Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
210/23.2T8PTM.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
LEGITIMIDADE
ADOPÇÃO
SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente.
2 – A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes e estas identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
3 – Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável ou o erro de construção do silogismo judiciário.
4 – A legitimidade deve ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, considerada com a configuração dada unilateralmente na petição inicial.
5 – Através da Lei n.º 143/2015, de 08/09, foi aprovado o Regime Jurídico do processo de adopção, que, além do mais, revogou a adopção restrita, passando a existir uma só espécie de adopção que corresponde ao regime da adopção plena, enquanto apadrinhamento civil veio substituir a adopção restrita.
6 – O vínculo de adopção restrita gerou um conjunto de direitos e obrigações que estavam definidos pelo Código Civil e que se mantiveram no domínio da nova lei, em nome do princípio da confiança.
7 – Está assim garantida uma tutela efectiva que perdura e produz efeitos para futuro, permanecendo incólumes os efeitos substantivos do vínculo de adopção restrita ocorrida anteriormente.
8 – O adoptado restrito não adquire a situação de filho do adoptante nem se integra na família dele.
9 – O adoptado restrito integrava a classe dos sucessíveis legítimos, mas ficava excluído da classe dos legitimários dos adoptantes.
10 – O adoptado, ou seus descendentes, e os parentes do adoptante não são herdeiros legítimos ou legitimários uns dos outros.
11 – O adoptado restrito não goza de direito de representação se o sucessível seu adoptante que for chamado à sucessão de ascendente ou de colateral do adoptante não possa ou não queira aceitar a sucessão e quer o adoptante tenha descendentes biológicos quer não.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 210/23.2T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central ... – J...
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I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação proposta por AA contra BB e CC, os Réus vieram interpor recurso da sentença proferida.
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A Autora pediu que:
a) fosse reconhecida como herdeira e cabeça-de-casal da herança do falecido DD, em representação de EE, pai desta e irmão deste, a ele pré-falecido.
b) fosse declarada ilegal e nula a escritura pública de Habilitação de Herdeiros do falecido DD, outorgada no passado dia 2 de Dezembro de 2021, no Cartório Notarial a cargo da Dr.ª FF, em ....
c) E, por via disso, fossem declaradas e nulas e de nenhum efeito as transmissões e aquisições dos bens imóveis sitos na freguesia ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...05 e descrito na C. R. Predial ... sob o n.º ...18 (...) e do prédio urbano destinado a habitação, sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...94, e descrito na C. R. Predial ... sob o n.º ...26.
d) Bem como, fossem declaradas nulas e de nenhum efeito as transações e transmissões relativas a quaisquer bens móveis, títulos de divida pública, acções e outras participações sociais, e outros direitos e interesses de qualquer natureza que integram o acervo hereditário deixado pelo falecido DD, tituladas, permitidas e operadas em razão e na sequência dessas escrituras públicas de habilitação e de partilha, para os Réus ou de qualquer transmissão delas derivada para qualquer outra pessoa para quem os mesmos os tenham transmitido, com todas as consequências legais.
e) os Réus fossem condenados a reconhecerem o peticionado nas alíneas precedentes e, por via disso, a restituírem e a entregarem à autora todos os bens móveis e imóveis, títulos e direitos, depósitos bancários e, em geral todos os bens que integram o acervo hereditário do falecido DD, a fim de esta, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, os poder administrar até à realização da partilha.
f) os Réus fossem condenados a indemnizarem a Autora por todos os prejuízos que lhe causaram, que nesta data ainda se não podem apurar, dendo ser liquidados em execução de sentença.
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Em benefício da pretensão, a Autora alegou que o de cujus, DD faleceu em ../../2021, não tendo deixado ascendentes ou descendentes, sucedendo-lhe, além dos sobrinhos, os Réus CC e BB (filhos do irmão pré-falecido …), também a Autora, enquanto herdeira de EE, o outro irmão de GG.
A Ré outorgou escritura de habilitação de herdeiros em que omite a posição de herdeira da Autora e os Réus foram os únicos beneficiários da partilha de bens da herança.
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Devidamente citados, os Réus contestaram, arguindo desde logo a ilegitimidade da Autora, que o cargo de cabeça de casal não lhe competiria e que a Autora estaria de má fé.
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A Autora respondeu – fls. 77 verso.
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Foi solicitada a apresentação de novos documentos, que foram juntos aos autos.
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Foi elaborado saneador sentença que decidiu:
1. Julgar improcedente a exceção de ilegitimidade activa.
2. Condenar os Réus BB e CC a reconhecerem a Autora AA como herdeira e cabeça de casal da herança do falecido DD, em representação de EE, irmão daquele, a ele pré-falecido;
3. Declarar a falsidade da escritura pública de Habilitação de Herdeiros do falecido DD, outorgada no dia 2 de dezembro de 2021, no Cartório Notarial a cargo da Dr.ª FF, em ..., a fls. 22, improcedendo o pedido de declaração de nulidade.
4. Declarar a ineficácia em relação à Autora da Escritura de Partilha dos bens do falecido DD, outorgada, no dia 13 de julho de 2022, no Cartório Notarial a cargo da Dr.ª FF, em ....
5. Condenar os Réus restituírem e a entregarem à Autora todos os bens móveis e imóveis, títulos e direitos, depósitos bancários e, em geral todos os bens que integram o acervo hereditário do falecido DD, a fim de esta, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, os poder administrar até à realização da partilha.
6. Absolver os Réus da instância relativamente aos pedidos das alíneas c), d) e f).
7. Julgar improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
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Os recorrentes não se conformaram com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«1 – A douta Sentença recorrido violou por erro de interpretação e de aplicação o estatuído no artigo 30.º do CPC, o estabelecido na alínea e) do artigo 577.º do CPC que estabelece: “São dilatórias entre outras as exceções seguintes: a ilegitimidade de alguma das partes”.
2 – e violou o estabelecido no artigo 576.º, n.º 2, do CPC que estabelece claramente a consequência da verificação de tal excepção, a saber: “as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”, ao não ter julgado a Autora como parte ilegítima, na presente acção.
Porquanto,
3 – A douta Sentença recorrido violou por erro de interpretação e de aplicação o estatuído no artigo 2145.º do Código Civil, referente à sucessão dos irmãos e seus descendentes que estabelece taxativamente que: “Na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes são chamados à sucessão os irmãos e, representativamente, os descendentes deste”.
4 – Violou o artigo 2042.º - (Representação na sucessão legal)
Na sucessão legal, a representação tem sempre lugar, na linha recta, em benefício dos descendentes de filho do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou noutro, o grau de parentesco”.
5 – E bem assim o artigo 2041.º - (Representação na sucessão testamentária): “Gozam do direito de representação na sucessão testamentária os descendentes legítimos do que faleceu antes do testador ou do que repudiou a herança ou o legado, se não houver outra causa de caducidade da vocação sucessória.”
6 – Ora, a Autora/ Recorrida não é descendente de EE, irmão do de cujus, nem foi herdeira legítima daquele, por este aquando do seu decesso ter deixado como herdeira legítima, legitimária e testamentária a sua mulher HH.
7 – Pois, a Autora/ Recorrida foi adotada restritamente por HH e marido EE, irmão pré-falecido ao autor da sucessão, nunca tendo a adoção restrita sido convertida em adoção plena, como bem reconhece a Mmª. Dr.ª Juiz a quo.
8 – Tendo a Mmª. Dr.ª Juiz a quo concluído e bem “que a autora não é herdeira legitimária dos adotantes no contexto da adoção restrita de 1968”.
9 – Tendo incorrido em “erro grosseiro” quando concluiu que a autora, nesse ramo, é a única pessoa que pode assumir a posição do irmão de DD – artigo 1999.º, n.º 2, do Código Civil.
10 – Uma vez que na classe de sucessíveis, que é preenchida pelo aqui recorrente e pela irmã, prevista na alínea c) do artigo 2133.º do Código Civil, que refere que são chamados à sucessão os irmãos e, representativamente, os descendentes deste.
11 – Uma vez que o de cujus DD, à data da sua morte não deixou cônjuge, descendentes ou ascendentes vivos.
12 – A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, sendo chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis – artigos 2031.º e 2032.º do Código Civil.
13 – Decidiu mal e contra legem a Mmª. Dr.ª Juiz, na Douta Sentença recorrida, quando concluiu que: “AA (nascida a ../../1961 — fls. 15 verso) assume, por direito de representação, a posição que EE teria na herança do irmão, DD, pelo que deve concorrer à herança, além de CC e BB;”, sendo consequentemente parte legítima.
Ainda sem prescindir,
14 – Há clara contradição entre a prova na qual assentou a decisão do douto tribunal a quo e os fundamentos de facto e a decisão, que tendo os mesmos como alicerce, foi proferida nos autos,
15 – ou seja, da prova documental junta aos autos não resultam preenchidos os pressupostos fácticos nem legais para operar a condenação dos Réus no pedido, pois não tem a Autora Recorrida, direito de representação na herança aberta por óbito de DD, por não ser descendente do irmão deste, EE, pelo que não poderia a Mmª. Dr.ª Juiz a quo ter concluído, como concluiu.
16 – Ora, no caso em apreço, como doutamente deu como provado a Mmª. Dr.ª Juiz a quo, a Autora/ Recorrida AA, nascida a ../../1961, foi adotada restritamente por HH e marido EE, irmão pré-falecido ao autor da sucessão, sem que EE tenha deixado outros filhos – sentença de 1 de janeiro de 1968, proferida pelo Tribunal ... e fls. 15 verso; nunca tendo a adoção restrita sido convertida em adoção plena”.
17 – Dúvidas não restam de que a autora não é sucessível, no caso em apreço, não era sucessível de EE, por haver cônjuge sobrevivo, e testamento, quanto este faleceu.
18 – E não é sucessível por direito de representação de DD, por não ser descendente de EE, de acordo com a conjugação dos artigos 2131.º, alínea c) e 2041.º, ambos do Código Civil.
19 – A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ocorre quando se verifica um vício real no raciocínio expedido pelo julgador que leve a que se conclua em sentido oposto ou diferente de toda a lógica expressa na formação da decisão.
20 – O que nos parece ser o caso na questão em apreço, pois o julgador na sua decisão entende que dos factos assentes resulta estarem provados os factos alegados pela Autora, alegando que a sua convicção se formou com base nos documentos juntos aos autos, quando os mesmos não refletem tal factualidade.
21 – Incorreu em erro também a Mmª. Dr.ª Juiz a quo, quando decidiu ter sido preterida a posição de herdeira da autora/ recorrida “na escritura e habilitação de 2 de dezembro de 2021, pois que deve, por direito de representação, assumir a posição que EE teria na herança do irmão, DD, concorrendo à herança, além de CC e BB”.
22 – Porquanto, como supra se explanou a Autora/ Recorrida AA, não tem direito de representação na posição que EE teria na herança do de cujus DD, por não ser descendente deste, como taxativamente é exigido por lei, artigo 2145.º do Código Civil.
23 – Sobre as funções de cabeça de casal, refere A Mmª. Dr.ª Juiz na Douta Sentença recorrida que “de facto, incumbe ao herdeiro mais velho”, no caso em apreço dúvidas não restam que compete, a Ré BB – artigo 2080.º do Código Civil.
24 – E mesmo que assim não fosse, sempre tal cargo incumbia à referida BB, conforme melhor disciplina o n.º 3 do artigo 2080.º do Código Civil, que refere: “De entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte e nunca à Autora Recorrida”.
25 – Como melhor foi alegado no artigo 28º da Contestação, sempre o cargo competia à BB, tendo sido indicada prova testemunhal, a fim de confirmar tal facto.
26 – Tendo a Mmª. Dr.ª Juiz, entendido como aliás se encontra expresso na douta sentença recorrida não ser necessária para a prolação da Sentença, violando o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
27 – Deixando de se pronunciar, relativamente ao alegado no Ponto 28 da Contestação, que refere o seguinte: “Sempre o cargo de cabeça-de-casal competia à Ré BB, uma vez que o falecido vivia com esta há pelo menos um ano à data da morte, pelo que se impugna o articulado no Ponto 82 da Douta Petição Inicial”.
28 – Aplicando o n.º 4 em preterição do n.º 3, quando este aquele se impunha, relativamente à Autora/ Recorrida se esta fosse herdeira de DD.
29 – Decidindo em clara violação do artigo 2080.º do Código Civil,
30 – Sendo consequentemente a Douta Sentença recorrida nula, por se verificar a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
31 – Face ao exposto, impunha-se que o Recorrente e a irmã tivessem sido absolvidos da instância por procedência da excepção dilatória de ilegitimidade activa da Recorrida, o que se requer a este tribunal ad quem.
32 – Caso, assim se não entenda sempre teriam o Recorrente e a irmã que terem sido absolvidos de todos os pedidos formulados pela Recorrida AA, uma vez que esta não é herdeira do de cujus DD”.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Exas. suprirão, deverão Vossas Exas.:
A) declarar a nulidade da douta sentença recorrida, absolvendo os Requeridos da instância por procedência da excepção de ilegitimidade activa, invocada.
Ainda sem prescindir,
B) Ser declarado que a Autora / recorrida não é herdeira de DD e muito menos cabeça-de-casal.
Porém, Vossas Exas. decidirão como for de Justiça!».
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A recorrida apresentou resposta ao recurso, concluindo que:
«1. O autor da sucessão é irmão do pré-falecido pai adoptante da autora ora recorrida, da qual esta é a única sucessível legítima.
2. Por isso, na qualidade de filha adoptiva e única herdeira legítima de seu pai adoptante, pré-falecido irmão do autor da sucessão, sucede-lhe representativamente nesta vocação sucessória.
3. E, assim sendo e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser mantida a douta decisão recorrida, tudo como é de Justiça!
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
i) Nulidades da sentença.
ii) Erro de direito na apreciação do direito, tanto na questão da ilegitimidade, como domínio da aplicação do regime jurídico da adopção e subsequente partilha. *
III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada:
1. No dia ../../2021 faleceu DD, natural da freguesia ..., concelho ..., residente na Urbanização ..., ..., freguesia ..., em ..., irmão de EE e de CC, ambos a ele pré-falecidos. À data do seu falecimento, o autor da sucessão era viúvo e não tinha descendentes ou ascendentes que pudessem concorrer à sua sucessão.
2. CC, nascido a ../../1963, é filho de CC, pré-falecido em ../../1998 e irmão do autor da sucessão – fls. 11 verso.
3. BB, nascida a ../../1962 é filha de CC, irmão pré-falecido do autor da sucessão – fls. 13 verso.
4. No dia 2 de Dezembro de 2021, BB outorgou a escritura de habilitação de herdeiros por morte de DD, onde se prevê que são herdeiros a mesma BB e o irmão CC, tendo, depois em escritura de partilha de 13 de Julho de 2022, com conhecimento da existência da autora, sido adjudicado àquela a verba um, correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18, da freguesia ..., e metade das verbas três e quatro, correspondente, respetivamente, a metade de € 247.407,55 e € 24.501,69; e a CC a verba dois, correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26, da freguesia ..., além de metade das verbas três e quatro, correspondente, respectivamente, a metade de € 247.407,55 e € 24.501,69 – fls. 22/28.
5. Os bens imóveis estão inscritos em nome dos Réus – fls. 32 verso / 33 verso.
6. A Autora AA, nascida a ../../1961, casada no regime da comunhão de adquiridos com II, foi adoptada restritamente por HH e marido EE, irmão pré-falecido ao autor da sucessão, sem que EE tenha deixado outros filhos – sentença de 1 de Janeiro de 1968, proferida pelo Tribunal ... e fls. 15 verso;
7. A adopção restrita nunca foi convertida em adopção plena.
8. EE, falecido em ../../1998, deixou testamento, instituindo como herdeira apenas a mulher, HH, sendo que se esta não lhe sobrevivesse que instituía herdeira de todos os seus bens JJ – fls. 100 verso.
9. HH faleceu, no estado de viúva, no dia ../../2011 – fls. 79.
10. A Autora é herdeira testamentária de HH – fls. 79 verso / 82 verso.
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3.2 – Factualidade não provada:
Inexiste.
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4 – Enquadramento jurídico:
4.1 – Das nulidades suscitadas:
4.1.1 – Da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil:
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil).
A este propósito, Alberto dos Reis refere «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação»[1].
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial[2].
Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[3].
Está sedimentada na doutrina e na jurisprudência a ideia de esta nulidade se verifica quando existe um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção distinta.
A nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache correctamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas, mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento. Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório[4] [5].
Em síntese, a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente.
Analisada a estrutura da decisão e as conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo e o veredicto final verifica-se que existe uma lógica na arquitectura da sentença e, desse modo, a invocada nulidade não se verifica.
Se a interpretação e a relevância que a sentença deu a certos factos e se a conclusão que deles se extraiu foram, ou não, as mais correctas, é questão que está relacionada com o mérito da decisão e com um eventual erro de julgamento, mas que nada tem a ver com a construção lógica da sentença que se mostra correctamente formulada.
Assim sendo, também carece de fundamento a arguição efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
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4.1.2 – Nulidade por omissão de pronúncia:
De acordo com a primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A recorrente entende que o Tribunal a quo violou a sobredita norma, dado que, na sua óptica, a Julgador a quo não se pronunciou relativamente à matéria contida no artigo 28º[6] da contestação.
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do Tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
É a violação daquele dever que torna nula a decisão e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz em denegação de justiça.
Coisa diferente são as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, as quais correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa estipulada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Na esteira do preconizado por Alberto dos Reis há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. Na realidade, «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[7].
Amâncio Ferreira evidencia que se trata da nulidade mais invocada nos Tribunais, «originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda»[8].
Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas[9] [10].
É jurisprudência consolidada e absolutamente pacífica que não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o Tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras[11].
E na hipótese vertente existe uma identidade absoluta entre as pretensões deduzidas pelas partes e a matéria solucionada pelo Tribunal e, por conseguinte, não existe omissão de pronúncia.
Assim, a existir algum vício, ele reporta-se ao mérito e não à violação de qualquer procedimento formal da decisão.
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4.2 – Do erro de direito:
4.2.1 – Da ilegitimidade:
A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória, obstando a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição do réu da instância.
Aquando da Reforma de 1995, o legislador tomou posição expressa sobre a polémica ancestral relacionada com definição do critério de determinação da legitimidade das partes, solucionando, de vez, a disputa axiológica mantida entre Barbosa de Magalhães e Alberto dos Reis[12] e os seguidores deste[13] [14].
Na exposição de motivos da legislação então editada ficou consignado que «enquanto o problema da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se entrelaça estreitamente com a apreciação do mérito da causa, os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural – o litisconsórcio necessário – quer a legitimação indirecta (traduzida nos institutos da representação ou substituição processual), aparecem em regra claramente destacados do objecto do processo, funcionando logicamente como questões prévias ou preliminares relativamente à admissibilidade da discussão das partes da relação material controvertida, dessa forma condicionando a possibilidade de prolação da decisão sobre o mérito da causa».
Ficou assim consagrada a tese sustentada por Barbosa de Magalhães[15] no sentido de que, quando a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser considerada com a configuração dada unilateralmente na petição inicial[16].
A legislação actualmente vigente não introduziu qualquer mudança axiológica-normativa no conceito de legitimidade e, à luz da regra precipitada no n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo Civil, o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha (n.º 2 do artigo 30.º do Código de Processo Civil).
Fora dos casos expressamente estabelecidos pela lei, está definido o critério de determinação da legitimidade das partes, como pressuposto processual, em função da titularidade da relação material controvertida, tal como é descrita na petição inicial, face ao disposto no n.º 3 do artigo 30.º do Código de Processo Civil.
Em regra, portanto, afere-se da legitimidade comparando os sujeitos da relação jurídica subjacente com os sujeitos da relação jurídica processual (partes)[17] e o apuramento do pressuposto processual faz-se independentemente da prova dos factos que integram a causa de pedir.
Questão diversa é a de legitimação processual, mas que se reporta ao mérito da causa. As condições processuais de procedência referem-se às circunstâncias necessárias para a concessão da tutela jurisdicional que é requerida pelo Autor. Enquanto, os pressupostos processuais respeitam às condições impostas ao exercício de uma situação subjectiva em juízo.
É inequívoco que tanto a Autora como os Réus são partes legítimas, face à arquitectura da petição inicial, improcedendo, por isso, a invocada matéria de excepção.
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4.2.2 – Do mérito da causa:
A questão aqui em discussão entrelaça as matérias da relação familiar com alguns institutos de direito sucessório, exigindo que se análise jurídica tenha um enfoque nas questões do parentesco, da adopção estrita, da sucessão e da representação sucessória.
O parentesco é fonte de relações jurídicas familiares[18] [19]. Existem dois tipos de parentesco: o parentesco natural ou em linha recta e o parentesco por afinidade ou em linha colateral[20].
DD era viúvo e não tinha ascendentes ou descendentes, não havendo herdeiros legitimários[21] e, nessa ordem de ideias, são chamados à sucessão os herdeiros legítimos[22] [23].
O DD tinha dois irmãos Alberto e EE, que são pré-falecidos.
CC e BB são filhos de CC.
O pré-falecido EE era casado com HH, que faleceu no dia ../../2011 e foi beneficiária de sucessão testamentária. O direito que o EE teria à herança do irmão não chegou a ser transmitido à mulher, que faleceu em momento anterior ao cunhado DD.
Dito isto, é indiscutível que os Réus são sobrinhos de DD e são chamados à sucessão deste[24]. Aquilo que se pergunta é se a Autora AA é sucessora do de cujus?
À data da adopção da Autora existiam no nosso ordenamento jurídico duas formas de adopção: a plena e a restrita, conforma dispunha o artigo 1976.º do Código Civil, na redação original.
A Autora AA foi adoptada de forma restrita por EE e HH e a adopção nunca foi convertida em adopção plena.
Através da Lei n.º 143/2015, de 08/09, foi aprovado o Regime Jurídico do processo de adopção, que, além do mais, revogou a adopção restrita, passando a existir uma só espécie de adopção que, em traços largos, corresponde ao regime da adopção plena, enquanto, embora com algumas especificidades, o apadrinhamento civil veio substituir a adopção restrita.
O Regime Jurídico do Processo de Adopção teve aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos praticados na vigência da lei anterior, mas, em sede da respectiva regulamentação ou de direito transitório, não se estabeleceu qualquer orientação relativamente às adopções restritas já decretadas.
A este propósito, Guilherme de Oliveira afirma que «os vínculos anteriores de adoção restrita geraram um estatuto em que os adotantes e os adotados ficaram investidos — um conjunto de direitos e obrigações que estavam definidos pelo código civil e que a lei nova não eliminou. Sendo assim, penso que todos os efeitos jurídicos que o regime previa foram encabeçados nos titulares e podem exercer-se tal como estavam previstos antes, fazendo as adaptações que forem necessárias, designadamente nos procedimentos de concretização.
Afinal, as afirmações precedentes estão conformes com a regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil: a lei nova, a Lei n.º 143/2015, não quis alterar o conteúdo típico da adoção restrita (que continua a aceitar aproximadamente, com base no apadrinhamento civil); apenas se refere ao facto que costumava dar-lhe origem, para o suprimir; e é por isso que só se aplica para futuro, ressalvando não só os factos constitutivos dos vínculos anteriores, mas também todo o seu conteúdo típico»[25].
Seguindo o mesmo diapasão, Ana Rita Alfaiate faz notar que «devem aqui ser aplicadas as regras gerais e que a revogação deve, na realidade, ter expressão apenas do ponto de vista do impedimento de constituição de novos vínculos com este figurino, não se prejudicando, todavia, os efeitos produzidos ou esperados à data da constituição dos vínculos já existentes», acrescentando que «o que a Lei n.º 143/2015, de 08/09 pretendeu alterar foi apenas o facto constitutivo destas relações, mas já não, em geral, o seu conteúdo»[26].
Guilherme de Oliveira sustenta assim que a nova lei apenas pretendeu suprimir apenas o modo de constituição de certos vínculos, mas manteve os efeitos da adopção restrita[27]. E, como tal, a melhor jurisprudência aponta que permanecem incólumes os efeitos substantivos do vínculo de adopção restrita ocorrida anteriormente[28].
Deve assim concluir-se que o vínculo de adopção restrita gerou um conjunto de direitos e obrigações que estavam definidos pelo Código Civil e que se mantiveram no domínio da nova lei, em nome do princípio da confiança. Está assim garantida uma tutela efectiva que perdura e produz efeitos para futuro.
Na adopção restrita, segundo Pereira Coelho, o adoptado «não adquire a situação de filho do adoptante nem se integra na família dele. Não sai da sua família natural, em relação à qual mantém, em princípio, todos os direitos e deveres (artigo 1994.º). A filiação natural coexiste, pois, agora, com a filiação adoptiva»[29].
Também Ana Rita Alfaiate recorda que a adopção restrita se caracteriza também pela manutenção, em princípio de todos os direitos e deveres do adoptado relativamente à sua família biológica, com a qual, em rigor, nunca corta os vínculos[30].
Na visão de Jorge Duarte Pinheiro a adopção restrita traduz-se fundamentalmente na atribuição de poder paternal ao adoptante, conservando-se, no restante, a generalidade dos laços entre adoptado e a sua família natural[31]
Esta linha de pensamento é partilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça que, de igual modo, assinala que o adoptado restrito não adquire a situação de filho do adoptante nem se integra na família dele. Não sai da sua família natural, em relação à qual mantém, em princípio, todos os direitos e deveres, continuando, designadamente, o adoptado a possuir a qualidade de herdeiro legítimo dos seus pais naturais, enquanto estes são também herdeiros do filho natural[32].
Numa primeira conclusão preliminar, importa afirmar que, na adopção restrita, o adoptado não usufruía das mesmas condições que numa adopção plena. Na verdade, mantém os seus laços com a família natural, bem como os seus direitos e deveres, ao contrário da adopção plena que suprime o vínculo biológico.
Os adoptados restritivamente não são herdeiros legitimários do adoptante, embora possam ser chamados à sucessão como herdeiros legítimos, na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes.
A Autora AA só pode ser chamada à sucessão como herdeiro legítima dos adoptantes e apenas destes. E em determinado condicionalismo de ausência de outros herdeiros legítimos.
Na realidade, as pessoas adoptadas restritivamente só continuam a poder ser chamadas à sucessão como herdeiras legítimas, na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes, não sendo equiparadas aos filhos naturais. «Constitui uma 3.ª classe, ad hoc, de sucessíveis do adoptante» e «apenas prefere, portanto, aos colaterais no 3.º e 4.º graus, que não sejam sobrinhos do de cujus»[33].
Daqui resulta necessariamente que, ao contrário dos Réus, a Autora AA não é considerada familiar do falecido DD nem é herdeira legítima ou legitimária deste, conforme se extraia da disciplina precipitada no artigo 1996.º[34], na redacção original do Código Civil, entretanto revogada. E assim não lhe assiste qualquer direito próprio ou transmitido na sucessão do de cujus.
Feito este percurso, aquilo que se questiona é se a Autora poderá agir como representante sucessória de EE, irmão do falecido DD e da cunhada deste?
Dá-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado, como explicita o artigo 2039.º do Código Civil.
O representante é chamado tendo em conta a sua relação com o representado, que não entra na sucessão[35]. Para Rabindranath Capelo de Sousa na representação está o sucessível impossibilitado de aceitar a sucessão ou tê-la repudiado[36]. Ou, de acordo com o ensino de Pereira Coelho, pressupõe que que não chegou a ser chamado ou respondeu não ao chamamento sucessório[37].
Porém, em função da não integração plena na família do adoptante, conforme avança Rabindranath Capelo de Sousa, o adoptado restrito não goza de direito de representação se o sucessível seu adoptante que for chamado à sucessão de ascendente ou de colateral do adoptante não possa ou não queira aceitar a sucessão e quer o adoptante tenha descendentes biológicos quer não, dado que, segundo o disposto na 1.ª parte do art. 1996.º «o adoptado, ou seus descendentes, e os parentes do adoptante não são herdeiros legítimos ou legitimários uns dos outros»[38].
E não se pense que esta posição é isolada. Oliveira Ascensão refere que «se excluem relações sucessórias ab intestato entre a estirpe do adoptado e a parentela dos adoptantes» e «os efeitos sucessórios estabelecem-se assim entre o adoptante e o adoptado e seus descendentes, exclusivamente»[39].
Também Eduardo dos Santos assinala que o direito de representação abrange os descendentes do representado «qualquer que seja o grau de parentesco, e neles se incluindo os adoptados plenamente»[40], o que exclui os adoptados restritos.
Referindo-se à adopção restrita, Pires de Lima e Antunes Varela adiantam que «a Reforma de 1977 entendeu que devia manter-se o princípio da não integração do adoptado (restritamente) na estirpe familiar do adoptante». Mais sublinham que artigo 1996.º «veda praticamente a entrada do adoptado no recinto da família adoptiva, porque o artigo 1994º o mantém integrado nos quadros da família genética», pois, «em princípio, a lei não permite que a pessoa tenha mais de uma matriz familiar»[41].
Antunes Varela assevera que os efeitos da adopção restrita começam por circunscrever-se às relações entre adoptante e adoptado. Nem o adoptado adquire quaisquer direitos (sucessórios ou alimentícios) contra os parentes do adoptante, nem estes parentes adquirem quaisquer direitos da mesma natureza contra o adoptado ou seus descendentes[42].
Esta ideia é reforçada por Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira que certificam que o adoptado restritivamente não adquire a situação de adoptante nem se integra com os seus descendentes na família dele e os efeitos da relação adoptiva restringem-se às relações entre adoptante e adoptado[43].
Por tudo isto, não se pode afirmar que a Autora AA assumiu, por direito de representação, a posição que EE teria na herança do irmão, DD, não assumindo assim a veste de herdeira e titular de uma quota ideal sobre esta herança, tal como proclamava a sentença de Primeira Instância.
Neste enquadramento, a escritura de habilitação de herdeiros de DD não é falsa. E, por decorrência lógica, por não ser herdeira nem beneficiar da possibilidade de assumir a representação de EE e HH, não podem ser declaradas ilegais, nulas ou ineficazes as escrituras de partilha dos bens do falecido DD. E, destarte, improcedem os pedidos de restituição e de entrega à Autora de todos os bens móveis e imóveis, títulos e direitos, depósitos bancários e, em geral, todos os bens que integram o acervo hereditário do falecido DD.
Nestes termos, julga-se procedente o recurso interposto e revoga-se in totum a sentença recorrida, por nenhum dos pedidos formulados poder ser julgado procedente.
*
V – Sumário: (…)
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida – absolvendo-se os Réus de todos os pedidos formulados.
Custas ao cargo da recorrente, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 06/06/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Maria Rosa Barroso
Isabel Maria Peixoto Imaginário


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[1] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 122.
[2] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 670.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 686.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005, in www.dgsi.pt.
[5] No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 09/07/2014, in www.dgsi.pt.
[6] (28) Sempre o cargo de cabeça-de-casal competia à Ré BB, uma vez que o falecido vivia com esta há pelo menos um ano à data da morte, pelo que se impugna o articulado no Ponto 82 da Douta Petição Inicial.
[7] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[8] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª Edição, pág. 57.
[9] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 141.
[10] A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 688.
[11] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2004 e 02/12/2013, in www.dgsi.pt.
[12] Segundo Alberto dos Reis, Legitimidade das partes, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Vol. VIII, pág. 64, para a determinação da legitimidade processual o que importava era a relação material tal como se apresenta real e objectivamente ao Tribunal, ao juiz, depois de ouvidas as partes e de serem examinadas as provas relevantes.
[13] Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, vol. I, Coimbra, 1963, págs. 85 e 73, aproxima-se da posição expressa por Alberto dos Reis. Embora este autor reconheça que a lei processual qualifica a legitimidade como pressuposto processual inclina-se claramente para a sua qualificação no plano do rigor dogmático, como ‘condição da acção’, ou seja, como requisito indispensável para ser julgada procedente a acção.
[14] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1985.
[15] Barbosa de Magalhães, Legitimidade das Partes, Gazeta Relação Lisboa, 32º, 1919, págs. 274 e 275.
[16] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, 2004, pág. 59.
[17] Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, edição AAFDL, Lisboa 1987, pág. 203.
[18] Artigo 1576.º (Fontes das relações jurídicas familiares):
São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.
[19] Artigo 1578.º (Noção de parentesco):
Parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum.
[20] Artigo 1580.º (Linhas de parentesco):
1. A linha diz-se recta, quando um dos parentes descende do outro; diz-se colateral, quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum.
2. A linha recta é descendente ou ascendente: descendente, quando se considera como partindo do ascendente para o que dele procede; ascendente, quando se considera como partindo deste para o progenitor.
[21] Artigo 2157.º (Herdeiros legitimários)
São herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima.
[22] Artigo 2133.º (Classes de sucessíveis):
1. A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte:
a) Cônjuge e descendentes;
b) Cônjuge e ascendentes;
c) Irmãos e seus descendentes;
d) Outros colaterais até ao quarto grau;
e) Estado.
2. O cônjuge sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe.
3. O cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens, por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado, ou ainda se a sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente àquela data, nos termos do n.º 3 do artigo 1785.º.
[23] Artigo 2131.º (Abertura da sucessão legítima)
Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos.
[24] Artigo 2145.º
(Regra geral)
Na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, são chamados à sucessão os irmãos e, representativamente, os descendentes destes.
[25] Guilherme de Oliveira, Lex Familiae Revista Portuguesa de Direito da Família Ano 12-13 – n.º 23-26 – 2015-2016, Publicação Semestral, pág. 21.
[26] Ana Rita Alfaiate, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, coordenação de Clara Sottomayor, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 1060-1061.
[27] Guilherme Oliveira, Adoção e Apadrinhamento Civil, Petrony, Lisboa, 2019, pág. 81.
[28] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/06/2023, pesquisável em www.dgsi.pt.
[29] F. M. Pereira Coelho, "Curso de Direito da Família", Coimbra Editora, Coimbra, 1986, pág. 49.
[30] Ana Rita Alfaiate, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, coordenação de Clara Sottomayor, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 1060.
[31] Jorge Duarte Pinheiro, A Adopção em Portugal, in Estudos de Direito da Família e das Crianças, 2.ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2022, pág. 76.
[32] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/05/2005, cuja leitura pode ser feita em www.dgsi.pt.
[33] Antunes Varela, Direito da Família, vol. I, Livraria Petrony, Lisboa, 1993, pág. 141.
[34] Artigo 1996.º (Direitos sucessórios e prestação de alimentos)
O adoptado, ou seus descendentes, e os parentes do adoptante não são herdeiros legítimos ou legitimários uns dos outros, nem ficam reciprocamente vinculados à prestação de alimentos.
[35] Oliveira Ascensão, Direito Civil – Sucessões, Coimbra Editora, 1981, pág. 187.
[36] Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 313.
[37] Pereira Coelho, Direito da Sucessões, Lições ao curso de 1973-1974, Coimbra, pág. 125.
[38] Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 4.ª edição renovada, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 336.
[39] Oliveira Ascensão, Direito Civil – Sucessões, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1989, pág. 360.
[40] Eduardo dos Santos, O Direito das sucessões, Vega, Lisboa, 1998, pág. 113.
[41] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 554-555.
[42] Antunes Varela, Direito da Família, vol. I, Livraria Petrony, Lisboa, 1993, págs. 140-141.
[43] Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, vol. II, Tomo I – Estabelecimento da Filiação. Adopção, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 307.