Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO COELHO | ||
Descritores: | VEÍCULO AUTOMÓVEL PENHORA ACTIVIDADE COMERCIAL NECESSIDADE | ||
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Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | A circunstância de estar o executado colectado como comerciante não faz presumir que o veículo penhorado seja um instrumento de trabalho indispensável ao exercício dessa actividade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Central Cível e Criminal de Beja, o executado (…) deduziu oposição à penhora do veículo automóvel de matrícula (…), alegando ser a sua utilização imprescindível para a sua actividade profissional, de comércio de leite e seus derivados, e outros produtos alimentares, procedendo à entrega destes junto de clientes e desenvolvendo também a sua actividade em feiras. A exequente (…) – STC, S.A., contestou, afirmando que o veículo em causa – um ligeiro de passageiros, com registo de propriedade a favor do executado datado de 2008 – não é sequer adequado à prática da actividade profissional que este afirma exercer. A sentença decidiu pela improcedência da pretensão do executado. Recorre este e conclui: 1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Mm.º Juiz a quo, que julgou improcedente a oposição à penhora. 2. Com o devido respeito por entendimento diverso, a presente decisão deve ser revogada e substituída por outra que declare o veículo automóvel impenhorável nos termos da legislação em vigor. 3. O veículo automóvel penhorado é o único veículo automóvel de que o executado é proprietário. 4. O executado encontra-se colectado com os seguintes CAE: 46331 – Comércio por grosso de leite, seus derivados e ovos; 47810 – Comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda, de produtos alimentares, bebidas e tabaco; 47112 – Comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco. 5. Necessitando do veículo automóvel penhorado para o exercício da sua actividade profissional. 6. Houve um claro erro na apreciação da prova. 7. O n.º 2 do artigo 737.º do CPC, obsta a que o executado fique privado de meios para garantir a sua subsistência. 8. O direito do executado sobrepõe-se ao do exequente. 9. Assim, deverá a sentença recorrida ser revogada. A resposta da exequente sustenta a manutenção do julgado. Cumpre-nos agora decidir. Preliminarmente, há a assinalar que o Recorrente não cumpre com quaisquer dos requisitos de impugnação da matéria de facto, tal como assinalados no artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo que a referência a “claro erro na apreciação da prova” não é bastante para esse fim. Falta dizer quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Ademais, o Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto tem o ónus suplementar de, no tocante à especificação dos pontos de facto que considera mal julgados, referenciar cada um com o correspondente meio de prova que se indica para o evidenciar – interpretação esta já julgada conforme à Constituição, conforme Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 148/2025, disponível no respectivo endereço de Internet. Deste modo, a impugnação da matéria de facto vai rejeitada – artigo 640.º, n.º 1, intróito, do Código de Processo Civil. A matéria de facto julgada provada é, pois, a seguinte: 1. Na execução foi penhorado o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula n.º (…). 2. O Oponente-Executado encontra-se colectado com os seguintes CAE: 46331 – Comércio por grosso de leite, seus derivados e ovos; 47810 – Comércio a retalho em bancas, feiras e unidades móveis de venda, de produtos alimentares, bebidas e tabaco; 47112 – Comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco. 3. O Oponente-Executado não é proprietário de mais nenhum veículo automóvel. Aplicando o Direito. Da oposição à penhora Antes do mais, importa notar que nos encontramos perante um incidente de oposição à penhora, regulado nos artigos 784.º e 785.º do Código de Processo Civil. Neste meio apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no n.º 1 do dito artigo 784.º, ou seja: “a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.” No caso, o fundamento da oposição era o disposto no artigo 737.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que isenta de penhora “os instrumentos de trabalhos e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado”. Como correctamente se observa na sentença recorrida, “a impenhorabilidade enunciada prende-se justamente com interesses vitais do executado, como é o caso do exercício da sua actividade profissional. Está, pois, em causa assegurar ao executado um padrão mínimo de dignidade social. Ora, no caso vertente, a factualidade provada é manifestamente insuficiente para se poder concluir que o veículo ali identificado constitui instrumento indispensável ao Oponente, uma vez que nada se provou quanto à essencialidade e efectivo uso do bem penhorado para o exercício da sua actividade profissional.” Nada acrescenta o executado nas suas alegações ao que já havia dito na sua petição inicial, e temos a responder que a circunstância de estar colectado como comerciante não faz presumir que o veículo seja um instrumento de trabalho indispensável ao exercício dessa actividade. Aliás, estando em causa um ligeiro de passageiros, e não de mercadorias, nem sequer é legítimo estabelecer uma presunção judicial de: 1.º o veículo ser efectivamente utilizado na actividade profissional do executado; 2.º o veículo ser indispensável nessa actividade. O recurso improcede, pois. Decisão. Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Évora, 9 de Abril de 2025 Mário Branco Coelho (relator) Isabel de Matos Peixoto Imaginário Mário João Canelas Brás |