Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
Descritores: | REIVINDICAÇÃO USUCAPIÃO REGISTO PREDIAL DESCRIÇÃO PREDIAL ÓNUS DA PROVA PRESUNÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Pedindo o autor seja declarado proprietário de determinado prédio descrito na CRPredial, com determinada composição ou características, e a respectiva restituição, sendo invocado pelo réu que a reivindicação abrange uma realidade física que não está incluída no prédio reivindicado, antes pertencendo a outro prédio, propriedade de um terceiro, em nada releva a presunção do art.º 7º do CRPredial, porque não abrange a descrição do prédio, como não basta ao autor alegar a aquisição derivada do prédio, antes tendo de alegar e provar que a realidade física controvertida integra o prédio reivindicado, mediante a alegação e prova de factos consubstanciadores de uma aquisição originária: usucapião ou acessão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Recorrente: EMP01..., SA Recorrido: EMP02..., Lda * ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório AA - entretanto substituído por EMP01..., SA, ora recorrente, em virtude da sentença proferida a 12/05/2023 no Incidente de habilitação de adquirente apenso aos presentes autos - intentou acção comum de condenação contra EMP03... - Unipessoal, Lda. e EMP02..., Lda., pedindo: a) Seja declarado e reconhecido que o Autor é dono e legítimo possuidor do prédio melhor identificado em 1 do libelo inicial; b) Seja declarado validamente resolvido com justa causa, por incumprimento reiterado, definitivo e culposo da 1ª Ré, o contrato de comodato celebrado entre esta e o Autor em 15 de Novembro de 2018; c) Em face da declarada resolução contratual, deverão ambas as Rés proceder à imediata entrega do prédio objecto do mencionado contrato de comodato, livre de pessoas, no estado em que foi recebido pela 1ª Ré e com todo o recheio nele existente à data da respectiva outorga, obrigação que impende sobre a 1ª Ré em decorrência da resolução e sobre a 2ª Ré por ausência de título que legitime a ocupação e utilização do prédio do Autor, o que se requer; d) Sejam as Rés solidariamente condenadas em sanção pecuniária compulsória do valor diário de 500,00 € desde a citação e até efectiva entrega do prédio; e) Sejam as Rés solidariamente condenadas a indemnizar o Autor pelos demais prejuízos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, decorrentes do atraso na restituição do prédio. Alegou, em síntese, que é dono do prédio urbano com a área de 15.000 m2, constituído por edifício de três pisos e logradouro, com seis divisões de utilização independente, destinado a serviços, sito no Lugar ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...38º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...42/... (...), que adquiriu a 13/10/2018, aquisição que registou a seu favor; o A., por si e anteproprietários, vem possuindo, há mais de 20 anos, o referido imóvel; por contrato de 15/11/2018 cedeu em comodato o referido prédio e todo o seu recheio, destinando-se o mesmo, exclusivamente, ao exercício da actividade de restauração e diversão, promoção e organização de espectáculos e jogos tradicionais; a 1ª Ré ficou proibida de proporcionar a terceiros o uso do mesmo prédio; o contrato cessaria de imediato em caso de incumprimento pela 1ª Ré das respectivas obrigações, ficando a mesma, em caso de denúncia ou resolução contratual promovida pelo A., obrigada a restituir, no prazo de 30 dias, após notificada para o efeito, o prédio cedido em comodato, no estado em que o recebeu e com todo o recheio nele existente; a 21 de Novembro de 2018, a 1ª Ré cedeu à 2ª Ré a utilização do prédio recebido em comodato, o que vem fazendo gratuitamente, sem título que o legitime e contra a vontade do A.; declarou a resolução do contrato por notificação judicial avulsa; as RR. não entregaram o prédio. Citadas as RR., apenas contestou a Ré “EMP02...”, dizendo, em síntese, resultar do alegado pelo A. que o mesmo se arroga dono e legítimo proprietário de um prédio urbano que terá como utilidade económica a exploração de um estabelecimento de restauração; o negócio de compra e venda titulado pela escritura pública junta com a petição inicial é nulo por estar em causa venda de bens alheios; a “EMP03...” nunca foi dona ou possuidora de um prédio com as descritas características e funcionalidades no Lugar ..., freguesia ...; o mesmo sucede quanto aos bens móveis objecto do contrato de comodato. Mais invocou que está legitimada pelo seu actual proprietário, BB, a usar e fruir o estabelecimento comercial destinado a restauração, que é o único que existe naquele local; aquele adquiriu o prédio misto descrito na CRPredial ... sob o n.º ...41, composto pelo prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...06º e pelo prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...27º, no âmbito do processo de insolvência da sociedade EMP04..., S.A., que, com o n.º 3781/09.2TBGMR, correu termos pelo Juiz 1 do Tribunal de Comércio de Guimarães; nesse processo, após uma perícia a respeito da identificação e delimitação dos imóveis que pertenciam à massa insolvente, foi reconhecido que o prédio destinado à actividade de restauração era propriedade da insolvente; o A. não é dono do prédio a que se refere a acção; o prédio de que o A. se arroga proprietário saiu da esfera jurídica da EMP04... em 2006, quando o prédio urbano destinado a restauração não existia, o qual foi construído por aquela. Foi proferido despacho a ordenar a notificação do A. para responder, o que o mesmo fez, dizendo, em síntese, que em 2018 o referido BB adquiriu quatro prédios, sendo um deles o prédio misto inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...06, da União de Freguesias ... e ... e na matriz rústica sob o artigo ...27, descrito na CRPredial ... sob o n.º ...21 da freguesia ... (...); nenhum dos quatro prédios tem qualquer correspondência com o prédio urbano adquirido pelo A.; o A. carece de legitimidade para invocar a nulidade da compra e venda; quem outorgou a escritura de compra e venda foi CC, pai de DD, BB e EE, sócios e gerentes da Ré “EMP02...” e também da EMP04..., SA. Com dispensa de realização da audiência prévia foi fixado o valor da causa e proferido despacho-saneador, que identificou o objecto do litígio, discriminou a matéria assente e os temas da prova, apreciou os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou data para realização da audiência final. Após algumas vicissitudes, realizou-se a audiência final em quatro sessões e foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor: Pelo exposto, julgo: A. Parcialmente procedente o pedido: a) Declarando o Autor dono do prédio identificado nos factos provados números 3 a 5; b) Declarando validamente denunciado pelo Autor o contrato de comodato identificado no facto provado número 6, celebrado com a Ré “EMP03..., Ld.ª”, condenando-a a entregar ao Autor, livre de pessoas, o prédio objecto do mesmo contrato, no estado em que se encontrava e com o recheio melhor descrito na declaração mencionada no facto provado número 7, à data da celebração do contrato; c) Condenando a Ré “EMP03..., Ld.ª” no pagamento ao Autor de quantia mensal, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor de mercado de arrendamento do imóvel e recheio melhor descritos no precedente parágrafo, contada desde a data em que foi notificada para proceder à respectiva entrega até à sua efectiva concretização. B. Improcedente a parte restante do pedido: a) Absolvendo a 1ª Ré “EMP03..., Ld.ª” da parte restante do pedido contra si formulado pelo Autor; e b) Absolvendo 2ª Ré “EMP02..., Ld.ª” dos pedidos de condenação contra si formulados pelo Autor. Custas pela 1ª Ré (artigo 527º, n.º 1 do CPC). A A. EMP01..., SA interpôs recurso, pedindo que seja proferido acórdão que revogue a sentença recorrida e julgue a ação totalmente procedente por provada, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): 1. Discorda o apelante do decidido na douta sentença recorrida, por entender, salvo o devido respeito, que existem nos autos todos os elementos de prova que permitiriam ao Tribunal a quo responder diferentemente a determinados pontos da matéria factual, e, outrossim, decidir julgando a ação totalmente procedente, por provada. 2. Em face dos elementos de facto existentes, outra deveria ter sido a decisão do pleito. 3. Impõe-se, por isso, uma alteração da matéria de facto dada como provada e não provada e ainda, a aplicação do direito de forma ajustada à realidade dos autos. 4. Entende o Autor Apelante, no âmbito de impugnação da decisão de facto, como concretos pontos de facto incorrectamente julgados os artigos 11 e 13 dos factos provados e os 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos não provados. 5. Entende o A. que os artigos 11 e 12 dados como provados deveriam ser dados como não provados e os artigos 1 a r dos factos dados como não provados serem aditados como provados. 6.Concretos meios de prova que impunham decisão diversa: Quanto ao artigo 13 dos factos dados como provados refere a Douta sentença que há nos autos informações prestadas pela Câmara Municipal ... referentes ao processo de licenciamento de obras n.º 245/05 requerido por EMP04... e que diz respeito ao prédio descrito sob o n.º ...41, deduzindo implicitamente que o imóvel ali edificado foi construído pela EMP04... no artigo .... 7. Sucede que, olvida o Tribunal a quo que tal pedido de licenciamento para o prédio descrito sob o n.º ...41 foi indeferido e como se observa pela análise da certidão predial tal obra foi embargada pelo que no prédio propriedade de BB nunca foi edificado tal imóvel. 8. O que aconteceu foi que em face do mencionado embargo devidamente registado e do indeferimento do processo camarário o Sr. CC, efectivo representante da proprietária do imóvel procedeu a essa construção e registou-a no prédio descrito sob o n.º ...42, como se verifica pela análise da certidão do registo predial junta e como resulta dos factos provados. 9. Através do depoimento prestado pelas testemunhas e aqui reproduzido constatamos esta realidade. 10. Acresce que resulta também dos depoimentos das testemunhas que o imóvel em causa, que corresponde a uma quinta de eventos corresponde ao art 642 (descrito no n.º ... a 5 da matéria dada como provada) que foi alienado ao A. 11. Na decorrência da exploração da quinta de eventos (Quinta ...) o Sr CC, que representava a EMP03... – Unipessoal, Lda., contraiu dívidas com fornecedores. 12. Estes fornecedores resolveram intentar acções judiciais para reclamar os seus créditos e procederam à penhora de bens, penhorando especificamente o imóvel descrito como art 642.º, como resulta do depoimento de FF, inquirido na sessão de 01.02.2023 com o registo fonográfico constante dos autos, relativo às 09:55 às 11:12 do predito dia. 13. Pelas testemunhas foi atestado que o que foi vendido pela EMP03... ao Autor foi a Quinta ..., propriedade hoje explorada pela Ré EMP05..., Lda., e que as obras realizadas não o foram no âmbito do processo de licenciamento que correu termos na Câmara Municipal ... com o imóvel descrito no art 641, propriedade de BB, pelo que nunca o Tribunal a quo poderia dar como provado que foi a sociedade EMP04... quem procedeu à reconstrução do edificado pré-existente e edificou um ampliação, as quais a 2. Ré vem usando para a actividade da restauração. 14. Quanto aos factos não provados, refere a Douta sentença que não foi feita referência ao exercício de actos materiais de posse sobre o complexo do restaurante pelos vários anteproprietários do A., pelo menos até 2017/2018. 15. Não concorda a Recorrente com esta fundamentação porquanto foram várias a testemunhas que nos elucidaram que era o Sr CC representante da EMP03... que explorava a Quinta ... antes de 2017/2018 16. Como acima transcrito a testemunha FF mencionou que o Sr CC contraiu várias dívidas por causa da exploração da quinta e que tinha dívidas antes da venda da mesma, concretizou até que a venda se deu precisamente para saldar tais dívidas contraídas antes da venda. 17. Concretizou também esta testemunha que o Sr CC lhe apareceu a primeira vez para venda da Quinta ... em 2016. 18. O depoimento do Arq. GG foi bastante elucidativo quanto a este exercício de actos materiais de posse anteriores a 2017, informando até que o imóvel em causa era da família e o Sr CC nasceu no imóvel em causa. 19. Em face destes depoimentos muito precisos deveria o Tribunal a quo ter dado como provado os art.s 1 e 2 dos factos não provados ou seja que: Há mais de vinte anos que o Autor, por si e antepossuidores, vem possuindo, detendo e fruindo o prédio identificado no facto provado número 1 a 5, dele retirando todos os proveitos e utilidades económicas, suportando todos os encargos ao mesmo inerentes, procedendo a obras de limpeza e conservação e pagando os respectivos impostos (artigos 4º e 5º da p.i.). E que: O Autor vem procedendo da forma descrita no facto anterior sem violência na aquisição, sem interrupção, oposição ou ocultação de quem quer que fosse, à vista de todos de modo a poder ser conhecida por todos aqueles que pudessem ter interesse em contrariá-la e, com o ânimo de quem é dono e exerce os direitos correspondentes ao exercício do correspondente direito de propriedade sobre a coisa e na convicção de que não colide, nem lesa direitos de outrem (artigos 6º a 8º e 15º da p.i.). 20. Como podemos observar pela prova produzida, a principal questão a dirimir consiste em determinar qual dos prédios acima identificados corresponde ao prédio existente no local, pois pela análise das descrições se constata que são prédios totalmente distintos. 21. O A. é proprietário de um prédio, situado em Lugar ..., com área total de 15.000 m2, dos quais 1.410 m2 cobertos e 13.590 m2 descobertos, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia ... e ..., composto de edifício de três pisos e logradouro, com seis divisões de utilização independente, destinado a serviços, descrito na competente conservatória .... 22. A Ré EMP02..., Ld.ª encontra-se autorizada por BB, a usar e fruir o estabelecimento comercial destinado à restauração, existente nos prédios ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio misto, situado em Lugar ..., correspondente aos artigos ...-U e ...-R da União de Freguesias ... e ... (anteriores ...-U e ...-R da freguesia ...), composto de casa de cave, r/c e sótão com 382 m2, logradouro e quintal com 3.160 m2 e Campo ... com 6.000 m2. 23. Ora, cumpre em primeiro lugar determinar qual dos dois prédios acima descritos corresponde ao prédio que fisicamente se encontra no local, ou seja se o prédio explorado pela 2ª Ré EMP02..., Lda. corresponde ao prédio descrito sob o n.º ...42 ou .... 24. Para tal temos de analisar a configuração física do mesmo e comparar esta configuração física com as descrições prediais. 25. O certo é que analisando tal configuração física não restam dúvidas que tal prédio só pode corresponder ao prédio registado sob o artigo 642, registado a favor da A. 26. Se analisarmos atentamente as plantas do imóvel verificamos que este tem a área coberta de 1410 m2 e 13590 m2 de área descoberta. 27. Esta área tem exacta correspondência com a descrição do prédio adquirida pela A. descrito sob o n.º ...42 e em nada corresponde com o prédio descrito sob o n.º ...41 propriedade de BB, que tem apenas a área coberta de 382 m2 e descoberta de 9160 m2. 28. Por outro lado, aquando da venda do art 642 ao A. era o Sr CC e a EMP03... que ali exerciam a actividade de restauração, explorando a quinta de Eventos Quinta .... 29. Na altura da venda foi realizado no imóvel em causa, um inventário do recheio devidamente supervisionado pelo Sr CC representante da EMP03.... 30. Por outro lado, quanto ao imóvel adquirido por EMP04..., é efectivamente um prédio distinto da Quinta ... sendo que isto se comprova e percebe através da análise da documentação junta aos autos como seja as fotografias e plantas que refletem uma propriedade muito diferente da descrição do prédio descrito sob o n. ...41. 31. A diferença de áreas entre um artigo e outro é muito grande, não podendo haver dúvidas de que o imóvel em possui a área constante do art 462, com área coberta de 1410 m2 e 13590 m2 de área descoberta, vendido ao A. e não a área coberta de 382 m2 e 9000 m2 de área descoberta de que a EMP04... se arroga proprietária. 32. Pelo que deveria ter sido dado como provado que: A Ré EMP02... Lda. vem utilizando o prédio descrito nos factos provados números 1 a 5 para o exercício da actividade de restauração e promoção de eventos 33. Assim, o ponto 13 da matéria de facto dada como provada, deve ser considerado NÃO PROVADO e outrossim, os pontos n.º 1, 2 ,3, 4 e 5 dos factos dados como não provados, devem ser julgados como provados. 34. Como vimos supra, o Autores fez prova de que o prédio que é sua propriedade detém a área total de 15.000 m2, sendo 1410 m2 cobertos e 13590 m2, provou a sua configuração e os seus limites, quer através de testemunhas, quer através de prova documental e que tal prédio corresponde na integra à Quinta ..., que neste momento se encontra a ser explorada pela 2.ª Ré. 35. Pelo que, em face das provas produzidas pelo Autor teria ser declarado e reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio descrito no art ...42. e a 2.ª Ré EMP02... Lda ser condenada a entregar o imóvel que explora devoluta e livre pessoas e bens. 36. A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos artigos 342º, nº1 e 2, 350º, nº2, 1268º, 1311º, 1549.º todos do Código Civil, artigo 7º do C.R.Predial., artigos 5º/1, 615.º/1/ al. c) do Código de Processo Civil. A Ré “EMP02..., Ldª contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: PRIMEIRA: Nos presentes autos discute-se a titularidade do direito de propriedade, bem como o exercício da posse do prédio onde a aqui recorrida vem desenvolvendo a atividade de exploração de estabelecimento de restauração. SEGUNDA: Realizada a audiência de julgamento, o tribunal a quo decidiu, e bem, que este prédio urbano, onde a recorrida vem desenvolvendo a atividade de exploração de estabelecimento de restauração, é aquele que foi adquirido por BB, por compra em processo de Insolvência de “EMP04..., S.A.”. TERCEIRA: Cerca de 2 anos antes de ter instaurado a presente ação declarativa, o aqui autor apresentou uma queixa crime no Tribunal da Comarca de Braga, contra CC, HH e EMP03... – Unipessoal, Lda, imputando-lhes a prática de um crime de burla qualificada, por ter sido enganado a respeito do prédio que lhe teria sido, primeiramente, dado como garantia de um mútuo, e, mais tarde vendido. QUARTA: É, pois, evidente que o autor instaurou a presente ação em manifesto e evidente abuso do direito, por saber, por ter sido enganado, que o prédio que lhe foi vendido não era o correspondente ao restaurante/quinta de eventos. QUINTA: Mais demonstrou saber o aqui autor que, bem vistas as coisas, algo não batia certo com a descrição do prédio objeto da escritura que outorgou e com a participação do modelo I do IMI que daria origem à matriz do .... SEXTA: Na verdade, e como assim foi bem assinalado na douta sentença, se nos debruçarmos sobre a origem de um e de outro prédio, constante das respetivas descrições prediais, facilmente haveremos de concluir que o prédio destinado a restaurante e a eventos é o que se mostra descrito sob o n.º ...41 da C.R.P (que foi o adquirido pelo BB e por este foi a recorrida autorizada a usar e fruir o estabelecimento comercial destinado à restauração) e não sob o nº ...42.º da C.R.P (que foi o que alegadamente o autor adquiriu). SÉTIMA: Detendo o autor, pelo menos, estes elementos de identificação do prédio, em especial a certidão predial da conservatória dos registos predial, comercial e automóvel ..., e tendo o mesmo sido assessorado nos negócios que fez por juristas, impunha-se que o mesmo tivesse, no mínimo questionado a forma como o prédio passou de rústico a urbano e, mais do que isso, se aquela descrição corresponderia ao restaurante/quinta de eventos, denominada “Quinta ...”. OITAVA: Bastaria o autor verificar através da certidão predial que o prédio que lhe estava a ser dado de garantia era, em finais de 2014, um prédio rústico, composto de terreno de mato, e que só em 2016 é que esse prédio foi averbado para urbano – e de forma provisória (artigo 818-8) – para desconfiar sobre a realidade física do prédio descrito sob o n.º ...42. NONA: Daí que, perante esta evidência factual, decorrente de um elemento de prova objetivo, sem que haja qualquer documento comprovativo da execução de quaisquer obras no prédio descrito sob o n.º ...42, e sem que tivesse havido qualquer relato de tais obras por parte de qualquer testemunha, tudo quanto referido pelo autor e pelas testemunhas por si assinaladas não permitem ir mais além do que a conclusão a que chegou, validamente, o Tribunal de 1.ª Instância: a de que “o entretanto falecido CC, em representação da “EMP03...”, lhes mostrou nos idos de 2017/2018, aquele mesmo espaço (indicando-o na planta junta com a p.i. – fls 12 do processo físico), como correspondente à área do prédio ...42º de que a primeira ré era proprietária e prometia vender, informando ainda que era esta quem o explorava, à data. Criou, assim, no autor a convicção de que estava a vender o conjunto de edifícios onde funcionava o restaurante. DÉCIMA: Ao invés, no sentido de que o prédio onde a recorrida vem desenvolvendo a atividade de exploração de estabelecimento de restauração é aquele que foi adquirido pelo BB contribuem ainda mais dois elementos objetivos de prova: o licenciamento camarário instituído pela “EMP04..., S.A.”; e os relatórios periciais mandados realizar para melhor identificação dos prédios pertencentes à massa insolvente daquela sociedade, a quem o BB viria a adquirir o prédio destinado à atividade de exploração do estabelecimento de restauração. DÉCIMA PRIMEIRA: No recurso que apresentou, sem que tivesse posto em causa a decisão proferida vertida nos pontos 9 e 10 dos factos provados, veio a recorrente impugnar a decisão vertida nos pontos 11 e 13. DÉCIMA SEGUNDA: Relativamente à impugnação da decisão proferida e vertida no ponto 11 dos factos provados, começa por se dizer que a mesma é em tudo idêntica à vertida no ponto 10 dos factos provados, e não impugnada pela recorrente, pelo que tal matéria terá de se dar como assente. DÉCIMA TERCEIRA: Acresce que não se lê no recurso oferecido pela recorrente as razões da impugnação da decisão proferida sob o ponto 11 dos factos provados, nem quais os concretos meios de prova que imporiam decisão diversa da proferida. DÉCIMA QUARTA: Quanto à impugnação da decisão proferida no ponto 13 dos factos provados insurge-se a recorrente, alegando que o pedido de licenciamento foi indeferido e resultou da certidão predial do prédio descrito sob o n.º ...41 que tal obra foi embargada. DÉCIMA QUINTA: O que a recorrente alega a este respeito não tem a mínima correspondência com a realidade dos factos, nem tão pouco, ou muito menos, com a prova produzida. Na verdade, não foi feita qualquer prova de que tivesse uma construção posterior averbada em 2016 pela EMP03... no prédio descrito sob o n.º ...42. DÉCIMA SEXTA: Mas sem prescindir, resulta do documento n.º 5 junto pela recorrida em 30/01/2023, com a referência citius 14088897, que, por referência ao processo 245/05, em nome da EMP04..., S.A., foi concedida no início de 2005 a licença para abertura de caboucos e muros de contenção de terras, após requerimento dirigido ao Presidente da Câmara pela testemunha II; que foi deferido em julho de 2005 o pedido de trabalhos de escavações e contenção periférica; que foi deferido em dezembro de 2005 a licença administrativa para ampliação e alteração de um edifício existente destinando-o a um estabelecimento de restauração e bebidas; que em dezembro de 2005 os projetos de especialidades obtiveram pareceres favoráveis, pelo que o processo poderá ser remetido a decisão final, e que o mesmo só está condicionado à obrigatoriedade do requerente em resolver eficientemente o escoamento das águas pluviais, o que mereceu parecer favorável em 09/12/2005; que o aludido projeto mereceu parecer técnico favorável da Autoridade de Saúde e da Proteção Civil; e que, em 25/07/2005, após aprovação do projeto de arquitetura, o parecer é favorável. DÉCIMA SÉTIMA: Tudo isto demonstra que as obras de ampliação destinadas ao estabelecimento de restauração foram executadas pela sociedade EMP04... no prédio descrito sob o n.º ...41, nos anos de 2005 e 2006. DÉCIMA OITAVA: Como assim também o referenciaram as testemunhas II e GG, sendo que, desde então, tem sido essa a funcionalidade desse prédio, que vem sendo usado pela recorrida, após o mesmo ter sido adquirido pelo BB, por venda judicial no âmbito do processo de insolvência da EMP04.... DÉCIMA NONA: A isto acresce o facto da sociedade EMP04... ter deixado de ser proprietária do prédio n.º ...42 a partir de 2006, pelo que jamais poderia esta sociedade proceder à construção de quaisquer obras no prédio descrito sob o n.º ...42 que, repete-se, manteve-se como terreno de mato até ao ano de 2016, sem que haja notícia de ali ter sido edificadas quaisquer obras. VIGÉSIMA: Daí que, como pertinentemente concluiu o Mm.º Juiz de 1ª Instância, terá de se concluir que as inscrições matriciais, registos e documentos do processo de obras n.º 245/05, assim como o relatório de peritagem e de avaliação mandados realizar no processo de insolvência, colocam claramente no prédio n.º ...41 o local onde se situa o restaurante que foi explorado por JJ e melhor, até momento anterior à insolvência da EMP04... e, depois, da compra por BB, pela 2ª ré. VIGÉSIMA PRIMEIRA: Para além da prova documental – abundante – que existe nos autos, à mesma conclusão contribuiu a prova testemunhal produzida, mormente do depoimento da Arquiteta KK, do II (que teve participação direta nos registos dos prédios e no licenciamento das obras), do Arquiteto GG e do BB. VIGÉSIMA SEGUNDA: Daí que, como concluiu assertivamente o tribunal a quo “Não só a partir das imagens e descrições contidas no relatório de avaliação elaborado para o processo de insolvência da EMP04..., juntas com a referência citius 44561860 de 30.01.2023 (fls. 129 e 130 do processo físico), como também da descrição consensual feita por testemunhas que conheciam e conhecem o local, resulta evidente que esse conjunto edificado inclui os edifícios notoriamente antigos, em alvenaria de pedra e traça típica de meados do século passado. Isto permite, desde logo, excluir do âmbito do prédio descrito sob o n.º ...42, todo o conjunto edificado mais antigo, correspondente aos referidos edifícios que totalizam mais de 460 m2 de superfície coberta, pertencente aos prédios números ...55 e ...41 que, como foi referido por várias testemunhas em julgamento, eram e continuam a ser usados para o exercício da actividade de restauração no local, nomeadamente pela 2ª Ré. Exclui também áreas de terreno significativas que totalizam mais de 9.500 m2 (9.160 m2 do 641 + 365 m2 do 155).” VIGÉSIMA TERCEIRA: Por último, insurge-se a recorrente quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos não provados. VIGÉSIMA QUARTA: Para tal, apresentou como único argumento que era o Sr. CC que explorava a Quinta ..., antes de 2017/2018. VIGÉSIMA QUINTA: Porém, tendo ficado demonstrado que aquele CC explorou até momento anterior à insolvência da EMP04... o restaurante edificado/ ampliado no prédio descrito sob o n.º ...41; e não tendo sido produzida qualquer prova sobre o prédio, seus possuidores e antepossuidores, descrito sob o n.º ...42, pois que tudo andou à volta do restaurante - quinta de eventos denominada Quinta ...; nenhuma prova foi produzida quanto ao exercício de atos materiais de posse sobre o prédio descrito sob o n.º ...41, que até 2016 era num terreno de mato e que após 2016 foi averbado como urbano, com recurso à falsificação de documentos, segundo o próprio autor e no qual terá sido construído “um mamarracho”. VIGÉSIMA SEXTA: Outra não poderia ser a decisão do Tribunal de dar como não provados os factos constantes nos pontos 1 e 2 dos factos não provados. VIGÉSIMA SÉTIMA: Por fim, atento o decidido a respeito do restaurante corresponder ao prédio descrito sob o artigo ...41º, outra não poderia ser a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e vertida nos pontos 3 e 4 dos factos não provados. VIGÉSIMA OITAVA: Julgado improcedente o recurso versado sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto – até porque se afigura que a recorrente não cumpriu, minimamente, o ónus recursivo imposto pelo artigo 640.º do C.P.C. – e não tendo a recorrente feito prova de que o prédio que adquiriu foi o restaurante/quinta de eventos, denominada de Quinta ... – cujo ónus lhe competia – haverá de improceder, totalmente, o presente recurso. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139). Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. As questões que cumpre apreciar são: - os enunciados constantes dos pontos 11 e 13 dos factos provados devem ser considerados não provados? - os enunciados constantes dos pontos 1 a 5 dos factos não provados devem ser considerados provados? - o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que o espaço destinado a restauração que vem sendo usado pela 2ª Ré não integra o prédio descrito na CRP sob a ficha n.º ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ...? 3. Fundamentação de facto 3.1. O tribunal recorrido considerou: Factos Provados 1. Encontra-se inscrito sob o artigo matricial urbano ...38º da União de Freguesias ... e ..., com origem no artigo rústico ...25º da mesma União de Freguesias, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...42 ([1]) situado no n.º ...75 do Lugar ..., ... ..., com valor patrimonial total de € 660.715,20, com área total de 15.000 m2, dos quais 1.705 m2 correspondem a área de implantação de edifício e 1.519 m2 de área bruta privativa total, composto por seis elementos com utilização independente, tendo por titular inscrito do rendimento AA (cfr. caderneta predial urbana reproduzida como documento número 2 da p.i., fls. 7 e ss. do processo físico). 2. O artigo 838º-U referido no facto provado anterior teve origem no artigo ...25...-R que, por sua vez, teve origem no artigo ...89º cuja inscrição reza: “Terreno de mato, Área de 1,500 hectares, Confronta de norte com CC, sul com LL e outros, Nascente com MM e Poente com CC” (cfr. informação recebida da AT a 25.06.2024, fls. 287 e 288). 3. Por requerimento de registo apresentado a 03.05.2005 na Conservatória do Registo Predial, consta a seguinte descrição: Prédio não descrito, terreno de mato com a área de 15.000 m2, confronta a norte com imobiliária EMP06... S.A., sul com EMP04..., S.A., nascente com MM e poente com EMP04..., S.A.. Artigo 189 que na anterior matriz estava omisso. (cfr. requerimento de registo em apreço, junto pelo Instituto dos registos e Notariado a 09.05.2024, fls. 261 do processo físico). 4. Na ficha n.º ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio urbano, situado em Lugar ..., com área total de 15.000 m2, dos quais 1.410 m2 cobertos e 13.590 m2 descobertos, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia ... e ..., composto de edifício de três pisos e logradouro, com seis divisões de utilização independente, destinado a serviços, a confrontar de norte e poente com CC, sul com NN e outros, Nascente com MM, contendo, entre outras, os seguintes inscrições / averbamentos: a) Ap. ... de 03.05.2005 - Aquisição a favor dos herdeiros de OO, viúva (entre os quais CC), em comum e sem determinação de parte ou direito, resultante de sucessão por morte; b) Ap. ...0 de 03.05.2005 – Aquisição a favor da Imobiliária EMP06..., S.A., por cessão de quinhão hereditário, da posição de CC (escritura de cessão datada de 20.06.2000, fls. 12 do Livro ...19-D do ... Cartório Notarial ...); c) Ap. ...1 de 03.05.2005 - Aquisição a favor da EMP04..., S.A., por cessão de quinhão hereditário, das posições de PP, QQ, RR, SS, TT, UU, DD e VV (escritura lavrada a 08.03.2001, fls. 27 do Livro ...69-D do ... Cartório Notarial ...) e de WW (escritura lavrada a 27.11.2003, fls. 133 do Livro ...08-D do ... Cartório Notarial ...). d) Ap. ...7 de 12.05.2005 – Aquisição a favor da EMP04..., S.A., por transmissão, da posição da Imobiliária EMP06..., S.A. e) Ap. ...3 de 2006.06.27 foi registada a aquisição, a favor de XX, por compra a “EMP04..., S.A.” (escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ... a cargo do notário YY, livro ...7-A, fls. 33). f) Ap. ...03 de 2014.06.18 foi registada a aquisição, a favor de “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”, por compra a XX. g) Ap. ...05 de 2016.03.07 é introduzida a alteração quanto à área, passando a constar 1.778 m2 de área coberta e 13.222 m2 de área descoberta. h) Ap. ...96 de 2017.01.12 é introduzida a seguinte alteração na composição e confrontações: Edifício de três pisos e logradouro - norte e poente, CC; sul, NN e outros; nascente, MM. i) ap. ...6 de 2017.10.29 é introduzida a seguinte alteração na composição e confrontações: Edifício de três pisos e logradouro, composto por seis divisões de utilização independente, destinado a serviços - norte e poente, CC; sul, NN e outros; nascente, MM; j) Pela Ap. ...48 de 2018.11.14 foi registada a aquisição, a favor de AA, por compra a “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”. (cfr. certidão permanente junta como documento 1 da p.i., fls. 6 do processo físico; histórico do registo predial junto com a contestação da 2ª Ré, fls. 42 v.º e ss. do processo físico; e informações prestadas pelo Instituto de Registo e Notariado a 09.05.2024, fls. 208, 210, 260 e 269 do processo físico). 5. Por escritura pública de compra e venda outorgada a 13.11.2018 no Cartório Notarial de ZZ, sito em ..., CC, na qualidade de procurador e em representação da “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”, declarou vender, pelo preço de € 100.000,00 já recebido, a AA e este declarou aceitar, o prédio urbano composto de edifício de três pisos e logradouro destinado a serviços, situado no luar de ..., rua ..., freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...38, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42º ... (...) (cfr. certidão de escritura junta como documento número 3 da p.i., fls. 9 v.º e ss. dos autos). 6. Por declaração datada de 16 de Novembro de 2018, foram reconhecidas pela Notária AAA, as assinaturas feitas na sua presença por CC, na qualidade de gestor de negócios e em representação da “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”, e por AA, no escrito intitulado “Contrato de Comodato” reproduzido como documento número 4 da p.i. (junto a fls. 12 v.º e ss. dos autos). 7. Por declaração datada de 16 de Novembro de 2018, foram reconhecidas pela Notária AAA, as assinaturas feitas na sua presença por CC, na qualidade de procurador e em representação da “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”, e por AA, no escrito intitulado “Declaração”, reproduzido como documento número 5 da p.i. (junto a fls. 15 e ss. dos autos). 8. Na ficha número ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio misto, situado em Lugar ..., correspondente aos artigos ...-U e ...-R da União de Freguesias ... e ... (anteriores ...-U e ...-R da freguesia ...), composto de casa de cave, r/c e sótão com 382 m2, logradouro e quintal com 3.160 m2 e Campo ... com 6.000 m2, a confrontar de: Norte com caminho de servidão e EMP04..., S.A.; Sul com caminho público; Nascente com EMP04..., S.A.; e Poente com EMP06..., S.A.. Resultante da anexação dos descritos sob os números ...90 e ...90). Contendo, entre outras, as seguintes inscrições / averbamentos: a) Ap. ... de 03.05.2005 - Aquisição a favor dos herdeiros de OO, viúva (entre os quais CC), em comum e sem determinação de parte ou direito, resultante de sucessão por morte; b) Ap. ...0 de 03.05.2005 – Aquisição a favor da Imobiliária EMP06..., S.A., por cessão de quinhão hereditário, da posição de CC (escritura de cessão datada de 20.06.2000, fls. 12 do Livro ...19-D do ... Cartório Notarial ...); c) Ap. ...1 de 03.05.2005 - Aquisição a favor da EMP04..., S.A., por cessão de quinhão hereditário, das posições de PP, QQ, RR, SS, TT, UU, DD e VV (escritura lavrada a 08.03.2001, fls. 27 do Livro ...69-D do ... Cartório Notarial ...) e de WW (escritura lavrada a 27.11.2003, fls. 133 do Livro ...08-D do ... Cartório Notarial ...). d) Ap. ...7 de 12.05.2005 – Aquisição a favor da EMP04..., S.A., por transmissão, da posição da Imobiliária EMP06..., S.A.. e) Ap. ...62 de 08.01.2015 – Declaração de Insolvência da sociedade “EMP04..., S.A.” por sentença transitada em julgado a 26.05.2010. f) Ap. ...45 de 21.09.2018 – Aquisição a favor de BB, por compra em processo de insolvência de “EMP04..., S.A.”. (cfr. requerimento e histórico do registo predial juntos pelo Instituto dos Registos e Notariado a 09.05.2024, fls. 260 a 263 e 207 a 223, respectivamente). 9. Por escritura pública de compra e venda outorgada a 20.09.2018 no Cartório Notarial de BBB, sito em ..., CCC, na qualidade de administrador de insolvência da “EMP04..., S.A.” declarou vender, pelo preço global de € 75.340,00 já recebido, a BB, no acto representado pela sua procuradora DD, e esta, na referida qualidade, declarou aceitar, os prédios: Um) …urbano composto de casa de rés-do-chão, destinada a arrecadação com cortes, eira e logradouro, sito no Lugar ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz urbana com o artigo ...05, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... (155) - ... (...), prédio definitivamente registado a favor da insolvente pela inscrição da "Ap. ..., de 03/05/2005" e seus averbamentos, estando a declaração de insolvência registada pela inscrição da "Ap. ...62, de 08/01/2015" e seu averbamento. Dois) …urbano composto por casa de rés-do-chão, destinada a armazém e logradouro, sito no Lugar ..., da União de Freguesias ... e ... concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana com o artigo ...35, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... (507) - ... (...), prédio definitivamente registado a favor da insolvente pela inscrição da "ap. ...8, de 28/11/2001 estando a declaração de insolvência registada pela inscrição da Ap. ...62, de 08/01/2015" e seu averbamento. Três) …urbano composto por casa destinada a escritório, sito no Lugar ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana com o artigo ...15, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... (530) - ... (...), prédio definitivamente registado a favor da insolvente pela inscrição da "ap. ...8, de 28/11/2001", estando a declaração de insolvência registada pela inscrição da "Ap. ...62, de 08/01/2015" e seu averbamento. Quatro) …o prédio misto composto por casa de cave, rés-do-chão e sótão, com logradouro e quintal, com campo do fundo de terreno a mato, sito no Lugar ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana com o artigo ...06, com o valor atribuído de setenta e três mil euros (73.000,00 Euros) e inscrito na respetiva matriz predial rústica com o artigo ...27, com o valor atribuído de cento e oitenta e quatro euros (184,00 Euros), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... (...) - ... (...), prédio definitivamente registado a favor da insolvente pela inscrição da "Ap. ..., de 03/05/2005" e seus averbamentos, estando a declaração de insolvência registada pela inscrição da "Ap. ...62, de 08/01/2015" e seu averbamento. (cfr. certidão de escritura junta como documento número 1 da contestação, fls. 36 e ss. dos autos). 10. A Ré EMP02..., Ld.ª encontra-se autorizada por BB, a usar e fruir o estabelecimento comercial destinado à restauração, existente nos prédios descritos no facto provado número 8 e 9 (artigos 12º e 18º da contestação). 11. A Ré “EMP02... Ld.ª” vem utilizando os prédios descritos nos factos provados números 8 e 9 para o exercício da actividade de restauração e promoção de eventos (artigo 19º da p.i.). 12. O exercício referido no facto provado anterior é contrário à vontade do Autor (artigo 19º da p.i.). 13. Foi a sociedade “EMP04..., S.A.” quem procedeu à reconstrução do edificado pré-existente do prédio aludido nos factos provados números 8 e 9, e edificou uma ampliação, as quais a 2ª Ré vem usando para a atividade da restauração (artigo 20º da contestação). 14. Por sentença transitada em julgado a 26.05.2010, proferida no processo n.º 3781/09.2TBGMR do J4 da Instância Local Cível de Guimarães, a sociedade “EMP04..., S.A.” foi declarada insolvente (cfr. histórico do registo predial junto pelo Instituto dos Registos e Notariado a 09.05.2024, fls. 214 do processo físico (artigo 20º da contestação). 15. O Autor interpelou as Rés com vista à entrega imediata do prédio descrito nos factos provados números 1 a 5, livre de pessoas e com todo o recheio nele existente (cfr. notificação judicial avulsa junta com a referência citius 42433144 de 31.05.2022, fls. 51 e ss. do processo físico) (artigo 26º da contestação). * Factos não provados1. Há mais de vinte anos que o Autor, por si e antepossuidores, vem possuindo, detendo e fruindo o prédio identificado no facto provado número 1 a 5, dele retirando todos os proveitos e utilidades económicas, suportando todos os encargos ao mesmo inerentes, procedendo a obras de limpeza e conservação e pagando os respectivos impostos (artigos 4º e 5º da p.i.). 2. O Autor vem procedendo da forma descrita no facto anterior sem violência na aquisição, sem interrupção, oposição ou ocultação de quem quer que fosse, à vista de todos de modo a poder ser conhecida por todos aqueles que pudessem ter interesse em contrariá-la e, com o ânimo de quem é dono e exerce os direitos correspondentes ao exercício do correspondente direito de propriedade sobre a coisa e na convicção de que não colide, nem lesa direitos de outrem (artigos 6º a 8º e 15º da p.i.). 3. Em 21 de Novembro de 2018, a 1ª Ré cedeu à 2ª Ré a utilização do prédio recebido em comodato, aludido no facto provado número 1 a 5 (artigo 18º da p.i.). 4. A Ré “EMP02... Ld.ª” vem utilizando o prédio descrito nos factos provados números 1 a 5 para o exercício da actividade de restauração e promoção de eventos (artigo 19º da p.i.). 5. No ano de 2006, não existia o edifício onde a 2ª Ré vem exercendo a actividade de restauração (artigo 19º da contestação). * 3.2. Da impugnação de facto3.2.1. Enquadramento jurídico - Requisitos Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epígrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)” As referidas exigências legais visam uma clara e inequívoca delimitação do objecto do recurso em matéria de facto e conferir efectividade ao princípio do contraditório, pois só na medida em que se sabe o que é que é objecto de impugnação, quais os meios de prova convocados, é que será possível à parte contrária exercer o contraditório. Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 197-199, procede a uma análise das exigências legais da impugnação da decisão de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são: a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1 do art.º 640º), com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (335) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões; b) deve ainda especificar, na motivação, os concretos meios de prova (alínea b) do n.º 1 do art.º 640º), constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação ou, acrescentamos nós, bloco de factos conexos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, cumpre ainda ao recorrente indicar (alínea a) do n.º 2 do art.º 640º) com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes, sob pena de imediata rejeição do recurso; d) o recorrente deixará, expresso, na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1 do art.º 640º), tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos (cfr. o AUJ n.º 12/2023, proferido no processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 220, de 14 de novembro de 2023 e objecto de Declaração de retificação n.º 25/2023, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 230, de 28 de novembro de 2023, que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”) De referir que o recurso da decisão da matéria de facto não pode ser objecto de despacho de aperfeiçoamento (neste sentido os Ac.s do STJ de 27-09-2018, processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, de 18/06/2019, processo 152/18.3T8GRD.C1.S1 e de 08/09/2021, processo 5404/11.0TBVFX.L1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj, Abrantes Geraldes, ob cit. pág. 198-199 e Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil, I, AAFDL Editora, pág. 304). A letra do art.º 640º n.º 1 é lapidar em afastar a possibilidade de despacho de aperfeiçoamento ao dispor (sublinhado nosso) que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:…” Ou seja: se a impugnação da matéria de facto não observar os referidos requisitos, nessa parte o recurso deve ser rejeitado. E tanto assim é que, em sede de impugnação da matéria de facto não existe norma semelhante à do n.º 3 do art.º 639º, onde se dispõe: “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.” Finalmente, o art.º 652º n.º 1 alínea a) do CPC, que define a função do relator, dispõe que este apenas pode “convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º” 3.2.2. Em concreto i) A recorrente indicou nas conclusões a pretensão de impugnação dos enunciados constantes dos pontos 11 e 13 dos factos provados e os enunciados constantes dos pontos 1 a 5 dos factos não provados. ii) A recorrente indicou nas conclusões que os enunciados constantes dos pontos 11 e 13 deviam ser considerados não provados e os enunciados constantes dos pontos 1 a 5 dos factos não provados deviam ser considerados provados. iii) A recorrente transcreveu na motivação os excertos dos depoimentos que considera relevantes. iv) Quanto ao último requisito – indicação nas alegações dos meios de prova com base nos quais entende que a solução deveria ter sido outra -, muito embora a recorrente tenha indicado nas conclusões a pretensão de impugnação dos enunciados constantes dos pontos 11 e 13 dos factos provados e os enunciados constantes dos pontos 1 a 5 dos factos não provados, o certo é que na motivação não faz qualquer referência ao ponto 11 dos factos provados nem aos pontos 3 e 5 dos factos não provados, ou seja, não especificou aí os concretos meios de prova (alínea b) do n.º 1 do art.º 640º), constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinariam uma decisão diversa quanto aos citados pontos. Em face do exposto, rejeita-se a impugnação quanto ao ponto 11 dos factos provados e aos pontos 3 e 5 dos factos não provados. Quanto ao cumprimento deste requisito relativamente aos pontos 13 dos factos provados e pontos 1, 2 e 4 dos factos não provados, embora por vezes a recorrente se refira a “testemunhas”, sem precisar logo a quem se refere, posteriormente refere alguns depoimentos, pelo que se impõe concluir que a mesma cumpriu minimamente este requisito. 3.3. Da modificabilidade da decisão de facto 3.3.1. Enquadramento jurídico O art.º 662º do CPC, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, dispõe (sublinhado nosso): “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (…)” Está em causa saber como deve a Relação mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto em virtude da sua impugnação. A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj) quanto a pontos determinados. O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a matéria de facto sempre que, havendo impugnação da mesma e no respeito do princípio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que: i) incumbe ao Tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objecto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, e de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 334); ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC. De referir, ainda, que, na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso a Relação proceda à alteração da mesma e se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, pode a Relação fazê-lo a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj). Importa, ainda, neste âmbito, ponderar o princípio da livre apreciação da prova e que também se aplica à Relação na reapreciação da prova. A segunda parte do n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas…” e o n.º 5 do art.º 607º dispõe que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção. A análise crítica das provas e a apreciação das provas pelo juiz segundo a sua prudente convicção têm o mesmo sentido - em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e, em segundo, uma análise de acordo com os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência e, portanto, objectivável isto é, traduzível em “razões” – e as mesmas finalidades – por um lado, permitir ao juiz responder à questão de saber se “a prova prova que” (a expressão é de João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in Manual de Processo Civil, AAFDL Editora, pág. 517), isto é, se a prova é susceptível de formar a convicção da “verdade” de determinado enunciado de facto ou, como refere o art.º 341º do CC, saber se a prova demonstra a realidade dos factos ou, ainda de outra forma, se a prova permite o conhecimento de determinada realidade, se a prova confirma, ou não, a verdade do facto probando e, por outro lado, permitir ao juiz dar execução ao comando do n.º 4, isto é, especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, ou seja, explicar como se convenceu com as provas que se produziram, explicitar os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência que foram considerados, expor as referidas razões, exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e que deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação. A este respeito refere Manuel Tomé Soares Gomes in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 29: “A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.” Por outro lado, no que tange à formulação dos juízos probatórios, importa não esquecer que a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436). Ou seja: a prova judicial não tem que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida. Ou como se afirmou no Ac. desta RG de 24/02/2025, processo 441/23.5T8VRL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, a prova produzida há-de ter a medida bastante para criar no juiz a convicção de que o facto em discussão corresponde à verdade ontológica. Ou seja, dizemos nós, a prova produzida há-de ter, à luz de critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência, a consistência adequada, necessária e suficiente para permitir ao juiz estabelecer que determinado enunciado fáctico corresponde efectivamente à realidade histórica. Importa atentar que o disposto no art.º 607º também é aplicável à Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, tal reapreciação, como já referido, não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. É, aliás, a interpretação que se coaduna com o n.º 1 do art.º 662º quando dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (neste sentido o Ac. desta RG de 04/02/2021, proc. 184/19.4T8AMR.G2, consultável in www.dgsi.pt/jtrg). Uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade. Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo de som e não também de imagem. Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador. E, como tem vindo a ser sublinhado (nomeadamente Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 349 e jurisprudência citada na nota 552, pág. 350), não pode ser invocado como óbice a uma plena e efectiva reapreciação dos meios de prova. Como afirma Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 350, “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à correspondente modificação da decisão. E para isso tem de pôr em prática as regras ditadas acerca da impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto.” Destarte, e em síntese, incumbe à Relação apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto e formar a sua própria convicção, com base nos elementos que lhe estão acessíveis e motivar a decisão de alterar ou não alterar a decisão da 1ª instância, expressando a análise crítica das provas produzidas, com base nas regras da experiência e normalidade. 3.3.2. Em concreto Os enunciados fácticos impugnados têm o seguinte teor: 13. Foi a sociedade “EMP04..., S.A.” quem procedeu à reconstrução do edificado pré-existente do prédio aludido nos factos provados números 8 e 9, e edificou uma ampliação, as quais a 2ª Ré vem usando para a atividade da restauração (artigo 20º da contestação). 1. Há mais de vinte anos que o Autor, por si e antepossuidores, vem possuindo, detendo e fruindo o prédio identificado no facto provado número 1 a 5, dele retirando todos os proveitos e utilidades económicas, suportando todos os encargos ao mesmo inerentes, procedendo a obras de limpeza e conservação e pagando os respectivos impostos (artigos 4º e 5º da p.i.). 2. O Autor vem procedendo da forma descrita no facto anterior sem violência na aquisição, sem interrupção, oposição ou ocultação de quem quer que fosse, à vista de todos de modo a poder ser conhecida por todos aqueles que pudessem ter interesse em contrariá-la e, com o ânimo de quem é dono e exerce os direitos correspondentes ao exercício do correspondente direito de propriedade sobre a coisa e na convicção de que não colide, nem lesa direitos de outrem (artigos 6º a 8º e 15º da p.i.). 4. A Ré “EMP02... Ld.ª” vem utilizando o prédio descrito nos factos provados números 1 a 5 para o exercício da actividade de restauração e promoção de eventos (artigo 19º da p.i.). Para nos situarmos, vejamos, antes de mais, as realidades registais que estão em causa nos autos. Assim , está provado no ponto 8 dos factos provados que na ficha número ...03, da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio misto, situado em Lugar ..., correspondente aos artigos ...-U e ...-R da União de Freguesias ... e ... (anteriores ...-U e ...-R da freguesia ...), composto de casa de cave, r/c e sótão com 382 m2, logradouro e quintal com 3.160 m2 e Campo ... com 6.000 m2, a confrontar de: Norte com caminho de servidão e EMP04..., S.A.; Sul com caminho público; Nascente com EMP04..., S.A.; e Poente com EMP06..., S.A.. Resulta ainda das alíneas c) e d) do ponto 8 a inscrição da aquisição do prédio descrito sob o n.º ...41 a favor da EMP04.... De referir que consta da certidão da CRPredial ... descrito sob o n.º ...41 que pela ap 21/21-10-2005 são embargadas as obras levadas a efeito neste prédio. O ponto 9 dos factos provados é a escritura pública outorgada a 20/09/2018 em que o Administrador da insolvência da EMP04..., SA vendeu a BB, entre outros prédios, o prédio descrito sob o n.º ...41. Finalmente está provado – ponto 14 – que por sentença transitada em julgado a 26.05.2010, proferida no processo n.º 3781/09.2TBGMR do J4 da Instância Local Cível de Guimarães, a sociedade “EMP04..., S.A.” foi declarada insolvente. No ponto 4 dos factos provados está provado que na ficha n.º ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio urbano, situado em Lugar ..., com área total de 15.000 m2, dos quais 1.410 m2 cobertos e 13.590 m2 descobertos, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia ... e ..., composto de edifício de três pisos e logradouro, com seis divisões de utilização independente, destinado a serviços, a confrontar de norte e poente com CC, sul com NN e outros, Nascente com MM. Mais consta do referido ponto 4 que foram efectuadas as seguintes inscrições: - alínea d) - pela Ap. ...7 de 12.05.2005 foi inscrita a aquisição a favor da EMP04..., S.A., por transmissão, da posição da Imobiliária EMP06..., S.A. - alínea e) - pela Ap. ...3 de 2006.06.27 foi registada a aquisição, a favor de XX, por compra a “EMP04..., S.A.” (escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ... a cargo do notário YY, livro ...7-A, fls. 33). - alínea f) – pela Ap. ...03 de 2014.06.18 foi registada a aquisição, a favor de “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”, por compra a XX. - alínea g) – pela Ap. ...05 de 2016.03.07 é introduzida a alteração quanto à área, passando a constar 1.778 m2 de área coberta e 13.222 m2 de área descoberta. - alínea h) – pela Ap. ...96 de 2017.01.12 é introduzida a seguinte alteração na composição e confrontações: Edifício de três pisos e logradouro - norte e poente, CC; sul, NN e outros; nascente, MM. - alínea j) – pela Ap. ...48 de 2018.11.14 foi registada a aquisição, a favor de AA, por compra a “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”. (cfr. certidão permanente junta como documento 1 da p.i., fls. 6 do processo físico; histórico do registo predial junto com a contestação da 2ª Ré, fls. 42 v.º e ss. do processo físico; e informações prestadas pelo Instituto de Registo e Notariado a 09.05.2024, fls. 208, 210, 260 e 269 do processo físico). Vejamos agora, e em primeiro, a prova documental pertinente, de acordo com o critério cronológico de elaboração, com a qual algumas das testemunhas foram confrontadas. A 30/01/2023 a ora recorrida juntou aos autos documentação da Câmara Municipal ..., relativa ao processo de licenciamento n.º 254/05, que é composta pelos seguintes elementos (sublinhados nossos): - um requerimento da EMP04..., SA, dirigido à Câmara Municipal ..., datado de 12/07/2005, em que refere ter sido deferido o processo 254/05, referente à construção de um edifício de restauração e bebidas, a levar a cabo no Lugar ..., freguesia ..., concelho ... e requer a concessão e licença para abertura de caboucos e muros de contenção de terras, por um período de 180 dias, por forma a abreviar o tempo de espera até ao licenciamento final; - o despacho de deferimento a 27/07/2005 [consta 27/06/2005, mas certamente por lapso, já que há uma informação em que se afirma que não se vê inconveniente no deferimento pretendido, datada de 27/07/2005]; - o referido despacho foi notificado a 27/07/2005; - a 23/12/2005 e referindo-se como requerente EMP04... e o processo n.º ...5, por despacho do Vereador foi deferida a licença administrativa para ampliação e alteração de um edifício existente, destinando-o a um estabelecimento de restauração e bebidas, condicionado à obrigatoriedade do requerente resolver o problema do escoamento das águas pluviais; - a 08/07/2005, o Serviço Nacional de Bombeiros e com referência à requerente EMP04... emite parecer no sentido de não haver objecções ao desenvolvimento do projecto, com a menção de que deverá ser apresentado projecto de segurança; - a 25/07/2005 a Autoridade Regional de Saúde do Norte com referência à EMP04... informa que apreciado o projecto de arquitectura o parecer é favorável; - a 10/11/2005 o Serviço Nacional de Bombeiros com referência a EMP04... informa que o projecto de segurança contra risco de incêndio foi aprovado. - a 09/12/2005 a EMP07... e com referência à EMP04... refere que no local não existe rede de drenagem de águas residuais e o projecto relativo às redes prediais é de aprovar. A 17/06/2022 a ora recorrida juntou a estes autos, além do mais, certidão de fls. 739 a 741, fls. 746 a 752, fls. 755 a 762 do processo de insolvência da EMP04... (identificado no ponto 14 dos factos provados) e que constitui: de fls. 739 a 758, partes de um documento denominado “Relatório de Avaliação“, elaborado pela Arquitecta KK a 17/07/2015 [apesar de na parte inferior das folhas constar a data de 12/03/2015] da verba n.º 2 identificado como prédio misto inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...27 e matriz predial urbana sob o artigo ...06, em ambos os casos da freguesia ..., concelho ... e descrito na CRPredial ..., freguesia ... sob o n.º ...03. Aquando da sua inquirição como testemunha, a 07/02/2024, a Sra. Arquitecta KK apresentou o referido Relatório de avaliação a cores e completo, tendo o Sr. Juiz a quo ordenado a sua junção aos autos. No referido relatório consta: - págs. 3 e 10 e 11: “O imóvel em avaliação indicado pelo sr. CC não corresponde ao descrito na certidão do registo predial. Após análise ao registo predial verifica-se que existe uma AP ...05 – Embargadas obras levadas a efeito neste prédio. Verifiquei o processo de obras na Câmara Municipal ..., onde a requerente é EMP04... e o Licenciamento e Construção de um estabelecimento de restauração e bebidas. O registo apresentado é o n.º ...03, freguesia ... (...), onde se encontram fotografias do imóvel em questão e levantamento topográfico com delimitação do terreno”. - pág. 8 e sob a indicação figura 4 uma foto aérea em que se observa: ao centro e do lado direito para o lado esquerdo, uma área em construção, a seguir um telhado vermelho; e a seguir uma cobertura cinzenta da qual sobressaem elementos não identificados; - págs. 9 e 10: três imagens com a seguinte identificação “Casa de cave, rés do chão e sótão”; - pág. 11: fotos antigas da casa; - pág. 12: três imagens, sendo uma delas relativa a um “Levantamento topográfico” e outra relativa a “Implantação do licenciamento”, com a menção de que se trata de documentos existentes no processo de obras da CM ... n.º 254/05 e a terceira um “Levantamento s/escala área total de € 9.542,00m2”. - pág. 13: área do prédio: Urbano matriz ...06: área de implantação – 382,00m2; logradouro e quintal – 3.160m2; Rústico matriz ....000m2; área total - 9.542,00m2. A 17/06/2022 a ora recorrida juntou aos autos certidão extraída do processo de insolvência com os seguintes elementos: - informação da CM... de 13/10/2017 da qual resulta que em nome da EMP04... encontra-se o processo 254/05, acrescentando-se que “se encontra indeferido”; - informação da Câmara Municipal ... remetida ao processo de insolvência a 05/12/2017, constituída por uma planta de localização do prédio em que consta identificada como requerente EMP04... e a natureza da obra como sendo “edifício de restauração e bebidas”; e um extracto da planta de implantação e arranjos exteriores em que na primeira folha existem diversas áreas numeradas, constando a respectiva legenda da segunda folha, sendo que a área n.º 8 corresponde a “edifício de restauração e bebidas a licenciar” e depois constam dos seguintes elementos: a identificação do traçado do “limite do terreno (9 542,00m2)”; “Edifício existente – área a intervir 240,00m2”; “Edifício a construir: área da implantação – 705,00m2; área construção – 1 319,00m2; e no final é identificada como requerente EMP04... e é referido “Projecto de Licenciamento e Transformação de um edifício de restauração e bebidas”. Vejamos agora a prova pessoal. Desde logo o depoimento da testemunha KK, Arquitecta. Esta testemunha começou por referir que no processo de insolvência da EMP04... procedeu à avaliação de várias verbas em que, com excepção de uma, o “escritório”, todas se situavam dentro de “uma área murada em que fisicamente não era fácil perceber o que era o quê”. Concretizou que elaborou um Relatório de Avaliação do prédio descrito sob o n.º ...41, datado de 17/07/2015 e já supra mencionado, tendo referido que na primeira visita que efectuou aos imóveis foi acompanhada pelo Sr. CC [da CC, mas mais conhecido por DDD], na qualidade de legal representante da EMP04..., o qual declarou que o imóvel descrito sob o n.º ...41 tinha sido demolido e com as pedras tinha sido construído um moinho. Tal afirmação não lhe mereceu credibilidade. Tendo verificado que na certidão da CRPredial do ... constava a ap 21/21-10-2005 em que era mencionado que foram embargadas as obras levadas a efeito nesse prédio, consultou na Câmara Municipal ... o processo 254/05, relativo ao licenciamento de restaurante e estabelecimento de bebidas, de donde extraiu a planta de implantação do projecto objecto do pedido de licenciamento que inseriu na pág. 12 do Relatório. Numa nova visita o referido CC insistiu que o referido restaurante e estabelecimento de bebidas não fazia parte do prédio descrito sob o ...41. Mas nessa altura a testemunha já se encontrava munida dos elementos do processo camarário, nomeadamente a referida planta de implantação, onde constava a casa de cave, r/c e sótão com 382 m2 a que se refere a descrição predial do prédio ...41, tendo afirmado que tal casa foi restaurada e objecto de uma ampliação, para o seu lado esquerdo, que é o restaurante, objecto do processo de licenciamento com o n.º 254/05 e que estava implantado no prédio descrito sob o n.º ...41. A testemunha apoiou-se na foto aérea que consta na pág. 8 no relatório de avaliação, em que ao centro se observa, do lado direito para o lado esquerdo, uma área em construção, que referiu estar embargada (área esta que ao longo do julgamento foi denominada de “mamarracho”) e que não estava incluída no prédio descrito sob o n.º ...41; a seguir um telhado vermelho, que a testemunha indicou como sendo a casa identificada na descrição predial do prédio descrito sob o n.º ...41 e que foi restaurada; e a seguir uma cobertura cinzenta da qual sobressaem elementos não identificados que corresponde ao edifício de restaurante entretanto construído. E indicou ainda as fotos da casa de pedra restaurada, constantes das págs. 9 e 10 do relatório. A testemunha referiu também que o edifício/restaurante era o objecto do pedido de licenciamento no processo camarário 254/05, era o que se pretendia construir em 2005 e que foi efectivamente construído e apreendido para a massa, não tendo havido qualquer reclamação. A testemunha foi confrontada com a planta de localização que acompanhava a informação da CM... remetida ao processo de insolvência a 05/12/2017 e ali junta a 07/12/2017, tendo declarado que é a planta de localização que consta da pág. 12 do Relatório. Relativamente à citada planta de localização, já acima referida, observa-se, na primeira folha, diversas áreas numeradas, constando da segunda folha a legenda: a área n.º 8 corresponde a “edifício de restauração e bebidas a licenciar”, a área n.º 9 corresponde a pavimento em saibro compactado e a área n.º 6 a acesso pedonal em rampa (pendente 6%). A testemunha situou a casa restaurada do lado direito da referida área n.º 8 e entre a área n.º 9 a norte e a área n.º 6 a sul. A testemunha referiu ainda que quando visitou o imóvel o restaurante não tinha licença de utilização por terem sido solicitados elementos que não foram entregues (o que explicará, talvez, o facto de no ofício de 13/10/2017 que a CM... enviou ao processo de insolvência, se referir que em nome da EMP04... encontra-se o processo 254/05, que “se encontra indeferido”). A testemunha declarou também que tendo consultado o processo camarário 254/05 confirmou que o “registo“ que a massa lhe deu (entenda-se - a informação da descrição predial) era o que tinha dado entrada com o pedido de licenciamento, afirmando mais adiante que o processo de obra tinha um registo predial que era o mesmo da verba apreendida. Finalmente e a esclarecimentos do Ilustre mandatário da ora recorrente declarou que o referido CC nunca indicou a obra em construção/”mamarracho” como integrando o prédio descrito sob o n.º ...41; que não havendo licença de utilização do edifício do restaurante, o registo predial não podia ser actualizado e mandou fazer um levantamento topográfico da área da planta de localização que deu 9.542,00m2 de área total. A testemunha GG, Arquitecto, declarou que não teve intervenção específica no processo de edificação do “edifício de restauração e bebidas”; o responsável pelo projecto foi o Arquitecto EEE, sócio do depoente, fazendo o projecto parte do arquivo do gabinete de arquitectura. E explicou que a casa de habitação tinha sido, inicialmente, transformada em “casa de pasto” e, posteriormente, sofreu uma ampliação significativa com um edifício de eventos e restauração, tendo ideia de ter ido à sua inauguração ou a uma festa que nele teve lugar. O edifício construído tem dois pisos, sendo o piso de cima destinado a restaurante e eventos bastante grande, com centenas de m2. Não sabia qual era a empresa que explorava o restaurante. O nome EMP04... não lhe era estranho. Foi confrontado com a planta de localização que acompanhou a informação da CM... enviada ao processo de insolvência a 05/12/2017, tendo declarado corresponder à primeira versão do PDM, e com a planta de implantação, tendo referido, quanto a esta, que corresponde ao que lá está, tendo referido que a casa “velha” está entre os pontos 9 (a norte) e 6 (a sul) e o “corpo novo“ é o n.º 8, sendo o processo de construção de 2005. Referiu ainda que a obra não tem licença de utilização, desconhece qual foi o “artigo”/prédio indicado quando o projecto foi submetido e quem era o dono, tendo ideia que a EMP04... era do CC, não conhecendo a entidade “EMP03...”. A testemunha II declarou que foi colaborador de CC, mais conhecido por DDD, até 2006; foi confrontado com o requerimento datado de 12/07/2005 da EMP04..., SA, dirigido à Câmara Municipal ..., já acima referido, tendo declarado que está assinado por si; estava em causa um projecto de construção de um restaurante pela EMP04..., tendo, mais adiante referido, que os caboucos que ali se referem é para a construção do restaurante. Foi ainda confrontado com a planta de implantação, tendo referido que era relativa à edificação nova, tendo as obras sido realizadas, desconhecendo quando foi finalizada, sendo construtora a ABB, tendo referido mais adiante ter ido ao espaço já em funcionamento. O moinho nunca existiu e não se lembra do “mamarracho”, que terá sido demolido, porque desde 2006 deixou de viver e frequentar a zona. Confrontado com a descrição predial do prédio descrito sob o n.º ...42 declarou desconhecer o que ali consta. Finalmente as declarações de parte de BB, enquanto legal representante da Ré EMP02..., tendo o mesmo declarado ser filho do referido DDD, com quem viveu até meados de 2016, quando casou, mas já não tinha relação com ele, não tendo ido ao casamento do declarante nem ao batizado da filha; fez o historial do espaço, tendo referido que o que existia era a casa em pedra – de cave, r/c e sótão - , que foi recuperada e ao lado foi feito um edifício novo, que é o restaurante, de dois andares; quem decidiu construir foi a EMP04..., sendo fornecedora de materiais a ABB, que não foi totalmente paga e requereu a insolvência daquela; a construção teve lugar entre 2005/2006; houve um embargo e depois reiniciou-se; quem começou a explorar o restaurante foi o irmão; mas era difícil trabalhar com o pai e seguiu outro caminho profissional; quem explorava o espaço era a EMP04...; a gestão era da EMP04...; o que lá estava tinha sido comprado pela EMP04...; nunca tinha ouvido falar da “EMP03...”, de que só teve conhecimento com a notificação judicial avulsa; desde que comprou o espaço o pai saiu; quem lhe entregou as chaves foi o AI; quando entrou estava tudo partido; o pai explorava o restaurante, mas nos últimos anos o movimento era pouco; foi constituída a sociedade EMP02...; alteraram o nome do espaço para Quinta ..., para afastar a ligação à Quinta ... e evitar ligações ao pai; o restaurante ficou por licenciar devido a um erro de áreas – ocupava uma área de terreno que pertencia a outra empresa; o “mamarracho” foi demolido; o pai não tinha empregados. Antes de concluir vejamos o que é invocado pela recorrente para sustentar a impugnação. Assim, e quanto ao ponto 13 dos factos provados, refere, em primeiro lugar, que o pedido de licenciamento de obras n.º 254/05 (como plasmado na documentação junta e não 245/05, como, por lapso, refere a decisão recorrida e a recorrente no recurso) foi indeferido e, como se observa pela análise da certidão predial, tal obra foi embargada, pelo que no referido prédio nunca foi edificado tal imóvel; o que aconteceu foi que, em face do mencionado embargo e do indeferimento do processo camarário, o Sr. CC [CC], efectivo representante da proprietária do imóvel procedeu a essa construção e registou-a no prédio descrito sob o n.º ...42, invocando depois o depoimento da testemunha II. É um facto que da certidão da prédio n.º ...41 consta a ap 21/21-10-2005 com a menção de que são embargadas as obras levadas a efeito neste prédio. O legal representante da Ré EMP02..., filho de CC, declarou que o embargo foi levantado, a obra prosseguiu e foi concluída. Não há elemento documental que permita concluir que o embargo foi levantado, tanto mais que a inscrição permanecia em 2023, conforme informação do registo predial junta com o requerimento da recorrida de 30/01/2023. Mas esse facto em si mesmo não é relevante, pois ninguém coloca em crise que a casa de cave, r/c e sotão pré-existente foi reconstruída e o edifício de dois pisos destinado a restaurante e eventos foi concluído, de tal forma que a recorrente reivindica tal complexo. E face à prova documental – elementos extraídos do processo 254/05 - e pessoal – depoimento das testemunhas KK, II e GG e das declarações de parte de BB – não se suscitam dúvidas quanto a ter sido a EMP04... quem realizou tal obra, de tal modo que determinou a sua insolvência. É ainda um facto que no ofício da CM... endereçado ao processo de insolvência a 13/10/2017 se informa que em nome da EMP04... existe o processo 254/05, acrescentando-se que se encontra indeferido. Já atrás deixámos dito que, muito provavelmente, tal menção significa que não foi atribuída licença de utilização, como resulta da prova produzida – Arquitectos KK e GG e declarações de parte do legal representante da Ré EMP02..., BB e filho do falecido CC. Mas tal facto também não releva pelo que já ficou referido - não há dúvidas que a casa de cave, r/c e sotão pré-existente foi reconstruída e o edifício de dois pisos destinado a restaurante e eventos foi concluído, de tal forma que a recorrente reivindica tal complexo. Já não tem qualquer sustentáculo na prova produzida a alegação da recorrente de que o imóvel objecto do processo de licenciamento 254/05 não foi edificado no prédio descrito sob o n.º ...41, pois isso resulta claramente da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha KK e da documentação do citado processo em que a mesma se sustentou, nomeadamente a planta de implantação e o facto de o processo ter sido submetido com indicação de que a construção seria realizada no prédio com o n.º ...41. Certo é, ainda, que não foi produzida qualquer prova, por mínima que fosse, de que foi CC ou a EMP03... – Unipessoal, Ldª que procedeu à reconstrução da casa de cave, r/c e sótão pré-existente e à construção do edifício de dois pisos destinado a restaurante e eventos. A recorrente invoca ainda o depoimento da testemunha II para afirmar que “[d]este depoimento percebemos que o processo de obras datado de 2005 mencionado na sentença como fazendo prova de que a construção ali existente foi edificada pela EMP04... no art 641, deu origem a uns “caboucos” que foram depois demolidos e que a construção houve uma construção posterior que já não passou pela EMP04....” Com todo o respeito, mas afigura-se haver aqui uma confusão. Como referido supra, a testemunha II foi confrontada com o requerimento datado de 12/07/2005 da EMP04..., SA, dirigido à Câmara Municipal ..., em que refere ter sido deferido o processo 254/05 referente à construção de um edifício de restauração e bebidas, a levar a cabo no Lugar ..., freguesia ..., concelho ... e em que requer a concessão e licença para abertura de caboucos e muros de contenção de terras, por um período de 180 dias, por forma a abreviar o tempo de espera até ao licenciamento final, o que foi deferido nos termos da informação a 27/07/2005, tendo ainda declarado ter sido ele que subscreveu tal requerimento. O mesmo também declarou que os caboucos que ali se referem eram para a construção do edifício do restaurante, o qual foi efectivamente construído. Mas a referida testemunha não afirmou que os ditos caboucos foram demolidos. A demolição diz respeito a outra realidade. Quando confrontado com o que ao longo do processo foi apelidado de “mamarracho” e que se situava do lado direito da casa antiga, declarou que desconhecia a sua existência, referindo que não fazia parte do projecto do restaurante e que terá sido demolido. O equívoco da recorrente torna-se ainda mais patente quando se verifica que há nos autos prova inequívoca de que o restaurante já construído e a referida área em construção, denominada de “mamarracho”, são realidades distintas, que existiram ao mesmo tempo, não sendo um o sucedâneo do outro como pretende a recorrente. Isto resulta claramente da foto aérea que integra a pág. 8 do Relatório de avaliação da Sra. Arquitecta KK de 17/03/2015 e do seu depoimento, observando-se nessa foto e ao centro da mesma, três realidades vistas do lado esquerdo para o lado direito: i) uma cobertura cinzenta da qual sobressaem elementos não identificados que corresponde ao espaço do restaurante (conforme, inclusive, a planta de implantação que acompanhava a informação da CM... endereçada ao processo de insolvência a 05/1272017); ii) a seguir, um telhado vermelho, correspondente à casa restaurada; iii) e a seguir uma área em construção, denominado ao longo do julgamento de “mamarracho” e que se identifica plenamente no último conjunto de fotos que acompanha o email da testemunha FF enviado para os autos a 01/04/2024. Finalmente é um facto que na descrição do prédio inscrito na CRP sob o nº ...42 consta que o mesmo tem a área total de 15.000 m2, dos quais 1.410 m2 cobertos e 13.590 m2 descobertos e pela Ap. ...05 de 2016/03/07 é introduzida uma alteração quanto à área, passando a constar 1 778 m2 de área coberta e 13.222 m2 de área descoberta (note-se a desarmonia entre as áreas, sendo certo que na matriz a área de implantação do edifício é de 1 705m2…). Porém, nada permite afirmar que tal área coberta corresponda ao restaurante, tanto mais que pela ap. ...6 de 2017 /10/29 é introduzida uma alteração na composição - edifício de três pisos e logradouro, composto por seis divisões de utilização independente, destinado a serviços – que não tem qualquer correspondência com a realidade física do complexo edificado, sempre descrito como correspondendo à casa de cave, r/c e sotão pré-existente e o edifício de dois pisos situado do lado esquerdo da referida casa. Importa ainda referir que, de acordo com a caderneta predial do prédio inscrito na matriz sob o art.º ...38 e descrito na CRPredial sob o nº ...42, a inscrição é de 2017, o Modelo 1 do IMI foi entregue a 03/03/2016 e a avaliação é de 15/12/2016. Tendo presente o que ficou referido até agora quanto ao prédio descrito sob o n.º ...42, não foi produzida qualquer prova que permita compreender como é que o mesmo passa de rústico a urbano. É que não existem quaisquer elementos que o justifique, nomeadamente, não foi apresentado qualquer projecto ou processo administrativo de realização de obras de construção em nome da “EMP03...” no prédio ...42. A recorrente argumenta ainda com o facto de o prédio descrito sob o n.º ...42 ter sido alvo de penhoras de fornecedores à Quinta ..., enquanto quinta de eventos. Conforme resulta da informação da CRPredial relativa ao prédio ...42 junta pela ora recorrida com a sua contestação, pela ap. ...7 de 2017/10/10 foi inscrita uma penhora tendo como sujeito activo a EMP08..., Ldª e sujeito passivo a EMP03.... Neste ponto e tendo particularmente em vista os pontos 1 e 2 dos factos provados, impõe-se afirmar que não foi produzida qualquer prova que, segundo o modo normal de conceber as coisas, permita dar por verificada uma actuação da EMP03... com energia suficiente para significar que a mesma exerceu sobre o complexo de edifícios em causa um poder correspondente, no caso, ao direito de propriedade, ou, dito de outra forma, que a mesma praticou actos idóneos a demonstrar uma intenção de apreensão e estabelecimento de uma relação duradoura e permanente com tais edifícios. Destarte, o facto de eventualmente, em algum momento e de forma esporádica, a EMP03... (sociedade de CC) ter explorado o edifício de restaurante/eventos a partir de 2010 (data da declaração e insolvência da EMP04...), em nada obsta à conclusão de que quem reconstruiu a casa de cave, r/c e sótão e construiu o edifício de dois pisos destinado a restaurante/eventos foi a EMP04... e fê-lo no prédio descrito sob o n.º ...41. A recorrente invoca ainda que, na altura da venda do imóvel, o representante da EMP03..., além de mostrar o imóvel, procedeu com o comprador à contagem dos bens integrantes do recheio da quinta de eventos, invocando depois os depoimentos das testemunhas FF e FFF. Porém, tal também não obsta, tendo em consideração o já afirmado nos parágrafos antecedentes, à questão em apreço. Finalmente a recorrente invoca “as plantas” do prédio descrito sob o n.º ...42, alegando verificar-se que este tem a área coberta de 1410m2 e 13590m2 de área descoberta, enquanto o prédio descrito sob o n.º ...41 tem a área coberta de apenas 382m2 e descoberta de 9160m2, referindo depois o depoimento da testemunha II. O autor original da acção juntou, com a petição inicial, uma planta topográfica que, compaginada com a planta de implantação extraída do processo camarário 254/05, permite afirmar que são parcialmente sobreponíveis, pois se identifica o parque de estacionamento, o acesso pedonal em rampa, a área do restaurante, a área da casa antiga e a seguir uma outra área que corresponde, em parte, à área em construção identificada na foto da pág. 8 do Relatório de avaliação; face à legenda constante da citada planta topográfica estas três últimas áreas correspondem a uma área de implantação de 1411 m2, sendo a área total de 15.000m2. Porém, ninguém explicou a referida planta topográfica junta com a petição inicial, além de que nada permite afirmar que retrata o prédio descrito sob o n.º ...42 (sendo certo que é possível desenhar uma realidade física “à medida”). E ainda que assim fosse a mesma não relevaria para a questão essencial: a de saber quem reconstruiu a casa de cave, r/c e sótão e construiu o edifício de dois pisos, complexo destinado a restaurante/eventos. Por outro lado, é certo que tal planta abrange a casa restaurada, a qual não pode haver dúvidas estar descrita sob o n.º ...41, pelo que não pode estar abrangida no prédio descrito sob o n.º ...42. Destarte e perante a prova documental – elementos extraídos do processo 254/05 - e pessoal – depoimento das testemunhas KK, II e GG e das declarações de parte de BB – e perante a ausência de prova de qualquer intervenção da EMP03... – Unipessoal, Ldª no prédio descrito sob o n.º ...41, nomeadamente ao nível da reconstrução da casa de cave, r/c e sótão e construção do edifício de dois andares situado do lado direito da referida casa, complexo destinado a restaurante/eventos, não se suscitam dúvidas quanto a ter sido a EMP04... quem realizou tal obra e que o fez no prédio n.º ...41, pelo que não merece censura a decisão do tribunal a quo em dar como provado o enunciado constante do ponto 13 dos factos provados. Quanto aos enunciados constantes dos pontos 1, 2 e 4 dos factos não provados, não foi produzida qualquer prova consistente do que neles consta, sendo patente e manifesto, face ao que consta do ponto 13, que a Ré “EMP02... Ld.ª” vem utilizando a casa de cave, r/c e sótão e o edifício de dois andares situado do lado direito da referida casa, complexo destinado a restaurante/eventos. Em face de tudo o exposto, impõe-se julgar improcedente a impugnação da decisão de facto quanto aos enunciados constantes dos pontos 13 dos factos provados e pontos 1, 2 e 4 dos factos não provados. 4. Fundamentação de direito 4.1. Enquadramento jurídico Dispõe o art.º 1311º do CC: 1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei. Na acção de reivindicação há: - uma pessoa singular ou colectiva que é titular do direito de propriedade, que não possui ou possuindo, não detêm materialmente a coisa; - um possuidor ou detentor da coisa que não é titular daquele direito; - uma causa de pedir que é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade; - e um fim constituído pela declaração da existência da propriedade no autor e pela entrega do objecto, sobre que incide o direito de propriedade. Tendo em consideração a literalidade do art.º 1311º, a acção de revindicação contempla dois pedidos: o pedido de reconhecimento do direito de propriedade (entendendo-se, no entanto, que “se o reivindicante se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade deve este pedido considerar-se implícito naquele” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, Volume III, anotação ao art.º 1311º) e o pedido de restituição da coisa que se encontra na posse ou detenção de outrem ( vd. nomeadamente Nuno Andrade Pissarra, Das Ações Reais, II, Imprensa FDUL, pág. 1911) (em sentido diverso, entendendo que o reconhecimento do direito de propriedade integra a causa de pedir e que, caso seja formulado o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, estar-se-á perante uma cumulação de pedidos, Oliveira Ascensão, Acção de reivindicação, Revista da Ordem dos Advogados 57 (1997), pág. 520 e José Alberto Vieira, Direitos Reais, 3ª edição, pág. 448). Na medida em que a finalidade essencial é exigir a prestação de uma coisa, no quando das acções referido no art.º 10º, estamos perante uma acção declarativa de condenação. Oliveira Ascensão in Revista da Ordem dos Advogados 57 (1997), pág. 528 defende: “Numa acção de condenação a causa pedir é necessariamente complexa. Consiste, não apenas no direito ou nos factos constitutivos deste que se invocam, mas também numa situação a este contrária que se quer ver transcendida através da condenação. A acção de reivindicação é dirigida à entrega. Isto significa que a causa de pedir não é apenas a titularidade ou os factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade na relação com a coisa, a que a entrega deve pôr termo. A desconformidade consiste na detenção por terceiro, que implicitamente contraria a situação do direito real.” No mesmo sentido Nuno Andrade Pissarra, ob cit. pág. 1902 e segs., máxime 1911-1913, 1950 e 1978, com recensão de jurisprudência na pág. 1906-1908 e Diogo Pessoa in Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Portuguesa, anotação ao art.º 1311º, pág. 166. E o Ac. da RL de 16/05/2023, processo 14782/22.5T8LSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl onde se afirma: A ação de reivindicação é dirigida à entrega da coisa, o que significa que a causa de pedir não é apenas a titularidade ou os factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade na relação com a coisa, consistente na sua detenção (ou posse) por terceiro, que implicitamente contraria a situação de direito real, e a que a entrega, enquanto momento essencial, deve pôr termo. Por isso, a causa de pedir, na ação de reivindicação, é necessariamente complexa, composta não só pelo direito real ou pelos seus factos constitutivos, mas também pela detenção da coisa por terceiro, em desconformidade com aquele direito, constituindo até a situação de facto desconforme um momento prévio sem o qual o recurso à reivindicação carece de sentido. Contra José Alberto Vieira, Direitos Reais, 3ª edição, pág. 451, defendendo que a ideia da complexidade da causa de pedir contraria o disposto no art.º 581º, n.º 4 do CPC actual, que alude somente ao facto aquisitivo do direito real e que o autor apenas tem de demonstrar que o réu tem a coisa em seu poder. Propende-se a considerar que a detenção por terceiro em desconformidade com o direito invocado integra a causa de pedir da pretensão de restituição e, deste modo, que a causa de pedir na acção de reivindicação é complexa. De referir que, se o autor se limita a invocar a celebração de um contrato de compra e venda de uma coisa móvel ou imóvel e o não cumprimento da obrigação de entrega da mesma por parte do vendedor e limita a pedir a entrega da coisa, não estaremos perante uma acção de reivindicação, mas perante uma acção de cumprimento de uma obrigação, em que basta ao autor provar a celebração do contrato de compra e venda. Mas “é também concebível que o comprador, a quem a coisa adquirida não foi entregue, intente uma ação em que peça ao tribunal que declare o seu direito de propriedade sobre a coisa e, ao mesmo tempo, condene o réu vendedor – não por ser vendedor, mas por ser quem tem a coisa em sua posse – a entregar a coisa. Neste caso (…) estaremos perante uma ação de reivindicação (…) [e] não se vê como obstáculo ao que vem de ser dito o facto de o art.º 1311º falar em restituição, sendo que, no caso em apreço, a coisa pode nunca ter entrado na esfera de domínio do comprador. Com efeito, uma vez comprador é-se, nos termos do artigo 408º [do CC] proprietário e a ação de reivindicação tem como função a tutela (também) da propriedade”. (cfr. Diogo Pessoa in Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Portuguesa, anotação ao art.º 1311º, pág. 167-168). O réu pode opor que: - a coisa lhe pertence, eventualmente invocando factos constitutivos, de posse duradoura; - é titular de uma relação obrigacional ou real que lhe confere a detenção ou posse da coisa; - que a coisa pertence a terceiro, invocando os factos constitutivos, em nome de quem detém a coisa por virtude de direito pessoal bastante. Nos termos do disposto no art.º 1316º do CC o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais actos previstos na lei. O contrato e a sucessão são formas de aquisição derivada; a usucapião, a acessão e a ocupação são formas de aquisição originária. É entendimento da maioria da doutrina e da jurisprudência que não basta ao reivindicante invocar e provar a aquisição derivada do direito, porque este não prova a bondade do título de aquisição do alienante e este reparo pode fazer-se, em cadeia, e para o passado, até se encontrar uma aquisição originária do direito reivindicado (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, III, pág. 115, anotação ao art.º 1311º, Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 1996, pág. 228, Luís Menezes Leitão, in Direitos Reais, 2009, pág. 256 e Acs. do STJ de 24/04/2007, processo 07A853, de 09/10/2007, processo 07A305, de 17/12/2014, processo 971/12.4TBCBR.C1.S1 e de 05/05/2016, processo 5562/09.4TBVNG.P2.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj). Não basta ao reivindicante provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (nemo plus iuris ad alium transfere potest, quam ipse habet). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris), o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir pelo que alguns autores a apelidam de “probatio diabólica”. Interrogando-se sobre “o nível da prova necessário para dar ao autor ganho de causa” Oliveira Ascensão, in ob. cit. pág. 534 conclui que “[i]sso depende porém da contestação do réu”, clarificando mais adiante, pág. 535 que “[s]e o réu contesta a propriedade e o pode fazer, há que proceder à prova cabal desta.” A necessidade de prova sucessiva ou “probatio diabólica” é dispensada em duas situações: mediante a alegação e prova de uma forma de aquisição originária, como sucede com a usucapião – art.º 1316º e 1287º e segs do CC; através das presunções derivadas da posse, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse – art.º 1268º n.º 1 do CC – ou do registo – art.º 7º n.º 1 do CRPredial, que dispõe: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Quanto à primeira referem Pires de Lima e Antunes Varela in CC Anotado, III, pág. 115, anotação ao art.º 1311º,: “… se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito”. E em tal situação podem relevar os regimes da sucessão na posse (artigo 1255º) e da acessão na posse (artigo 1256º), pelo que bastará ao autor provar que a sua posse somada à posse do(s) transmitente(s) permite a aquisição (originária) por usucapião. Quanto à segunda importa verificar que, como resulta da finalidade e função do registo predial, a presunção registal de titularidade constante do art.º 7.º do C. Registo Predial não abarca os elementos da descrição, ou seja, os elementos identificadores dos prédios, incluindo as confrontações, as áreas e as delimitações, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado (neste sentido José Alberto Vieira, Direitos Reais, 3ª edição, pág. 270 e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XIII Direitos Reais (1ª parte), pág. 813 e segs; na jurisprudência do STJ e a título meramente exemplificativo vd o Ac. de 17.06.1997, CJ, II, pág. 126; de 05.07.2001, processo 01A1139; de 19/02/2004, processo 04B2578; de 12.01.2006, processo 05B4095; de 28.06.2007, processo 07B1097; 11/02/2016, processo 6500/07.4TBBRG.G2.S3; de 02/03/2023, processo 1091/20.3T8VCT.G1.S1, todos e consultáveis in www.dgsi.pt/jstj). O CRPredial, logo no seu art.º 1.º, proclama que “o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, ou seja, a finalidade do registo predial consiste em dotar a ordem jurídica de um dispositivo organizado que permita a qualquer interessado aferir da existência e titularidade dos direitos reais incidentes sobre prédios (embora a jurisprudência sobre o tema seja abundante, segue-se o Ac. da RC de 26/11/2013, proc. 1643/10.0TBCTB.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc). E, por isso, o que se regista (o objecto do registo), como decorre do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros), ou seja, inscrevem-se factos jurídicos para, desta forma, dar a conhecer aos interessados a situação jurídica dos prédios (cfr. art. 1.º do C. Registo Predial). Mas os factos jurídicos que se inscrevem devem reportar-se a uma dada realidade. E essa realidade é a descrição do prédio que, como dispõe o art.º 79º n.º 1 do CRPredial tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios. Por outro lado, não há possibilidade de haver inscrição sem que previamente exista ou se abra uma descrição, dispondo o art.º 80º n.º 1 do CRPredial que as descrições são feitas na dependência de uma inscrição ou de um averbamento. Por isso alguma jurisprudência – ex: Ac. do STJ de 12/02/2008, processo 08A055; de 19/0272013, processo 367/2002.P1.S e de 19/09/2017, processo 120/14.4T8EPS.G1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj - entende que “se a presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do art. 7.º do CRgP, abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição, no sentido de, sem eles, não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal e âmbito –, tal presunção não pode deixar de se estender à (crucial) existência do próprio prédio objecto do direito, ainda que não à respectiva área, ou, pelo menos, à exactidão desta, sob pena de se presumir o direito sobre coisa nenhuma.” (sumário do último dos acórdãos citados). Assim, a locução “O registo definitivo…” utilizada no art.º 7º n.º 1 reporta-se à inscrição de um facto jurídico (dos tipicamente referidos no art.º 1º) e, portanto, quando o normativo afirma “O registo definitivo constitui presunção…” reporta-se apenas à inscrição predial e não à descrição predial, a qual constitui apenas e tão só o suporte para aquela, pelo que os elementos da descrição registal não estão abrangidos pela presunção. De referir, para terminar este ponto de enquadramento, que, como refere o Ac. do STJ de 10/12/2019, processo 1808/03.0TBLLE.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, as inscrições matriciais também não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos concernentes à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas percepções. 4.2. Em concreto O A. pediu que seja declarado e reconhecido que é dono e legítimo possuidor do prédio descrito sob o n.º ...42 da Freguesia ..., concelho ... e que o mesmo lhe seja restituído pelas RR. E para tanto invocou ter adquirido o prédio por compra e venda à Ré “EMP03...” e, além disso, a aquisição originária, por si e seus antepossuidores. A Ré “EMP03...” não contestou. A Ré EMP02... contestou alegando, em síntese, que o bem que o A. se arroga proprietário e cuja restituição peticiona é um edifício destinado a restaurante/eventos sito no Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., que não integra o prédio descrito sob o n.º ...42 (adquirido pelo A.), mas sim o prédio descrito sob o n.º ...41 da mesma freguesia, que foi adquirido por BB no processo de insolvência da EMP04..., sendo este o seu legítimo proprietário, que a autorizou a utilizar o referido edifício. O A., na resposta que foi convidado a apresentar, não colocou em crise que aquele edifício é objecto da reivindicação, defendendo, aliás, que o mesmo faz parte integrante do prédio descrito sob o n.º ...42. A sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido e declarou o Autor dono do prédio identificado nos factos provados números 3 a 5. Compaginando o que foi alegado pelo A., com o que foi alegado pela Ré EMP02... e a decisão recorrida, o que está em causa no recurso é saber se o A. é proprietário do complexo de edifícios destinado a restauração/eventos constituído pela casa antiga de cave, r/c e sótão que foi reconstruída e pelo edifício de dois pisos que foi construído posteriormente. Consta do ponto 4 da factualidade provada que na ficha n.º ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio urbano, situado em Lugar ..., com área total de 15.000 m2, dos quais 1.410 m2 cobertos e 13.590 m2 descobertos, inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia ... e ..., composto de edifício de três pisos e logradouro, com seis divisões de utilização independente, destinado a serviços, a confrontar de norte e poente com CC, sul com NN e outros, Nascente com MM. E consta da alínea j) do mesmo ponto 4 que pela Ap. ...48 de 2018.11.14 foi registada a aquisição, a favor de AA, por compra a “EMP03... - Unipessoal, Ld.ª”. (cfr. certidão permanente junta como documento 1 da p.i., fls. 6 do processo físico; histórico do registo predial junto com a contestação da 2ª Ré, fls. 42 v.º e ss. do processo físico; e informações prestadas pelo Instituto de Registo e Notariado a 09.05.2024, fls. 208, 210, 260 e 269 do processo físico). Face a esta inscrição e à luz do art.º 7º do CRPredial presume-se que o referido AA é o proprietário do citado prédio. Mas, como se deixou referido, a presunção prevista no art.º 7º do CRPredial não abrange a descrição predial, sendo certo que no caso do prédio descrito sob o n.º ...42 não encontra correspondência numa realidade física existente, pois a instrução da causa não revelou um edifício de três pisos e logradouro, com seis divisões de utilização independente, destinado a serviços. Sendo assim, invocando o autor que é proprietário do prédio descrito na CRPredial sob o nº ...42, com determinada composição ou características e pedindo a sua restituição, sendo invocado pela Ré detentora que a reivindicação abrange uma realidade – no caso uma complexo de edifícios - que não está incluído no prédio reivindicado, antes pertencendo a outro prédio, o descrito sob o n.º ...41, propriedade de BB, que a autorizou a utilizar aquele, não basta ao autor alegar a aquisição derivada do prédio descrito sob o n.º ...42, antes tendo de alegar e provar que a realidade física controvertida integra o prédio reivindicado, mediante a alegação e prova de factos consubstanciadores de uma aquisição originária: usucapião ou acessão. E nesse sentido o A. alegou que: - há mais de vinte anos que o Autor, por si e antepossuidores, o vem possuindo, detendo e fruindo, dele retirando todos os proveitos e utilidades económicas, suportando todos os encargos ao mesmo inerentes, procedendo a obras de limpeza e conservação e pagando os respectivos impostos (artigos 4º e 5º da p.i.). - o Autor vem procedendo da forma descrita no facto anterior sem violência na aquisição, sem interrupção, oposição ou ocultação de quem quer que fosse, à vista de todos de modo a poder ser conhecida por todos aqueles que pudessem ter interesse em contrariá-la e, com o ânimo de quem é dono e exerce os direitos correspondentes ao exercício do correspondente direito de propriedade sobre a coisa e na convicção de que não colide, nem lesa direitos de outrem (artigos 6º a 8º e 15º da p.i.). Quanto ao complexo de edifícios destinado a restauração/eventos constituído pela casa antiga de cave, r/c e sótão que foi reconstruída e pelo edifício de dois pisos que foi construído posteriormente, referido pela Ré EMP02... na sua contestação como fazendo parte integrante do prédio descrito sob o n.º ...41 e propriedade de BB, o A. não alegou especificamente factos consubstanciadores de uma aquisição originária, tendo defendido que o mesmo faz parte integrante do prédio descrito sob o n.º ...42, donde decorre que aquela alegação geral visava também o citado complexo. Destarte aqueles dois enunciados hão-de entender-se como visando abranger essencialmente aquele complexo. Aliás, tanto assim é que, como já foi referido, foi junta com a petição inicial uma planta topográfica que, compaginada com a planta de localização extraída do processo camarário 254/05, permite afirmar que são parcialmente sobreponíveis, pois se identifica o parque de estacionamento, o acesso pedonal em rampa, a área do restaurante, a área da casa antiga e a seguir uma outra área que corresponde, em parte, à área em construção identificada na foto da pág. 8 do Relatório de avaliação. Sucede que aqueles enunciados constam dos pontos 1 e 2 dos factos não provados, pelo que se impõe concluir não ter o A. logrado provar a aquisição originária daquele complexo de edifícios, como aliás, concluiu a sentença recorrida ao afirmar: Por isso, como condição para que se pudesse concluir que o complexo de edifícios e terreno circundante que a 2ª Ré ocupa integra o prédio n.º ...42 da C. R. Predial de que o Autor é presumido proprietário – posição contrariada pelas Rés -, necessário se mostraria que o Autor demonstrasse em juízo os pressupostos da aquisição originária por usucapião do direito de propriedade, decorrente do exercício da posse, por si e respectivos anteproprietários (sequencialmente: a sociedade “EMP03...”, GGG, a sociedade “EMP04...”, os herdeiros de OO e esta e respectivo marido), durante lapso de tempo e com os caracteres (pública, pacífica e contínua) necessários ao reconhecimento da prescrição aquisitiva do direito sobre a descrita realidade física (cfr. arts.º 1316º, 1258º a 1262º, 1287º, 1296º e 1256º, do C.C.). Sucede que o Autor não logrou tal demonstração, do que resulta não haver nos autos qualquer evidência de que as Rés, em particular a segunda, esteja, por qualquer forma, a violar o direito de propriedade do Autor sobre o prédio descrito no n.º ...42 da C.R.Predial. Aliás, em contraponto resulta do ponto 8 dos factos provados que na ficha número ...03 da freguesia ... (...) da Conservatória do Registo Predial, Comercial e de Automóveis ..., encontra-se actualmente descrito o prédio misto, situado em Lugar ..., correspondente aos artigos ...-U e ...-R da União de Freguesias ... e ... (anteriores ...-U e ...-R da freguesia ...), composto de casa de cave, r/c e sótão com 382 m2, logradouro e quintal com 3.160 m2 e Campo ... com 6.000 m2, a confrontar de: Norte com caminho de servidão e EMP04..., S.A.; Sul com caminho público; Nascente com EMP04..., S.A.; e Poente com EMP06..., S.A.. Resultante da anexação dos descritos sob os números ...90 e ...90). Este prédio esteve inscrito a favor da EMP04..., S.A., como flui das inscrições referidas nas alíneas c) e d) do referido ponto. Decorre ainda da alínea e) do ponto 8 dos factos provados que pela Ap. ...62 de 08.01.2015 foi inscrita a declaração de Insolvência da sociedade “EMP04..., S.A.” por sentença transitada em julgado a 26.05.2010., esclarecendo o ponto 14 dos factos provados que a referida sentença foi proferida no processo n.º 3781/09.2TBGMR do J4 da Instância Local Cível de Guimarães (cfr. histórico do registo predial junto pelo Instituto dos Registos e Notariado a 09.05.2024, fls. 214 do processo físico (artigo 20º da contestação). Finalmente, no que releva, ficou provado que pela Ap. ...45 de 21.09.2018 foi inscrita a aquisição do prédio em referência a favor de BB, por compra em processo de insolvência de “EMP04..., S.A.”. (cfr. requerimento e histórico do registo predial juntos pelo Instituto dos Registos e Notariado a 09.05.2024, fls. 260 a 263 e 207 a 223, respectivamente). Face a esta inscrição e à luz do art.º 7º do CRPredial presume-se que o referido BB é o proprietário do citado prédio. Mas como se deixou referido a presunção prevista no art.º 7º do CRPredial não abrange a descrição predial. Sucede ter resultado provado sob o ponto 13 dos factos provados que foi a sociedade “EMP04..., S.A.” quem procedeu à reconstrução do edificado pré-existente do prédio aludido nos factos provados números 8 e 9 [leia-se à reconstrução da casa de cave, r/c e sótão referida na descrição do prédio n.º ...41, prédio este a que se referem os pontos 8 e 9 dos factos provados], e edificou uma ampliação [o edifício de restauração/eventos com dois pisos referido ao longo da instrução da causa], as quais a 2ª Ré vem usando para a atividade da restauração (artigo 20º da contestação). Em face de tudo o exposto a decisão recorrida deve manter-se e o recurso ser julgado improcedente. 4.3. Custas Dispõe o art.º 527º n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. E o n.º 2 dispõe que “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.” A apelante ficou vencida, pelo que é responsável pelas custas. 5. DecisãoTermos em que acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação julgar improcedente o recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas da apelação pela recorrente. Notifique-se * Guimarães, 10/07/2025 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos Rosália Cunha ([1]) Da decisão de facto constava 624 o que, face à documentação com base na qual este facto foi considerado provado – caderneta predial urbana reproduzida como documento número 2 da p.i., fls. 7 e ss. do processo físico – constitui um manifesto lapso. |