Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ RAMIÃO | ||
Descritores: | AVALISTA OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA PREENCHIMENTO ABUSIVO ÓNUS DA PROVA LIVRANÇA EM BRANCO | ||
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Data do Acordão: | 01/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. Tendo em conta os princípios da literalidade e abstração das obrigações cambiárias, a obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado, pelo que o art.º 782.º do C. Civil, aplicável à generalidade dos direitos de crédito pagáveis em prestações, não tem aplicação às obrigações cambiárias. 2. Compete ao oponente/avalista, no âmbito das relações imediatas, o ónus da prova quanto ao preenchimento abusivo da livrança, por se tratar de um facto impeditivo do direito de crédito invocado pelo exequente, nos termos do n.º2 do art.º 342.º do C. Civil. 3. A LULL não exige a necessária interpelação do avalista de livrança subscrita em branco como condição prévia do seu preenchimento, nem como requisito da exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório. Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa instaurada por C …, CRL, contra S…, Unipessoal, Lda., e J…, este veio deduzir oposição à execução, alegando: - Constando da livrança dada à execução que a mesma deve ser paga a “C… ou à sua ordem”, mas sendo a denominação da exequente “C…, CRL”, a referida livrança não identifica a exequente como sendo a pessoa a quem ou à ordem de quem a quantia deve ser paga, faltando por isso um dos elementos essenciais para que o título produza efeito como livrança; - Apenas a mutuária se obrigou ao pagamento dos juros moratórios referidos no artigo 7º do requerimento executivo, não o avalista, ora embargante; - A primeira prestação, vencida em 26.01.2019, foi paga em 06.02.2018, tal como resulta do doc. n.º 6 junto com o requerimento executivo; - A carta a que respeita o doc. n.º 5 foi enviada para destino que já não correspondia à morada dele, embargante, sendo que a exequente conhecia a morada correta (a indicada no doc. n.º 1); - Uma vez que a perda do benefício do prazo em relação ao mutuário não se estende aos coobrigados do devedor nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia, ele, embargante, continua a poder cumprir as prestações convencionadas dentro dos prazos contratualmente acordados, pelo que a obrigação é inexigível; - Considerando que a exequente não o interpelou a ele, embargante, não lhe podem ser exigidos os juros moratórios a partir da data de vencimento da livrança, mas apenas a partir da citação, à taxa de 4% ao ano, não à taxa indicada pela exequente. Concluiu pedindo que se julguem os embargos procedentes, extinguindo-se a execução. A exequente contestou alegando, em síntese, o seguinte: - a livrança identifica como local de pagamento/domiciliação Alcobaça, C…CRL, indica como local Alcobaça, como data de emissão 26.02.2018, como valor € 321.329,08, como data de vencimento 04.10.2018, e contém a menção “Recebido por empréstimo nos termos e condições do contrato de mútuo com aval nº 56064203921”, bem como a menção de que “no seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança” a “C…, ou à sua ordem a quantia de trezentos e vinte e um mil trezentos e vinte e nove euros e oito cêntimos”; - Apesar de no documento não haver espaço para se escrever o nome completo “C… CRL”, mas apenas o nome abreviado “C…”, só por má-fé pode o embargante alegar que a livrança dada à execução não identifica a exequente como a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga a livrança; - A livrança de que o embargante é avalista foi preenchida face ao incumprimento da prestação vencida em 26.02.2018, com respeito pelo pacto de preenchimento; - Apesar de ter sido informado da situação de incumprimento, por telefone e por e-mail, o avalista não tinha que ser interpelado para pagamento da dívida, previamente ao preenchimento do título; - Enquanto avalista, o embargante está obrigado a pagar todos os valores devidos pela subscritora, incluindo os juros moratórios; - Embora tenha sido efetuado o pagamento, em 06.02.2018, da prestação vencida em 26.01.2018, a prestação vencida em 26.02.2018 não foi paga; - Os juros são devidos a partir da data de vencimento da livrança, à taxa de 5,50 %, acrescida da sobretaxa de 3%. Pugnou pela improcedência dos embargos. Foi proferido saneador sentença que julgou “os embargos parcialmente procedentes e determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia constante da livrança, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados a partir da citação”. Desta sentença veio o embargante/executado interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1) A Exequente e Embargada tem a denominação social de “C…, CRL”, e é uma caixa de crédito agrícola mútuo; 2) A expressão “Caixa de Crédito Agrícola” ou “CaixaCréditoAgrícola”, não é o nome abreviado da Embargada, mas sim a designação genérica que se aplica a todas as instituições de crédito, sob a forma de cooperativa, correspondentes, precisamente, a caixas de crédito agrícola mútuo, como é o caso da Embargada; 3) A livrança dada à execução não identifica a Exequente como sendo a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, na medida em que a expressão “Caixa de Crédito Agrícola” ou “CaixaCréditoAgrícola”, nela aposta, é de cariz genérico e faz parte da denominação social das oitenta instituições de crédito correspondentes a caixas de crédito agrícola, entre as quais se inclui a Exequente; 4) A expressão “Caixa de Crédito Agrícola” ou “CaixaCréditoAgrícola”, aposta na livrança dada à execução, no local destinado à identificação da pessoa a quem ou à ordem de quem a livrança deve ser paga, só por si não distingue a Exequente das demais 79 instituições de crédito que integram na sua denominação social essa mesma expressão; 5) A livrança dada à execução não identifica, pois, a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, nomeadamente, não identifica a Exequente como sendo essa pessoa, pelo que lhe falta o elemento essencial previsto no art.º 75.º, n.º 5, da LULL, o que, nos termos previstos no art.º 76.º da mesma Lei Uniforme, determina que tal documento não produza efeito como livrança; 6) O que significa que tal documento não se encontra revestido de força executiva, não constituindo, por isso, título executivo, pois não corresponde a um título de crédito, à luz do disposto no art.º 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC; 7) A sentença recorrida violou as normas constantes dos art.ºs 75.º, n.º 5 e 76.º, ambos da LULL, e do art.º 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC; 8) A sentença recorrida deveria ter aplicado as normas constantes dos art.ºs 75.º, n.º 5 e 76.º, ambos da LULL, e do art.º 703.º, n.º 1, alínea c), do CPC e, consequentemente, deveria ter decidido que o título dado à execução não produz efeito como livrança e não se encontra revestido de força executiva; 9) O co Executado, ora Embargante, foi demandado na qualidade de avalista e garante da obrigação exequenda; 10) A Exequente preencheu a livrança ora dada à execução, nela indicando, como importância em dívida a de € 321.329,08, que abrange a totalidade do capital considerado vencido, acrescido de juros remuneratórios, juros moratórios, imposto de selo sobre os juros e comissão, e cujo pagamento veio exigir à devedora S… e ao co- Executado, ora embargante; 11) A Exequente considerou imediatamente vencidas todas as prestações para reembolso de capital e juros; 12) A perda do benefício do prazo, determinada por força do estabelecido no art.º 781.º do Código Civil e na cláusula 6.ª, n.º 1, do “Contrato de Mútuo com Aval e Hipoteca Autónoma” junto como doc. n.º 1 ao requerimento executivo, não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia, por força do disposto no art.º 782.º do Código Civil; 13) A perda do benefício do prazo não se estende ao garante hipotecário e avalista, ora co Executado e Embargante, pelo que o mesmo continua a poder cumprir as prestações convencionadas entre a Exequente e a devedor S…, nos seus exatos termos, dentro dos prazos contratualmente acordados; 14) O que significa que a obrigação exequenda é, para o ora co Executado e Embargante, inexigível, pois carece do requisito da exigibilidade previsto no art.º 713.º do CPC; 15) Não sendo a obrigação exequenda exigível, nos termos previstos no art.º 713.º do CPC, a mesma não pode ser objeto da ação executiva, que deveria, por isso, ter sido declarada extinta, nos termos do art.º 732.º, n.º 4, do mesmo Código; 16) A sentença recorrida violou as normas constantes dos art.ºs 782.º do Código Civil e 713.º do CPC; 17) A sentença recorrida deveria ter aplicado as referidas normas e, consequentemente, deveria ter julgado que a perda do benefício do prazo não se estende ao garante hipotecário e avalista, ora co Executado e Embargante, e que a obrigação exequenda é inexigível, pois carece do requisito da inexigibilidade previsto no art.º 713.º do CPC. Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, devendo, consequentemente, a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que julgue os embargos de executado totalmente procedentes e declare extinta a execução. *** Não foram juntas contra-alegações.O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso.Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes: a) Se a livrança dada à execução constitui título executivo. b) Se a obrigação exequenda é, para o ora co Executado e Embargante, inexigível. *** III – Fundamentação fáctico-jurídica.1. Matéria de facto. 1.1. A matéria de facto considerada pela 1.ª instância, não impugnada, é a seguinte: 1. A exequente é portadora de uma livrança na qual figura como subscritora a executada S…, Unipessoal, Lda. 2. O embargante apôs a sua assinatura na face posterior da livrança a que se alude no ponto anterior, surgindo a referida assinatura encimada pela menção “Dou o meu aval à firma subscritora desta livrança”. 3. A referida livrança foi emitida pela importância de € 321.329,08, e preenchida com as datas de 2018.02.26 e de 2018.10.04 como sendo as datas de emissão e de vencimento, respetivamente. 4. Constam da livrança as seguintes menções: - “Alcobaça (…), CCAM … CRL”, como local de pagamento/domiciliação; - “Recebido por empréstimo nos termos e condições do contrato de mútuo com aval nº 56064203921”; - “CaixaCréditoAgrícola ou à sua ordem, a quantia de trezentos e vinte e um mil trezentos e vinte e nove euros e oito cêntimos”, à frente da expressão “no seu vencimento pagarei/emos por esta única via de livrança a”. 5. A livrança em causa foi entregue em branco, destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações assumidas no dia 26.12.2017, data em que os representantes legais da exequente, de um lado, e o embargante, quer por si, enquanto avalista (indicando-se que o mesmo é residente em …, Luxemburgo, L1948 Lux), quer na qualidade de representante legal da S…, Unipessoal, Lda., de outro lado, subscreveram um documento denominado “contrato de mútuo com aval e hipoteca autónoma”, nos termos do qual a primeira concedeu à aludida sociedade um empréstimo no valor de € 294.700,00, sobre o qual se venceriam juros, tudo a reembolsar em prestações mensais de capital e juros. 6. As cláusulas 7ª, 1. e 2., e 8ª do documento a que alude no ponto anterior têm o seguinte conteúdo: “(…) SÉTIMA (Livrança e aval) 1. O(A/s) MUTUÁRIO(A/S) entrega(m) uma livrança por si subscrita em branco, com o aval a seguir previsto, à CAIXA AGRÍCOLA, para titular as obrigações emergentes deste contrato e de eventuais alterações, e para assegurar o seu pagamento, sem que tal constitua novação, e desde já autoriza(m) a CAIXA AGRÍCOLA a preencher essa livrança, em qualquer momento, inclusive através de representante, e nela inscrever as quantias que lhe sejam devidas, as datas e os locais de emissão, de vencimento e de pagamento, mesmo à vista, bem como as cláusulas “sem despesas” e “sem protesto” e “bom para aval”, ainda que por outras expressões equivalentes, além de a poder descontar, endossar e utilizar como bem entender e for do seu interesse, ficando, desde já autorizado que, em caso de cessão dos créditos emergentes deste contrato, a CAIXA AGRÍCOLA pode entregar à cessionária esta livrança e esta fica expressamente autorizada a preenchê-la e utilizá-la nos exatos termos da autorização prevista na presente cláusula e concedida pelo(a/s) MUTUÁRIO(A/S) e pelo(a/s) AVALISTA(S) À CAIXA AGRÍCOLA. 2. O(A/s) AVALISTA(S) dá(ão) o seu aval nessa livrança e autoriza(m) o seu preenchimento, nas condições referidas no número anterior, e para nela ser inscrita a cláusula “bom para aval”, vinculando-se solidariamente com o (a/s) MUTUÁRIO(A/S) pelo pagamento de todas as sobreditas responsabilidades, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação; bem como declara(m) a sua expressa renúncia a qualquer oposição ou benefício previsto por lei. (…) OITAVA (Garantia: hipoteca) 1. O bom, integral e pontual cumprimento das obrigações e responsabilidades decorrentes deste empréstimo e contrato, designadamente o reembolso do capital e o pagamento dos juros, comissões, despesas e demais encargos, fica assegurado pelas hipotecas constituídas a favor da CAIXA AGRÍCOLA para garantir todas e quaisquer responsabilidades do(a/s) MUTUÁRIO(A/S), nos termos da escritura pública realizada em 21 de Abril de 2011, exarada de folhas 06 a folhas 09 verso, do Livro 67-A, do Cartório Notarial do Dr. Pedro Jorge Ramalho Gonçalves Pires, no Cartaxo, e nos termos da escritura pública realizada em 28 de Janeiro de 2015, exarada de folhas 46 a folhas 49 verso, do Livro número 94-A, do Cartório Notarial do Dr. Pedro Jorge Ramalho Gonçalves Pires, no Cartaxo. 7. Na escritura pública celebrada no dia 21.04.2011, referida no ponto anterior, o embargante, de um lado, e a C…, CRL, através do seu mandatário, declararam que o primeiro constituía a favor da segunda hipoteca sobre os seguintes imóveis: - Prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o n.º … da freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo e na matriz predial urbana sob os art.ºs … e …; - Prédio rústico descrito na CRP de Alcácer do Sal sob o n.º … da freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …; - Prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o n.º … da freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e matriz predial urbana sob o artigo … – provado por documento. 8. A referida hipoteca foi constituída para garantir o bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de € 300.000,00, contraídas ou a contrair pela sociedade S…, Unipessoal, Lda., que derivem de qualquer operação de natureza bancária, designadamente de empréstimos, aberturas de crédito ou de outras operações de crédito, seja qual for a modalidade, a forma ou o título, inclusive de livranças, de letras de câmbio, de saques para aceite bancário, de avales, de fianças ou de outras garantias, quer derivadas de garantias bancárias, quer resultem de saldos devedores ou de descobertos em contas de depósito à ordem ou de contas de outro tipo e natureza, para justificação e comprovação das quais e da respetiva dívida bastarão os extratos dessas contas processadas pela Caixa Agrícola, bem como para garantir as obrigações decorrentes de alterações, reestruturações, renovações e prorrogações de operações de crédito, atos e títulos acima mencionados, abrangendo também as obrigações e responsabilidades que venham a ser assumidas, ainda que futuras, que se considerem em conexão com a escritura e a hipoteca, e em relação às quais ou aos atos de que resultem exista ou seja feita menção, ou haja o propósito de serem abrangidas e garantidas pela hipoteca. 9. Nos termos da escritura a que se alude no ponto anterior, a hipoteca garantia ainda os juros remuneratórios à taxa contratada pela Caixa Agrícola, acrescida de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, assim como as despesas a fazer para ser assegurado ou havido o crédito, incluindo as com honorários de advogado ou outros mandatários – provado por documento. 10. Na escritura pública celebrada no dia 28.01.2015, referida em 6., o embargante, de um lado, e a C…, CRL, através do seu procurador, declararam que o primeiro constituía a favor da segunda hipoteca sobre os seguintes imóveis: - Prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o n.º … da freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e na matriz predial urbana sob os art.ºs … e …; - Prédio rústico descrito na CRP de Alcácer do Sal sob o n.º … da freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …; - Prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o n.º … da freguesia de Santa Maria, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e matriz predial urbana sob o artigo … – provado por documento. 11. A referida hipoteca foi constituída para garantir o bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de capital de € 100.000,00, contraídas ou a contrair pela sociedade S…, Unipessoal, Lda., designadamente o reembolso de capital, pagamento de juros, comissões e encargos contratuais, que derivem de qualquer operação de natureza bancária, designadamente de empréstimos, aberturas de crédito ou de outras operações de crédito, seja qual for a modalidade, a forma ou o título, inclusive de livranças, de letras de câmbio, de saques para aceite bancário, de avales, de fianças ou de outras garantias, quer derivadas de garantias bancárias, quer resultem de saldos devedores ou de descobertos em contas de depósito à ordem ou de contas de outro tipo e natureza, para justificação e comprovação das quais e da respetiva dívida bastarão os extratos dessas contas processadas pela Caixa Agrícola, bem como para garantir as obrigações decorrentes de alterações, reestruturações, renovações e prorrogações de operações de crédito, atos e títulos acima mencionados, abrangendo também as obrigações e responsabilidades que venham a ser assumidas, ainda que futuras, que se considerem em conexão com a escritura e a hipoteca, e em relação às quais ou aos atos de que resultem exista ou seja feita menção, ou haja o propósito de serem abrangidas e garantidas pela hipoteca. 12. Nos termos da escritura a que se alude no ponto anterior, a hipoteca garantia ainda os juros remuneratórios à taxa contratada pela Caixa Agrícola, acrescida de 3% em caso de mora, assim como as despesas a fazer para ser assegurado ou havido o crédito, incluindo as despesas com honorários de advogado ou outros mandatários. 13. As hipotecas referidas em 7. e 10. foram inscritas no registo predial. 14. Por escritura pública de fusão de cooperativas de 25.09.2017, a C…, CRL, foi incorporada na Caixa …, CRL, que alterou a sua denominação para "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo …, CRL", tendo os outorgantes declarado que, em consequência da incorporação, ficou extinta a personalidade jurídica da Caixa incorporada, assumindo a Caixa incorporante a totalidade dos direitos e obrigações da cooperativa incorporada. 15. A exequente enviou para o embargante, para a Rua …, Cascais, uma carta cujo conteúdo é além do mais o seguinte: “(…) No âmbito do contrato de crédito supra identificado, no qual V. Exa., é avalista as responsabilidades de V. Exa., ascendem nesta data a € 309.431,65, incluindo juros entretanto vencidos, mas excluindo as custas de parte e os honorários e despesas devidos ao Agente de Execução. No processo executivo, no qual V. Exa., figurará como executado será requerida a penhora de bens de V. Exa., nomeadamente os imóveis (…). (…) Tendo em conta o supra exposto, aguardaremos até ao dia 17 de setembro pelo respetivo pagamento voluntário ou, pelo menos, a apresentação, dentro daquele prazo de proposta muito concreta de acordo de pagamento, sem o que iniciaremos a ação executiva com todas as suas consequências. (…)” 16. A morada referida no ponto anterior não consta do documento e das escrituras referidas em 5., 7. e 10., sendo que da escritura a que se alude em 10. consta a seguinte como sendo a morada do embargante: Rua …, em Cascais. 17. No r.e. alega-se além do mais o seguinte: “(…) 7º Em caso de mora no pagamento de qualquer obrigação ou quantia serão devidos pela mutuária e avalista juros moratórios calculados à taxa que resultar da aplicação de uma sobretaxa anual de 3% (três por cento) a acrescer à taxa de juros remuneratórios em vigor nesse momento, que incidirá sobre o capital vencido e não pago, incluindo os juros remuneratórios capitalizados como previsto no número seguinte, sendo que os juros moratórios se vencem e são exigíveis diariamente e sem dependência de interpelação, nem de aviso prévio.(Cfr. n.º 4 da clª 3ª do titulo executivo n.º 1) (…) 18. Em 26/02/2018 os executados entraram em incumprimento, por falta de pagamento da primeira prestação. *** 2. O Direito.2.1. Se a livrança dada à execução constitui título executivo. Alega o recorrente que a livrança dada à execução não identifica a exequente/embargada como sendo a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, na medida em que a expressão “Caixa de Crédito Agrícola” ou “CaixaCréditoAgrícola”, nela aposta, corresponde à designação genérica que se aplica a todas as instituições de crédito, sob a forma de cooperativa, correspondentes, precisamente, a caixas de crédito agrícola mútuo, como é o caso da embargada, sendo que esta tem a denominação social de “Caixa de Crédito …, CRL”. Daí sustentar que a livrança dada à execução não identifica pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, pelo que lhe falta o elemento essencial previsto no art.º 75.º, n.º 5, da LULL, o que, nos termos previstos no art.º 76.º da mesma Lei Uniforme, determina que tal documento não produza efeito como livrança. Sobre esta questão o tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos: “Argumentando que na livrança, no local onde consta a expressão “no seu vencimento pagarei/emos por esta única via de livrança a”, figura a menção “CaixaCréditoAgrícola ou à sua ordem, a quantia de trezentos e vinte e um mil trezentos e vinte e nove euros e oito cêntimos”, o embargante alega que o título de crédito não identifica a exequente como sendo a pessoa a quem ou à ordem de quem a quantia deve ser paga, baseando-se para tanto no regime do art. 75º da LULL, que dispõe que a livrança deve conter o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, conjugado com o art. 76º da mesma lei, que estabelece que o escrito em que faltar aquele nome não produzirá efeito como livrança. Pensamos que não lhe assiste razão. Prima facie, porque a livrança identifica a Caixa de Crédito Agrícola como sendo a entidade a quem, ou à ordem de quem, a livrança deve ser paga - é feita a menção “CaixaCréditoAgrícola”, bem reveladora de que mais não se escreveu naquele local por falta de espaço físico para se inscrever a denominação completa da exequente. Depois, porque nem o princípio da literalidade dos títulos de crédito impõe que se conclua do modo pretendido pelo embargante: situando-se a questão a decidir no âmbito das relações imediatas, a declaração constante da livrança deve ser interpretada segundo o critério dos arts. 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do CC, o que leva a concluir que, para a exequente, aquela declaração (no seu vencimento pagarei por esta única via de livrança a CaixaCréditoAgrícola ou à sua ordem, a quantia de trezentos e vinte e um mil trezentos e vinte e nove euros e oito cêntimos), no contexto em que foi convencionada a criação do título cambiário, só poderia ser apreendida no sentido de que a livrança lhe seria paga, ou à sua ordem, na respetiva data de vencimento – neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 21.04.2005, proc. 05B969, referente a situação em que estava em causa a interpretação a dar à expressão dou o meu aval à firma subscritora, aposta em letras de câmbio, e em que se concluiu que, através de tal expressão, foi prestado aval ao aceitante das letras, precisamente por apelo ao critério dos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do CC. Ademais, a interpretação da declaração aposta na livrança, no sentido que aqui se sustenta, é a única consentânea com a designação completa da exequente (Caixa de Crédito Agrícola …, CRL), constante do rosto da livrança, a seguir à menção “local de pagamento/domiciliação”. Não colhe, portanto, o fundamento segundo o qual falta ao título um dos elementos essenciais para que possa valer como livrança, ficando assim esgotada a apreciação de todas as questões que a propósito de tal fundamento importa conhecer, sendo certo que a exequente, ao contrário do que entendeu o embargante, não requereu a condenação desde último como litigante de má-fé, na medida em que a tal pedido não pode ser reconduzida a singela afirmação, constante da contestação, de que só por má-fé o executado alegou que a livrança não contém o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga”. Ora, não podemos deixar de acompanhar a interpretação seguida pela 1.ª instância, pouco restando acrescentar. Na verdade, o facto de na Livrança dada à execução constar “No seu vencimento pagarei/emos por esta via de livrança a CaixaCréditoAgrícola”, não legitima a interpretação defendida pelo recorrente, a não ser por manifesta má fé, de não se indicar a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga, pois consta igualmente do rosto da Livrança, na parte indicada para o Local de Pagamento/domiciliação, “Alcobaça” e “CCAM …, CRL”. Portanto, está devidamente identificada a entidade a quem ou à ordem de quem deve ser paga a quantia inscrita na livrança, reunindo todos os seus requisitos essenciais, nos termos do art.º 75 da LULL. Acresce que o recorrente, subscreveu a livrança na qualidade de avalista e de representante legal da subscritora, tendo como negócio subjacente um contrato de mútuo bancário, no qual a exequente concedeu num financiamento à executada S…, Unipessoal, Lda., tendo sido entregue, como garantia de pagamento uma livrança em branco, e nesse contrato, celebrado com a exequente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL”, utiliza-se, em várias das suas cláusulas, a designação abreviada de “ Caixa Agrícola”, querendo significar a entidade mutuante/exequente. Como é consabido, o título determina o “fim e os limites da ação executiva”, e como fim possível, o “pagamento de quantia certa”, a “entrega de coisa certa” ou a “prestação de facto, “quer positivo, quer negativo” – art.º 10.º/ 5 e 6 do C. P. Civil. O título, nas palavras de Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª Edição, pág. 43, “constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da ação executiva, isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa e passiva”. Como refere Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pág. 142/143, “deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos”. Neste sentido se escreveu no Acórdão do STJ de 15/3/2007, Proc. N.º 07B683 (Salvador da Costa): “A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva. O fundamento substantivo da ação executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da ação executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas (…)”. Como já ensinava José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “O segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.” Ora, reunindo a livrança dada à execução todos os elementos essenciais, nos termos do art.º 75 da LULL, tem natureza executiva, enquanto título de crédito, nos precisos termos do artigo 703.º, n.º 1, al. c) do C. P. Civil. Portanto, improcede este fundamento. 2.2. Exigibilidade da obrigação exequenda relativamente ao co Executado e Embargante. O recorrente defende ter sido demandado na qualidade de avalista e garante da obrigação exequenda, tendo o exequente preenchido a livrança dada à execução, nela indicando como importância em dívida a de € 321.329,08, que abrange a totalidade do capital considerado vencido, acrescido de juros remuneratórios, juros moratórios, imposto de selo sobre os juros e comissão, ou seja, considerou imediatamente vencidas todas as prestações para reembolso de capital e juros, mas a perda do benefício do prazo, determinada por força do estabelecido no art.º 781.º do Código Civil e na cláusula 6.ª, n.º 1, do “Contrato de Mútuo com Aval e Hipoteca Autónoma”, não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia, por força do disposto no art.º 782.º do Código Civil. Por essa razão entende que a obrigação exequenda não lhe é exigível. A este propósito escreveu-se na sentença recorrida: “Como é sabido, o aval consiste numa garantia cambiária unilateral, não recetícia, abstrata, formal e escrita, espontânea e independente, podendo ser parcial, e configura um direito literal autónomo – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de dezembro de 2012, AUJ n.º 4/2013, publicado no DR, 1.ª Série, de 21 de janeiro de 2013. É uma garantia objetiva que se reporta apenas à relação cartular (e não também à relação subjacente) e visa o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário, traduzindo-se na adição de um novo sujeito a uma ligação objetiva prévia. A obrigação do avalista (o embargante é avalista da livrança dada à execução) é materialmente autónoma em relação à do avalizado, mantendo-se mesmo no caso de a obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, isto é, respeitante aos requisitos externos da obrigação cambiária avalizada (artigo 32º, 2ª parte, da LULL). Dúvidas não há, pois, de que o aval é uma obrigação cambiária, tal como sucede com a obrigação do avalizado. Ora, o regime dos arts. 781º e 782º do CC, respeitante à perda do benefício do prazo quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, não tem aplicação no âmbito das obrigações cambiárias: “Expressa a lei que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (artigo 781º do Código Civil). O portador de letras pode exercer os seus direitos de ação contra, além do mais que aqui não releva, os avalistas, no vencimento, se o pagamento não foi efetuado (artigo 43º, 1ª, 2ª e 3ª partes, da LULL). Antes do vencimento, o portador só pode exercer os referidos direitos de ação cambiária com aceite nos casos de insolvência do sacado, de suspensão por este de pagamentos ou de promoção, sem resultado, da execução dos seus bens (artigo 43º, 4ª parte, nºs 1º e 2º da LULL). No caso vertente, quando a ação executiva foi instaurada, só estavam vencidas duas das letras de câmbio que lhe serviram de base, ou seja, as que se venceram nos dias 15 de janeiro e 15 de fevereiro de 2001. Tendo em conta os seus elementos literal e finalístico, o artigo 781º do Código Civil, vocacionado para se aplicar à generalidade dos direitos de crédito pagáveis em prestações, não tem aplicação no âmbito das obrigações cambiárias, além do mais porque elas abstraem da respetiva relação jurídica subjacente, incluindo a vertente unitária ou prestacional que haja, e valem no comércio pelo que expressam.” - acórdão do STJ de 21.04.2005, acima citado. Aqui chegados, dando-se por assente que o regime da perda do benefício do prazo, previsto nos arts. 781º e 782º do CC, não tem aplicação no domínio das obrigações cambiárias, a questão que verdadeiramente se coloca é, então, a de saber se a livrança foi abusivamente preenchida por não estar verificado o pressuposto que legitimava o preenchimento do título que o embargante (enquanto avalista) autorizou, por falta de interpelação pela exequente “(…)”. Também quanto a esta questão se acompanha a interpretação seguida pela 1.ª instância. Como sublinha Pedro Pais Vasconcelos, “Revista de Direito Comercial”, de 28 de maio de 2020, pág., 1139, in www.revistadedireito comercial.com. “(…) o avalista, caso a livrança não seja paga pelo subscritor ou por outro obrigado cambiário, o portador que cobra pode acionar o avalista mesmo que este tenha dado o seu aval por outro interveniente na cadeia cambiária que não aquele que não pagou”. E tendo em conta os princípios da literalidade e abstração das obrigações cambiárias, a obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado, pelo que o art.º 782.º do C. Civil, aplicável à generalidade dos direitos de crédito pagáveis em prestações, não tem aplicação às obrigações cambiárias – cfr. Acórdão do STJ de 21/04/2005, proc. n.º 05B969 (Salvador da Costa). A ação executiva visa a reparação efetiva do direito violado, que no caso concreto é justamente a satisfação do direito de crédito cambiário, por banda do credor, emergente da livrança, cujo montante não foi pago pelo subscritor e seu avalista. Estabelece o art.º 10.º, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - L.U.L.L (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem outra denominação de origem), aplicável às livranças, por força do seu art.º 77.º, que “se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.” Para haver uma letra em branco, a assinatura que dela constar deve ter sido feita com intenção de contrair uma obrigação cambiária (Prof. José G. Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial, 2.º Volume, As Letras”, Fasc. II, pág. 28 e segs). E mais refere, a pág. 38, “é manifesto que, se o título foi preenchido por aquele a quem o subscritor o entregou, e com inobservância das cláusulas acordadas, a este pode o subscritor opor as exceções baseadas no abusivo preenchimento, ou nessa observância. Quando se fala, pois, de acordos de preenchimento, tanto se considera os acordos expressos ou diretos como os tácitos ou indiretos. Pode mesmo dizer-se que, em regra, o acordo será tácito, definindo-se o seu conteúdo pelos próprios termos da relação fundamental, subjacente”. O contrato de preenchimento mais não é do que o acordar os termos da relação cambiária, a fixação do seu montante, o tempo de vencimento, e a estipulação dos juros, além de outros elementos, o que o avalista só pode questionar se, ao subscrevê-lo, tiver condicionado a esses termos a prestação da sua garantia – cf. Ac. do S. T. J., de 22/2/2011, relatado pelo Exm.º Conselheiro Sebastião Póvoas, Proc. n.º 31/05 – 4TBVVD – B.G1.S1. No contrato de preenchimento, as partes estabelecem os termos em que a letra de câmbio deve ser completada, nomeadamente o seu montante, a data de vencimento e juros devidos, visto que, como sucede, em regra, no momento da sua subscrição a dívida não se mostra apurada ou vencida. Vencida e não cumprida a obrigação causal é preenchida a letra, a qual deverá ser paga na data do vencimento. Mas sendo a letra entregue em branco ao beneficiário e com as assinaturas dos seus subscritores (sacador, sacado, avalista) para em momento posterior a preencher, fica com a obrigação de o fazer nos precisos termos acordados, ou seja, estabelecer a quantia efetivamente em dívida e o respetivo prazo de pagamento. Como refere Abel Delgado, “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”, 5.ª Edição, pág. 82, “O contrato de preenchimento é o ato pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo de vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc.” O mesmo é dizer que a relação cambiária tem sempre subjacente uma relação fundamental ou causal, embora dela se autonomize. Porém, a obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado, mantendo-se mesmo no caso da obrigação por ele garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma – art.º 32º da L.U.L.L. Estando a letra no âmbito das relações imediatas, pode o aceitante defender-se contra o sacador invocando o preenchimento abusivo, ficando a cargo do aceitante o ónus de provar esse abusivo preenchimento. Neste sentido assim se pronunciou o Acórdão do STJ, de 28/9/2017 (Tomé Gomes), in dgsi.pt: “Já no domínio das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, recaindo sobre ele o respetivo ónus de prova, nos termos conjugados dos arts. 342.º, n.º 2, e 378.º do CC e artigos 10.º e 17.º da LULL a contrario sensu”. É que nas relações imediatas não funciona as características da obrigação cambiária – literalidade e abstração. E a mesma regra vale para o avalista, isto é, pode invocar, perante o sacador, o abusivo preenchimento da letra, desde que tenha tido intervenção no acordo de preenchimento. O regime supra enunciado é aplicável às livranças, por força da remissão contida no art.º 77.º. Ora, decorre da factualidade assente que a exequente celebrou com a sociedade executada, em 26.12.2017, por documento escrito, denominado “contrato de mútuo com aval e hipoteca autónoma”, no montante de € 294.700,00, sobre o qual se venceriam juros, tudo a reembolsar em prestações mensais de capital e juros e, para garantia do seu pagamento, convencionaram a entrega de uma livrança em branco. E consta desse documento escrito, assinado também pelo recorrente, que autorizam a CAIXA AGRÍCOLA a preencher essa livrança, em qualquer momento, inclusive através de representante, e nela inscrever as quantias que lhe sejam devidas, as datas e os locais de emissão, de vencimento e de pagamento, mesmo à vista, bem como as cláusulas “sem despesas” e “sem protesto” e “bom para aval”, ainda que por outras expressões equivalentes, além de a poder descontar, endossar e utilizar como bem entender e for do seu interesse, ficando, desde já autorizado que, em caso de cessão dos créditos emergentes deste contrato, a CAIXA AGRÍCOLA pode entregar à cessionária esta livrança e esta fica expressamente autorizada a preenchê-la e utilizá-la nos exatos termos da autorização prevista na presente cláusula e concedida pelo(a/s) MUTUÁRIO(A/S) e pelo(a/s) AVALISTA(S) À CAIXA AGRÍCOLA. E mais consta desse documento que o AVALISTA dá o seu aval nessa livrança e autoriza o seu preenchimento, nas condições referidas no número anterior, e para nela ser inscrita a cláusula “bom para aval”, vinculando-se solidariamente com a MUTUÁRIA pelo pagamento de todas as sobreditas responsabilidades, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação; bem como declara a sua expressa renúncia a qualquer oposição ou benefício previsto por lei. Ora, a livrança dada à execução foi emitida pela importância de € 321.329,08, e preenchida com as datas de 2018.02.26 e de 2018.10.04 como sendo as datas de emissão e de vencimento, respetivamente, e não foi paga na data do seu vencimento Assim, não se vislumbra que o preenchimento da livrança tenha sido abusivo, por contrário ao acordo de preenchimento, já que as quantia nela inscrita está efetivamente por pagar à data do seu preenchimento, sendo que competia ao recorrente/avalista o ónus da prova dos factos constitutivos dessa exceção, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil. Como se escreveu no Acórdão do STJ de 30/09/2010, proferido no proc. n.º 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1, disponível em www.dgsi/pt, “Como o regime da obrigação cartular é distinto dos demais negócios jurídicos, nele sobressaindo os critérios da incorporação da obrigação no título, literalidade, em que o título se define pelos exatos termos que dele constem, autonomia do direito do portador legítimo do título e abstração em que a existência e validade da obrigação prescinde da causa que lhe deu origem, basta à execução a não demonstração pelo demandado de ter sido incumprido o pacto de preenchimento. O aval configura-se como uma garantia da obrigação cambiária, destinando-se a garantir o seu pagamento. Tendo o embargante a qualidade de avalista, incumbia-lhe alegar e provar factos que lhe permitissem invocar o preenchimento abusivo, designadamente que interveio no pacto de preenchimento, onde então lhe seria possível questionar a obrigação exequenda, afirmando nomeadamente a sua inexistência por pagamento das quantias mutuadas (art. 342°, nº 2 C. Civil). É que esta alegação desempenharia a função de exceção no confronto com o direito que o exequente pretende fazer valer na execução, assim fazendo uma oposição de mérito à execução”. Deste modo, quanto ao abusivo preenchimento da livrança, a verdade é que o apelante não o demonstrou, ou seja, não alegou quais os factos ou elementos que foram completados na livrança em violação do acordado, nomeadamente quanto ao seu montante, à data de vencimento, os juros devidos etc. (art.º 342.º/2 do C. Civil). Neste sentido se pronunciou o recente Acórdão do STJ de 12/10/2017 (Tomé Gomes), in dgsi.pt, afirmando: “No âmbito de uma livrança emitida em branco, incumbe aos obrigados cartulares, no domínio das suas relações imediatas com o portador daquela, alegar e provar a violação do respetivo pacto de preenchimento, como decorre do disposto no artigo 10.º, a contrario sensu, aplicável ex vi do artigo 77.º ambos da LULL e do artigo 378.º do CC. Para tal efeito, não releva, no entanto, a mera impugnação dos dizeres, entretanto preenchidos naquela livrança”. E quanto à falta de interpelação prévia do avalista, ora recorrente, pela sua desnecessidade se pronunciou o STJ, nomeadamente no seu Acórdão de 28/09/2017 (Tomé Gomes), in dgsi.pt, que quanto a esta concreta questão sentenciou: E quanto à invocada necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento da livrança, não se subscreve o entendimento perfilhado pelo embargante, já que não se traduz em exigência que resulte da lei, mormente da LULL, nem se mostra que decorra sequer do pacto de preenchimento. Para que assim fosse, necessário seria que o embargante tivesse alegado e provado que a necessidade dessa interpelação emergia do próprio pacto de preenchimento, o que não fez. Nem tão pouco essa falta de interpelação se reconduz minimamente em situação de má-fé ou de falta grave na aquisição do título por parte da exequente”. E quanto à inexigibilidade da obrigação cartular, por ausência dessa eventual interpelação, acrescenta o aresto: *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida. Custas da apelação pelo recorrente. Évora, 2021/01/28 Este Acórdão vai ser assinado digitalmente, pelos Juízes Desembargadores: Tomé Ramião (Relator) Maria João Sousa e Faro (1.º Adjunto) Florbela Moreira Lança (2.º Adjunto) |