tonalidade esverdeada no tórax, uma na região paraesternal direita com um e meio por dois centímetros de maiores dimensões e outra na região paraesternal esquerda, com três e meio por dois centímetros de maiores dimensões.

b) ao nível do hábito interno: na cabeça: infiltração hemorrágica do couro cabeludo e aponevrose epicraniana nas regiões frontal, temporal e parietal esquerdas, bem como do músculo temporal homolateral; edema exuberante global do couro cabeludo e aponevrose epicraniana; traço de fractura com infiltração sanguínea dos bordos ósseos, linear e oblíquo no sentido antesposterior, estendendo-se pela região parietal à direita, com oito centímetros de comprimento; traço de fractura com infiltração sanguínea dos bordos ósseos, irregular, estendendo-se desde a porção petrosa do osso temporal esquerdo até ao occipital, sobre a linha média, com treze centímetros de comprimento; infiltração sanguínea difusa da dura-máter sobre o hemisfério esquerdo, sendo no hemisfério direito mais evidente sobre as regiões frontal e parietal; hemorragia subdural frontal bilateral, temporal esquerda e em toda a base do encéfalo; hemorragia sub-aracnoideia, em toalha, sobre toda a superfície de ambos os hemisférios; protrusão do tecido encefálico através da janela óssea, compatível com aumento da pressão intracrania; destruição extensa do tecido encefálico (córtex e substância branca) nos lobos temporal e parietal esquerdos; parênquima globalmente congestivo e muito edemaciado, com apagamento acentuado dos sulcos e achatamento das circunvoluções; áreas de contusão cortical em ambos os lados frontais e parietais, face lateral do lobo temporal esquerdo e base do direito; hemorragia intraparenquitamosa no lobo frontal direito; hemorragia tetraventricular. E ao nível do tórax: - ao nível da pleura parietal e cavidade pleural direita: derrame pleural de cinquenta milímetros, de tonalidade amarela citrina; ao nível da pleura parietal e cavidade pleural esquerda: derrame pleural de cinquenta milímetros, de tonalidade amarela citrina; aderências fibrinosas pleuro-parietais e pleuro diafragmáticas.

13. A morte de António P... ocorreu no dia 12 de Abril de 2011, pelas 22h40m, após internamento hospitalar em mau estado geral, resultado das múltiplas lesões traumáticas crâniomeningoencefálicas descritas, que foram causa directa e necessária da mesma, resultantes de violento traumatismo de natureza contundente decorrente da agressão de que foi vítima.

14. Aquando dos factos o arguido tinha 20 anos, 1,88m de altura e 89 Kgs de peso enquanto que o “L...” tinha 60 anos, 1,57m de altura e 80 Kg de peso, o que era aparentado pela vítima e o arguido não podia ignorar.

15. O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do António P..., nas circunstâncias descritas, sem que para tal a vítima tivesse contribuído, bem sabendo que tal não lhe era permitido ou consentido.

16. Sabia o arguido que ao agredir o António P... daquela maneira brutal, surpresa e absolutamente injustificada, na parte do corpo que procurou atingir, o iria projectar no solo de forma desamparada e que a violência do impacto e da queda poderiam originar lesões em órgãos vitais, como veio a suceder, e que desse modo colocava em perigo a vida dele, cuja morte representou como possível, embora confiando que a mesma não sobreviria, como efectivamente sobreveio, em consequência da agressão por si produzida.

17. Agiu sempre o arguido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punível por lei penal e ainda assim não se absteve de a empreender.

18. Aquando dos factos, o arguido encontrava-se perturbado por assunto relacionado com a gravidez da namorada.

19. No dia 9 de Abril de 2011 deslocou-se para Lisboa, onde permaneceu até ao dia 15 desse mês, dia em que regressou a Braga depois de ter sido contactado telefonicamente por um agente da PJ.

20. Durante o período que esteve em Lisboa não procurou saber em que estado estava a vítima.

21. Nunca contactou com familiares da vítima.

22. Foi criado pelo pai e pela madrasta, tem três irmãos e mantém contactos telefónicos com a mãe que reside há vários anos na Holanda.

23. O seu pai tem um armazém de comércio e importação de bens alimentares e de construção civil.

24. Frequentou o ensino em Cabo Verde até ao 12º ano de escolaridade e nos tempos livres ajudava o pai no estabelecimento comercial.

25. À data dos factos frequentava o 1º ano da licenciatura em “Tecnologias de Informação e Comunicação” da Universidade Católica de Braga.

26. Actualmente frequenta o 2º ano do mesmo curso, com aproveitamento e adequada integração no meio académico, cujos encargos são assumidos pelo pai.

27. É descrito pelos professores como calmo e responsável.

28. Dispõe de uma mesada de € 250,00 com a qual paga a renda partilhada do apartamento no montante de € 81,00 e € 40,00 de água, luz e gás.

29. Durante as manhãs frequenta as aulas e de tarde fica a cuidar da filha com seis meses, cujo nascimento não foi programado e resultou do relacionamento afectivo com uma colega universitária da mesma nacionalidade.

30. Aprecia a prática desportiva e joga habitualmente futebol com amigos e colegas.

31. Mantém contactos regulares e assíduos com os familiares que residem em Cabo Verde.

32. Não tem antecedentes criminais.

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B) Factos Não Provados

1. Na “Roullote do X... Bifanas” o arguido perturbou os clientes que se encontravam junto à roullote, dirigindo-lhes palavras insultuosas e provocadoras, colocou-se em frente dos mesmos, numa postura ameaçadora, procurando causar desacatos com eles.

2. O arguido desferiu o pontapé quando o Eloi se afastava com o L....

3. O arguido tinha conhecimentos de artes marciais.

4. Agiu com o intuito de demonstrar a sua força e superioridade física.

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C) Motivação de Facto

Os factos provados relativos ao comportamento do arguido no “B... Bar” decorreram dos depoimentos das testemunhas Péricles M..., Célder F... e Carlos S... (“Z...”).

As testemunhas Péricles M... e Carlos S... afirmaram terem-se encontrado com o arguido no “B... Bar” e o Célder afirmou ter ido com o arguido para o Bar depois de terem estado na casa do Adilson a fazer um trabalho para a Faculdade, onde o arguido bebeu “shots” e cervejas que o deixaram embriagado, permaneceu em pé e, segundo o Carlos S... e o Célder, dirigiu-se para a roulotte pelo próprio pé, soZ..., sem tropeçar nem cair.

Os factos provados relativos ao comportamento do arguido junto da roulotte decorreram dos depoimentos das testemunhas João G..., encontrava-se na roulotte entre as 4h e as 4h15m depois de ter trabalhado na recolha do lixo, que afirmou encontrar-se em tal local um grupo de indivíduos de cor que estavam chateados entre eles, após o que saíram em direcção ao B... e depois alguém se aproximou da roulotte e disse que tinham feito mal ao “L...”, na sequência do que a testemunha se aproximou do local onde o viu deitado inanimado, na estrada junto ao passeio e aí também se encontravam indivíduos de cor a falar com a autoridade policial.

A tal respeito a testemunha José F..., proprietário da roulotte, descreveu o comportamento agressivo do arguido que estava completamente alterado e, por pretender agredir um colega do grupo de cabo-verdianos, agarrou numa pedra que atirou para o chão, pelo que, para evitar problemas, pediu a colegas do arguido (Milton e João P...) para o acalmarem e saírem do local, o que acataram pelo que foram em direcção ao B..., para onde também se dirigiu o arguido pelos próprios meios e sem qualquer ajuda.

As testemunhas Milton e Eloi confirmaram o comportamento agressivo do arguido que motivou que o dono da roulotte tivesse pedido ao Milton para falar com o arguido e saírem do local.

A tal respeito a testemunha José E... descreveu o comportamento do arguido que classificou de provocatório (falava alto, em crioulo e encostava a cara ao colega com quem gritava) e agressivo para com os colegas que estavam cabisbaixos, alguns dos quais o retiram do local depois de o proprietário da roulotte ter falado com eles nesse sentido.

Os factos provados relativos à agressão decorreram dos depoimentos das testemunhas José F..., Éloi S... e José E... que depuseram de forma isenta e credível, coincidentes nos aspectos mais relevantes do sucedido.

Com efeito, a testemunha José F... afirmou que, quando se encontrava no exterior da roulotte a limpar o balcão, viu o “L...” a aproximar-se, após o que se aproximou do Eloi que lhe deu lume e o Keven, que já havia passado por eles, voltou para trás e desferiu um pontapé no “L...” que foi projectado para o solo, após o que tentou agredir o José E... que estava a aproximar-se do “L...” e do Eloi.

A testemunha Eloi afirmou que depois de ter saído do recinto da roulotte, com os primos Péricles e Cleide, foi abordado pelo “L...” que lhe pediu um isqueiro e, quando estavam a conversar, tendo os primos seguido e parado mais à frente à sua espera, aproximou-se o arguido que, sem nada dizer, tirou os óculos de sol que a vítima tinha na cabeça e atirou-os ao chão, partindo-os. A testemunha empurrou o arguido, questionou-o sobre o que estava a fazer, pediu desculpa pelo sucedido ao “L...” e ajudou-o a apanhar os óculos.

As testemunhas Eloi e José E... descreveram de forma coincidente o que sucedeu posteriormente, nomeadamente o facto de o arguido, depois de se ter afastado, ter surgido a correr e ter desferido um pontapé no “L...” que caiu de costas e desamparado no chão.

Apesar de o nome da testemunha José E... não constar do auto de notícia, a testemunha Eloi afirmou que foi a primeira pessoa que surgiu no local, cuja presença no local também foi confirmada pela testemunha Milton.

A testemunha Manuel R..., agente da PSP que elaborou o auto de notícia, confirmou a presença no local de outras pessoas para além das que constam do auto, tendo sido estas que identificaram o agressor.

A testemunha José E... depôs de forma isenta e coerente tendo afirmado que depois de o arguido ter desferido o pontapé no “L...” foi em direcção da testemunha, que se esquiva e diz-lhe “mataste o homem” (frase esta que a testemunha Eloi afirmou ter ouvido embora desconheça quem a proferiu), após o que o arguido passa pela vítima, já estendida no solo, e faz um movimento com um dos pés próximo da face dela, versão esta que não foi contrariada pelo depoimento da testemunha Eloi que confirmou o facto de o arguido ter voltado para trás na direcção do José E... mas desconhece, por não ter visto, o que foi fazer.

Acrescentou o José E... que o arguido não estava agarrado por ninguém e, após o sucedido, os amigos tentaram retirá-lo do local - e não ampará-lo por ele não se segurar -, tendo a testemunha Eloi afirmado que o arguido foi levado pelo “Z...” (Carlos S...).

Não obstam ao exposto as declarações do arguido nem os depoimentos das testemunhas Péricles M..., Célder F..., Milton M... e Carlos S....

Com efeito, o arguido, apesar de ter afirmado não se recordar do sucedido nem de ter ido do “B... Bar” para a roulotte nem de aí ter estado, admitiu como possível a prática dos factos que lhe são imputados por os seus amigos Célder e Adilson lhe terem transmitido, quando acordou, que nessa noite havia desferido um pontapé a um senhor que, por ter caído na sequência do mesmo, tinha ficado a sangrar.

Acrescentou que, por ter ficado com medo, foi nesse mesmo dia para Lisboa, onde vive um tio que é servente da construção civil, com o qual se queria aconselhar, e aí permaneceu até ao dia anterior ao interrogatório judicial pois regressou a Braga depois de ter recebido um telefonema dum agente da Polícia Judiciária, com o qual se encontrou nesse mesmo dia no B....

A testemunha Péricles M... afirmou nada ter visto por se encontrar de costas para o local, na companhia da irmã, do outro lado a estrada a aguardar pelo Elói.

A testemunha Célder afirmou ter sido o primeiro a sair da roulotte em direcção a casa com o Adilson às costas, o qual estava muito embriagado, pelo que apenas ouviu barulho e viu o pessoal a dispersar, deixou o Adilson encostado a uma parede e aproximou-se do Keven, encontrando-se a vítima deitada no solo.

A testemunha Milton afirmou ter-se dirigido para casa com o Adilson que havia sido deixado pelo Célder e quando olhou para trás viu os colegas a dispersarem e a vítima deitada no solo, tendo-lhe sido transmitido pelo Elói que a vítima tinha caído por o Keven o ter atingido com um pontapé.

A testemunha Carlos S... afirmou ter visto a vítima deitada no solo, o Elói por cima dele e o Keven caído a 1m/1,5m deles pelo que levou o Keven para casa, ficando sem saber, nessa ocasião o que tinha acontecido nem quem tinha agredido a vítima.

Por outro lado, apesar de o arguido ter afirmado que no período em que permaneceu em Lisboa telefonou ao Célder para saber o estado da vítima, não lhe tendo sido transmitido o óbito da mesma, tal foi contrariado pela testemunha Célder que começou por dizer que, nesse período, não foi contactado pelo arguido, acabando por afirmar o contrário apenas na sequência de o tribunal lhe ter transmitido o que havia sido dito, a tal respeito, pelo arguido, pelo que, atenta a sequência mencionada, o tribunal ficou convencido que tal contacto do arguido não se verificou.

A versão apresentada pelo arguido de que não se recorda do sucedido, devido ao estado de embriaguez, alegadamente provocador de amnésia, em que se encontrava, mas aceita a prática dos factos por tal lhe ter sido transmitido pelos amigos, não se nos afigura sincera por o alegado estado de embriaguez não se mostrar sustentado no seu comportamento quer anterior quer posterior à agressão (todas as testemunhas inquiridas confirmaram que o seu discurso era fluído, lógico e consistente, centrado nas preocupações com a gravidez da namorada, deslocou-se pelo próprio pé - esta última contrariada pela testemunha Z... que afirmou ter “pegado” no Keven que estava caído e o levado para sua casa por não estar em condições, o que não mereceu a credibilidade do tribunal por a alegada falta de condições ter sido pontual e injustificada pois até chegar àquele local tal não se verificava).

O facto de o arguido ter admitido que se ausentou na manhã do próprio dia para Lisboa e aí permaneceu até ter sido localizado por um agente da PJ também demonstra o seu conhecimento e consciência da ilicitude dos actos praticados.

O facto de o arguido nunca ter contactado familiares da vítima foi confirmado pela testemunha Carla F..., filha da vítima.

Quanto às lesões sofridas pela vítima e suas consequências, o tribunal considerou o teor dos relatórios de autópsia e de anatomia patológica forense de fls. 169 a 179, cópia do certificado de óbito de fls. 3, boletim de informação clínica e/ou circunstancial de fls. 4, relato de diligência externa de fls. 26 a 33, relatório de leitura de telemóvel de fls. 55 a 57 e fotografias de fls. 112 e 113.

Os factos não provados decorreram da ausência de prova a tal respeito.

No que concerne aos antecedentes criminais do arguido baseou-se o tribunal no teor do CRC juntos aos autos e quanto à situação pessoal o teor do relatório social junto aos autos e os depoimentos das testemunhas Drs. José M... e Salvador M..., Professor do arguido e Assessor do Presidente na área das relações internacionais respectivamente, que o descreveram como estudante aplicado, integrado no ambiente académico e responsável.

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Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões desenvolvidas no corpo da motivação que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º., nº. 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995).

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Apreciando

1- Impugnação da matéria de facto

Invoca o recorrente que terá sido mal julgada a matéria de facto, pretendendo que o tribunal de recurso sindique a forma como o tribunal de primeira instância apreciou a prova produzida em audiência, mas, para tanto, haveria de ter dado adequado cumprimento ao disposto no art. 412º., nºs. 3 e 4 CPP, o que não se mostra correctamente efectuado.

É que ao contrário do que por vezes se pensa, o recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um "novo julgamento" da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico.

Como várias vezes salientou o Prof. Germano Marques da Silva, presidente da Comissão para a Reforma do Código de Processo Penal:

- “… o recurso é um remédio para os erros, não um novo julgamento” (conferência parlamentar sobre a revisão do Código de Processo Penal, in Assembleia da República, Código de Processo Penal, vol. II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65);

- “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” (Forum Justitiae, Maio/99);

- “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida.” (Registo da prova em Processo Penal. Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001).

Da mesma forma, na jurisprudência pode ler-se, por exemplo, no Ac. do STJ de 24/10/2002, proferido no pr. 2124/02: “… o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412º, nº 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (nº 4 do art.º 412º do C.P.P.)”.

Ou no acórdão do STJ de 15-12-2005 (pr. 2.951/05, relatado pelo conselheiro Simas Santos), “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”.

Ou, finalmente, no recente Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012:

“… Pede -se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo…

O Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado que o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando -se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros…

Como se refere no acórdão de 27 de Janeiro de 2009, processo n.º 3978/08 -3.ª «O julgamento efectuado pela Relação é de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas, confinadamente a pontos específicos, concretamente indicados, não valendo uma impugnação genérica, repousando em considerações mais ou menos alargadas ou simplesmente abrangentes da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais fazem das provas e do resultado a que devam chegar» …”.

Por conseguinte, o recurso em matéria de facto, destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida em primeira instância em pontos concretos e determinados. Tem como finalidade a reapreciação de “questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (cfr. designadamente o art. 410º., nº.1 do CPP).

Daí que o legislador tenha estabelecido um específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso nesta matéria, dispondo o art. 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal:

«Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.»

Acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que:

“Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.

Impunha-se ao recorrente, em vista disso, para que do recurso pudesse retirar alguma utilidade que impugnasse devidamente a matéria de facto, cumprindo adequadamente o constante dos nºs 3 e 4 do art. 412º. CPP.

E é sabido que ao cumprimento de tal desiderato não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação mais ou menos genérica do que possam ter dito, atacar a motivação do tribunal a quo ou a respectiva convicção ou, muito menos, propor um outro julgamento distinto do primitivo com indicação de distinta factologia decorrente da leitura pessoal, unilateralista e interessada que os sujeitos processuais possam fazer da globalidade das provas (tal qual ocorre no presente caso), devendo antes precisar-se, antes de mais, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise (dizendo o recorrente, por exemplo, que pretende impugnar os pontos 7 e 8 dos factos provados ou as als. a) e c) dos não provados), indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4. Assim, por exemplo, o recorrente poderá indicar que o afirmado se reporta à passagem do depoimento da testemunha A que vai do minuto 3º. ao 6º. da gravação efectuada em CD pelo Tribunal.

Revertendo ao recurso em apreciação, resulta manifesto que o recorrente assim não procedeu, já que começa por propor que seja acrescentado um item aos factos provados, dando como assente que o arguido se encontrava em estado de embriaguez total, acidental e fortuita, requerendo, ao fim e ao cabo, um novo julgamento nesta Relação, no tocante a tal matéria, com distinta base factual.

Ou seja, o recorrente não entendeu que o recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um "novo julgamento" da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico para deficiências factuais circunscritas, violando o entendimento uniforme que doutrina e jurisprudência retiram dos dispositivos legais aplicáveis, tal qual explanámos acima.

A proposta de um distinto julgamento com vista à comprovação de matéria de facto que não consta do elenco dos factos provados e não provados da peça recorrida não pode manifestamente ser objecto de apreciação deste Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto, tal qual tem vindo a ser entendido por doutrina e jurisprudência, na decorrência aliás do próprio teor do nº3 do art. 412º CPP.

Ensina, a propósito, Paulo Pinto de Albuquerque Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, nota 7 ao art. 412º. CPP

que “A especificação dos "concretos pontos de facto" só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado”.

No mesmo sentido se pronunciou, por exemplo, o Ac. STJ de 21-3-2012, pr. 130/10.0 JAFAR.F1.S1, rel. Armindo Monteiro, no qual se escreveu:

“I- O processo não é um palco onde, sem qualquer limite temporal, se podem praticar quaisquer actos, e a esmo, sem submissão a regras ou limites, sob pena de se afectar o encadeamento lógico em que se traduz, em ordem a atingir-se um objectivo final pré definido.

II- A função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas.

VIII- Quando, então, impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva interessada, não equidistante, com o devido respeito, em relação àquilo que o tribunal tem para si como sendo a boa solução de facto, entende que devia ser provada. Por isso, segundo os termos da lei, a impugnação é restrita à “decisão proferida”, e realmente prolatada, e não a qualquer realidade virtual, de sobreposição da sua convicção probatória, pessoal, intimista e subjectiva, à convicção desinteressada formada pelo tribunal.

IX- Por força da natureza do recurso da matéria de facto para a Relação, que não é um novo julgamento, um julgamento repetível in totum, mas um julgamento parcial assim estruturado de acordo com a vontade do legislador ordinário, dentro da órbita de poderes de configuração que o constitucional lhe confere.

X- A garantia de um duplo grau de jurisdição de recurso em sede de matéria de facto não é a repetição por inteiro das audiências, o que se harmoniza inteiramente com o princípio de que não está consagrado no nosso direito um direito ilimitado ao recurso”.

Ou o Ac. Rel. Guimarães de 4-3-2013, pr. 746/11.8 PBGMR.G1, rel. Ana T Silva, onde pode ler-se: “Simultaneamente, é facto que não consta do elenco dos Factos Provados e Não Provados da decisão recorrida; pelo que não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto”.

No mesmo sentido, cfr. ainda, por exemplo, o Ac. Rel. Guimarães de 1-7-2013, pr. 793/10.7 GAPTL.G1, rel. António Condesso.

Aliás, também o Tribunal Constitucional se pronunciou já sobre esta questão, não julgando “inconstitucionais as normas dos artigos 410º, nº1, 412º, nº3, e 428º, conjugados com os artigos 339º, nº4, 368º, nº2, e 374º, nº2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objecto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objecto de prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida”. (vd. Ac. TC nº. 312/2012, in DR, II série, de 7-1-2013).

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Por outro lado, conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º., nº. 2, do mesmo diploma (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995).

Sendo pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de que «… se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». Vd., por todos, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª. ed., 2000, pág. 335.

Daí que não cumpra conhecer da matéria relativa à pretensão de que sejam retiradas as expressões de forma exaltada, que se dirigiu aos colegas insultando-os e que estes colegas se retiraram tendo em vista evitar as suas investidas, constantes dos pontos 3 a 5 dos factos apurados, acerca das quais nada consta das conclusões do recurso.

Não obstante sempre se dirá resultar patente que os parcos extractos dos depoimentos seleccionados das testemunhas Péricles M... e Carlos S... a tal propósito, jamais permitiriam conduzir ao fim preconizado, estando bem longe de colocar em crise o julgamento efectuado que, em tal sede, se estribou - tal qual resulta claro da motivação de facto - nos depoimentos de bem distintas testemunhas José F..., Milton, Eloi e José E....

Não seriam seguramente estas as provas que imporiam decisão diversa a que alude a lei no art. 412, nº3, al. b) CPP. Não basta para o efeito, naturalmente, a referência descontextualizada a uma qualquer parcela de um depoimento e muito menos de testemunhas que nem sequer foram decisivas para a formação da convicção do Tribunal sobre determinada matéria, não se colocando sequer em crise por qualquer forma a peça de que se recorre.

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Pretende também o recorrente de forma ilógica e atentatória desde logo das regras da experiência (perante os resultados verificados na falecida vítima e o constante do ponto 9) que seja eliminada do ponto 10 a expressão de que o ofendido foi projectado, já que entende na sequência da sua visão unilateral e interessada, estribada no depoimento de uma particular testemunha e ignorante das regras da física e da análise objectiva dos resultados do pontapé desferido pelo arguido no peito da falecida vítima, que o corpo desta teria caído somente alguns centímetros atrás.

Ignora de novo, além do mais, os depoimentos de José Ferreira e José E... a que a peça recorrida se reporta na respectiva motivação.

Tão pouco constitui o alegado a prova que imporia distinta solução no caso, até porque o facto da vítima ser projectada 60 cms, 80, 1 ou 2 metros torna-se praticamente irrelevante para a plena percepção e enquadramento do ocorrido perante a detalhada descrição constante nos pontos 9 e 10 que, a propósito, se recordam:

“9. Depois de o Eloi ter ajudado o “L...” a apanhar os óculos partidos, o arguido, que entretanto se afastara alguns metros, repentinamente e de forma inesperada, também sem proferir qualquer expressão, correu na direcção do António P... e, quando se aproximou dele a correr, deu um salto, projectou a perna e desferiu um pontapé contra o peito deste.

10. Mercê do impacto, o António P... foi projectado de forma abrupta e desamparada para o solo, caindo de costas e embatendo violentamente com a cabeça no asfalto, na sequência do que ficou inanimado e sem dar acordo de si, a sangrar pelo ouvido do lado esquerdo e pela parte posterior da cabeça”.

Nesta sede pretende, finalmente, o recorrente que seja retirado o constante do ponto 11 dos factos provados. Estriba-se para o efeito em exclusivo no depoimento da testemunha Eloi quando o Tribunal fundou a sua convicção no depoimento de José E... tal qual resulta claro do extracto que se relembra:

“A testemunha José E... depôs de forma isenta e coerente tendo afirmado que depois de o arguido ter desferido o pontapé no “L...” foi em direcção da testemunha, que se esquiva e diz-lhe “mataste o homem” (frase esta que a testemunha Eloi afirmou ter ouvido embora desconheça quem a proferiu), após o que o arguido passa pela vítima, já estendida no solo, e faz um movimento com um dos pés próximo da face dela, versão esta que não foi contrariada pelo depoimento da testemunha Eloi que confirmou o facto de o arguido ter voltado para trás na direcção do José E... mas desconhece, por não ter visto, o que foi fazer”.

Tão pouco colhe, por isso mesmo, esta última pretensão, nem se vislumbra qualquer incerteza nas respostas que tenha que ser ponderada a favor do réu.

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2- Qualificação Jurídica dos Factos

Nesta sede pugna o recorrente pela respectiva condenação mas somente pelo crime previsto e punível pelo art. 143º, agravado pelo resultado nos termos do disposto no art. 147º CP, alicerçando o seu raciocínio nas alterações à matéria de facto anteriormente preconizadas.

Ora, mantendo-se inalterada tal matéria não nos merece qualquer censura a ponderação efectuada pelo Tribunal a quo no sentido da condenação do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada agravado pelo resultado, p. e p. pelo disposto nos artigos 144º, alínea d), 145º, nºs 1, alínea b) e 2 e 147º, nº1, todos do Código Penal, maxime quando refere:

“… In casu, conclui-se que a conduta do arguido é demonstrativa de uma especial censurabilidade e perversidade que se extrai dos seguintes factos:

- o arguido, sem qualquer justificação nem troca de palavras, parte os óculos ao ofendido, quando a vítima se encontrava a conversar com um conterrâneo daquele;

- perante a ausência de reacção do ofendido a tal atitude humilhante, provocatória e malvada, o arguido desfere um pontapé contra o peito do ofendido;

- com um único movimento faz com que o ofendido seja projectado para o solo onde embate com a cabeça no asfalto;

- perante a situação da vítima que se encontrava inanimada, sem dar acordo de si, a sangrar por um ouvido e pela parte posterior da cabeça, o arguido, numa clara demonstração de insensibilidade, aproximou-se dela e efectuou um movimento com um dos pés próximo da face dela sem que a tivesse atingido.

Ora, tais factos são reveladores de um especial juízo de culpa, atenta a especialmente desvaliosa forma e contexto de execução do facto, estando o elevado desvalor da acção associado ao nível da atitude do arguido, uma forma de realização do facto especialmente desvaliosa, pelo que também se verifica um especial e acentuado (qualitativamente) desvalor da atitude do arguido.

Por conseguinte, as agressões foram praticadas de forma desvaliosa e a personalidade do arguido, espelhada nos factos, é também merecedora de juízo de desvalor, concluindo-se pela imagem global agravada do facto, pressuposta pelo tipo de ilícito do art. 145º do C.P.

No caso vertente, é forçoso concluir que o arguido – atendendo às características da vítima (tinha 60 anos, aparentava essa idade e excesso de peso), às suas próprias características (tinha 20 anos, 1,88m de altura e 89 Kg de peso); à forma da agressão (o arguido aproximou-se do ofendido a correr, deu um salto e projectou a perna com a qual desferiu um pontapé contra o peito deste); às consequências sofridas pelo ofendido em virtude de um único gesto do arguido e ao local atingido – sabia que o pontapé que lhe desferiu e nas circunstâncias em que o fez o iria projectar no solo de forma abrupta e desamparada, batendo com a cabeça no asfalto, e que a violência do impacto e da queda poderiam originar lesões em órgãos vitais, como veio a suceder, e que desse modo colocava em perigo a vida dele, cuja morte representou como possível, embora confiando que tal não ocorresse, como de facto ocorreu, em consequência da agressão por si produzida.

Desta forma verifica-se a existência de uma ofensa corporal grave na pessoa de António P...; produzida de forma inopinada, violenta e agressiva; com a virtualidade bastante, segundo a experiência comum, para poder vir a causar perigo para a vida do ofendido, como, alias, sucedeu; e finalmente, a intenção por parte do arguido de agredir a mesma corporalmente, mau grado, referentemente as consequências que da agressão decorreram, as haver representado como possíveis e, não obstante, com esses resultados se ter conformado, salvo quanto a morte que representou como possível, embora confiando que a mesma não sobreviria, como efectivamente sobreveio, em consequência da agressão por si produzida…

… Por conseguinte, da factualidade provada e no que respeita ao crime base, o arguido agiu com dolo, já quanto ao resultado agiu sem aquele cuidado a que estava obrigado, ou seja, agiu com negligência, logo, o resultado é imputado a título de negligência na medida em que o evento letal se situa para além da intenção, devido à leviandade do agente, à sua imprevisão ou à sua não conformação com a realização típica, nos termos do art.º 15.º do CPenal (agrediu o ofendido com um pontapé que foi causa directa e necessária da sua morte, agindo livre, voluntária e conscientemente, apenas para molestar fisicamente o ofendido, e representando como possível que em consequência da agressão fossem atingidos órgãos vitais que pusessem em perigo a vida do mesmo ofendido, conformando-se, não obstante, com esse resultado).

Constituí-se pois o arguido como autor de um crime de ofensas à integridade física qualificada agravada pelo resultado, previsto nos art. 143º, nº 1, 144º, al. d), 145º, nº 1, al. b), nº 2 e 147º, nº 1 do CPenal, e punido com a pena de quatro (4) anos a dezasseis (16) anos de prisão…”

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3- Aplicabilidade do regime especial para jovens

No tocante a esta questão invoca o recorrente de forma meramente retórica e conclusiva que no acórdão em apreciação os argumentos invocados para excluir o benefício da atenuação especial são exageradamente vagos e não fundamentados, não tendo sido sopesados e correlacionados todos os elementos necessários para o efeito.

Na peça recorrida apreciou-se a questão da seguinte forma:

“Ora, apesar de o arguido Keven Almeida, à data da prática dos factos, ter 20 anos e cinco meses, entende-se que o mesmo não deve beneficiar da atenuação especial prevista no diploma acima indicado atenta a gravidade dos factos, o comportamento assumido após o ocorrido, na medida em que não procurou informar-se sobre o estado de saúde da vítima nem, no período de tempo que mediou até à morte desta, contactou com os seus familiares, o comportamento em sede de audiência de julgamento dado que, apesar do período temporal entretanto decorrido, não revelou ter interiorizado o desvalor da conduta e as respectivas consequências refugiando-se numa suposta amnésia decorrente do estado de embriaguez em que então se encontrava.

Por tais razões, entende o tribunal não haver lugar à atenuação especial da pena prevista no art. 4º do DL 401/82, de 23/09, por não ser de acreditar que dessa atenuação resultem vantagens para a reintegração social do arguido”.

A propósito deste regime especial para jovens, nomeadamente no que concerne ao respectivo artigo 4º, a jurisprudência de há muito vem salientando duas notas:

- por um lado tal regime não é de aplicação automática, o que significa que o tribunal só se socorrerá dele quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei, devendo-se apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes (cfr., entre muitos outros, os Acds. do STJ de 1-3-1990, pr. 40601, de 10-6-1991, BMJ 409-406, de 15-7-1992, pr. 42921 e de 10-12-1992, pr. 42976);

- por outro lado este poder de atenuar é um verdadeiro poder-dever, ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam aquelas sérias razões, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Não o fazendo, deixa de decidir questão de que devia conhecer e consequentemente comete a nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 379º, nº 1, al. c), 1.ª parte, do CPP (cfr. Ac. do STJ de 14-06-2006, pr. 2037/06, rel. Simas Santos, in www.pgdlisboa.pt; Ac. STJ de 20-12-2006, pr. 06P3169, rel. Santos Cabral; Ac. STJ de 12-11-2008, pr. 08P3059, rel. Pires da Graça ou Ac. STJ de 16-03-2011, pr. 92/08.4GDGMR.S1, rel. Santos Carvalho).

Sendo conhecida e uniforme a jurisprudência do STJ nesta sede que igualmente perfilhamos, escreveu-se, o seguinte sobre a matéria, por exemplo, no supra-referido Ac. STJ de 12-11-2008:

“II - O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial centra-se fundamentalmente na importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do menor.

III - Nesse juízo deve começar-se por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável; depois, o tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Haverá, assim, que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do ilícito e os seus motivos determinantes…”.

Resulta patente face ao exposto que o recorrente não tem razão, já que o Tribunal a quo analisou adequadamente a questão e decidiu-a de forma correcta de acordo com os dados concretos revelados nos autos, gravidade do crime cometido (punível com pena de prisão até 16 anos), natureza e modo de execução do mesmo e comportamento do agente e respectiva personalidade (todos em desabono do agente tal qual resulta da factologia apurada).

Improcede pois, igualmente, esta parcela do recurso.

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4- Medida da pena e respectiva suspensão

Pugna finalmente o recorrente pela suspensão da execução da respectiva pena, uma vez resultarem irrelevantes as considerações que efectuou acerca da fixação da medida da pena em 2 anos de prisão, em exclusivo estribadas nas malogradas alteração da qualificação jurídica e aplicação do regime especial para jovens.

Dispõe o artigo 50º., nº.1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Como é sabido, não são considerações de culpa que interferem na decisão que agora nos ocupa, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correcção ou melhora das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português: Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 343 e 344).

Como bem esclarece este ilustre professor (ob. citada, pág. 344) “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (...). Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade.

Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (cfr. Figueiredo Dias, ob. citada, págs. 344 e 345).

No referido juízo de prognose, há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

No caso concreto, escreveu-se o seguinte na sentença recorrida, com relevo para a questão que agora nos ocupa:

“Cumpre agora encontrar a medida concreta da pena aplicável, recorrendo aos critérios e factores a que aludem os artigos 40º e 71º do C.P.. Assim, tem o tribunal de considerar a finalidade da punição (a protecção de bens jurídicos, por um lado, e a reintegração do agente na sociedade, por outro), as exigências de prevenção e a culpa do agente (aparecendo esta como o limite inultrapassável da pena – art. 40º, nº 2 do C.P.), devendo ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente – além de outras – o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências e modo de execução, a intensidade do dolo e as condições pessoais do agente.

Assim, há a considerar:

- o dolo do arguido;

- a elevada ilicitude dos factos (revelada pela gravidade da ofensa sofrida pela vítima - desvalor do resultado);

- que o arguido, previamente à agressão, humilhou, amesquinhou e menorizou a vítima partindo os óculos de sol que tinha na cabeça;

- que, após ter corrido em direcção à vítima, desferiu-lhe um pontapé no peito e, com este único movimento, provocou a queda desta ao solo, em consequência da qual, bem como da violência do impacto, sofreu lesões em órgãos vitais causais da morte;

- quando a vítima se encontrava inanimada no asfalto e a sangrar, o arguido aproximou-se dela e efectuou um movimento com um dos pés próximo da face sem que a tivesse atingido;

- o abandono do local pelo arguido logo após o sucedido;

- a sua permanência em Lisboa nos dias seguintes donde regressou depois de ter sido contactado telefonicamente por um agente da PJ;

- o desinteresse demonstrado pela eventual recuperação da vítima na medida em que durante o período em que esteve em Lisboa não procurou saber em que estado ela se encontrava, cujos familiares nunca foram por si contactados.

Há também a considerar os valores protegidos pela norma incriminadora e violados pelo arguido e o facto de ser primário, ter uma filha menor e estar inserido familiar e profissionalmente, o que depõe a seu favor.

Face ao exposto, acha-se adequada justa e proporcionada a pena de cinco (5) anos de prisão.

Cumpre agora averiguar da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

Estatui o art. 50º CP redacção actual que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Conforme escreve Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.”

A culpa nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena.

Por outro lado, neste particular, deve dar-se prevalência a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. A prevenção geral deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.

Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não seja posta irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos. A sociedade tolera uma certa “perda” do efeito preventivo geral, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal.

O arguido (indivíduo jovem, com 1,88m de altura e 89 Kg de peso), que se encontrava acompanhado de conterrâneos, sem qualquer prévia troca de palavras, desferiu um pontapé no peito da vítima com sessenta anos de idade (por si aparentados e que o arguido não podia ignorar), 1,57m de altura e 80 Kg de peso, que se encontrava soZ...; tal ocorre após, numa primeira abordagem, lhe ter partido os óculos sem que tenha havido da parte desta qualquer reacção; encontrando-se a vítima inanimada e a sangrar pelo ouvido do lado esquerdo e pela parte posterior da cabeça, o arguido aproximou-se dela e efectuou um movimento com um dos pés próximo da face sem que a tivesse atingido, após o que ausenta do local.

A indiferença, insensibilidade e até desprezo demonstrados em relação à vítima aquando da prática da agressão, bem como nos momentos anteriores e posteriores, não mereceu qualquer atitude de contrição por parte do arguido que se escudou na alegada amnésia decorrente do estado de embriaguez em que então se encontrava.

Apesar da inserção social e profissional do arguido e até do seu aproveitamento académico, consideramos que os aspectos negativos acima assinalados se sobrepõem aos positivos, daí que não seja possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastará para a prevenção de futuras condutas nem desta forma se realiza o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica pelo que o tribunal entende não se justificar a suspensão da pena de cinco anos de prisão”.

Tais considerações, em manifesta consonância com os factos apurados, evidenciam que o arguido revela uma completa ausência de consciencialização relativamente à respectiva situação, existindo manifestamente razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, tudo de molde a impossibilitar um juízo de prognose positiva relativamente ao respectivo comportamento futuro, no sentido de que a simples ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.

É que, como é sabido, a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, para além de constituir um elemento dissuasor.

E no presente caso perante a gravidade da factologia apurada, as prementes exigências de prevenção geral e a manifesta ausência de consciencialização do arguido perante o ocorrido (é preciso ter bem presente que matou um homem sem qualquer justificação e revelando uma particular indiferença e insensibilidade, não confessou os factos, não demonstrou o mínimo arrependimento), pelo que não é seguramente possível concluir (com seriedade) que a propugnada suspensão da pena acautelasse devidamente as finalidades da punição.

Daí que não mereça qualquer censura a opção levada a cabo pelo Tribunal a quo de imposição ao recorrente de prisão efectiva, a qual, se de algo peca será manifestamente por defeito relativamente à medida encontrada ante a factologia apurada e a respectiva moldura abstracta prevista, o que não é possível aqui remediar ante a proibição de reformatio in pejus estipulada no art. 409º., nº1 CPP.

Improcede, consequentemente, o recurso.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

Guimarães, 31/03/2014