Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | PAULA RIBAS | ||
| Descritores: | ACTO NOTARIAL INVALIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. A invalidade do ato notarial prevista no art.º 70.º, n.º 1, alínea b), do C. do Notariado está relacionada com a omissão por parte do Notário das declarações à que se reporta o art.º 65.º do mesmo diploma e não com qualquer vício de vontade ou de declaração dos outorgantes da escritura pública. 2. Se os autores indicam que tiveram conhecimento que agiram em erro quando foi junta determinada planta a um processo judicial, é relevante para a apreciação da exceção de caducidade invocada pelos réus a data em que dela tomaram conhecimento, ou seja, a data em que foram citados para aquela ação judicial estando a planta incluída nos documentos que acompanhavam a respetiva petição inicial. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório: 1.º AA, 2.ºs BB e marido CC, 3.ºs DD e marido EE, 4.ºs FF e marido GG 5.ºs HH e marido II demandaram JJ e KK, pedindo que: a) se declararem nulas a escritura de habilitação, dispensa de colação e partilha melhor descrita nos arts.º 3.º a 8.º da petição inicial, e a escritura de constituição de servidão melhor descrita nos arts.º 9.º a 11.º do mesmo articulado, por não ter ocorrido a intervenção de intérprete nos termos do art.º 65.º do Código do Notariado (doravante C. do Notariado); ou se assim não se entender, b) se declararem nulas as mesmas escrituras por falta de consciência da declaração sobre o objeto do negócio, invocando uma situação de erro e /ou dolo; (…). Alegam, para tanto e em síntese, que as duas referidas escrituras estão feridas de nulidade, porque os 2.ºs a 5.ºs autores não compreenderam o teor das referidas escrituras e não tomaram consciência das declarações prestadas, devendo ter sido nomeado intérprete, nos termos do art.º 65.º do C. do Notariado. Não tendo ocorrido tal nomeação existe falta de consciência da declaração dos autores, só tendo tomado conhecimento em 03/08/2023, quando foi junta a outro processo judicial uma planta do seu teor, tendo constatado que foram enganados aquando da celebração das ditas escrituras, pois os artigos matriciais, localização dos prédios, ónus, área, composição e limites dos prédios que pretendiam partilhar não correspondem ao que efetivamente tinham acordado previamente. Os réus contestaram alegando, em síntese, que esta alegação não foi feita, como deveria ter sido, no referido processo judicial, pelo que o direito se precludiu. Acrescentam ainda que além dos vícios formais, os alegados vícios substanciais, que não vêm concretizados, seriam motivo de anulabilidade, sendo que os autores já têm conhecimento do teor das escrituras há mais de 10 anos, e conhecem a planta e escrituras referidas, juntas ao processo 758/22, com a citação, que ocorreu a 17/06/2022 e 16/07/2022, pelo que o direito de arguir a anulabilidade caducou. Impugnam o alegado, acrescentando que a posição dos autores consubstancia um abuso de direito, por entenderem a língua portuguesa, tendo mantido uma posição diferente da agora tomada, concluindo pela improcedência da ação. Os autores responderam, concluindo pela manutenção do pedido, com a improcedência das exceções, alegando, que apenas a 03/08/2023 é que foi referido que a planta estava junta à escritura, mas que os aqui autores nunca a tinham visto, não sendo possível apresentar outro articulado com a invocada nulidade. Em requerimento autónomo, e notificados para tal, esclareceram os autores que não levaram intérprete para acompanhar a realização das escrituras públicas, nem solicitaram um à Ex.ma Notária, entendendo só o português básico, pretendendo levar a cabo uma partilha de bens, mas foram enganados, tendo ficado em erro sobre os artigos matriciais, a localização dos prédios, ónus, área, composição e limites dos prédios que partilharam, uma vez que estes foram alterados unilateralmente pelos réus, não correspondendo ao que efetivamente tinham acordado verbalmente;. Alegaram ainda que se tivessem compreendido o teor, alcance e consequências dos dizeres das escrituras públicas outorgadas, bem como se tivessem tido conhecimento dos factos sobre os quais se encontravam em erro, nunca teriam outorgado os referidos atos da forma como o fizeram, condição esta de que os réus eram plenamente conhecedores e não podiam ignorar. Em sede de despacho saneador, e depois de fixar os factos que entendia resultarem já demonstrados, o Tribunal julgou a ação improcedente entendendo que não se verificava o fundamento invocado e que permitiria a declaração de nulidade dos negócios celebrados e que, quanto ao mais, estava já caduco o direito de arguir a sua anulabilidade. Inconformados, vieram os autores apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: “I. DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO: i. Da nulidade do ato por falta de intérprete 1- Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a Autora não pode concordar com a decisão recorrida; 2- Com efeito, o artigo 65.º do Código do Notariado, exige que o outorgante compreenda a língua portuguesa. 3- “Compreender”, aqui, deve ser lido no contexto da natureza técnica e jurídica do documento. 4- Sendo certo que, o conhecimento da língua portuguesa “no básico do dia-a-dia” não se revela suficiente para compreender os termos e as implicações jurídicas e patrimoniais de um documento notarial com a complexidade de uma escritura de habilitação de herdeiros, dispensa de colação, partilha, bem como uma escritura de constituição de servidão. 5- O facto de os outorgantes não terem solicitado intérprete não isenta o notário da responsabilidade de assegurar que compreendem o conteúdo do ato, porquanto, a função do notário é de garantia e, não meramente formal: deve verificar o entendimento das partes. 6- O artigo 65.º n.º 3 apenas permite a dispensa do intérprete se o notário dominar a língua dos outorgantes - mas não se aplica quando os outorgantes não dominam o português, e sim outra língua. 7- No caso concreto, ainda que se possa admitir que alguns dos Autores tivessem um conhecimento funcional mínimo da língua portuguesa, o certo é que o 5.º Autor, II, não tinha nacionalidade portuguesa (cfr. ponto 14 dos factos provados), e por isso não dominava a língua portuguesa, situação que impunha, no mínimo, quanto a este a intervenção de intérprete, nos termos imperativos do artigo 65.º, n.º 1, do Código do Notariado. 8- Como tal, ainda que se considerasse que o vício se referia apenas a um dos outorgantes, o mesmo não pode considerar-se suprido pela idoneidade dos restantes, que apenas tinham conhecimentos básicos de língua portuguesa. 9- A ausência desta formalidade essencial implica, nos termos do artigo 70.º do mesmo Código, a nulidade do ato notarial, por vício de forma, porquanto a própria escritura não menciona sequer o cumprimento da obrigação legal de verificar a necessidade de tradução. 10- Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida e declarada a nulidade da(s) escritura(s), com as legais consequências. Contudo e sem prescindir, ii. Do erro essencial e dolo 11- A falta de compreensão suficiente do conteúdo da escritura, aliada à ausência de explicação clara sobre a planta e seus efeitos jurídicos, é uma situação de erro sobre os motivos determinantes da declaração. 12- Na verdade, houve erro essencial sobre o objeto do negócio jurídico, nos termos do artigo 247.º do Código Civil, porquanto os Autores apenas celebraram as aludidas escrituras por pressuporem, erradamente, que os prédios partilhados e a constituição de servidão de passagem pelos aludidos prédios, correspondiam à configuração efetivamente acordada e não à que constava na planta alterada, a qual não lhes foi comunicada, quando outorgaram as escrituras. 13- Os Autores não podiam compreender a extensão do ato sem conhecer a planta – logo, não havia uma verdadeira “declaração negocial” informada. 14- Ou seja, os Autores estavam em erro quanto aos elementos essenciais do negócio – área, limites e localização dos prédios. 15- Neste sentido, trata-se de uma verdadeira incompreensão material do conteúdo da declaração – o que pode configurar, consoante a qualificação que se entenda adequada, erro essencial (art. 247.º) ou até falta de consciência da declaração, que compromete a própria existência da vontade negocial, configurando causa de anulabilidade. 16- Assim, o erro incide sobre elementos essenciais do negócio jurídico, afetando diretamente a substância e a identidade dos bens, nos termos previstos nos artigos 247.º e 252.º do Código Civil. 17- Ou seja, se os Autores tivessem tido conhecimento da real configuração dos prédios, jamais teriam outorgado as escrituras tal como o fizeram. 18- Ademais, os Réus omitiram elementos relevantes e induziram os Autores em erro, atuando com dolo nos termos do artigo 253.º do Código Civil. 19- Como tal, os vícios invocados correspondem a erro essencial sobre o objeto do negócio, suscetível de anulação nos termos dos artigos 247.º e 252.º do Código Civil, e até mesmo a dolo nos termos do artigo 253.º, pois os Réus terão omitido ou distorcido dados relevantes (como a planta), determinando a vontade dos Apelantes com base em falsas premissas. iii. Do conhecimento do vício e início do prazo de caducidade 20- A sentença recorrida parte de um pressuposto incorreto: que os Autores conheciam o vício desde da outorga das escrituras, em 16/08/2013, ou quanto muito, desde junho/julho de 2022, quando foram citados para o processo nº 758/22.6T8FAF, e onde foram juntas as aludidas escrituras, relativamente às quais as declarações e factos constantes delas, não foram impugnados; 21- Neste sentido, julgou a ação improcedente, por considerar que o prazo de caducidade de um ano previsto no artigo 287.º do Código Civil já se encontrava ultrapassado. 22- Contudo, os Apelantes apenas tomaram conhecimento efetivo do vício das escrituras (nomeadamente a planta que alterava os limites, área e localização dos prédios partilhados) no dia 03/08/2023, data em que foi junta aos autos do processo n.º 758/22.6T8FAF a planta anexa à escritura de constituição de servidão, documento cuja existência e conteúdo lhes era completamente desconhecido, até então. 23- Como tal, a sentença incorre em erro de julgamento ao considerar que o prazo de caducidade se iniciou com a outorga das escrituras ou da citação dos Autores no referido processo em 2022, momento em que não dispunham ainda da informação essencial que fundamenta o vício da vontade. 24- O prazo de um ano previsto no artigo 287.º do Código Civil apenas se iniciou a partir do momento em que os Apelantes tomaram plena consciência do erro que inquinava a sua vontade ao outorgarem as escrituras – o que ocorreu apenas em agosto de 2023. 25- Em consequência, a presente ação, intentada em 24/10/2023, foi proposta dentro do prazo legalmente previsto, pelo que não se verifica qualquer caducidade. 26- A sentença recorrida não valorou corretamente a matéria alegada e provada quanto ao desconhecimento da planta, nem considerou que o vício de vontade só pode ser identificado quando o lesado tem acesso à totalidade da documentação relevante, o que apenas sucedeu em agosto de 2023. 27- A douta sentença recorrida violou, assim, as normas dos artigos 65º e 70º do Código de Notariado e os artigos 247º, 251º, 252º, 253º, 254º, 287º, todos do Código Civil. 28- Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogando a sentença recorrida, julgue a ação totalmente procedente, por provada”. Os réus apresentaram resposta, pugnando pela manutenção da decisão proferida. ** II - Questões a decidir:Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se: 1. foi indevidamente apreciada a invocada nulidade dos atos notarias celebrados, considerando a falta de domínio pelos 2.ºs a 5.ºs autores da língua portuguesa; 2. pode ainda perspetivar-se a anulabilidade dos negócios jurídicos formulados pela existência de erro dos autores e dolo dos réus; 3. foi indevidamente apreciada a exceção de caducidade que foi invocada pelos réus relativamente à arguição da anulabilidade dos negócios celebrados. III – Fundamentação de facto: Relevam para a apreciação das questões suscitadas em sede de recurso os seguintes factos fixados pelo Tribunal de 1.ª Instância: “1. A 1.ª Autora foi casada com LL, que veio a falecer no dia 7 de fevereiro de 2011, em ..., em ... (...). 2. As 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª Autoras e a Ré mulher, são filhas da 1.ª Autora e do falecido LL. 3. Por escritura denominada de habilitação, dispensa colação e partilha, outorgada em 16 de agosto de 2013, a 1.ª Autora declarou que exercia as funções de cabeça de casal por óbito do seu marido LL, e que como únicos herdeiros lhe sucederam, o cônjuge sobrevivo (a aqui 1.ª Autora), e as referidas cinco filhas. 4. A 1.ª Autora e as suas cinco filhas declararam que, por escritura lavrada no Cartório Notarial ..., em ../../2006, a 1.ª Autora e o seu falecido marido, doaram à JJ, sua filha, e ainda ao seu genro (aqui Réus), por conta da legítima no que concerne à sua filha, ao tempo de uma parcela de terreno para construção, sendo atualmente um prédio urbano composto por uma casa de habitação, de ... e andar com logradouro, situado na Avenida ..., da freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...53, e inscrito na matriz sob o artigo ...04, que proveio do artigo urbano ...43 da mesma freguesia. 5. Mais, declarou a 1.ª Autora e doadora, que com a aceitação da sua filha JJ (Ré mulher), dispensava da colação a referida doação, na parte que lhe concerne. 6. Mais declararam, a 1.ª Autora e as suas cinco filhas, como únicas herdeiras de LL, e com a aceitação da Ré mulher, também dispensavam da colação a referida doação, na parte que diz respeito ao falecido. 7. Os aqui 2.º, 3.º, 4.º e 5.º Autores, CC, EE, GG e II, prestaram às suas respetivas esposas o necessário consentimento para a inteira validade deste ato. 8. A 1.ª Autora e as suas cinco filhas declararam de seguida, que sendo as únicas interessadas, acordaram em proceder à partilha dos bens 8 bens imóveis aí relacionados que faziam parte da herança. 9. No mesmo dia 16 de agosto de 2013, foi celebrada escritura de constituição de servidão, em que os aqui Réus, na qualidade de proprietários do prédio urbano referido em 4., declararam que constituíam gratuitamente uma servidão de passagem sobre o seu prédio urbano, a favor dos prédios constantes da partilha de que era usufrutuária a 1.ª Autora e propriedade da 3.ª Autora (Leira da ...) e da 4.ª Autora (Cerrado da ...). 10. A mesma consistia no direito de passagem a pé e com veículos de tração animal e a motor, a ser exercida através de um caminho, com a largura de quatro metros e seguindo em linha numa extensão de sessenta e dois metros, com início no caminho público sito na estrema nascente do identificado prédio serviente até atingir a sua estrema poente, dando assim acesso aos identificados prédios dominantes. 11. Ainda na mesma escritura, declarou a aqui 3.ª A. mulher, que com o consentimento da 1.ª A. (usufrutuária), também constituía gratuitamente uma servidão de passagem sobre o prédio sua propriedade, a favor do prédio propriedade da aqui 4.ª Autora, e que consiste no direito a passagem a pé e com veículos de tração animal e a motor, a ser exercida através de um caminho, com a largura de quatro metros e numa extensão de sessenta e um metros, com início no caminho de servidão identificado supra dos RR., sito na estrema nascente do identificado prédio serviente, seguindo em linha reta, até atingir a estrema poente deste seu prédio, dando assim acesso ao prédio dominante da 4.ª Autora. 12. Os respetivos maridos, aqui 3.º e 4.º Autores, prestaram o necessário consentimento às suas respetivas esposas. 13. Desta escritura consta que foi arquivada uma planta topográfica onde vem assinalado o caminho de servidão. 14. Os outorgantes nas referidas escrituras declararam ser residentes em Portugal e, com exceção do outorgante II, são de nacionalidade Portuguesa, com conhecimentos básicos da Língua, não tendo levado intérprete para acompanhar a realização das escrituras, nem solicitaram um à Notária. 15. No processo que corre termos sob o n.º 758/22.6T8FAF, no Juízo Local Cível de Fafe, os aqui Réus demandaram os aqui Autores, que reconheceram a qualidade de usufrutuária e proprietários dos prédios nos termos descritos na escritura pública de habilitação, dispensa de colação e partilha, depois de citados entre 17/06/2022 e 21/07/2022. 16. Aí impugnaram uma planta junta na petição inicial, quanto à área e delimitação, sendo que em 03/08/2023, já depois da fase dos articulados, foi junta àqueles autos certidão da escritura de constituição de servidão onde se incluía uma planta anexa do mesmo teor e que foi junta aos autos como doc. 5 da PI. 17. A presente ação deu entrada a 24/10/2023”. IV - Do objeto do recurso: Questão prévia: Os recorrentes concluem o seu recurso de apelação peticionando a revogação da decisão proferida e a procedência da ação. Ora, no caso em apreço, permanecendo grande parte da factualidade alegada controvertida, a revogação da decisão proferida não implicaria a procedência da ação, mas apenas que fosse determinado o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões suscitadas – que não foram apreciadas em sede de despacho saneador –, incluindo o mérito das pretensões deduzidas pelos autores se nenhum outro impedimento formal se verificasse. 1. Quanto à nulidade do ato notarial: O que aqui está em causa, como referiu a Mm.ª Juiz a quo, não é nulidade do negócio jurídico celebrado por escritura pública, mas a nulidade do ato notarial por não cumprimento de formalidades notariais, nos termos dos arts.º 70.º, n,º1, alínea b), e 65.º do C. do Notariado. Estabelece aquela primeira norma que o ato notarial é nulo, por vício de forma, quando falte a declaração do cumprimento das formalidades previstas no art.º 65.º, ou seja, a intervenção de intérprete porque o outorgante não compreenda a língua portuguesa, a transmissão verbal da tradução da declaração de vontade do outorgante e, a este, do teor da escritura pública, ou a dispensa do tradutor se o notário dominar a língua e fizer, ele próprio, a tradução verbal. Assim, o que se comina com a nulidade é a omissão do Notário em declarar o cumprimento destas formalidades legais e relativas à presença de um intérprete quando o outorgante declare não compreender a língua portuguesa. No caso concreto, os autores não alegam que declararam ao notário não compreender a língua portuguesa. Pelo contrário, afirmam que não o fizeram. Assim, nada tinha o Notário que declarar ter cumprido cuja omissão possa determinar a nulidade do ato notarial. A eventual real falta de compreensão da língua portuguesa poderá apenas relevar para questionar validade do negócio celebrado, mas tal questão prende-se já com a nulidade / anulabilidade que possa resultar de qualquer vício de vontade ou de declaração, que nada tem a ver com a nulidade invocada do ato notarial. Não merece censura a decisão proferida, improcedendo as conclusões 1.ª a 10.ª da apelação. ** 2. Nas suas conclusões 11.ª a 19.ª defendem os recorrentes que os factos por si alegados sempre permitiriam convocar o regime legal dos arts.º 247.º, 252.º e 253.º do C. Civil.Em rigor, o Tribunal a quo não apreciou se os factos alegados, se viessem a ser demonstrados (porque permaneciam controvertidos), permitiriam a anulação dos negócios celebrados, apesar de, aqui e ali, referir efetivamente que os factos alegados não seriam suficientes para convocar aquele regime legal. O Tribunal limitou-se, sobre esta matéria, a decidir que, estando em causa um vício gerador de anulabilidade dos negócios celebrados, e ainda que ele existisse, procedia a exceção invocada de caducidade que, assim, impede o exercício do direito de anulação pelos autores. Esta conclusão é clara perante a afirmação constante da sentença de “independentemente de todas estas hipóteses e fundamentos que aqui foram expostas, só se pode concluir que a causa da invalidade destes negócios jurídicos sempre redundaria numa anulabilidade” e do teor do dispositivo da sentença que julga a ação improcedente por “caducidade do direito”. Quer isto dizer que carece de sentido apreciar se os fundamentos invocados pelos autores podem efetivamente permitir a procedência da ação – se resultassem provados os factos alegados – pois que o Tribunal de 1.ª Instância não decidiu tal questão, não tendo chegado a conhecer se o direito de anulação invocado pelos autores existia ou não. Se, como se disse supra, este Tribunal entendesse que a decisão deveria ser revogada e que os autos não reuniam elementos para se proferir a decisão sob recurso, tal implicaria sempre que o Tribunal a quo efetivamente proferisse decisão sobre se os factos alegados permitiam ou não a procedência das pretensões deduzidas pelos autores. Nada há, assim, que conhecer quanto aos fundamentos desta apelação constantes das conclusões 11.º a 19.º da apelação. 3. Insurgem-se os recorrentes nas suas conclusões 20.ª a 28.ª contra a decisão que julgou procedente a exceção de caducidade que foi invocada pelos réus, considerando que os vícios de declaração / vontade alegados pelos autores sempre conduziriam à anulabilidade dos negócios. Os autores não contestam que, em qualquer das suas dimensões, e apesar de terem pedido a declaração de nulidade dos negócios jurídicos, o enquadramento jurídico das suas pretensões se faria no regime da anulabilidade, como referido na sentença proferida. E assim é, considerando o disposto nos arts.º 247.º e 253.º do C. Civil. Na sentença proferida considerou-se que no caso de erro ou dolo – fundamentos invocados pelos autores – o prazo de caducidade começa a contar-se a partir do momento em que o declarante se apercebeu do erro ou do dolo, sendo que esta questão não está também em causa no recurso apresentado. O que contestam os recorrentes é que se possa julgar procedente tal exceção, considerando o momento em que afirmam ter tido conhecimento dos factos que permitiam a arguição da anulabilidade dos negócios. E, aqui, manifestamente não têm razão. O erro / dolo que os autores invocam, e nos exatos termos em que o fizeram, está relacionado com a planta que foi junta ao processo 758/22.6T8FAF e na qual referem que os limites dos terrenos (identificados nos demais negócios realizados) foram alterados, desconhecendo a existência dessa planta até que a mesma foi junta em 03/08/2023, nunca lhes tendo sido explicado o seu teor. Afirmam que foram enganados pois os artigos matriciais, localização dos prédios, ónus, área, composição e limites dos prédios que pretendiam partilhar não correspondem ao que efetivamente tinham acordado. Os autores não alegaram a que artigos matriciais, localização dos prédios, ónus, área, composição e limites dos prédios correspondia o seu efetivo acordo. Em concreto, limitaram-se a referir que, em relação ao prédio doado aos réus, e não obstante ter sido declarada a doação de uma área de 5.000 m2 teria ficado acordado que, assim que possível, seria efetuado um destaque da área de 4.000 m2, que assim seria devolvida (“fariam reverter o terreno sobrante de 4.000 m2”). Ora, como decorre da matéria de facto provada, os réus foram citados na referida ação judicial intentada pelos aqui réus em que, discutindo-se o exercício de determinado direito de servidão constituído num dos negócios que se pretende anular, se referiram todos os negócios que os autores agora pretendem anular, tendo, então, sido junta uma planta. Em relação a essa planta, alegavam os então autores na petição inicial do proc. 752/22.6T8FAF (certidão junta com a contestação que, como réus, aqui apresentaram em 08/01/2024) que havia sido com base nessa planta que havia sido celebrada a escritura pública de constituição de servidão e que esta tinha sido elaborada pela 1.ª ré desse processo para esse efeito (aqui 1.ª autora). A escritura pública de constituição da servidão que foi então junta refere expressamente que ficava arquivada uma planta “da responsabilidade dos outorgantes” onde estava assinalado o caminho de servidão. Sobre esta matéria, limitaram-se então os réus (aqui autores) a alegar que os prédios dos ali autores “não têm a área e a delimitação constante da planta topográfica juntas como documentos 6 e 7, pelo que aqueles documentos não correspondem à realidade física e situacional dos prédios dos autores”. Resulta do exposto que, tal como decidiu a 1.ª Instância, se os réus invocaram o seu direito de anulação com base nos limites, localização e confrontações dos prédios da planta que foi junta ao referido processo judicial, certo é que dela tomaram conhecimento quando foram citados para a referida ação e puderam analisar as escrituras públicas que haviam outorgado ainda que delas antes não tivessem tido conhecimento. Diga-se, aliás, que “o acordo” a que os réus se reportam na sua petição inicial (art.º 33.º) revela exatamente o contrário do que é alegado pelos autores nestas alegações de recurso. Com essa alegação acabam os autores por admitir que sabiam que o negócio de doação envolvia a transmissão de um prédio que era identificado com a área de 5.000 m2, e em relação ao qual, assim que possível, no futuro, se faria um outro que não chegou a ser celebrado e que devolveria a área de 4.000 m2. Esta afirmação implica, necessariamente, que se afirme que, em relação ao único imóvel em que os autores referem a concreta divergência entre o acordado e o declarado, dela tiveram conhecimento desde o momento da outorga da escritura pública. Quanto às restantes divergências, foram os autores que alegaram que dela tiveram conhecimento com a junção da planta ao processo judicial identificado - arts.º 28,º, 29.º e 30.º da petição inicial -, não demonstrando que tal se verificou na data que alegaram - 03/08/2023 -, mas, como resulta da matéria de facto provada, na data em que foram citados para a ação e a referida planta constava dos documentos que lhe foram entregues. Assim, como se diz na sentença proferida, ainda que, por hipótese de raciocínio, se pudesse admitir que os autores poderiam provar não ter tomado conhecimento, no momento da outorga das escrituras públicas que formalizaram os negócios celebrados, da existência daquela planta e dos limites indicados para cada um dos imóveis então identificados, com a citação para aquela tomaram conhecimento dos documentos que formalizaram os negócios e da existência de uma planta que estava anexa ao contrato de constituição da servidão, pois que essa planta constava dos documentos juntos e estava referida na própria escritura pública que então foi junta com a petição inicial dessa ação. Improcedem, assim, os demais fundamentos da apelação, impondo-se confirmar a decisão proferida. Os recorrentes são responsáveis pelas custas do recurso, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil. V – DECISÃO: Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação apresentado e, em consequência, mantêm a decisão proferida de improcedência da ação por não verificação da nulidade do ato notarial e por verificação da exceção de caducidade do direito de arguir a anulabilidade dos negócios celebrados. Os recorrentes suportarão as custas desta apelação. ** Guimarães, 23/10/2025 (elaborado, revisto e assinado eletronicamente) Relator: Paula Ribas 1º Adjunto: João Paulo Dias Pereira 2ª Adjunta: Maria Amália Santos |