Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA ORDEM PÚBLICA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/05/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | NÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Não pode ser deferida a revisão de sentença estrangeira que não cumpra o requisito do art.º 980.º alínea e) do CPC. II - Tal norma reporta-se á violação das leis de ordem pública processual, não se devendo confundir com a violação das normas de ordem pública material a que se refere o requisito da alínea f) da mesma norma. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I-RELATÓRIO “C… LDTA”, sociedade de direito privado com sede no município de São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, Brasil, intentou, na 7.ª Vara da comarca de São Bernardo do Campo, acção de despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança de “A… LTDA”, com sede no dito município de São Bernardo do Campo, pedindo a “decretação” do despejo do imóvel que arrendou á Ré, sito no referido município e, bem assim, a sua condenação ao pagamento do débito dos “aluguéis e encargos vincendos”. A Ré, citada, contestou, aduzindo que ao tempo da propositura da acção tinham vencido três meses de “Aluguel”, somando R$24.000,00, valor que foi quitado por carta de garantia no montante de R$ 25.000.000, pugnando pela improcedência da acção. A Autora ofereceu réplica, tendo as partes requerido o julgamento antecipado. Oferecida nova “planilha de débitos dos “aluguéis” devidos foi concedida á Ré a oportunidade de purgar a mora, o que não fez. Foi então proferida decisão, julgando procedente o pedido da Autora para decretar o despejo da Ré, assinalando-lhe o prazo de 15 dias para desocupação voluntária, ficando rescindido o contrato de locação, condenando-se a mesma ao pagamento dos aluguéis e encargos vencidos no curso da acção até desocupação, corrigidos a partir do inadimplemento, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação, ordenando-se o despejo e o pagamento, no prazo de 15 dias contados da publicação da sentença pela imprensa, sob pena de acréscimo e multa no percentual de 10% (fls 116 a 118). Apesar de ter sido efectuado o despejo, a Ré não pagou as quantias a que foi condenada, pelo que, a Autora, requereu a execução da sentença, nesta parte, já transitada (fls 126 a 128) Intimada mais uma vez a Ré para pagar a importância apurada sem a multa no prazo de 15 dias, esta nada pagou (fls 130). Requereu a Autora “C…” que se citassem os sócios da Ré na pessoa do seu procurador, F…, Brasileiro, advogado domiciliado na cidade de São Paulo, uma vez que aqueles residem em Portugal, e a Ré encerrou a sua actividade no Brasil, para que tome ciência do “presente feito….” (fls 134 e 135) Sobre tal requerimento foi proferido despacho, intimando-se a Ré executada na pessoa do seu administrador para pagar a importância apurada a fls 136, no prazo de 15 dias (art.º 475.º do CPC), sob pena de multa no percentual de 10% (fls 145). Citado o dito procurador, não foram pagas as quantias em causa (fls 154). Requereu então a Autora a Desconsideração da Personalidade Jurídica da executada pelo facto de esta ter encerrado as suas actividades irregularmente no Brasil e ter delapidado todo o seu património, com fundamento no art.º 50.º do Código Civil Brasileiro, a fim de ser possível atingir os bens particulares dos seus sócios, ora requeridos, que se encontram domiciliados em Portugal, para que cumpram os deveres legais assumidos no Brasil, em especial o pagamento do valor devido na presente execução, pois agiram com dolo e má-fé, no intuito de fraudar os credores (fls 158 a 161). Sem que se tenha notificado ou citado quem quer que fosse, foi proferido o seguinte despacho junto a fls 168: “Fls. 158: Defiro a desconsideração da Personalidade Jurídica, com fundamento no art.º 50.º do CC. Regularize o polo activo para incluir o sócio no polo passivo. Requeira o autor o quê de direito em relação ao sócio…mediante o recolhimento das custas nos termos do CSM170/2011, no prazo de 5 dias, sob pena de arquivamento provisório. Intimem-se.” Posteriormente a exequente alegou que não se logrou êxito em obter recursos em nome do sócio da empresa ré aqui no Brasil, Sr. J… mais informando que ré encerrou a sua actividade nesse país e que são sócios da mesma, a ora requerida “C… S/A”, que possui 1.350.000em cotas e J… que possui 15.0000,00 em quotas. Assim, e por não lhes restar outra alternativa, para ver satisfeito o seu crédito através da matriz da empresa localizada em Portugal, requereu a ora requerente a remessa de carta Rogatória a ser cumprida no seu endereço em Portugal, a fim de a mesma ser “intimada a cumprir a obrigação constante da presente acção, quitando a dívida existente, sendo essa a única alternativa nos autos de ver-se satisfeito o crédito da empresa autora (fls 189 e 190). No despacho de fls 194, foi indeferida a expedição da carta rogatória, “pois desnecessária a intimação pessoal para pagamento. … “Uma vez que não localizados bens … verifico que a sociedade empresária está constituída no Brasil… Assim, de acordo com a ordem prevista no art.º 665.º do CPC, defiro em substituição a penhora das quotas da sociedade empresária. Expeça-se mandado para a Junta Comercial a fim de penhorar as cotas da sociedade empresária de fls 163.” A fls.198 a 202, veio a autora/exequente dizer que não aceitava a penhora das quotas, fundamentando tal posição, mais requerendo o prosseguimento da execução contra os sócios da empresa ré, reiterando a expedição da carta rogatória àqueles, residentes em Portugal. Não obstante, a dita decisão foi confirmada conforme despacho junto a fls 216, tendo a Autora / Exequente, agravado desse despacho. Nos presentes autos de revisão de sentença estrangeira veio a “C… LTDA,” sociedade com sede no Brasil, requerer a confirmação da decisão que deferiu a Desconsideração da Personalidade Jurídica da Executada “C… LTDA”, também com sede no Brasil, nos termos do disposto no art.º 50.º do Código Civil Brasileiro a fim de executar os bens particulares dos seus sócios, ora requeridos, que se encontram domiciliados em Portugal, com vista ao pagamento das quantias em execução devidas pela dita “C… à ora requerente, conforme sentença proferida em Tribunal Brasileiro. Os requeridos deduziram oposição, pugnando pela não confirmação da sentença estrangeira em causa, alegando a violação das alíneas e) e f) do art.º 980.º e ainda por se verificar o fundamento da sua impugnação nos termos do disposto no art.º 983.º do mesmo diploma legal. A requerente respondeu pugnando pela confirmação da sentença em causa, pedindo que os requeridos fossem condenados como litigantes de má-fé em multa e em indemnização. A requerente, o requerido e o Ministério Público apresentaram alegações, reiterando os primeiros a suas posições, defendendo o MP a confirmação da sentença.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. A questão a decidir no caso dos autos é apenas a de saber se deve ser concedida a revisão da dita sentença proferida pela 7.ª Vara cível da comarca de São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil.
A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório.
DECIDINDO Estando em causa o reconhecimento de uma decisão proferida por Tribunal Brasileiro, há que ter em conta o disposto nos artigos 978.º a 985.º do Código de Processo Civil Português. Estabelece o art.º 980º os requisitos necessários e cumulativos à confirmação de sentença estrangeira. Não restam dúvidas de que estão presentes, no caso concreto, os requisitos referidos nas alíneas a), b), c) e d) da dita norma: Não se suscita qualquer dúvida sobre a autenticidade do documento onde consta a sentença a rever; Por outro lado, a decisão, apesar de sucinta é perfeitamente inteligível no contexto dos documentos juntos a estes autos, extraídos do processo que decorreu no Tribunal Brasileiro. Também se conclui de tais documentos que a decisão em causa transitou em julgado, pois que não foi objecto de qualquer impugnação. O Tribunal que a proferiu é competente para o efeito, por força do direito Brasileiro, competência que se presume, presunção que não foi ilidida (cf. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pag. 676, 1999) Não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; Não se vislumbra que possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado em causa afecta a tribunal português. Invoca o requerido que a sentença revidenda violou o disposto na alínea e) do art.º 980.º que prevê, como requisito necessário para a sua confirmação, “Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.” No que concerne á violação invocada, importará que nos debrucemos um pouco na natureza da decisão em causa. A Desconsideração da Personalidade Jurídica, não está regulada no direito português, embora no Código Sociedades Comerciais existam normas que afloram tal instituto, sendo certo que, também por via também o instituto do abuso de direito (art.º 334.º do CC), se podem alcançar os mesmos efeitos. A Desconsideração da Personalidade Jurídica está prevista no art.º 50.º n. 1do Código Civil Brasileiro que dispõe o seguinte: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” A Desconsideração ou Levantamento da Personalidade Colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente na jurisprudência, como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema. No fundamental, ela traduz-se numa delimitação negativa da personalidade colectiva por exigência do sistema ou, se se quiser, “ exprime situações nas quais, mercê dos vectores sistemáticos concretamente mais poderosos, as normas que firmam a personalidade colectiva são substituídas por outras normas" - cfr. Menezes Cordeiro, Manual do Direito Das Sociedades, I vol., 2004. pag. 381. Tem pois lugar a desconsideração quando se verifica que a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. A questão que nos autos releva é a de saber se esta decisão pode ser invocada directamente no procedimento executivo contra os sócios da pessoa jurídica condenada em acção declarativa por sentença transitada, título executivo, sem que estes hajam sido previamente citados para infirmarem os fundamentos do pedido de desconsideração, a fim de serem observadas as garantias do contraditório e da igualdade das partes. Parece-nos evidente que não. O que sucede no caso concreto é que, foi proferida sentença em acção declarativa na qual foi condenada por sentença apenas a sociedade de que os requeridos são sócios, que neste pleito não intervieram, sendo certo que, nem foram alegados factos concretos que fundamentassem a dita desconsideração. Como é evidente a dita sentença não constitui título executivo contra os sócios da condenada. Apesar da limitada pesquisa sobre tramitação do instituto em causa no direito Brasileiro, não vislumbramos regras concretas para a efectivar. Contudo, nada impediria que, posteriormente à decisão condenatória da pessoa colectiva, se conhecessem os pressupostos da Desconsideração da Personalidade Jurídica, desde que se exercesse o contraditório pleno por quem é demandado, ou seja, no caso, os sócios da sociedade devedora. Sucede que, no caso concreto não foi minimamente assegurado o contraditório no que respeita á decisão em causa. Senão vejamos. Já em sede de execução da sentença que constitui título executivo apenas contra a sociedade de que são sócios os requeridos, a ora requerida deduziu pedido de Desconsideração da Personalidade Jurídica da sociedade condenada, alegando factos que consubstanciam os pressupostos legais do instituto em causa. E, sem mais, foi proferida sentença que, sem exercer qualquer prévio contraditório relativamente aos visados, deferiu a Desconsideração, sem sequer conhecer da veracidade dos fundamentos fácticos do pedido. Ao contrário do que defende a requerente, a citação ordenada a fls 145, nada tem que ver com o contraditório no que concerne ao pedido da Desconsideração, só posteriormente requerido: tratou-se tão-somente de uma citação ao advogado dos representantes legais da sociedade condenada, precisamente nessa qualidade de representantes, intimando-os para pagarem a dívida em execução ao abrigo do art.º 475.ºJ do CPC Brasileiro. Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. § 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. O certo é que, no caso, não ocorreu qualquer contraditório prévio, como se impunha, e nem sequer se exerceu qualquer contraditório á posteriori, porque a decisão revidenda não foi notificada aos requeridos. Ademais, estando em causa uma verdadeira acção declarativa, eventualmente incidental, em que os ora requeridos foram pela primeira vez demandados, impunha-se a sua citação, conforme art.ºs 213.º e 214.º do Código de Processo Civil Brasileiro. Art. 213 - Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.75 Art. 214 - Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.76 Nestes termos, não se verifica no caso, o requisito referido na alínea e) do CPC Português. Mas poderá também entender-se que não se verifica o requisito negativo da alínea f) do art.º 980.º. Não se deve confundir o disposto na alínea f) com a alinea e). No art.1096º, alínea e) do C. P. Civil, apenas se exige, de modo expresso, como condição processual de reconhecimento de sentença estrangeira, que o requerido tenha sido regularmente citado para a acção e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes. Aquele preceito consubstancia uma manifestação da ordem pública processual, na medida em que faz apelo aos princípios fundamentais que não podem deixar de presidir a toda e qualquer lide pela qual se vise a solução de controvérsias jurídicas. Segundo Rui Moura Ramos RLJ, Ano 130º, nº 3881, pp. 236 a sobredita disposição sublinhou a importância do respeito da ordem pública processual em sede de reconhecimento de sentenças estrangeiras e permitiu libertar de referências deste tipo a cláusula de ordem pública internacional prevista na alínea f), do citado art.1096º do C. P. Civil, que pode assim ficar destinada a compreender princípios de ordem material e substantiva, e não já processual (Ferrer Correia e Ferreira Pinto, Revista e Direito e Economia, Ano XIII-1987, pp.53, citado no Acórdão da Relação de Lisboa proferido no p.º 999/09.1YRLSB-8 em 13/07/2010, relatado pelo Desemb. Rui da Ponte Gomes, em www.dgsi.pt). Já escrevia Alberto dos Reis, Processos Especiais, 1956, vol II, pag. 175. que o que deve entender-se por ordem pública (internacional) é questão árdua e complicada. Segundo este autor, as leis de ordem pública apresentam os seguintes traços: são leis rigorosamente imperativas que consagram interesses superiores da comunidade local e estão em divergência profunda com as leis estrangeiras a cuja aplicação servem de limite. Importando no entanto encontrar o critério que permita isolar as leis de ordem pública das outras normas do sistema jurídico nacional (a ordem pública interna), encontra-o o autor no conteúdo do preceito e na razão que o ditou. Considera assim, na esteira de Savigny e Mancini, que as leis de ordem pública internacional são aquelas que se inspiram ou em razões políticas (que proíbem quaisquer discriminações derivadas de diferenças de raça ou de diferenças de religião), ou em razões morais (que proíbem a poligamia, o divórcio, a investigação de paternidade), ou em razões económicas (que proíbem os fideicomissos, a pulverização da propriedade imobiliária, a renúncia ao direito de exigir a divisão da propriedade,etc.). Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág.434, entende por ordem pública o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas. Ferrer Correia, Lições, pág.511., entende que toda a disposição de lei, através da qual se pretenda sancionar o princípio limite da ordem pública, tem de revestir a forma de preceito em branco, que ao juiz da causa compete preencher, apurando em cada caso concreto, socorrendo-se do seu senso jurídico, se o resultado é intolerável do ponto de vista dos princípios fundamentais do direito português: algo de inconciliável com as concepções jurídicas que alicerçam o sistema. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 14/11/2007 Proferido no processo n.º 4398/2007-7 relatado pelo Des. Arnaldo Silva, em www.dgsi.pt. “nem todas as normas de ordem pública interna são normas de ordem pública internacional. Para que possa intervir a excepção de ordem pública internacional será necessário que as disposições da lex fori essencialmente divergentes da lei estrangeira normalmente aplicável, sejam fundadas em razões de ordem económica, ético-religiosa ou política. E isto não é uma definição, repete-se, mas apenas um critério de orientação para o juiz, e com valor aproximativo.” Por outro lado, é opinião pacífica na nossa doutrina que o controlo da ordem pública deve limitar-se à parte decisória da sentença, sem que importe considerar os respectivos fundamentos. Ou seja, haverá que atender à decisão em si, à situação que a decisão cria e estabelece, e não aos fundamentos em que assenta.
Embora por decorrência da omissão do contraditório, o certo é que, no caso, a situação que a decisão cria é incompatível com os princípios da ordem pública processual, não estando pois em causa a verificação do requisito negativo da dita alínea f). Finalmente, vejamos se está em causa a situação prevista no art.º 983.º n.º 2 do CPC. O sistema do direito português no que concerne á revisão de sentenças estrangeiras é o da revisão formal. Por regra, o tribunal de revisão examina apenas a regularidade extrínseca da sentença, não entrando na apreciação do seu mérito. Efectivamente, enquanto investiga se a decisão obedece aos requisitos das alíneas a) a f) do artigo 1096º CPC, o tribunal não procede a qualquer novo exame do fundo da causa. Todavia, o sistema comporta desvios exigindo, em determinadas situações, a revisão de mérito. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 15/01/2008 proferido no processo n.º 8350/2007-6 relatado pelo Des. Granja da Fonseca, em www.dgsi.pt., que aqui seguimos de perto, com a reforma de 1995, o chamado “privilégio da nacionalidade” – aplicação das disposições do direito privado português quando fosse este o competente segundo as regras de conflito do nosso ordenamento – constante da alínea g) do mesmo preceito, deixou de ser considerado requisito de reconhecimento, para ser configurado como obstáculo ao reconhecimento, cuja invocação fica reservada à iniciativa da parte interessada e subtraído, portanto, ao conhecimento oficioso do tribunal, nos termos fixados no n.º 2 do artigo 983º. Dispõe esta norma que, “Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa”. Se a sentença estrangeira foi proferida contra português, o tribunal de revisão deve verificar, havendo impugnação, se a decisão contrária os princípios do direito privado português, no caso de a questão dever ser resolvida por este, segundo as regras de conflito portuguesas. Assim, o tribunal português de revisão deve verificar, em primeiro lugar, se as leis portuguesas são aplicáveis porque, não o sendo, “não funciona o dever específico que o n.º 2 do artigo 983.º impõe. A questão resolver-se-á apenas em face das alíneas do artigo 1096º.” CF Ac. citado. Ora, embora prejudicado pela não verificação do requisito previsto pelo art.º 980.º alínea e) que por si só é fundamento de recusa da pretendida revisão, não se afigura, em face do disposto nos art.ºs 41.º e 42.º do CC, que as leis portuguesas sejam aplicáveis.
A requerente pede a condenação como litigante de má-fé do requerido J… alegando que o mesmo se comprometeu a honrar os compromissos da sociedade “C…”, conforme troca de e-mails que juntou aos autos. De acordo com o disposto no art.º 456.º n.º 2 do CC, actua como litigante de má fé a parte que, com dolo ou negligência grave: Deduzir pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento; Apresentar versão dos factos deturpada ou omissa, violando o dever de verdade; Usar de modo manifestamente reprovável os meios processuais, a fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar o trânsito em julgado da acção. A condenação de uma parte como litigante de má-fé da parte, consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, com o marcado intuito de moralizar a actividade judiciária. Assenta por isso num juízo de censura incidente sobre um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito. Resulta do conteúdo desta norma que constitui má-fé processual, tanto a litigância dolosa, como a litigância temerária. Ou seja, quer o dolo, quer a negligência grave caracterizam a litigância de má-fé. Como se refere no Ac. do STJ de 29/01/2008 “Distinguem-se claramente, na formulação legal, a má-fé substancial – que se verifica quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 456º, supra transcrito – e a má fé instrumental (al. c) e d) do apontado normativo).” Em ambas está presente ou uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva. Ora, no caso, os factos alegados para fundamentar a litigância de má-fé não se reconduzem ao comportamento processual do requerido, pelo que, os mesmos, a verificarem-se são irrelevante para a condenação em causa.
Em conclusão: Deve recusar-se a revisão de sentença estrangeira que não cumpra o requisito do art.º 980.º alínea e) do CPC, que, por se referir á violação das leis de ordem pública processual não se deve confundir com a violação das normas de ordem pública material, a que se refere o requisito da alínea f) da mesma norma.
DECISÃO Por tudo o exposto acórdão os Juízes desta secção cível em: Recusar a confirmação da sentença proferida pela 7.ª Vara da comarca de São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, Brasil; Julgar improcedente o pedido de litigância de má-fé, absolvendo desse pedido o requerido J…. Custas pela requerente. Guimarães, 5 de junho de 2014 Isabel Rocha Manuel Bargado Helena Melo
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. § 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. Art. 213 - Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.75 |