Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
778/17.2T8FAR.E2
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
EFEITOS
RETROACTIVIDADE
RESTITUIÇÃO
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O contrato de prestação de serviços, cuja definição se encontra no art.º 1152.º previsto no art.º 1154.º do C. Civil, tem por objeto o resultado do trabalho, seja intelectual ou manual, e não o trabalho em si, pois que uma das partes obriga-se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho.
2. Autora e Ré celebraram um contrato de prestação de serviços cujo resultado desse trabalho consistia na criação, por esta, de um programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados.
3. O incumprimento (definitivo) do citado contrato, imputável a um dos contraentes, confere ao outro o direito de o resolver, ao abrigo do disposto nos artigos 432º, nº 1, 799.º/1 e 801º, nº 2, do C. Civil.
4. A resolução tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, e faz-se por declaração à outra parte – art.ºs 289.º/1, 432.º/1, 433.º e 436.º/1, todos do C. Civil.
5. Tendo a Autora entregue à Ré a quantia total de €16.399,98, conforme o acordado, demonstrado o incumprimento definitivo do contrato por banda desta, tem aquela direito a exigir a sua devolução em consequência da resolução. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório.
C…, Lda., intentou a presente ação declarativa comum contra a Universidade …, pedindo que se declare válida a resolução do contrato denominado de prestação de serviços, celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo da Ré e, em consequência, que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €16.399,98, acrescida de juros de mora devidos desde a data da sua citação até efetivo e integral pagamento, bem como a sua condenação, em sede de liquidação de sentença, em todos os prejuízos advenientes à A. em relação ao contrato que esta firmou com o IAPMEI.
Alegou, em síntese, ter celebrado com a Ré, em 1 de outubro de 2015, um contrato denominado de prestação de serviços, ao abrigo de um sistema de incentivos à investigação e desenvolvimento tecnológico do programa regional centro, apoiado pelo FEDER, no âmbito do qual a Ré se obrigou a fornecer à A. serviços de consultoria e de desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies.
A Ré comprometeu-se ainda a dinamizar todas as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permita completar lacunas
ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).
Todo este projeto de desenvolvimento do software seria realizado nas instalações da R.
Em contrapartida a A. obrigou-se a pagar à R., em três tranches a quantia global de 20 000€, à qual acresce o IVA à taxa legal em vigor, tendo a A. efetuado o pagamento à R. das duas primeiras prestações no valor de € 8 199,99, cada.
A Autora, em 06/01/2017, resolveu o contrato com a R. por Incumprimento culposo desta, visto ter sido ultrapassado o prazo estipulado sem o software ser entregue; ter sido ultrapassado o prazo adicional ao financiamento que consistia em encerrar o projeto em 90 dias contados do termo inicial; e ter perdido o interesse no projeto.
Citada, a Ré contestou, invocando a incompetência material do Tribunal para dirimir a questão em apreço, por ser uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, configurando o contrato celebrado pelas partes um contrato de natureza administrativa pelo que a competência para apreciar da sua validade e execução compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais. Por impugnação, alegou ter cumprido o contrato.
Proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta invocada pela Ré.
Interposto recurso desta decisão pela Autora, veio este Tribunal da Relação e coletivo julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, por serem os tribunais comuns os competentes para decidir o litígio.
Foi realizada a Audiência Prévia, fixado o objeto do litígio e os temas da prova, após o que foi realizada a audiência de discussão e julgamento e proferida a competente sentença que julgou improcedente a ação e absolveu a Ré dos pedidos formulados pela Autora.
Inconformada com esta sentença veio a Autora interpor o presente recurso, formulando, após o corpo alegatório, as seguintes conclusões:
1ª - Intentou a C… Lda, ACÇÃO DECLARATIVA EM PROCESSO COMUM contra UNIVERSIDADE …, peticionando que se declare válida a resolução do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes peticionando que fosse declarado o incumprimento de tal contrato por culpa exclusiva da R., e em consequência, condenar-se esta a pagar à A. a quantia de 16.399,98€, acrescida de juros de mora, entre outros.
Submetido o caso em apreço a julgamento foi a ação julgada totalmente improcedente.
2ª- A recorrente não se pode conformar com tal decisão, pelo que no presente recurso impugna matéria de facto com a qual não se conformou com a resposta dada recorrendo à reapreciação da prova gravada, análise crítica da documentação junta, e ainda sobre matéria de direito.
3ª - Considera a recorrente que foi incorretamente julgada a seguinte matéria de facto, a qual impugna:
Os factos provados em nº21 e 22 dos factos provados da douta sentença recorrida devem ser considerados não provados;
Os factos provados no nº13 devem ser provados com o esclarecimento, que abaixo se indica.
Ao passo que os factos não provados das als. B, C, D e E devem ser considerados provados com alguns esclarecimentos.
4ª - Quanto ao Nº21 e 22.
Não existe nos autos quaisquer documentos escritos ou procuração outorgada pela A. a favor do Eng. A….
Contudo, mesmo que assim fosse, que não é, não tem esse A… quaisquer poderes de gerência, administração e/ou vinculação da A.
Pelo que, qualquer alteração ao objeto do contrato inicial teria de ser submetido a escrito. (cfr. Decreto-Lei n.º 159/2014 de 27 de outubro).
Não estamos face a um contrato que se resume a dois intervenientes, antes sim face a um contrato que envolve a A., a R. e a U.E. Assim, não se pode eleger representantes, interlocutores sem estarem devidamente credenciados, muito menos a “meio do jogo”.
Nem podia tal matéria ser dada como provada, pois basta atentar nos factos provados nº27 a 36 dos factos provados por serem contraditórios.
Assim, esta matéria de facto deve ser considerada não provada ou sem qualquer interesse para a boa decisão da causa, pois a ser assim é deixar entrar pela janela o que não se pretende que entre pela porta principal.
5ª - Quanto ao Nº13.
Os factos provados nº13 devem ser provados com o seguinte esclarecimento:
Do Formulário Portugal 2020, para candidatura, elaborada pela R., ao incentivo financeiro, preenchido e entregue pela Autora, fez-se constar na parte “Enquadramento do projeto na(s) área(s) selecionada(s)”: “O principal produto do projeto consiste numa aplicação informática (software) para melhoria de modelos de superfície produzidos com fotografias aéreas obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV). A produção de software será realizada com recurso a linguagem de programação (C++ e python) para implementação de métodos e algoritmos espaciais para produção de modelos 3D de superfícies, registo e fusão.
A tal conclusão chega-se pelo depoimento da testemunha, F…, com depoimento gravado no dia 04/10/2029, desde as 11.30.48h a 12.03.02h, no sistema informático do tribunal, cuja passagem se ressalva, de 02 min. a 08.29min.,
Este esclarecimento é importante, pois é a R. a autora de toda a candidatura, suas justificações por forma a ser aprovada, tendo a A. apenas preenchido e submetido por via informática.
Assim, não pode vir agora a R. alegar que desconhecia o objeto do contrato, que o interpretou de outra maneira e que a dado momento teve de mudar de estratégia. Trata-se de um claro abuso de direito.
6ª - Quanto Al. B dos não provados.
Os factos não provados da al. B correspondem aos factos alegados no art.24º da P.I. (O software seria inovador pelo que pretendia implementa-lo no mercado nacional e no estrangeiro, África e América do Sul, continentes onde a A. desenvolve a sua atividade).
Os factos não provados da al. C correspondem aos factos alegados em art.26º da P.I. (O que foi entregue pela R. ao A. não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas.)
Analisando o depoimento da testemunha, F…, com depoimento gravado no dia 04/10/2029, desde as 11.30.48h a 12.03.02h, no sistema informático do tribunal, cujas passagens se ressalvam, conclui-se que os factos das Als. B e C devem ser considerados provados com as correções infra. Passagem de 09 min a 10.01 min.; Passagem de 12.05 min a 16.10 min.-
Após audição desta testemunha, que depôs de forma pura e clara, conclui-se que a recorrente agiu sempre com a maior lisura e boa-fé, colocando-se nas “mãos” da R. e dos seus funcionários, os quais elaboraram a candidatura da A. ao Vales ID, fundamentaram nos termos que tiveram por convenientes a candidatura por forma a obter a sua aprovação e respetivo subsídio.
7ª - Se analisarmos o doc.02 junto com a P.I., elaborado pela R., consta no documento oficial da união europeia na pág. 1/11, que “o projeto visa o desenvolvimento e implementação de uma solução informática que permita proceder as correções localizadas em modelos de superfície, nomeadamente lacunas e descontinuidades resultantes da própria morfologia do terreno ou de ocultação por defeitos de sombra.”
Mais, na pág.7/11 do doc.2 da P.I. da fundamentação da candidatura elaborada pela R., “O principal produto do projeto consiste numa aplicação informática (software) para melhoria de modelos de superfície produzidos com fotografias aéreas obtida a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados. A produção do software será realizada com recurso a linguagem de programação… para implementação de métodos e algoritmos especiais para produção de modelos 3D de superfície, registo e fusão.”
Conjugando o depoimento desta testemunha com o doc.2 da P.I. verifica-se que o objeto do acordado entre as partes era, também, a criação de software (programa informático) inovador. Pois tal decorre da própria natureza da candidatura.
No sentido que tal software seria algo inovador atente-se no depoimento da testemunha, Eng. A…, representante da T…, Lda., com depoimento prestado no dia 04/10/2019, gravado sistema Citius, que o disse aos minutos 05 aos minutos 8.11 e ainda 10 min a 14.17 min.
Ora se tem margem de evolução terá de se concluir que tal será inovador.
8ª - Assim justifica-se dar por provado,
O objeto do acordado entre as partes era, também, a criação de um software (programa informático) inovador, pelo que pretendia implementa-lo no mercado nacional e no estrangeiro (África e América do Sul continentes onde a A. desenvolve a sua atividade), por forma a que a resposta esteja em consonância com os factos provados 23 a 26 da douta sentença, por demonstrarem que era esta a principal intenção da A. ao contratar com a R. após a aprovação da candidatura.
Sendo que tal projeto seria, também, inovador tendo interesse pelas futuras possibilidades comerciais.
Sendo o fim último e principal solucionar os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas, tudo o mais vai por acréscimo.
9ª - Quanto Al. C dos não provados.
O que foi entregue à A. pela R. não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas, o que levou à resolução do contrato de prestação serviços com justa causa pela A., para tal basta analisar o teor da 2ª e da última resposta do relatório pericial, no qual se afirma que o conteúdo do CD enviado pela R. não permite suprir as lacunas e/ou descontinuidades, resultantes da morfologia do terreno ou de ocultação por efeito de sombra nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas.
Além disso, a Testemunha F…, acima indicada, na sua passagem de 02 min. a 08.29min., afirma que a entidade patronal considerava que o programa enviado não funcionava convenientemente.
Assim, efetivamente, o que foi entregue à A. e que se encontrava quesitado não soluciona nada, pois segundo o relatório pericial o que consta do CD equivale a zero, nunca tendo o objeto do contrato sido um relatório ou algo semelhante, pois tal não se pode colocar a correr num computador e obter os resultados pretendidos de um programa.
O que ficou consignado foi que a R, se obrigava ao desenvolvimento e implementação de um software. Caso contrário a UE não aceitaria financiar tal projeto. (cfr. doc.2)
Se analisarmos a informação disponível no IAPMEI no link https://www.iapmei.pt/PRODUTOS-E-SERVICOS/Incentivos-Financiamento/Sistemas-de-Incentivos/Incentivos-Portugal-2020/SI-IDT.aspx Conclui-se que o objeto deste financiamento, do conhecimento da R. dado ser entidade creditada, é a investigação industrial e desenvolvimento experimental, conducentes à criação de novos produtos, processos ou sistemas ou à introdução de melhorias significativas em produtos, processos ou sistemas exigentes.
Só se pode concluir que o que foi disponibilizado à A. não correspondeu à criação de um novo produto e/ou melhoria significativa de processo ou sistema exigente. Muito menor o relatório entregue que de nada serve à A. E corresponde ao que consta no CD.
10ª - Assim, deve ser considerado provado:
al. B- (com esclarecimento e aditamento)
O objeto do acordado entre as partes era, também, a criação de um software (programa informático) inovador, pelo que pretendia implementa-lo no mercado nacional e no estrangeiro (África e América do Sul continentes onde a A. desenvolve a sua atividade).
al.C-
que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas.
11ª - Quanto à Al. D não provados.
Deve ser considerado provado, com os seguintes esclarecimentos, que o que foi submetido à A. tratavam-se de um conjunto de páginas para visualização descarregadas da internet. O que já resulta dos factos provados nº34 da douta sentença recorrida.
Para tanto deve o tribunal socorrer-se do relatório pericial elaborado pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa o qual afirma categoricamente que o software apresentado no CD-ROM poderá ser descrito como um conjunto de páginas para visualização na internet de 03 caso de levantamentos topográfico/fotográfico.
Em suma, o que consta do CD-ROM não é nenhum software, antes sim ligações a páginas e software gratuitos descarregados da internet.
12ª - Al. E dos não provados.
Deve ser considerado provado que, em e-mail datado de 28 de dezembro de 2016 a Ré afirmou que se mostrava disponível para implementar uma solução que suprisse as lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas verticais.
Para tanto, recorrendo o tribunal ao doc.09 junto com a P.I. no penúltimo parágrafo deste mail assinado pelo chefe de divisão do CRIA da Universidade … escreveu: “… tendo em conta que em causa está um projeto que se encontra na sua fase final, o qual foi meticulosa e escrupulosamente cumprido, pelo que apelámos a uma análise cuidada relativamente aos trabalhos apresentados que são o resultado final do projeto acordado, disponibilizando-nos para auxiliar a C… na implementação do mesmo.”
13ª - Face à alteração das respostas à matéria de factos supra impugnada terá de se
considerar que se logrou provar que a R. estava obrigada a entregar à A., software (programa informático) destinado a solucionar os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas que por sua vez seria inovador.
E que o que foi entregue pela R. à A., no âmbito do contratado, não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas.
Pelo que face a estes fundamentos fácticos verifica-se o alegado incumprimento do contrato pela R. com as demais consequências decorrentes da lei.
14ª - Mesmo que a matéria de facto não seja alterada, no todo ou em parte, a documentação existente nos autos e os factos já provados são suficientes para a procedência da ação.
15ª - Encontra-se provado (cfr. factos 4 a 07 dos provados):
A Ré obrigou-se a fornecer à Autora serviços de consultoria em catividades de investigação e desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciadas (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies.
Comprometendo-se, a Ré, a dinamizar as catividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).
Ficou ainda estabelecido que o software a implementar seria desenvolvido em torno de dois módulos principais, um para registo de cada modelo local relativamente à superfície global georreferenciadas (produzida a partir da fotografia aérea), e outro para posterior fusão das duas superfícies numa única.)
Para a boa interpretação do objeto do contrato é importante fixar o significado de várias expressões,
O significado de desenvolver, no caso em apreço, é desenvolver as novas tecnologias.
Programa informático é um conjunto de instruções que descrevem uma tarefa a ser realizada por um computador. O termo pode ser uma referência ao código fonte, escrito em alguma linguagem de programação, ou ao arquivo que contém a forma executável deste código fonte. (in wikipedia).
Implementar, significa instalar, pôr em funcionamento (programa ou componente informático), in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
Face a estes factos provados, a estes significados e aos provados em 33 e 34, tem de se concluir CD entregue pela Ré à Autora não continha um software (programa informático), e muito menos inovador.
16ª -Só se pode concluir que a R. não cumpriu o acordado e que é objeto do contrato de prestação de serviços dos autos, isto é investigação, desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento e implementação de um software, programa informático, que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais.
Aliás, não resulta sequer dos factos provados da sentença recorrida que a R. tenha cumprido o acordado e/ou entregue um início de desenvolvimento de software nos termos que a R. defende.
17ª - Só resta concluir pelo incumprimento da R., a qual forneceu um CD-ROM que permitem, apenas, visualizar imagens previamente inseridas na internet.
Não permitindo o registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciadas (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfície e que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).
A R. nada forneceu à A. no tempo contratual aprazado e prorrogado, pelo que terá de se considerar válida a resolução contratual operada pela A. Em 06/01/2017 (cfr. doc.10 da P.I.)
18ª - Por último, o tribunal “a quo” considerou improcedente a ação dos autos por
a A. não ter provado que a R. estava obrigada a entregar-lhe um software inovador.
Não se compreende como chegou o tribunal “a quo” à conclusão que era essa a obrigação principal da R.
Que se veio a verificar serviu de matriz ao seu pensamento afirmando na pág.16, 1º parágrafo, da sentença recorrida que importava à A. provar a inexistência de software inovador na medida em que entende ser a criação de um software objeto do acordo firmado).
Se analisarmos os factos provados na sentença com o nº3 a 7, 13, 23 a 26, terá de se concluir que o objeto do contrato não era a entrega de um software inovador.
Aliás software inovador é algo de conclusivo, que se retira dos factos provados, mais precisamente do nº26 in fine, onde se refere que as soluções informáticas que permitem minorar o efeito das obstruções e sombras têm margem de evolução para obter melhores resultados. Se tem margem de evolução terá de se concluir que tal será inovador.
Na verdade, se atentarmos nos factos constantes dos arts.23º a 27º da P.I. verifica-se que a A. nunca afirmou que objeto do contrato seria um software inovador, antes sim que tal viria por acréscimo.
Assim, com o devido respeito, que é muito, considera a A. que o tribunal “a quo” interpretou erradamente a ação e os seus fundamentos.
19ª - Afirmou, ainda, o tribunal “a quo” no final da sua sentença que a A. não logrou provar que o material entregue pela R. no âmbito do contratado não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas, pelo que carece de fundamento fáctico o incumprimento do contrato.
Resulta dos factos provados da douta sentença (33 e 34) que o foi entregue pela R. não é um software, inovador ou não, não vem ao caso, mas que continha um conjunto de páginas que permite visualizar na internet três casos de levantamento topográfico/fotográfico.
Ora como é que tais páginas de internet resolvem o problema da A., de que forma, como é que esta pode implementar/tratar os seus levantamentos por fotos aéreas numa página de internet onde se analisando três casos concluídos.
Conjugando os factos provados de 07, 33 e 34 da douta sentença recorrida conclui-se que a R. não desenvolveu nem implementou um software que permita a A. completar lacunas obtidas a partir de câmaras fotográficas colocadas em drones.
Pois, se a A. tirar algumas fotos aéreas e as introduzir no CD fornecido pela R. o que resultado é nulo, as descontinuidades do terreno e as sombras manter-se-ão inalteradas.
Assim, tem de se concluir que com os factos já existentes terá de se considerar que o material entregue pela R. no âmbito do contratado não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas, pelo que terá de se considerar válida a resolução contratual operada pela A. nos termos do nº 1 do artigo 801º do C. Civil
Nestes termos, requer-se a V. Exas. se dignem considerar procedente e provado o
presente recurso, e em consequência revogarem a douta sentença recorrida, condenando-se a R. no pedido.
***
Não foram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir consistem em saber:
a) se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pretendido;
b) se a Ré incumpriu o contrato celebrado com a autora, justificando a sua resolução com o consequente pagamento da quantia peticionada.
***
III. Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
1.1. A factualidade provada é a seguinte:
1. A Autora dedica-se à topografia, projetos, cartografia, aerofotografia digital, ortofotomapas, modelos digitais de superfície, entre outras.
2. A Ré é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, que tem nas suas atribuições, no âmbito da difusão dos resultados da investigação científica e do desenvolvimento experimental, “o estabelecimento de parcerias com empresas e instituições e a prestação de serviços à comunidade...”.
3. No âmbito da atividade de ambas foi firmado entre a Autora e Ré, em 01 de outubro de 2015, um acordo escrito denominado de “Contrato de Prestação de Serviços”.
4. Esse acordo escrito (que contém as assinaturas de Professor Doutor P…, na qualidade de Vice-Reitor da Universidade …, e de Pa…, na qualidade de Sócio Gerente da C…, Lda.) apresenta o seguinte conteúdo:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Ao abrigo da aprovação do projeto "Completagem (automática) de modelos digitais de superfície obtidas com UAVrecorrendo a técnicas de fotograrnetria terrestre", aprovado pela empresa C…, Lda, no âmbito do Aviso n.° 12/SI/2015, da tipologia de Vales l&D, do Programa Operacional Regional do Centro, cio Programa Portugal 2020, é celebrado o presente Contrato de Prestação de Serviços, na forma e condições abaixo exaradas:
Outorgantes: primeiro:
Universidade …, pessoa coletiva n° … com sede no …, Faro, representada pelo Vice-Reitor Professor Doutor P…, na qualidade de legal representante;
segundo:
C…, Lda., contribuinte fiscal n.° …, com sede na …, na localidade de Castelo Branco, 6000-078, Castelo Branco, aqui representada por Pa…, na qualidade de Sócio Gerente com poderes para o ato, portador do Cartão de Cidadão n ° … contribuinte fiscal n.° ….
Artigo 1o
O objeto do presente Acordo Específico consiste na aquisição de serviços de consultaria em atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico, conducentes ao desenvolvimento de software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (produzida a partir da fotografia aérea), e para fusão de superfícies ao abrigo do Sistema de Incentivos à investigação e Desenvolvimento Tecnológico do Programa Operacional Regional do Centro, na tipologia de Vales l&D, e um incentivo não reembolsável a atribuir pelo FEDER.
Artigo 2o
A primeira outorgante compromete-se a dinamizar as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permita completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV - Unmanned Aerial Vehicles). O software a implementar será desenvolvida em torno de dois módulos principais, um para registo de cada modelo local relativamente à superfície global (produzida a partir da fotografia aérea), georreferenciada, e outro para posterior fusão das duas superfícies numa única.

Artigo 3o
O valor global a pagar, pela segunda outorgante, pela prestação dos serviços, especificada no artigo 2º, é de 20.000,00€ (Vinte mil euros) a que acresce IVA á taxa de 23% no montante de 4.600,00 € (Quatro Mil e Seiscentos) o que perfaz a quantia global de 24.600,00€ (Vinte e Quatro Mil e Seiscentos).

Artigo 4o
O pagamento, pelo segundo outorgante, do valor devido pela prestação dos serviços será efetuado em 3 tranches:
1.ª tranche com a assinatura do contrato e adjudicação;
2.ª tranche após 6 meses de projeto;
3.ª tranche com a entrega do relatório final.
O valor unitário de cada tranche é de 6.666,66€ (Seis Mil, Seiscentos e Sessenta e Seis), o que acresce IVA à taxa de 23%.
Artigo 5o
Os resultados dos ensaios efetuados, e objeto do presente contrato de prestação de serviços, são propriedade da segunda outorgante.
Artigo 6o
O incumprimento culposo, por uma das partes, dos deveres resultantes do presente contrato confere, nos termos gerais do direito, á outra parte, o direito de o rescindir, sem prejuízo das correspondentes indemnizações legais.

O presente contrato é constituído por três páginas, e é lavrado em duplicado, destinando-se um exemplar a cada um dos outorgantes.

5. A Ré obrigou-se a fornecer à Autora serviços de consultoria em atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies.
6. Comprometendo-se, a Ré, a dinamizar as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).
7. Ficou ainda estabelecido que o software a implementar seria desenvolvido em torno de dois módulos principais, um para registo de cada modelo local relativamente à superfície global georreferenciada (produzida a partir da fotografia aérea), e outro para posterior fusão das duas superfícies numa única.
8. Em contrapartida do serviço prestado pela Ré, a Autora obrigou-se a pagar à Ré a quantia global de €20.000,00, à qual acrescia o IVA à taxa legal em vigor.
9. Sendo o pagamento efetuado em três tranches, vencendo-se a primeira com a assinatura do contrato e adjudicação; a segunda após seis meses de projeto; e a última com a entrega do relatório final.
10. O valor de cada prestação foi estabelecido em €6.666,66, ao qual acrescia o IVA à taxa de 23%.
11. A Autora efetuou o pagamento à Ré das duas primeiras prestações, no valor de €8.199,99, cada uma.
12. O contrato aludido em 3. e 4., foi celebrado ao abrigo do Programa Portugal 2020, do Sistema de Incentivos à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico do Programa Operacional Regional do Centro, na tipologia Vales I&D, apoiado pelo FEDER.
13. Do Formulário Portugal 2020, para candidatura ao incentivo financeiro, preenchido e entregue pela Autora, fez-se constar na parte “Enquadramento do projeto na(s) área(s) selecionada(s)”: “O principal produto do projeto consiste numa aplicação informática (software) para melhoria de modelos de superfície produzidos com fotografias aéreas obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV). A produção de software será realizada com recurso a linguagem de programação (C++ e python) para implementação de métodos e algoritmos espaciais para produção de modelos 3D de superfícies, registo e fusão.”.
14. A Universidade do Algarve apresentava-se como entidade credenciada para a prestação de apoio e serviços que permitiam a celebração de contratos com as empresas (PME) candidatas a tais apoios.
15. Assim, a Autora, na sequência de candidatura apresentada ao Programa Operacional Regional do Centro apoiado pelo FEDER, outorgou com o IAPMEI – Agência para Competitividade e Inovação I.P., em 16/09/2015, um acordo escrito denominado “Termo de Aceitação” com vista à concessão de incentivo financeiro para aplicação na execução do projeto de investimento.
16. Através deste incentivo financeiro a Autora obteve o financiamento de €15.000,00, não reembolsáveis.
17. O período de execução do investimento estabelecido no acordo aludido em 15. tinha um prazo máximo de 12 meses contados a partir da assinatura desse mesmo acordo.
18. Por via da estipulação desse prazo, o Relatório Final da Ré, a emissão da última fatura correspondente à terceira tranche, e o serviço contratado entre Autora e Ré teriam de ser concluídos e entregues até 15/09/2016.
19. Data limite de que a Ré estava bem ciente e era conhecedora, pois sabia que o “Contrato de Prestação de Serviços” outorgado tinha por base e fora concluído ao abrigo do “Termo de Aceitação” do Sistema de Incentivos à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico do Programa Operacional Regional do Centro, na tipologia Vales I&D.
20. Aliás, previamente à candidatura ao financiamento do IAPMEI, a Autora teve de contactar a Ré para aferir do custo do projeto.
21. A Autora indicou à Ré, como seu representante e interlocutor junto desta, para além de interveniente e fiscalizador no desenvolvimento e prestação do serviço contratado, o Sr. Engenheiro A….
22. Este representante da Autora acompanhou e interveio em todas as fases do projeto, fornecendo os dados da Autora que se pretendiam processar e trabalhar; introduzindo alterações e correções segundo as alegadas necessidades específicas e objetivos da Autora; recolhendo os relatórios e notas parcelares elaborados por cada fase de desenvolvimento do projeto; adiantando sugestões de melhor adaptabilidade da aplicação informática aos programas utilizados pela Autora; sendo, desde o primeiro momento, o único interlocutor técnico da Autora e o que estava encarregado, em nome desta, para proceder às validações técnicas do projeto desenvolvido.
23. A Autora recorrendo a imagens aéreas recolhidas por veículos aéreos não tripulados (drones) cria orto fotos e modelos digitais de superfície.
24. Perante algumas características topográficas, os modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas podem apresentar indesejáveis lacunas e/ou descontinuidades resultantes da morfologia do terreno ou de ocultação por efeitos sombra.
25. Apesar de constituírem situações passíveis de correção, as soluções informáticas de processamento de fotografias aéreas com funcionalidades que permitiam minorar o efeito de obstruções e sombras tinham margem para evolução por forma a obter melhores resultados.
26. Foi neste contexto que a Autora se propôs, através do projeto encomendado à Ré, resolver estes problemas, sentidos por todos os que se dedicam a esta atividade, desenvolvendo um software para o efeito, por forma a criar orto fotos e modelos digitais de superfície e 3D numa relação custo/benefício bastante atrativa face aos custos de aquisição de informação cartográfica tradicional.
27. Em 21.09.2016 a Ré não tinha feito entrega à Autora do Relatório Final e do CD.
28. Em 21.09.2016, a Autora reclamou da Ré a entrega do software.
29. A Ré disponibilizou à Autora, a chave de acesso à nuvem (cloud) pertença da Ré e por esta administrada, onde se encontrava gravado o produzido no âmbito do contrato celebrado e estava o texto do Relatório Final.
30. A Autora solicitou, porém, que a instalação do produzido nos computadores da empresa fosse efetuada através da reprodução de um CD que a Ré se prontificou enviar.
31. Em 24 de Outubro de 2016, a Autora rececionou, via correio, o Relatório Final e um CD.
32. O Relatório Final é composto por 53 páginas, dividido em cinco pontos: Introdução; Metodologias; Resultados; Análise e discussão de resultados; Conclusões; e cujo conteúdo, a fls. 32 a 84, se tem aqui por integralmente reproduzido.
33. O CD entregue pela Ré à Autora não continha um software (programa informático) inovador.
34. O CD entregue pela Ré à Autora continha um conjunto de páginas para visualização na internet de três casos de levantamento topográfico/fotográfico.
34-A. O CD-ROM que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas (Aditado).
35. No dia 25 de outubro de 2016, a Autora enviou carta registada à Ré com o seguinte teor:
“Acusamos a receção do envio da documentação relativo ao Contrato de Prestação de serviços e respetivo CD.
Conforme indicado no email de 15 de setembro de 2016, o Dr. H… fez referência que o relatório seria entregue até 16 de setembro e seria entregue um CD à C… com o Software desenvolvido e ainda a sua instalação na sede da empresa (Castelo Branco).
O indicado pelo Dr. H… não aconteceu, recebemos por correio o mencionado, sem qualquer explicação da vossa parte ao solicitado pela C… por email em 17 de outubro, onde solicitávamos mais uma vez a referida instalação do programa.
Alerto para o facto de que o projeto entregue não tem a aprovação da empresa, pois necessitamos da sua instalação e ainda formação para podermos dar continuidade ao projeto desenvolvido pela Universidade.”.
36. No dia 14 de dezembro de 2016, a Autora enviou carta registada à Ré com o seguinte teor:
“Na sequência das nossas últimas comunicações vimos comunicar o seguinte:
Devem V. Exas. no prazo de 15 dias contados da receção da presente comunicação, proceder a entrega do Software a que alude os artigos 1º e 2º do Contrato de Prestação de Serviços outorgado em 01 de outubro de 2015 entre a UALG e a C….
Após a receção procederemos ao pagamento final da 3ª tranche (…)
Caso não procedam a entrega do Software no prazo indicado reserva-nos desde já o direito de resolver o respetivo contrato por incumprimento culposo da UALG.”.
37. Em e-mail de 04.01.2017, enviado à Autora, a Ré afirma-se cumpridora do acordado, apelando a uma análise mais cuidada relativamente aos trabalhos apresentados que são o resultado final do projeto acordado, disponibilizando-se para auxiliar na implementação do mesmo.
38. No dia 6 de janeiro de 2017, a Autora enviou carta registada à Ré com o seguinte teor:
“vimos pelo presente meio resolver o contrato de prestação de serviços outorgado, entre ambos, em 01/10/2015, por incumprimento culposo de V. Exas., uma vez que até à data não foi entregue e/ou disponibilizado o software a que aludem os arts. 1º e 2º, tendo o prazo contratualizado para o efeito já decorrido. Aliado ao facto de o prazo estipulado à nossa empresa pelo financiamento por parte do Portugal 2020 a este projeto, também, já expirado. Assim, perdemos o interesse no contrato, pelo que o resolvemos com justa causa.
Pelo que, devem V. Exªs devolver-nos no prazo de oito dias todas as quantias pagas por nós a V.Exªs.”.
39. O prazo adicional ao financiamento consistia em encerrar o projeto em 90 dias contados do termo inicial.
40. Por carta de 12 de janeiro de 2017 a Autora deu conta de todo o sucedido ao IAPMEI.
41. Em resposta àquela comunicação da Autora de 6 de janeiro de 2017, dirigiu-lhe a Ré a carta datada de 20 de janeiro de 2017, com o seguinte teor:
“Incumprimento contratual por falta de pagamento.
Em 1 de outubro de 2015 entre a Universidade … e a C…, Lda. foi celebrado um contrato de prestação de serviços por via do qual a Universidade … se comprometeu a desenvolver um programa informático (software) destinado a colmatar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados.
O referido contrato tem por base a execução do projeto denominado “Completagem (automática) de modelos digitais de superfície obtidas com UAV recorrendo a técnicas de fotogrametria terrestre”, constante do Aviso n.º 12/5/2015 da tipologia de Vales I&D do Programa Operacional Regional do Centro Portugal 2020.
Pelos trabalhos a executar, a C…, Lda. obrigou-se a pagar a quantia total de €20.000,00 a que acresce IVA à taxa legal de 23%, no montante total de €4.600,00, o que perfaz o montante total de €24.600,00.
Acordaram as partes que o pagamento seria efetuado em três tranches, de igual valor, (…).
Em 18 de Outubro de 2016 a Universidade … expediu através de correio registado com aviso de receção, o relatório final resultante dos trabalhos levados a cabo, acompanhado do CD com o software desenvolvido no âmbito de execução do contrato de prestação de serviços anteriormente aludido.
O referido correio foi rececionado por trabalhador da empresa, em 24 de outubro de 2016.
Por razões que não se compreendem, em 15 de dezembro de 2016 vem a C…, Lda., através de carta dirigida à Universidade … com a referência 64/AD/16, solicitar “(…) a entrega do Software a que alude os artigos 1.º e 2.º do Contrato de Prestação de Serviços outorgado em 01 de outubro de 2015 entre a UALG e a Cartoglobo”.
Em 4 de janeiro de 2017, o Dr. H…, Chefe de Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia, endereçou email à C…, onde em súmula explica, que para além das vicissitudes verificadas ao longo da execução do contrato de prestação de serviços, o software foi integralmente produzido, conforme acordado, tendo ainda sido manifestada total “(…) disponibilidade da UAlg para a realização de uma ação de divulgação da solução junto dos técnicos da Empresa”, disponibilizando-se ainda a Universidade “(…) para auxiliar a C… na implementação do mesmo”.
O referido email não mereceu qualquer resposta por parte de V. Exas., nem procederam ao pagamento da última tranche em dívida.
Foi com perplexidade que a Universidade … rececionou em 9 de janeiro do corrente ano, carta a que corresponde a vossa referência n.º 03/AD/17, por via da qual pretendem resolver o contrato de prestação de serviços em questão, alegando o incumprimento culposo por parte desta Universidade, solicitando ainda a devolução de todas as quantias pagas. (…)
Não se vislumbram fundamentos legais para o alegado incumprimento por parte da Universidade, nem é feita prova de qualquer facto que sustente tal pretensão.
Face ao exposto, e porque o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Universidade … e a C…, em 1 de outubro de 2015, se encontra integral e perfeitamente executado, devem V. Exas. proceder no prazo máximo de 10 dias ao pagamento da quantia em dívida, correspondente à última e terceira tranche, em conformidade com o acordado nos termos do artigo 4.º do contrato (…).”.
***
2. Reapreciação da matéria de facto.
2.1. A recorrente considera ter havido erro de julgamento quanto à factologia por si alegada no art.º 26.º da p. i., e vertida na alínea C) dos factos dados como não provados, e que têm a seguinte redação:
O que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas”
Entende que essa factologia deve ser dada como assente tendo em conta o teor da 2ª e da última resposta do relatório pericial.
Na fundamentação da sentença recorrida consta o seguinte:
Conjugando estes elementos de prova com a perícia realizada, designadamente na parte da resposta à questão e) – no sentido em que o software apresentado não indicia a dinamização de qualquer atividade conducente ao desenvolvimento de um programa informático que permita completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados, por não se encontrarem no CD analisado elementos que pudessem indiciar essa dinamização, tais como: descrições técnicas dos problemas a resolver; descrições metodológicas; testes de desempenho de um software de processamento de imagens; qualquer tipo de software que constitua um indício de tentativa de resolução dos problemas enunciados relativos a lacunas e descontinuidades – tal não deve levar à conclusão de que o que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas.
Conforme já supra referido, a perícia teve apenas por objeto o conteúdo do CD, que é apenas uma parte da “execução do serviço”, ou seja, não deve desintegrar-se da consultoria refletida no Relatório Final, onde é feita análise de diversos elementos, como os sugeridos pelo perito (descrições técnicas dos problemas a resolver; descrições metodológicas; testes de desempenho de um software de processamento de imagens; qualquer tipo de software que constitua um indício de tentativa de resolução dos problemas enunciados relativos a lacunas e descontinuidades).
Acresce o depoimento da testemunha J… no sentido de o CD conter a gravação dos testes efetuados sobre os três sítios desafiantes para a cartografia, permitindo apenas a visualização dos modelos e medição das distâncias, devendo entender-se tal como uma base de trabalho.
Com isto, não pode dar-se como provado que “O que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas; nem que “O que foi remetido à Autora tratavam-se de duas aplicações descarregadas da internet” – fim de citação.
Ora, analisando o Relatório Pericial junto nos autos, elaborado em 11/03/2019, pelo Senhor Perito Jo…, Professor Associado do Instituto Superior Técnico de Lisboa, à seguinte questão D) colocada: “O que consta e se mostra incorporado no CD-ROM corresponde ao desenvolvimento de software de registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada e para fusão de superfícies?
Respondeu negativamente esclarecendo que “O software apresentado não é um software que tenha as funcionalidades indicadas na questão, não é também um protótipo de um software desse tipo” (nosso sublinhado).
E à seguinte questão E): “Se o contido no CD-ROM traduz a dinamização de atividades conducentes a desenvolvimento de um programa informático que permita completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV)?”
Respondeu negativamente com o seguinte esclarecimento/justificação: “O software apresentado não indicia a dinamização de qualquer atividade conducente ao desenvolvimento de um software com as possibilidades enunciadas. Não se encontram nos CDROM analisados elementos que pudessem indiciar essa dinamização, nomeadamente: descrições técnicas dos problemas a resolver; descrições metodológicas; testes de desempenho de um software de processamento de imagens; qualquer tipo de software que constitua um indício de tentativa de resolução dos problemas enunciados relativos a lacunas e descontinuidades”. (nosso sublinhado)
E sobre a seguinte questão colocada na alínea A): “São conhecidas soluções informáticas ou outras disponíveis que permitam suprir as lacunas e/ou descontinuidades, resultantes da morfologia do terreno ou de ocultação por efeitos de sombra, nos orto fotos e modelos digitais de superfície, obtidas exclusivamente com fotografias aéreas / imagens aéreas recolhidas por veículos aéreos não tripulados (drones) ?”, depois de responder afirmativamente, respondeu negativamente à questão da alínea B)O software constante no CD-ROM, junto aos autos, é uma destas soluções informáticas?” com o seguinte comentário justificativo:
“O software apresentado no CD-ROM não é uma solução informática que tenha as funcionalidades descritas. Sublinhe-se que esta afirmação não se refere a uma avaliação do maior ou menor grau de satisfação, por parte do software apresentado, dos requisitos enunciados; o software apresentado não tem, de todo, essas funcionalidades(nosso sublinhado).
Ora, sendo o relatório pericial subscrito pelo Senhor Perito nomeado pelo tribunal, não obstante vigorar o princípio da livre convicção do tribunal (art.º 389.º do C. Civil), é de acolher a resposta dada, por merecer maiores garantias de imparcialidade, isenção, independência e competência, e o julgador não pode, sem fundamento suficientemente sólido, afastar-se do resultado da peritagem, particularmente quando o perito tem formação específica e académica na área técnica que a questão exige.
A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem – art.º 388.º do C. Civil.
Constituindo um meio de prova de natureza técnica, ao contrário da testemunha, o senhor perito para além da narração dos factos que perceciona, aprecia e valora esses factos de acordo com os especiais conhecimentos técnicos que possui na matéria, e que não são do conhecimento do julgador [1].
Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit. pág. 578, “O perito não é apenas utilizado para apreciar e valorar factos, mas também para narrar factos. Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a perceção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, seja qual for a natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos”.
Sobre este meio de prova realçam também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo civil Anotado” Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 312, que “Em todos os casos, entre a fonte de prova (pessoa ou coisa) e o juiz interpõe a figura do perito, intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitando a pessoas, não devem ser objeto de inspeção judicial”.
No mesmo sentido se pronuncia Fernando Pereira Rodrigues, “A prova Em Processo Civil”, Coimbra Editora, 2011, pág. 115, ao afirmar que “a função da prova pericial não é apenas a da recolha de factos, mas também a de apreciação técnica dos factos observados”.
Os meios de prova visam trazer para o processo a realidade externa dos factos que geraram o litígio. A finalidade da prova processual é a formação da convicção do julgador quanto à existência dos factos em discussão, no caso dos factos essenciais ou factos instrumentais alegados pelos autores.
Um desses instrumentos é a prova pericial, a qual consiste na atividade de perceção ou apreciação dos factos probandos efetuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Assim, quanto à matéria da alínea C) dos factos dados como não provados, tendo em conta as respostas dadas pelo Senhor Perito, que confirmou que o software apresentado no CD-ROM e entregue pela Ré à Autora, e que constituiu objeto de perícia, “não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas”, verificamos a existência de manifesto o erro de julgamento.
Deste modo, constata-se ter havido, por parte do tribunal a quo, desadequada avaliação desse meio de prova, pelo que se altera a factualidade assente, acrescentando o n.º 34-A com a seguinte redação:
O CD-ROM que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas”
2.2. A recorrente considera, também, ter havido erro na apreciação da prova no que respeita aos factos provados em nº21 e 22, por considerar que o Formulário Portugal 2020, para candidatura, que apresentou, infirmam esses factos.
Ora, está em causa nos presentes autos, e consequente objeto do recurso, saber se a Ré/recorrida incumpriu definitivamente o contrato de prestação de serviços celebrado com a Autora/recorrente, mais concretamente se entregou, ou não, o programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles), com o consequente direito da Autora a resolver o contrato e exigir a restituição das quantias que entregou.
Por isso, é totalmente inútil realizar o julgamento para dar como não provada a referida “factologia”, ou seja, se a Autora indicou à Ré, como seu representante e interlocutor junto desta, para além de interveniente e fiscalizador no desenvolvimento e prestação do serviço contratado, o Sr. Engenheiro A… e se este acompanhou e interveio em todas as fases do projeto, fornecendo os dados da Autora que se pretendiam saber, sendo que no processo não é lícito realizar atos inúteis (art.º 130º, do CPC).
Aplicando o referido princípio à pretendida reapreciação da matéria de facto, deve entender-se que «o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, o que não é manifestamente o caso.
Os poderes de controlo da Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância não devem ser atuados se os factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis do objeto do recurso» [2]..
Assim também se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 17/05/2017, afirmando: “O princípio da limitação dos atos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os atos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de atos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir” [3].
É precisamente o que acontece no caso dos autos, em que essa factologia é totalmente irrelevante para a decisão do objeto do presente recurso.
Improcede, pois, a pretendida alteração à matéria de facto.
2.3. Facto n.º 13.
Defende a recorrente que o facto provado sob o nº13 deve ser provado com o seguinte esclarecimento: Do Formulário Portugal 2020, para candidatura, elaborada pela R., ao incentivo financeiro, preenchido e entregue pela Autora, fez-se constar na parte “Enquadramento do projeto na(s) área(s) selecionada(s)”: “O principal produto do projeto consiste numa aplicação informática (software) para melhoria de modelos de superfície produzidos com fotografias aéreas obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV). A produção de software será realizada com recurso a linguagem de programação (C++ e python) para implementação de métodos e algoritmos espaciais para produção de modelos 3D de superfícies, registo e fusão.
Tendo em conta o que se deixou dito no ponto anterior é igualmente irrelevante para a decisão do objeto do presente recurso o aditamento pretendido.
2.4. Alíneas B) e C) dos factos não provados.
Sustenta a recorrente que se justifica dar como provado que “O objeto do acordado entre as partes era, também, a criação de um software (programa informático) inovador, pelo que pretendia implementa-lo no mercado nacional e no estrangeiro (África e América do Sul continentes onde a A. desenvolve a sua atividade”.
Assim como entende que se deve dar como provado a matéria da alínea C): “que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas”.
Ora, quanto à alínea C), já se mostra incluída no ponto 34-A dos factos assentes.
No que respeita ao objeto do contrato, é irrelevante saber se a criação de um software acordado era ou não inovador, pois o contrato celebrado entre as partes e junto nos autos é omisso quanto à sua eventual inovação.
Por outro lado, a testemunha Felisbela, empregada da Autora, no seu depoimento (passagem de 02 min. a 08.29min.), não o confirma, antes disse que a entidade patronal considerava que o programa enviado não funcionava convenientemente, e não que pretendia a criação de um software (programa informático) inovador.
Improcede, pois, a pretendida alteração, na ausência de qualquer prova que demonstre ser outro o objeto do contrato para além do vertido no documento junto e que consta do n.º 4 dos factos assentes.
2.5. Alínea D) dos factos não provados.
A recorrente pretende que seja dado como provado que o que foi submetido à A. tratavam-se de um conjunto de páginas para visualização descarregadas da internet, factualidade já vertida no n.º 34 dos factos provados, tendo em conta o teor do relatório pericial elaborado pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa o qual afirma categoricamente que o software apresentado no CD-ROM poderá ser descrito como um conjunto de páginas para visualização na internet de 03 caso de levantamentos topográfico/fotográfico.
Ora, essa factologia, como refere a recorrente, consta do facto n.º 34, não se vislumbrando razão válida para o reformular, razão pela qual vai desatendida a pretendida alteração.
2.6. Alínea E) dos factos não provados.
Finalmente, a recorrente considera que deve ser considerado provado que, “em e-mail datado de 28 de dezembro de 2016, a Ré afirmou que se mostrava disponível para implementar uma solução que suprisse as lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas verticais”.
Para tanto, sustenta a recorrente, deve-se recorrer doc. 09 junto com a P.I., no penúltimo parágrafo desse mail, assinado pelo chefe de divisão do CRIA da Universidade … que escreveu: “… tendo em conta que em causa está um projeto que se encontra na sua fase final, o qual foi meticulosa e escrupulosamente cumprido, pelo que apelámos a uma análise cuidada relativamente aos trabalhos apresentados que são o resultado final do projeto acordado, disponibilizando-nos para auxiliar a C… na implementação do mesmo.”
Ora, tendo em conta o teor do art.º 2.º do contrato celebrado entre as partes, no qual consta que a Ré se compromete “a dinamizar as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permita completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV - Unmanned Aerial Vehicles)”, não se vê qualquer utilidade em acrescentar à factualidade assente a pretendida factologia.
Acresce que desse documento, cuja passagem a recorrente identifica, não se infere, nem se pode concluir, que a Ré afirmasse estar “disponível para implementar uma solução que suprisse as lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas verticais”.
Antes a Ré reafirma ter cumprido o contrato, como flui desse texto, que se transcreve:
“Face ao exposto, foi com alguma perplexidade que rececionamos a vossa carta, tendo em conta que em causa está um projeto que se encontra na fase final, o qual foi meticulosa e escrupulosamente cumprido, pelo que apelamos a um análise mais cuidada relativamente aos trabalhos apresentados que são o resultado final do projeto acordado, disponibilizando-nos para auxiliar a C. na implementação do mesmo”.
Improcede, pois, a alteração pretendida.
Resumindo, mantém-se inalterada a matéria de facto, salvo quanto ao ponto 34-A.
***
3. O direito.
A questão essencial a decidir consiste em saber se a Ré incumpriu o contrato celebrado com a autora, justificando a sua resolução com o consequente pagamento da quantia peticionada.
Defende a recorrente que dos factos provados em 4 a 07 resulta que a Ré obrigou-se a fornecer à Autora serviços de consultoria em atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico conducentes ao desenvolvimento de um software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciadas (a partir de fotografia aérea) e para fusão de superfícies, comprometendo-se, a Ré, a dinamizar as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas em veículos aéreos não tripulados (UAV - unmanned serial vehicles).
Mais ficou estabelecido, acrescenta a recorrente, que o software a implementar seria desenvolvido em torno de dois módulos principais, um para registo de cada modelo local relativamente à superfície global georreferenciadas (produzida a partir da fotografia aérea), e outro para posterior fusão das duas superfícies numa única.) E tendo em conta os factos provados em 33 e 34 deve concluir-se que a Ré incumpriu o contrato em causa, tendo direito a reaver as quantias que lhe entregou.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.
Na sentença recorrida, entendeu-se que a Autora “não logrou provar que a Ré estava obrigada a entregar à Autora “software (programa informático) inovador”. E não logrou provar-se que o que foi entregue pela Ré à Autora, no âmbito do contratado, não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas. E a assim ser, carece de fundamento fáctico o alegado incumprimento do contrato pela Ré”.
Ora, não podemos acompanhar a orientação sufragada na sentença recorrida.
Na realidade, está demonstrado que no âmbito da atividade da Autora e da Ré, estas celebraram, em 01 de Outubro de 2015, um acordo escrito, denominado de “Contrato de Prestação de Serviços”, cujo objeto específico consistia na aquisição de serviços de consultaria em atividades de investigação e desenvolvimento tecnológico, conducentes ao desenvolvimento de software para registo de modelos locais relativamente a uma superfície global georreferenciada (produzida a partir da fotografia aérea), e para fusão de superfícies ao abrigo do Sistema de Incentivos à investigação e Desenvolvimento Tecnológico do Programa Operacional Regional do Centro, na tipologia de Vales l&D, e um incentivo não reembolsável a atribuir pelo FEDER.
No âmbito deste contrato, a Ré obrigou-se a dinamizar as atividades conducentes ao desenvolvimento de um programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados (UAV - Unmanned Aerial Vehicles). O software a implementar seria desenvolvido em torno de dois módulos principais, um para registo de cada modelo local relativamente à superfície global (produzida a partir da fotografia aérea), georreferenciada, e outro para posterior fusão das duas superfícies numa única.
Assim, é isento de dúvidas que a Ré ficou obrigada a desenvolver as atividades necessárias com vista à criação de um programa informático (software) , cuja finalidade era justamente permitir completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados.
Na realidade, ficou assente que a Autora, no exercício da sua atividade, recorre a imagens aéreas recolhidas por veículos aéreos não tripulados (drones) e cria orto fotos e modelos digitais de superfície (MDT - Modelo Topográfico altimétrico que representa a superfície considerando valores altimétricos inerentes às edificações, à vegetação e a todos os acidentes artificiais – segundo definição da D. G. do Território, “www.dgterritório.gov.pt/cartografia/cartografia”). Perante algumas características topográficas, os modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas podem apresentar indesejáveis lacunas e/ou descontinuidades resultantes da morfologia do terreno ou de ocultação por efeitos sombra.
E mais se provou que foi neste contexto que a Autora se propôs, através do projeto encomendado à Ré, resolver estes problemas, sentidos por todos os que se dedicam a esta atividade, desenvolvendo um software para o efeito, por forma a criar orto fotos e modelos digitais de superfície e 3D numa relação custo/benefício bastante atrativa face aos custos de aquisição de informação cartográfica tradicional.
Portanto, é inquestionável que a obrigação da Ré consistia no desenvolvimento e criação de programa informático (software) que permitisse a apontada finalidade.
Aliás, a própria Ré o confessa no seu art.º 17.º da contestação, ao alegar: “Conforme a Proposta Detalhada de 5 de agosto de 2015 apresentada pela Ré à Autora “O principal produto consiste numa aplicação informática (software) para melhoria de modelos de superfície produzidos com fotografias aéreas obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas e veículos aéreos não tripulados (UAV). A produção de software será realizada com recurso a linguagem de programação para implementação de métodos e algoritmos espaciais para produção de modelos 3D de superfície, registo e fusão.” (nosso sublinhado).
Em contrapartida do serviço prestado pela Ré, a Autora obrigou-se a pagar-lhe a quantia global de €20.000,00, à qual acrescia o IVA à taxa legal em vigor, sendo esse pagamento a efetuar em três tranches, vencendo-se a primeira com a assinatura do contrato e adjudicação, a segunda após seis meses de projeto, e a última com a entrega do relatório final.
Mais está provado que o valor estabelecido de cada prestação foi de €6.666,66, ao qual acrescia o IVA à taxa de 23%, tendo a Autora efetuado o pagamento à Ré das duas primeiras prestações, no valor de €8.199,99, cada uma, montante que a autora reclama que lhe seja restituído.
Assim, estamos perante um contrato de prestação de serviços, tal como vem definido no art.º 1154.º do C. Civil, cujo objeto consistia em a Ré desenvolver as atividades necessárias com vista à criação de um programa informático (software), para permitir completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados.
E, como é consabido, o contrato de prestação de serviços tem por objeto o resultado do trabalho, seja intelectual ou manual, e não o trabalho em si, pois que uma das partes obriga-se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, pág. 702, e Acórdão do S. T. J., de 17/6/1998, BMJ, 478.º-351).
No caso concreto, o resultado desse trabalho consistia na criação de um programa informático (software) que permitisse completar lacunas ou descontinuidades em modelos digitais de superfície produzidos com fotografias aéreas verticais obtidas a partir de câmaras fotográficas instaladas em veículos aéreos não tripulados.
E ficou provado que o CD-ROM que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas (facto 34-A).
Ora, o incumprimento (definitivo) do citado contrato, imputável a um dos contraentes, confere ao outro o direito de o resolver, como decorre dos artigos - artigos 432º, nº 1, 799.º/1 e 801º, nº 2, do C. Civil.
A resolução do contrato pode ocorrer quando esteja prevista na lei ou por acordo das partes, sendo os seus efeitos equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, o mesmo é dizer que a resolução tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, e faz-se por declaração à outra parte – art.ºs 289.º/1, 432.º/1, 433.º e 436.º/1, todos do C. Civil.
Como se refere no Ac. do S. T. J. de 22/3/2011, Proc. n.º 4015/07.0TBVNG.P1.S1, quando a resolução do contrato se funda na lei, “está-se perante a condição resolutiva tácita, que consiste no direito potestativo, conferido a um dos contraentes, de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte não ter cumprido a sua prestação; se a resolução se funda em convenção, está-se perante a condição resolutiva expressa, que se traduz na destruição da relação contratual com base num facto posterior à sua celebração, não tendo tal facto de estar necessariamente ligado ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência.”
Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5.ª Edição, pág. 250, define a resolução do contrato, “como o ato de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse realizado”.
A resolução legal verifica-se, por exemplo, nos casos de incumprimento da obrigação, impossibilidade de cumprimento ou alteração das circunstâncias, nos termos dos art.ºs 801.º/2, 802.º, 808.º e 437.º - Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 409.
A impossibilidade da prestação por culpa do devedor, nos contratos bilaterais, confere ao credor, independentemente do direito à indemnização, o direito de resolver o contrato – vd. art. 801º e 798º. do C. Civil.
A simples mora debitoris, como é consabido, não se confunde com o incumprimento definitivo da obrigação, e ocorre quando a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido, por causa imputável àquele, como flui do art.º 804.º, n.º 2 do C. Civil. E a simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, não lhe conferindo o direito à resolução do contrato – seu n.º1.
Assim, a simples situação de mora pode conduzir ao incumprimento definitivo do contrato se o credor perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, nos termos do n.º1 do art.º 808.º do C. Civil.
Ora, no caso concreto, foi fixado um prazo para o cumprimento da obrigação assumida pela Ré (15/09/2016), pois o Relatório Final da Ré, a emissão da última fatura correspondente à terceira tranche e o serviço contratado entre Autora e Ré teriam de ser concluídos e entregues até essa data. Data limite de que a Ré estava bem ciente e era conhecedora, pois sabia que o “Contrato de Prestação de Serviços” outorgado tinha por base e fora concluído ao abrigo do “Termo de Aceitação” do Sistema de Incentivos à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico do Programa Operacional Regional do Centro, na tipologia Vales I&D (facto n.º 19).
Todavia, a Ré, em 21/09/2016, não tinha feito entrega à Autora do Relatório Final e do CD com o aludido software, pelo que a Autora, nessa data reclamou da Ré a entrega do software, tendo a Ré disponibilizado a chave de acesso à nuvem (cloud) pertença desta e por si administrada, onde se encontrava gravado o produzido no âmbito do contrato celebrado e estava o texto do Relatório Final.
A Autora solicitou, porém, que a instalação do produzido nos computadores da empresa fosse efetuada através da reprodução de um CD que a Ré se prontificou enviar, e só em 24 de outubro de 2016, a Autora rececionou, via correio, o Relatório Final e um CD.
Porém, o CD enviado não continha um software (programa informático), contendo apenas um conjunto de páginas para visualização na internet de três casos de levantamento topográfico/fotográfico, ou seja, o CD-ROM que foi entregue pela Ré à Autora não soluciona os problemas das lacunas e descontinuidades ocorridas nos modelos de superfície obtidos exclusivamente com fotos aéreas.
Por isso, no dia 14 de dezembro de 2016, a Autora enviou carta registada à Ré, dizendo:
“Na sequência das nossas últimas comunicações vimos comunicar o seguinte:
Devem V. Exas. no prazo de 15 dias contados da receção da presente comunicação, proceder a entrega do Software a que alude os artigos 1º e 2º do Contrato de Prestação de Serviços outorgado em 01 de outubro de 2015 entre a UALG e a C….
Após a receção procederemos ao pagamento final da 3ª tranche (…)
Caso não procedam a entrega do Software no prazo indicado reserva-nos desde já o direito de resolver o respetivo contrato por incumprimento culposo da UALG.”.
E porque a Ré não procedeu à entrega do mencionado Software no prazo fixado, em 6 de janeiro de 2017 a Autora enviou carta registada à Ré, na qual declara resolvido o contrato de prestação de serviços outorgado, entre ambas, por incumprimento culposo da Ré, uma vez que até àquela data não foi entregue e/ou disponibilizado o software, pedindo a restituição das quantias que lhe entregou.
Perante a factualidade provada não podemos deixar de concluir que a Ré incumpriu definitivamente o contrato de prestação de serviços em causa, conferindo à autora o direito de resolver o contrato e peticionar a restituição das quantias que lhe entregou em obediência ao estabelecido nesse acordo.
E esse incumprimento presume-se culposo, pois competia à Ré alegar e demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua – art.º 799.º/1 do C. Civil.
Como se deixou dito, em consequência da resolução do contrato, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – art.ºs 289.º/1 e 433.º do C. Civil.
Decorrentemente, porque a autora entregou à Ré a quantia total de €16.399,98 (duas prestações no valor cada de € 8.199,99), tem direito a peticionar a sua devolução, em consequência da resolução do contrato.
Assim sendo, a sentença recorrida não pode ser mantida.
Quanto à pretendida condenação da Ré, em sede de liquidação de sentença, em todos os prejuízos advenientes à Autora em relação ao contrato que esta firmou com o IAPMEI, não demonstrou a Autora, como lhe competia, ter sofrido danos, nem o nexo causal entre esse incumprimento e esses prejuízos (art.º 342.º/1) do C. Civil), o que conduz à sua improcedência.
Aliás, a recorrente não incluiu no objeto do presente recurso esses eventuais prejuízos.
Procede, pois, a apelação.
Vencida no recurso, suportará a apelada as respetivas custas - art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de €16.399,98 (dezasseis mil trezentos e noventa e nove euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a sua citação até integral e efetivo pagamento.
Custas da apelação pela apelada, a qual será também responsável pelas custas na 1.ª instância.

Évora, 2020/12/17

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes Desembargadores:
Tomé Ramião (Relator)
Francisco Xavier (1.º Adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2.º Adjunto)
_______________________________________________
[1] ) Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 576.
[2] ) Cf. Acórdão do TRL de 10-02-2011, proferido no processo n.º 334/10.6TVLSB-C.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[3] ) Proferido no processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.