Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO MARQUES DA SILVA | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA MÚTUO BANCÁRIO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES | ||
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Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Área Temática: | CÍVEL | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL | ||
Jurisprudência Nacional: | AUJ 6/2022 | ||
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Sumário: | - como deriva do AUJ 6/2022, o crédito emergente de um contrato de mútuo, em que se acorda na amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e juros, está sujeito ao prazo de prescrição previsto no art. 310º al. e) do CC, continuando a aplicar-se tal prazo quando ocorra o vencimento antecipado das prestações em virtude de incumprimento contratual.
- tal solução não deve ser afastada, dado o específico valor dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, sem que ocorram circunstâncias supervenientes que justifiquem nova ponderação, o que não ocorre. - devem pois considerar-se prescritas as prestações singulares vencidas quando, desde o seu vencimento, tenha decorrido o prazo de prescrição referido, e bem assim julgar-se prescrita a obrigação correspondente às prestações cujo vencimento antecipado se obteve, caso o respectivo prazo de prescrição tenha decorrido desde o momento daquele vencimento antecipado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
I. Os executados AA e BB, representados pelo MP, deduziram os presentes embargos de executado contra a exequente Insolve II, Lx, SARL, pedindo a extinção da execução por a obrigação exequenda estar prescrita, nos termos do art. 310º al. e) do CC, à luz do Ac. (de uniformização de jurisprudência) do STJ de 30.06.2022. Admitidos liminarmente os embargos e notificada a embargada, esta deduziu contestação na qual, no essencial, sustentou que: - face ao Acórdão de uniformização de jurisprudência invocado pelos embargantes, não se verifica no caso uma identidade no que toca à questão de direito, estando em causa distintos contratos, distintas causas de incumprimento e bem assim distintas condições contratuais. - a obrigação assumida não se trata de um conjunto de prestações periodicamente renováveis, nos termos da alínea g) do art. 310.º do Código Civil, mas sim uma prestação instantânea fraccionada, fazendo os embargantes valer um lapso de qualificação da natureza jurídica da sua obrigação de forma a beneficiar de determinada prerrogativa legal que não lhes é aplicável. - deve improceder a alegação pois, caso contrario, estar-se-ia a premiar e incentivar o incumprimento do contrato de mútuo, desconsiderando o esforço do credor na resolução extrajudicial, não sendo tal situação consentânea com um Estado de Direito e com o propósito da realização da justiça. - acresce que após o incumprimento do contrato os Embargantes acordaram telefonicamente com a embargada, em 27.01.2017, liquidar o valor em dívida mediante o pagamento em prestações mensais e sucessivas no valor de 263 euros, tendo efectuado pagamentos em 20.02.2017, 31.03.2017 e 21.11.2017, pelo que a obrigação não estaria prescrita, dada a data da instauração da execução e o reconhecimento da obrigação para os efeitos do art. 335º n.º1 do CC. - por fim, mesmo que assim não se entendesse, a obrigação não deixa de existir, nem que exista na sua forma natural de cumprimento, cabendo aos embargantes o seu cumprimento por ordem dos bons costumes, moral e social, por forma a corresponder a um dever de justiça. Foi realizada a audiência prévia, na qual foi cumprido o contraditório quanto ao acordo de pagamento e pagamento parcial invocados como causa de interrupção da prescrição. Efectuou-se também o saneamento da causa, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, considerando verificada a prescrição invocada, julgou procedentes os embargos e extinta a execução. Dessa sentença foi interposto recurso pela embargada, formulando as seguintes conclusões: a) Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal de 1.ª instância que julgou procedentes os embargos, considerando prescrito todo o crédito exequendo, e, em consequência julgou extinta a execução. b) O Tribunal “a quo” entende que na situação sub judice, encontram-se prescritos, pelo decurso do prazo de cinco anos a que alude o artigo 310.º, al. e) do Código Civil, os créditos de que a Recorrente é titular e que foram executados nos autos de execução ordinária dos quais os embargos de executado e este recurso são apensos. c) Em suma, considerou que estando perante prestações periódicas – tendo em vista o reembolso do crédito concedido – que englobam capital e juros, é aplicável o disposto artigo 310º al. e), do Código Civil – o que não é alterado pelo facto de, em face do incumprimento por parte dos Executados, a Exequente exigir o pagamento da totalidade das prestações, nos termos do disposto no artigo 781º do mesmo Código d) Considera ainda que, apesar de sustentado pela Embargada, não resultou provado que se dera a interrupção da prescrição, apesar do acordo celebrado em 2017 entre as partes. e) Não obstante e salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão, sendo seu firme entendimento que o Douto Tribunal a quo não fez justa e correta aplicação do Direito, tendo decidido da forma mais gravosa para a Recorrente. f) O BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A, no exercício da sua atividade bancária celebrou em 10 de maio de 2013, a pedido da sociedade PRODUZEFEITOS, LDA., um contrato de empréstimo ao qual foi atribuído o n.º ...243, mediante o qual aquele concedeu à sociedade um crédito no montante de € 16.700,00 (dezasseis mil e setecentos euros). g) Os ora Executados/Embargantes, BB e AA, outorgaram o referido contrato na qualidade de Garantes. h) O referido empréstimo foi integralmente utilizado, tendo os Executados/Embargantes deixado de efetuar os pagamentos a que estavam adstritos. i) Pese embora o incumprimento do contrato remonte a 2014, os Embargantes foram efetuando pagamentos, sendo que o último foi efetuado em 2017. j) Após o incumprimento do contrato os Executados/ Embargantes acordaram telefonicamente com a Embargada, em 27.01.2017, liquidar o valor em dívida mediante o pagamento em prestações mensais e sucessivas no valor de € 263,00 (duzentos e trinta e seis euros) cada, com vencimento a dia 15 de cada mês, por transferência bancaria de conta do BPI titulada pela Empresa Exequente/ Embargada, vindo este a ser incumprido. k) No entanto, no âmbito desse acordo foram liquidadas as prestações no valor total de € 776,00 (setecentos e setenta e seis euros). l) Face ao incumprimento reiterado, não restou outra opção à Recorrente do que proceder à resolução do contrato, conforme a carta remetida a 18 de outubro de 2021. m) A presente ação executiva deu entrada com base numa Livrança, subscrita pelos ora Recorridos para garantia do bom e integral cumprimento do contrato de empréstimo celebrado com o BANIF- Banco Internacional do Funchal S.A n) Pelo que, não pode a Recorrente deixar de salientar que não vislumbra o motivo pelo qual o Tribunal a quo considerou prescrito o crédito exequendo, uma vez que, ao caso em concreto não poderá ser aplicado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, a que alude a alínea e) do artigo 310º do Código Civil. o) Ora, após a resolução do contrato houve o vencimento da totalidade das prestações, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito pelo seu incumprimento, resultando de serem exigíveis as quotas de amortização de capital e juros. p) Pelo que, entende a Recorrente que não serão exigíveis as diversas prestações periódicas acordadas para a liquidação do financiamento, mas sim a totalidade do montante ainda em dívida. q) Ainda assim, estamos perante uma obrigação única, que resulta da celebração do contrato de crédito, que pode ser fracionada no tempo, mas que contrariamente não poderá ser equiparada a uma prestação periódica e renovável dependente do decurso do tempo. r) Veja-se nesse sentido o Acórdão Tribunal Relação de Lisboa de 05/03/2016, proferido no âmbito do Processo nº 3180/13.1TBOER.L1-1 (1):“Ora, como é sabido, quanto à maneira da sua realização temporal, as prestações debitórias, podem classificar-se em “instantâneas” e “duradouras”. (...) Como ensina Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 4ª ed., pg. 81/82), não se confundem com as obrigações duradouras (onde se incluem as periódicas), as obrigações fraccionadas ou repartidas. (...) “Dizem-se fraccionadas ou repartidas, as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (preço pago a prestações…). Nas obrigações fraccionadas, há uma só obrigação cujo objecto é dividido em fracções com vencimentos intervalados. E, assim sendo, a prestação, encontra-se pré-fixada, ou seja, é, em si mesma, uma obrigação unitária, encontrando-se apenas fraccionada quanto ao seu cumprimento, de harmonia com o plano de pagamento também previamente acordado.” s) Atendendo à necessária distinção entre obrigações únicas com pagamentos fracionados e prestações periódicas, é certo que a obrigação em apreço se situa nas primeiras, nomeadamente numa obrigação única com pagamentos fracionados, razão pela qual não poderá ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 310.º alínea e) do Código Civil. t) Veja-se ainda a jurisprudência doutrinal no caso de existir um Título Executivo, conforme resulta do Acórdão de 12/11/1996, do Supremo Tribunal de Justiça (2), onde afirma e passa-se a citar “apesar de a regra temporal da prescrição ser de 20 anos, ela será de 5, no caso de juros, mas voltará a aplicar-se aquele prazo ordinário, se for invocado título executivo”. u) Ora, conforme já mencionado, a Recorrente possui título executivo, razão pela qual, estamos perante uma situação que exige a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos, aplicável nos termos do disposto no artigo 309.º do Código Civil. v) In casu, e salvo o devido respeito por opinião diversa, não pode ser subsumível a presente situação à previsão contida na alínea d) e e) do artigo 310º do Código Civil, uma vez que estamos na presença de uma única obrigação (um contrato de empréstimo). w) O mesmo nos ensina a doutrina (3), onde refere que “Na verdade, na situação prevista no artigo 310.º, alínea e) não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição de vinte anos”. x) Destarte, o artigo 310º alínea e) do Código Civil, abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a suas frações distintas: uma de capital e outra de juros em proporção variável a pagar conjuntamente. y) O que claramente não acontece com o crédito exequendo, uma vez que não se configura como “quotas de amortização, mas antes como dívida global proveniente da denominada “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida. z) Acresce ainda, que nada resulta do disposto no artigo 310.º do Código Civil, que permita a interpretação que aquele prazo de prescrição tem aplicabilidade nos mútuos bancários à totalidade do capital em dívida à data do incumprimento. aa) Ou seja, passamos a estar perante a obrigação da globalidade da dívida, que pela sua natureza unitária, faz com que deva ser aplicado o prazo de prescrição ordinário previsto no artigo 309º do Código Civil. bb) Aliás, veja-se que a Recorrente peticionou pela condenação da Embargada no pagamento do capital acrescido de juros moratórios em face do seu vencimento, exigiu a totalidade da dívida e não o pagamento de prestações avulsas, pois embora tenha existido um plano de pagamento este não influencia o conteúdo global e unitário desta obrigação. cc) Nesta linha de entendimento, é o mesmo sufragado na nossa doutrina (4) onde se refere que “A prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; (…) podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização.“. dd) Renovando assim, que não estamos perante quotas de amortização e por uma pluralidade de prestações, mas antes sim na presença de obrigações unitárias que aquando ocorreu o seu incumprimento recuperam a sua globalidade. ee) A interpretação do artigo 310.º, al. e) do Código Civil, de que se aplicará a regra prescricional excecional de cinco anos aos contratos de financiamento liquidáveis em prestações mensais e sucessivas, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva. ff) Salvo opinião contrária, entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas, que resultará num mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos, é frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda. gg) Acresce que, a referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando assim o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa. hh) Concluindo assim, que deverá ser considerada concretamente inconstitucional a interpretação segundo a qual, aos contratos liquidáveis em prestações de capital e juros se aplica o prazo excecional de cinco anos. ii) Ora, não restam dúvidas que o Ministério Público não tendo sequer pugnado os documentos juntos pela Embargada, devendo o Tribunal a quo ter dado como provado os pagamentos voluntários efetuados pelos Executados, verificando-se assim uma interrupção da prescrição – artigo 640.º, n.º1, al. b) do CPC. Juntou também documento que não foi admitido. Os embargantes, sempre representados pelo MP; responderam, sustentando o acerto da sentença recorrida. II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa». Assim, importa: - avaliar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. - verificar se está consumada a prescrição do crédito exequendo. III. Foram tidos por assentes os seguintes factos: 1º-O BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., no exercício da sua atividade bancaria, celebrou, em 10-05-2013, a pedido da sociedade PRODUZEFEITOS, LDA. um contrato de empréstimo, ao qual foi atribuído o n.º ...243, mediante o qual aquele mutuou o montante de € 16.700,00- cfr. contrato junto com o requerimento executivo e que aqui se dá por reproduzido. 2º-Os executados, BB e AA, outorgaram o referido contrato na qualidade de “Garantes”. 3º-No referido contrato, sob a cláusula 1.1. consta que os Garantes (executados BB e AA) aceitam expressamente todos os termos e condições do contrato, assumindo solidariamente com a segunda outorgante (executada PRODUZEFEITOS, LDA.) o cumprimento integral de todas as obrigações dele decorrentes. 4º-No contrato acima referido em 1º ficou estipulado que o empréstimo seria pelo prazo de 10 anos, sendo reembolsado em 120 prestações mensais constates e sucessivas de capital e juros 5º-Sucede que, em 2014-12-10, a sociedade mutuária PRODUZEFEITOS, LDA. deixou de efetuar os pagamentos a que estava obrigada, ficando nessa data em dívida o valor de € 15.198,93, a título de capital. 6º-Por isso, em 18/10/2021 a aqui Embargada enviou cartas a PRODUZEFEITOS, LDA., BB e AA, comunicando que o contrato fora incumprido e interpelando cada um deles para o pagamento da quantia de 19.427,61 euros, sendo 15.198,93 euros a titulo de capital e 4.228,68 euros a titulo de juros. 7º-Por meio de contrato de cessão de créditos celebrado a 25 de Novembro de 2016, a Oitante, S.A. (que sucedeu no direito do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. quanto ao crédito exequendo), cedeu à Insolve II Lx S.A.R.L um conjunto de créditos litigiosos, incluindo o crédito exequendo. 8º-A execução foi instaurada em 6/11/2021. E foram considerados não provados os seguintes factos: 1º-Que BB e AA foram efectuando pagamentos, sendo que o último foi efetuado em 2017. 2º-Que após o incumprimento do contrato, BB e AA acordaram telefonicamente com a Embargada, em 27.01.2017, liquidar o valor em dívida mediante o pagamento em prestações mensais e sucessivas no valor de € 263,00 cada, com vencimento a dia 15 de cada mês, por transferência bancaria de conta do BPI titulada pela Empresa Executada, tendo o acordo vindo a ser incumprido. 3º-Que no âmbito do acordo de pagamento forma pagas as quantias de 263,00 euros em 20-02-2017, de 263,00 euros em 31-03-2017 e de 250,00 euros em 21-11-2017. 4º-Que no contrato referido no facto 1º, BB e AA se obrigaram a realizar uma prestação de natureza única e instantânea, com o seu valor total já determinado, mas que por conveniência do devedor se acordou dividi-la em fracções, de um dado montante cada, a pagar em datas diferidas, até que a totalidade do montante em dívida se encontre saldado. IV. 1. Pese embora no ponto 4 dos factos provados se indicasse que estariam em causa 12 prestações, trata-se de manifesto lapso pois do contrato (que o facto 1 dá como reproduzido) decorre que estariam em causa 120 prestações. Sendo controvertido se pode o tribunal de recurso rectificar lapsos da decisão recorrida (e pese embora se entenda que tal é admissível), certo é que sempre se deveria alterar a menção factual por estar cabalmente demonstrada por documento que faz prova plena das declarações das partes (art. 607º n.º4, 2ª parte, 663º n.º2 e 662º n.º1 do CPC e art. 374º n.º1 e 376º n.º1 do CC). Donde se ter alterado a redacção factual em causa, sendo manifestamente desnecessário o exercício do contraditório (já que os próprios embargantes referem, no seu requerimento inicial, o número de prestações em causa, e a embargada junta o documento que as contém). 2. A recorrente impugna a decisão da matéria de facto, sustentando que «Ora, não restam dúvidas que o Ministério Público não tendo sequer pugnado os documentos juntos pela Embargada, devendo o Tribunal a quo ter dado como provado os pagamentos voluntários efetuados pelos Executados, verificando-se assim uma interrupção da prescrição – artigo 640.º, n.º1, al. b) do CPC» [conclusão ii), que reproduz integralmente o art. 55º do corpo das alegações]. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está regulada no art. 640º n.º1 do CPC, o qual, na parte aqui relevante, determina que o recorrente deve especificar: i. os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (art. 640º n.º1 al. a) do CPC); ii. os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art. 640º n.º1 al. b) do CPC); iii. a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640º n.º1 al. c) do CPC); iv. a estar em causa prova gravada, deve indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (art. 640º n.º2 al. a) do CPC). A recorrente não cumpre o primeiro e terceiro dos requisitos indicados. Com efeito, em momento algum das alegações ou conclusões refere quais os precisos factos que discute e, em especial, qual a decisão (ou seja, a formulação factual) que deve ser acolhida pelo tribunal. E pese embora no âmbito da discussão se refira a um acordo de pagamento, e a pagamentos realizados, a verdade é que não enuncia com precisão quais os pontos de facto impugnados (na verdade nunca se refere sequer a concretos factos provados ou não provados) nem a forma como tais factos deveriam ser tidos por demonstrados. Não cabendo ao tribunal, justamente por força daquela imposição legal, discernir, na ampla alegação da recorrente, qual o contorno preciso dos factos a discutir. Donde dever ser rejeitada a impugnação (pois o cumprimento daqueles ónus não admite sanação). Sem embargo, e em benefício da clarificação da situação, também se nota que os documentos apresentados pela recorrente com a contestação, únicos meios de prova relevantes (e únicos que refere) são, por si, manifestamente insuficientes para sustentar a existência de pagamentos, como a sentença recorrida assinalou. De um lado, tais documentos são completamente omissos em relação aos embargantes, apenas se mencionando neles a executada Produzefeitos Lda, pelo que deles nunca derivaria a realização de qualquer pagamento pelos embargantes. De outra banda, os documentos parecem constituir uma mera reprodução de emails, comunicando pagamentos, sendo que nada garantem sobre a sua autoria ou sobre a realidade (pagamentos) subjacentes, pelo que, só por si, não servem sequer para revelar a existência de pagamentos e suas datas. A invocação da falta de impugnação dos documentos assenta num equívoco: estando em causa documentos particulares não manuscritos e sem assinatura (e para além de outras razões), a falta de impugnação não lhes atribui valor probatório especial, continuando sujeitos à livre apreciação do tribunal. 3. Excluída aquela impugnação, cabe começar por corrigir uma afirmação da recorrente, a fim de evitar equívocos quanto ao âmbito da discussão. Com efeito, e pese embora a recorrente afirme que «a presente ação executiva deu entrada com base numa Livrança, subscrita pelos ora Recorridos» (art. 17º e conclusão m) do recurso), tal afirmação não é correcta. Na verdade, tal livrança não foi sequer junta com o requerimento executivo, sendo que apenas nesta sede (em recurso) foi apresentado um formulário de livrança, assinado mas não preenchido (que nem vale assim como título de crédito ou sequer como documento de reconhecimento da dívida / quirógrafo). Acresce que, como deriva do art. 724º n.º1 al. e) do CPC, cabe ao exequente expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo. O que a exequente fez, apelando exclusivamente ao contrato de empréstimo (mútuo) que invoca, e silenciando completamente a livrança, à qual não é feita qualquer referência e que não constitui assim base da execução. Não existe, pois, qualquer livrança com relevo na avaliação da questão. 4. A questão central prende-se com a prescrição da obrigação dos embargantes. Estes embargantes, tidos no contrato por «garantes», são verdeiros fiadores já que, sem intervirem como mutuários, se associam à obrigação do mutuário, assegurando, com o seu património, o cumprimento daquela obrigação: art. 627º n.º1 do CC (5). É nesse sentido que são meros garantes de um crédito do credor fidejussório sobre terceiro devedor (a sociedade identificada), E embora a prestação da fiança possa decorrer de um contrato trilateral, celebrado entre todos os três envolvidos (como no caso), o fiador continua a não ser parte na relação que deu origem à obrigação garantida, surgindo como mero garante. Enquanto fiadores, beneficiam os embargantes, quanto à sua obrigação, do mesmo prazo de prescrição da obrigação principal pois é esta que serve de referência àquela, dada a acessoriedade da fiança (6). Acresce que a autonomia das obrigações (principal e acessória, existindo esta em paralelo mas com autonomia face àquela) leva a distinguir o prazo de prescrição da obrigação principal e o prazo de prescrição da obrigação do fiador, os quais têm autonomia e podem, mormente por força do regime do art. 636º do CC, ter destinos diferentes. Assim, podem os fiadores invocar a prescrição autónoma da sua obrigação mas também a prescrição da obrigação do devedor principal (art. 637º n.º1, 1ª parte quanto à sua prescrição, e 2ª parte quanto à prescrição da obrigação principal, do CC) (7). No caso, vem invocada a prescrição da obrigação dos fiadores (pois estes reportam-se ao crédito exequendo e este corresponde, naturalmente, à sua própria obrigação) mas a respectiva prescrição segue, como se viu, o regime prescricional da obrigação principal. 5. A sentença recorrida considerou prescrito o crédito exequendo à luz da solução fixada no AUJ 6/2022. Contra esta aplicação, invoca a recorrente os seguintes argumentos: 5.1. Estabelece, no essencial, uma distinção entre a obrigação única cujo cumprimento é fraccionado e as obrigações periódicas e renováveis, dependentes do decurso do tempo – sendo que apenas a estas, e já não àquela (que seria a sua), se aplicaria o regime prescricional em causa. Pese embora não fosse esta a questão directamente colocada perante o STJ, aquando da prolação do aludido AUJ (visava-se primacialmente avaliar a aplicação do citado art. 310º al. e) do CC aos casos de vencimento antecipado das prestações devidas, no quadro do art. 781º do CC: perda do benefício do prazo), a verdade é que aquele AUJ também avaliou esta questão. E fê-lo porque tal questão era, na verdade, pressuposto necessário para resolver aqueloutra questão: só se o prazo curto de prescrição em causa fosse aplicável à obrigação (de capital) fraccionada no tempo cumulada com juros (às prestações ou quotas de amortização de capital, quando estas prestações também incluem juros), é que se poderia depois avaliar se esse prazo continuava a ser aplicável ao pagamento do capital depois da perda do benefício do prazo. Perda de benefício do prazo esta que só ocorre, por natureza e imposição legal (art. 781º do CC), justamente quando está em causa uma obrigação cujo cumprimento é fraccionado ou faseado no tempo (prestações da mesma obrigação), e já não para a obrigação que nasce reiterada e periodicamente (obrigações sucessivas mas autónomas). Perante tal questão, aquela AUJ aderiu à fundamentação de outro Ac. do STJ, afirmando que «Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis». E se se atender ao conteúdo daquele Ac. 201/13 (STJ), verifica-se que este se deparou precisamente com a questão de saber se, num mútuo bancário como o vertente, em que existe «uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais», o prazo de prescrição em causa lhe seria aplicável, ao que respondeu afirmativamente. Foi esta, depois, a solução que aquele AUJ igualmente acolheu, ao acolher a posição assumida pelo referido Ac. do STJ 201/13 (o qual, por sua vez, apelou ao Ac. do STJ proc. 189/12.6TBHRT, igualmente claro quanto à questão). Em conformidade, o segmento de uniformização de jurisprudência do AUJ dispõe que «No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação», menção que tem que ser entendida à luz da exposta fundamentação: a quota de amortização de capital (pagável com juro) inclui a prestação de obrigação única fraccionada. Dúvidas não há, pois, que por força daquele AUJ o prazo de prescrição do art. 310º al. e) do CC é aplicável às prestações em causa nos autos (8). Obviamente, a natureza do credor (instituição bancária) é absolutamente irrelevante (aliás, quer no referido AUJ, quer no Ac. do STJ citado, estavam igualmente em causa mútuos - empréstimos, na terminologia da recorrente - bancários). 5.2. Sustenta também que não estão em causa «as diversas prestações periódicas acordadas para a liquidação do financiamento, mas sim a totalidade do montante ainda em dívida». Ora, foi esta circunstância (de as quotas de amortização terem, por via da perda do benefício do prazo, perdido autonomia, dado o vencimento de todas as prestações em dívida) que constituiu a questão essencial que aquele AUJ procurou resolver, tendo fixado a seguinte jurisprudência: «Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.» Pelo que o vencimento antecipado não impede, à luz da solução fixada neste AUJ, a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos decorrente do citado art. 310º al. e) do CC. 5.3. Pese embora os acórdãos de uniformização de jurisprudência não tenham valor vinculativo (ao contrário dos antigos assentos), nem tal se mostra possível no nosso ordenamento constitucional, aqueles AUJ têm um valor persuasivo reforçado pois são suscitados na sequência de divergência jurisprudencial, são objecto de discussão alargada no STJ (com intervenção do pleno das secções cíveis), onde são consideradas as várias vertentes da questão e todos os argumentos mobilizáveis conhecidos, e visam justamente fixar a orientação que jurisprudencialmente deve prevalecer e ser seguida (de harmonia, aliás, com o disposto no art. 8º n.º3 do CC). Por isso assumem uma legítima vocação de aplicação generalizada, visando fixar um sentido interpretativo corrente que tendencialmente encerre a discussão (até que surjam novos elementos que justifiquem uma revisão da interpretação assumida). Esta aplicação é garantida pela ampla admissibilidade de recurso de decisão que, nas condições do art. 629º n.º2 al. c) do CPC, contrarie jurisprudência uniformizada do STJ. Recurso este no qual será previsivelmente imposta a solução interpretativa do AUJ. Por isso que, sem dados novos (novos argumentos ainda não ponderados, ou novas coordenadas legais), devam ser acolhidas as soluções fixadas nos AUJ. Ora, os argumentos invocados pela recorrente foram já considerados no referido AUJ 6/2022 (e a jurisprudência que invoca situa-se no âmbito da discussão que antecedeu este AUJ, precedendo-o), pelo que inexiste razão para alterar a orientação naquele AUJ fixada (9). Orientação que, como já ficou expresso, cobre por inteiro a situação vertente, por estarem em causa amortizações de capital, integradas com juros, nas condições previstas naquele AUJ. 5.4. Invoca também a recorrente a circunstância de existir título executivo, o que tornaria aplicável o prazo de prescrição comum, atento o teor do art. 311º n.º1 do CC. Como o próprio AUJ 6/2022 salienta, o «citado artigo 311.º n.º 1 do Código Civil alude ao título executivo que sobrevier ao direito, e não ao título que lhe seja contemporâneo», sendo que a embargante não dispõe de título executivo superveniente mas do próprio título constitutivo da obrigação exequenda. Aliás, a interpretação da recorrente é contrariada também por outro ponto do regime legal. Na verdade, como o título executivo contemporâneo da constituição do crédito é, por natureza, anterior ao vencimento das várias prestações que prevê (as quais serão naturalmente devidas apenas após a sua constituição), e a lei expressamente refere, no art. 311º n.º2 do CC, que as prestações ainda não vencidas (a que o título executivo se refira) continuam sujeitas à prescrição de curto prazo, é evidente que o título executivo inicial (constitutivo das obrigações) nunca cabe na hipótese do art. 311º n.º1 do CC. Este regime não aproveita, pois, à recorrente. 5.5. Afirma ainda que a interpretação em causa «viola os princípios constitucionais da segurança jurídica, proporcionalidade e ainda o princípio da tutela jurisdicional efetiva» mas trata-se, quanto à referência à segurança jurídica e à proporcionalidade, de afirmação gratuita porque não motivada: falta a indicação dos preceitos constitucionais violados e, em particular, a demonstração da forma como tal interpretação os violaria. E, na verdade, não se consegue conceber onde radicaria tal violação (a menção à «tutela jurisdicional efectiva» é avaliada a seguir). 5.6. Adita depois que «entende a Recorrente que está em causa a violação de expectativas legítimas criadas em função de uma alteração de entendimento doutrinal e jurisprudencial quanto à aplicação das normas referentes à prescrição das dívidas, que resultará num mecanismo de ilibar os devedores de honrar os seus compromissos, é frustrar os princípios basilares que regem a celebração dos contratos: pacta sunt servanda.». Pese embora se trate de mera opinião da recorrente, e não de verdadeiro argumento jurídico, sempre se dirá que i. se não trata de uma alteração de entendimento mas de adopção estabilizadora de uma das correntes de entendimento que entre si divergiam, e corrente que, ao menos no STJ, era já tida por uniforme (10) ou, em geral, como maioritária (11); ii. a prescrição resulta da consideração de vários interesses, mostrando-se preponderantes o interesse na consolidação das situações (segurança e certeza) e, em particular, o interesse na reacção contra a inércia (desinteresse ou negligência) do titular do direito (12) (assim fomentando este instituto o exercício oportuno do direito) - o instituto não iliba, pois, devedores, e o credor apenas de si próprio (da sua inércia) se pode queixar; e iii. os referidos fundamentos da prescrição também revelam que não se «tutela» um incumprimento. 5.7. Por fim, afirma que a interpretação em causa «tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, violando assim o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa», assim sustentando que «deverá ser considerada concretamente inconstitucional a interpretação segundo a qual, aos contratos liquidáveis em prestações de capital e juros se aplica o prazo excecional de cinco anos». A afirmação prova de menos e de mais. Prova de menos porquanto a tutela jurisdicional efectiva, “genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição, implica o «direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder ‘deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras’” (Acórdão 86/88 do TC, reiterado nos Ac. 675/2018 ou 444/2024 - todos disponíveis no site do TC). Ora, a prescrição não constitui uma questão processual, um limite ao exercício judicial do direito (um obstáculo formal, atinente aos trâmites de exercício dos direitos ou um ónus) mas uma questão substantiva, atinente à própria funcionalidade do direito. É, pois, exterior e prévia ao seu exercício judicial, não atingindo aquela tutela constitucional do direito à acção. De qualquer modo, e ainda que assim não fosse, aquele direito a uma tutela jurisdicional efectiva não significa que não existam limites ou restrições ao acesso ao direito. Só onde os limites se mostrassem desproporcionais ou arbitrários se poderiam suscitar questões de constitucionalidade. Ora, de novo, a recorrente limita-se a afirmar a conclusão sem esclarecer as premissas: nunca alega (e muito menos demonstra) os fundamentos da sua tese. Sendo que se não vê onde os buscar. Até porque, deste ponto de vista, a sua tese, nos termos latos enunciados, prova demais, pois seria oponível ao regime da prescrição em geral, o que não parece sustentável nem se vê que tenha alguma vez sido sustentado. 6. Confirmada a aplicabilidade ao caso do prazo de prescrição invocado, resta avaliar em que medida ele afecta o direito da recorrente. Como deriva do referido AUJ 6/2022, e é inerente aos termos do regime legal em causa, o prazo de prescrição conta-se a partir do vencimento de cada quota de amortização de capital (incluindo juros), ou seja, a partir do momento em que é devido o cumprimento de cada prestação. Assim é desde logo porque o prazo de cumprimento se presume concedido em benefício do devedor (nos termos do art. 779º do CC, embora a própria lógica do mútuo também o evidencie (13)), pelo que antes desse vencimento o direito não podia ser contra ele exercido e por isso não corria o prazo de prescrição (art. 306º n.º1 do CC). Mas também assim é porque é a partir desse momento que passa a ser exercitável o direito de crédito e que, por isso, fica sujeito ao respectivo prazo prescricional. De outro lado, e com a perda do benefício do prazo, as prestações que se vencem com aquela perda passam a estar sujeitas ao prazo de prescrição (curto) a partir da data desse vencimento antecipado, por passarem a ser exigíveis a partir desse momento, o que vale «em relação a todas as quotas assim vencidas» (referido AUJ 6/2022). Assim, passa a ser devido o valor total de capital em dívida, mas tal não afecta resultados prescricionais já consumados (14). No caso, o único facto interruptivo da prescrição relevante ocorreu com a citação dos embargantes - ou melhor, com o decurso do prazo de 5 dias após a instauração da execução (instauração verificada em 06.11.2021), por força do art. 323º n.º1 e 2 do CC, e na medida em que a falta da efectivação da citação em tal prazo não é imputável à exequente. Deste modo, estão prescritas as prestações vencidas até 10.11.2016, inclusive. Com efeito, a articulação dos elementos do contrato, dado como reproduzido em 1 dos factos provados, revela que as prestações se venciam no dia 10 de cada mês: tal deriva do prazo e data de vencimento fixados (10 anos, com vencimento em 10.05.2023), e da previsão de 120 prestações mensais sucessivas. De outra banda, e como o vencimento ocorre no dia 10 de cada mês, nesse dia já pode ser o direito do credor exercido e, por isso, nesse dia já corre o prazo prescricional (inexistindo dúvida que justifique a aplicação, neste ponto, do regime do art. 279º do CC). Prazo que termina assim 5 anos depois, no dia 10 do mês e ano correspondentes (às 24 hrs. desse dia, aqui já se justificando o apelo ao art. 279º al. c) do CC). Já as demais prestações que se mostravam já vencidas na data do vencimento antecipado, e bem assim as prestações que apenas com este vencimento antecipado se tornaram exigíveis, não estão prescritas pois não decorreu integralmente, quanto a elas, o prazo de prescrição (atendendo à data da interrupção da prescrição). 7. A solução poderia ser outra se ocorresse um vencimento antecipado das prestações de forma automática, por mero efeito do incumprimento de uma delas (da primeira delas), por passar a relevar então a data desse vencimento/incumprimento. Esta automaticidade não deriva, segundo a solução dominante que se tem por correcta, do art. 781º do CC, o qual apenas concede ao credor a faculdade de provocar aquele vencimento. E também não deriva de estipulação contratual (admissível, dado o carácter supletivo daquele art. 781º do CC) pois a cláusula 12.1 do contrato previa que o credor «poderá (…) considerar automaticamente vencidas as dívidas», o que significa que atribui ao credor apenas o poder (a faculdade) de as considerar vencidas (replicando, assim, o regime comum do art. 781º do CC), supondo uma tomada de decisão nesse sentido (depois comunicada aos devedores, como forma de interpelação). O que foi, também, assumido pela embargada dada a actuação que adoptou. 8. Dada a decadência parcial dos embargantes, as custas devem correr, nos embargos e no recurso, pelos embargantes e pela embargada, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º n.º1 e 2 do CPC). V. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, julgando-se extinta a execução quanto às prestações vencidas até dez de Novembro de 2016 (inclusive), no que aos executados AA e BB concerne, subsistindo, quanto a estes, a execução no que às prestações restantes respeita. Custas pelos embargantes e pela embargada na medida do decaimento. Notifique-se. Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC): (…) Datado e assinado electronicamente. Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).
1. Disponível para consulta em www.dgsi.pt↩︎ 2. Disponível para consulta em www.dgsi.pt↩︎ 3. Vd. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV↩︎ 4. Vd. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, págs. 175 e 176↩︎ 5. A previsão da solidariedade, no contrato, corresponde apenas a uma forma de se afastar o benefício da excussão prévia (art. 638º n.º1 do CC).↩︎ 6. V. Evaristo Mendes, Comentário ao CC, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCP Editora 2021, pág. 798 e 799 ou Ac. do STJ proc. 275/23.7T80ER-8.L1.S1, em 3w.dgsi.pt, este invocando especialmente o art. 637º n.º1 do CC.↩︎ 7. V. Evaristo Mendes, op. e loc. cit..↩︎ 8. Também assim, para situação análoga, o referido e recente Ac. do STJ proc. 275/23.7T80ER-8.L1.S1.↩︎ 9. Também sobre esta questão, desenvolvendo-a, v. o referido Ac. do STJ proc. 275/23.7T80ER-8.L1.S1.↩︎ 10. V., de novo, o referido Ac. do STJ proc. 275/23.7T80ER-8.L1.S1.↩︎ 11. V. Ac. do STJ proc. 627/20.4T8SNT-A.L1.S1 (em 3w.dgsi.pt).↩︎ 12. Jurisprudencialmente, tende a dar-se especial relevo à «negligência do titular de discriminado direito, consubstanciada na omissão do seu exercício durante certo tempo».↩︎ 13. A previsão de cumprimento fraccionado, articulada com a possibilidade de vencimento antecipado em caso de incumprimento, revela que aquele prazo foi concedido em benefício dos devedores.↩︎ 14. Aplicando esta solução, Ac. do TRE proc. 1599/18.0T8SLV-A.E1 (em 3w.dgsi.pt).↩︎ |