Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
394/22.7T8PTG.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À VIDA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Afigura-se justa e equitativa a indemnização de € 100.000,00 para ressarcimento do dano decorrente da perda do direito à vida, na sequência de um acidente de viação, para o qual não contribuiu, de um jovem a atingir os 33 anos de idade, operador de máquinas, trabalhador, alegre e dedicado à sua família, que havia sido pai ainda não havia três meses à data do seu falecimento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 394/22.7T8PTG.E1

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. AA, residente na Rua ..., ..., por si e em representação do seu filho menor BB, consigo residente, instaurou contra A..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ação declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, que no dia ../../2019, faleceu CC, com quem vivia em união de facto desde 2015, pai do menor BB, em consequência de um acidente de viação ocorrido entre o motociclo de matrícula ..-VJ-.., propriedade do falecido e por ele conduzido e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-QE, conduzido por DD, propriedade de EE e seguro na Ré, acidente causado por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de mercadorias, por circular de forma descuidada e desatenta, ocupando a totalidade da única faixa rodagem da via por onde circulavam, em sentido oposto, ambos os veículos.
Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia e € 741.673,02, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, a contar da citação.
Contestou a Ré por forma a atribuir a responsabilidade do acidente ao falecido CC o qual, alega, por circular em excesso de velocidade perdeu o controlo do motociclo, invadiu a faixa de rodagem contrária e embateu no ligeiro de mercadorias e a considerar não demonstrados os danos patrimoniais e excessivos os montantes peticionados a título de danos não patrimoniais.
Concluiu pela improcedência da acção.
O Instituto da Segurança Social, IP, deduziu pedido de reembolso das prestações sociais atribuídas aos Autores, a título de subsídio de morte e pensão de sobrevivência, no valor global (após ampliação) de € 14.449,26, acrescido dos juros a contar da citação.
A Ré contestou por forma a declinar a sua responsabilidade e a concluir pela improcedência deste pedido.

2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
Teve lugar a audiência final e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
(…) o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
A) Condenar a ré B... – Companhia de Seguros S.A. a pagar aos autores AA e BB a quantia global de € 328.546,51 (trezentos e vinte e oito mil quinhentos e quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos, acrescido dos juros de mora, conforme o infra discriminado:
i) a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) em virtude do dano morte sofrido por CC, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde o trânsito em julgado;
ii) a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) em virtude do dano não patrimonial sofrido pelo falecido CC, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde o trânsito em julgado;
iii) a quantia que se vier a apurar em sede incidente de liquidação de sentença, quanto aos danos patrimoniais sofridos por CC, verificados no motociclo com a matrícula ..-..-QE e vestuário usado pela vítima;
iv) a quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), em virtude do dano não patrimonial sofrido pela autora, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde o trânsito em julgado;
v) a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), em virtude do dano não patrimonial sofrido pelo autor, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde o trânsito em julgado;
v) a quantia de € 61.045,56 (sessenta e um mil, quarenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos) em virtude do dano patrimonial futuro sofrido pelo autor, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde 01-04-2022, data da citação;
vi) a quantia de € 131.597,95 (cento e trinta e um mil, quinhentos e noventa e sete euros e noventa e cinco cêntimos), em virtude do dano patrimonial futuro sofrido pela autora, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde 01-04-2022, data da citação;
vii) a quantia de € 903,00 (novecentos e três euros) em virtude do dano patrimonial emergente sofrido pela autora, acrescida dos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4%, desde 01-04-2022, data da citação;
B) Condenar a ré A...,S.A. a reembolsar o Instituto de Segurança Social, I.P. no montante de € 14.449,26 (catorze mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e vinte e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, contabilizados à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento, contados desde a data da notificação dos respectivos pedidos [24-10-2022 – relativamente à quantia de € 1.307,28 (mil, trezentos e sete euros e vinte e oito cêntimos); 17-04-2023 – no que respeita à quantia de € 12.554,50 (doze mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos); 30-05-2023 – quanto à quantia de € 587,48 (quinhentos e oitenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos)]”.

3. O recurso
A Ré recorre da sentença, motiva o recurso e conclui:
“i. Relativamente aos pontos 16 e 38 da matéria dada como provada, a Recorrente considera que o Tribunal concluiu pela existência de factos assentes numa regra que não é de experiência comum, mas antes corresponde a um convencimento subjetivo do Ex.mo Senhor Juiz sem suporte objetivo e racional.
ii. Cabia ao Autores demonstrar cabalmente o que alegaram em sede de Petição Inicial, sendo que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, nos termos do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil.
iii. Assim, tendo em conta as regras do ónus da prova, impõe-se dar como não provados os pontos 16 e 38.
iv. Não obstante a lei presumir a distribuição igualitária da contribuição de cada veículo para a ocorrência do embate, o Tribunal fixou a repartição do risco na produção do acidente na proporção de ¼ para o condutor do motociclo e ¾ para o condutor do veículo automóvel.
v. A propósito das concretas características dos veículos, para além da dimensão e peso dos veículos automóveis a que faz referência a Sentença, cumpre atender aos riscos próprios dos motociclos, com destaque para a sua instabilidade e maior desproteção dos seus tripulantes.
vi. Impõe-se assim proceder à repartição do risco criado pelos dois veículos intervenientes no acidente nos termos do artigo 506.º do Código Civil, que deve se distribuído do seguinte modo: 50% para o condutor do motociclo e 50% para o condutor do veículo automóvel.
vii. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela a Ré, impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% os Autores dos respetivos prejuízos.
viii. Relativamente ao dano morte, entende a Recorrente excessiva a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) arbitrada, se forem tidas em consideração as circunstâncias do caso concreto e as decisões jurisprudenciais em casos semelhantes.
ix. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano morte fixado pelo Tribunal ad quem.
x. Uma vez eliminadas da matéria de factos as conclusões vertidas nos pontos 14 e 38, importa concluir que os Autores não lograram demonstrar quaisquer factos suscetíveis de fundamentar a atribuição de uma quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo falecido.
xi. Impõe-se, assim, revogar o segmento condenatório da decisão referente ao montante indemnizatório por dano não patrimonial sofrido pelo falecido.
xii. Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona.
xiii. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano não patrimonial sofrido pelo falecido.
xiv. Termos em que deve ser reduzido o montante indemnizatório para € 5.000,00 (cinco mil euros).
xv. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano não patrimonial sofrido pela Autora AA.
xvi. Termos em que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído à Autora AA para € 15.000,00 (quinze mil euros).
xvii. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano não patrimonial sofrido pelo Autor BB.
xviii. Termos em que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído ao Autor BB para € 20.000,00 (vinte mil euros).
xix. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano patrimonial futuro sofrido pelo Autor BB.
xx. Termos em que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído ao Autor BB para € 40.697,05 (quarenta mil e seiscentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos).
xxi. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano patrimonial futuro sofrido pela Autora AA.
xxii. Termos em que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído à Autora AA para € 87.731,97 (oitenta e sete mil, setecentos e trinta e um euros e noventa e sete cêntimos).
xxiii. Tendo em conta a repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de indemnizar em 50% o dano patrimonial emergente sofrido pela Autora AA.
xxiv. Termos em que deve ser reduzido o montante indemnizatório atribuído à Autora AA para € 602,00 (seiscentos e dois euros).
xxv. Tendo-se decidido que o condutor do veículo seguro pela Ré responde pelo risco, na proporção de ¾ dos danos causados, é apenas nessa medida que a Ré teria de reembolsar o Instituto da Segurança Social I.P., ou seja, no montante de € 10.836,95 (dez mil e oitocentos e trinta e seis euros e noventa e cinco cêntimos), o que se requer.
xxvi. Caso o Tribunal da Relação de Évora conclua pela repartição igualitária da responsabilidade para o falecido e para o condutor do veículo seguro pela Ré (cfr. capítulo III do presente recurso), impende sobre a Ré a obrigação de reembolsar em 50% o Instituto da Segurança Social I.P..
xxvii. Termos em que deve ser reduzido o montante do reembolso para € 7.224,63 (sete mil e duzentos e vinte e quatro euros e sessenta e três cêntimos).
Nestes termos e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão V. Exas. a costumada Justiça.”

Os Autores responderam ao recurso da Ré e entrepõem recurso subordinado, por forma a concluir:
1ª- O recurso principal interposto pela Ré, ora Recorrente, deve improceder totalmente por absoluta falta de fundamento quer quanto à matéria de facto, quer quanto ao direito aplicável.
2ª- Interpõem os ora Recorrentes, recurso subordinado, que tem por objeto apenas dois segmentos do douto decisório, a saber: o montante fixado a título do Dano Morte e o montante fixado a tútulo de Dano Patrimonial Futuro fixado a favor da A. AA, por ficarem aquém dos valores que se consideram ajustados aos danos em causa e ao caso concreto.
3ª- A recorrente começa por delimitar o objecto do seu recurso, referindo a “Impugnação da matéria de facto e Erro de direito – repartição da responsabilidade”. Todavia, não podem colher os argumentos estritamente teóricos e opinativos que utiliza nesse sentido, sem uma sustentação efetiva, quantos aos pontos 16 e 38 que pretende impugnar, por não ter sido violado pelo douto Tribunal a quo nenhum princípio de apreciação da prova.
4ª- O caso que nos ocupa, não se revê, de modo algum no exemplo do Ac. referido pela Recorrente, já que se reporta a uma realidade e sentimento genérico que nenhuma pessoa média de diligência normal afasta, ou seja, qualquer um de nós, colocado na situação do condutor do motociclo, sofre, perante a iminência do acidente e a enorme probabilidade de morrer!
5ª- Em função da nossa cultura e observação empírica do que a generalidade das pessoas sente, na mesma situação, e que aceitam como absolutamente plausível, para além da prova recorrente possível de confirmar quando a vítima sobrevive, os pontos 16. e 38. devem considerar-se decorrentes das regras da experiência comum e não de uma análise subjetiva do Mm.º Juiz a quo.
6ª- Acresce que o douto Tribunal a quo fez uma apreciação de várias circunstâncias concretas, quando apela à dinâmica do acidente, o tipo de via, o tipo de colisão, o sentido em que os veículos circulavam e o facto de ser um choque frontal.
Ou seja,
7ª- Veja-se, a este propósito, o douto Acórdão do S.T.J. proferido no Proc. n.º 3612/07.6TBLRA.C2.S1, de 06.07.2011, no seguinte extracto:
(…) II – As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil. (…)”.
8ª- Veja-se, ainda, o douto Ac. do STJ, proc. n.º 1090/12.9GBAMT.P1.S1, de 11.10.2017:
“(…) VII – O sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte é uma evidência - é, por si só, um facto notório, dispensado de alegação e prova, e que não pode deixar de ser valorizado em sede de indemnização por danos não patrimoniais. (…)”.
9ª- Não se regista, consequentemente qualquer “erro notório na apreciação da prova” uma vez que o Tribunal, não exorbitou de forma alguma, os limites do princípio da livre apreciação da prova , atenta a fundamentação respetiva e a conjugação com todos os restantes meios de prova dos quais o Tribunal a quo se socorreu, objetivamente confirmados.
10ª- Atento o exposto, devem ser rejeitadas liminarmente, as três primeiras conclusões das Alegações da Recorrente, mantendo-se, na íntegra, como assentes, os factos vertidos nos pontos 16 e 38 dados como provados na douta sentença, proferida pelo Tribunal a quo com todas as decorrências indemnizatórias que dos mesmos resultam.
11ª- Consequentemente, devem improceder a 10ª, 11ª, 12ª, 13ª e 14ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª, 24ª das conclusões das Alegações da Recorrente.
12ª- Não existe igualmente qualquer “erro de direito” no que reporta à “repartição da responsabilidade”, posição que igualmente deverá improceder em absoluto.
Com efeito,
13ª- A sentença proferida pelo douto Tribunal a quo explicitou devidamente a razão de ser da repartição do risco, muito bem e fundamentadamente, fundamentação que aqui se considera por integralmente reproduzida em toda a sua extensão.
14ª- As massas dos veículos, em confronto, no momento da colisão, só por si justificam tal diferenciação. A dissipação de energia que se gera no momento do embate, não tem comparação e as consequências físicas, manifestam-se não só, nos danos materiais sofridos pelos veículos intervenientes e respetivas zonas embatidas dos mesmos, bem como pela projecção do motociclo e respetivo condutor, para a berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
15ª- No caso concreto, a conjugação da largura da via e a largura dos veículos intervenientes, reforça igualmente essa ponderação, já que o veículo seguro na Recorrente tem quase o triplo de largura (2 m) comparativamente com o motociclo (0,70 m) consequentemente em termos objetivos, ocupando fisicamente a via, muito mais, do que o motociclo, aumentado desse modo, o risco de colisão.
16ª- Recupera-se e chama-se à colação a este propósito, a prova pericial e documental junta aos autos, em especial, o relatório do NICAV, nomeadamente o “Relatório Fotográfico de Acidente de Viação” junto a fls…. dos autos.
17ª- Da visualização das fotografias tiradas pelas autoridades, quer da via, em ambos os sentidos de marcha, quer do veículo seguro na Recorrente, quer da posição final do motociclo e vítima, é evidente e não deixa margem para dúvidas, o que supra se defende.
18ª- O risco do ligeiro de mercadorias, considerando apenas as suas características é muitissimo superior ao do motociclo.
Acresce que,
19ª- Como resulta da clara fundamentação da sentença, conforme prova pericial corroborada pela prova testemunhal, o acidente de viação em causa foi caracterizado como “colisão frontal excêntrica” e ainda em conjugação com esta conclusão técnica, o facto assente nos pontos 14 (14. De seguida, o condutor do ..-..-QE fez deslocar o veículo na direcção da sua rectaguarda, em distância não concretamente apurada) e 20 com a seguinte fundamentação supra descrita que aqui se dá por reproduzida.
20ª- Foram ponderados os meios de prova enunciados e consideradas as regras da lei da física e não quaisquer ponderações subjetivas, sem assento objetivo.
21ª- Atento todo o exposto, e tendo em conta todos os factos e circunstâncias descritas, a ponderação com base em leis físicas, considera-se inegável a contribuição, quase absoluta do veículo ligeiro de mercadorias para a eclosão do fatídico acidente.
22ª- Assim, a repartição fixada pelo Tribunal a quo é adequada e se pecar, será por excesso no 1/4 atribuído ao motociclo.
Veja-se neste sentido o douto Ac. Rel. Évora, Proc. n.º 202/15.5GBODM.E1, de 24.09.2019:
(…) III - A medida da repercussão do risco criado por cada um dos veículos intervenientes na colisão será a que resulta das características próprias de cada um desses veículos e do conjunto das circunstâncias relevantes. Impõe-se proceder sempre a uma avaliação em concreto, na aferição da contribuição/repartição do risco. IV - É de reconhecer, no caso, a maior potencialidade danosa do veículo automóvel, a qual se concretizou (realmente) mais intensamente. E que essa sua maior contribuição para o dano deve ser, em concreto, mesurada em 85%, reservando-se os 15% de risco para o velocípede. (…)”.
23ª- Atento todo o exposto, devem em consequência, improceder totalmente as conclusões 4º, 5º e 6º das Alegações da Recorrente.
24ª- Logicamente e dado a repercussão direta da proporção da responsabilidade fixada no quantum indemnizatório de todos os danos fixados, devem igualmente improceder, totalmente, as 7ª, 9º, 14ª, 15ª, 16ª, 17ª, 18ª, 19ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª, 24ª, 25ª, 26ª e 27ª, conclusões das Alegações da Recorrente, mantendo-se integralmente a proporção fixada pelo douto Tribunal a quo.
25ª- Os ora recorrentes discordam do montante fixado na douta sentença, proferida pelo douto Tribunal a quo no montante de € 100.000,00 a título do Dano Morte, considerando que deveria ter ado fixado no montante peticionado de e 120.000,00;
26ª- O falecido CC, nasceu a ../../1986, tendo à data da sua morte apenas 32 anos;
27ª- CC faleceu muito jovem, na flor da idade, quando tinha ainda muitos de anos de vida para realizar todos os seus projectos, que foram, brusca e muito prematuramente ceifados e irremediavelmente enterrados para sempre;
28ª- O direito à vida é o direito absoluto supremo, substrato físico indispensável de todos os outros. Com a morte tudo se acaba para a vítima e tudo se transforma para quem o amava e de quem eram reciprocamente suportes de vida e de felicidade, fim último da vida, ocupando a tutela o lugar cimeiro do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional, encontra-se reconhecida no artigo 70.º, do Código Civil e no artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa. (…)
29ª- Para esse efeito, o julgador deverá, ainda, aquilatar das características da vítima, como a idade, a saúde, a vontade de viver, a situação familiar, a realização profissional, etc. – veja-se a este propósito, douto Acórdão do STJ, de 22 de fevereiro de 2018, processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt.;
30ª- Aliás, considerando o douto Acórdão invocado pelos AA. no artigo 56 da PI, não se vislumbra que diferença substancial se pode evidenciar para não atribuir exatamente o mesmo valor indemnizatório de € 120.000,00, como peticionado, significando antes, violação do disposto , nomeadamente no n.º 3 do artigo 8.º do CC.
31ª- Paralelamente e salvo melhor opinião, a Jurisprudência, deverá de forma equilibrada tender á imprescindível actualização com a vida e o mundo. Pelo que,
32ª- Considerando que da data do Acórdão referenciado, datado de 19 de Maio de 2017, já decorreram cerca de seis anos, considerando ainda, a crescente actualização dos capitais mínimos do seguro automóvel obrigatório, nesta data, ser de € 6.450.000,00 por acidente para os danos corporais e de € 1.300.000,00 para os danos materiais, é de mais elementar Justiça, compensar condignamente a violação do supremo direito à vida.
33ª- A ratio subjacente a tal actualização sistemática e das respetivas Directivas Comunitárias, ao longo do tempo, tem como finalidade primeira a compensação séria, justa e adequada, das vítimas de acidentes de viação, considerando-se violação de tal regime manter inalteráveis durante anos e anos os montantes indemnizatórios.
34ª- Manter as indemnizações nos montantes anteriores, não acompanha desde logo a actualização dos capitais, o que só por si se manifesta absolutamente injusto.
35ª- Por todo o supra exposto, deverá neste particular a douta sentença a quo ser revogada, no sentido de ser ampliado o montante fixado para o montante peticionado de € 120.000,00, tendo em paralelo e como consequência, dever ser julgada totalmente improcedente a 8ª conclusão das Alegações do recurso principal.
36ª- O segundo segmento da douta decisão recorrida, respeita ao montante atribuído à A, recorrente, a titulo de dano patrimonial futuro, que se considera manifestamente aquém do adequado ao caso concreto, e sem que tenha ficado claro o critério concreto para atingir o montante de “€ 185.000,00”.
37ª- Com efeito, em abstrato, a única diferença que se alcança, entre os parâmetros utilizados no pedido e os abstratamente invocados na douta sentença, reporta aos anos de vida média das mulheres , que na P.I. art.º 121 se aponta como sendo 82 anos enquanto a sentença refere genericamente “ o período de vida ativa em regra, até aos 70 anos”.
38ª- Ora, maioritariamente a Jurisprudência tem vindo a considerar para cálculo deste dano específico, o período de “esperança média de vidas” e não o período de vida útil ativa, conforme, a título de exemplo, o douto Ac. do STJ, da 5ª secção, Proc. n.º 16/15.2GTCBR.C1.S1, de 28.05.2020, como supra se transcreve.
39ª- Com efeito, “(…) é nítida a evolução jurisprudencial no sentido de considerar não a esperança média de vida activa da vítima, mas a esperança média de vida, pela razão assinalada de que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixe de trabalhar por virtude da reforma (Ac. de 17.062008, cit., no mesmo sentido indo os dois estudos acima referidos), havendo factores não facilmente determináveis no cálculo, como a progressão na carreira ou profissão, a variação das taxas de juro ou dos coeficientes de inflação. (…)”.
40ª- Igualmente quanto à percentagem de redução, por antecipação do capital e considerando o mesmo Arresto, se considera que o critério de cálculo utilizado pela Recorrente (nos artigos 111º a 129º da P.I. que aqui se dão pro reproduzidos) se coaduna com as orientações em causa.
41ª- A douta sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, a este título, violou o disposto nos artigos 562.º, 564.º, n.º 2 e 8.º, n.º 3, todos do Código Civil.
42ª- Tudo visto e ponderado continua a considerar-se justa e equitativa a indemnização a arbitrar à A. AA, ora recorrente, a título de dano patrimonial futuro, na quantia de € 437.500,00 ( quatrocentos e trinta sete mil e quinhentos euros) devendo em consequência , ser revogado este segmento da douta sentença , proferida pelo douto Tribunal a quo e substituída por douta decisão que fixe este montante indemnizatório, equitativo e justo no caso concreto.
Nestes Termos, e demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado totalmente negado provimento ao recurso principal interposto pela Recorrente e ser concedido total provimento ao recurso subordinado, revogando-se a douta sentença proferida pelo douto Tribunal a quo conforme supra preconizado, fazendo-se desse modo Verdadeira Justiça !!!”
Admitidos os recursos e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto dos recursos
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir: – no recurso da Ré: i) a impugnação da decisão de facto, ii) procedendo a impugnação da decisão de facto, se não deve ser arbitrada indemnização por danos morais sofridos pelo falecido, iii) se a repartição do risco dos veículos na eclosão dos danos deve ser fixada em 50%, iv) devendo a repartição de responsabilidades sofrer alteração, se deverão ser reduzidas as parcelas indemnizatórias, v) se o pagamento do reembolso à Segurança Social deve observar a repartição da responsabilidade pela reparação dos danos; – no recurso (subordinado) dos Autores: i) se o montante da indemnização pelo dano morte deve ser fixado em € 120.000,00, ii) se o montante da indemnização por dano futura atribuído à Autora deve ser fixado em € 437.500,00.

III. Fundamentação
1. Factos
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provado:
1. CC nasceu a ../../1986.
2. A partir de ../../2015, CC e a autora passaram a residir juntos, partilhando mesa e leito.
3. Da referida relação, em ../../2019, nasceu o autor.
4. No dia ../../2019, pelas 12h47m, na E.M. ...01, em ..., ..., circulavam naquela via: o motociclo de matrícula ..-VJ-.., marca ..., modelo ..., com 125cm3, propriedade de CC e por ele conduzido – sentido de marcha ... –..., e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-QE, propriedade de EE, conduzido por DD – sentido ....
5. O referido motociclo tem uma largura de 70 cms (ponta a ponta do guiador).
6. O aludido veículo ligeiro de mercadorias apresenta uma largura de 2 mts (medida de ponta a ponta dos espelhos retrovisores).
7. A via caracteriza-se por ser uma curva à esquerda, com inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do motociclo de matrícula ..-VJ-...
8. A faixa de rodagem tem 3,04 m de largura, sem bermas, com pavimento betuminoso, em regular estado de conservação, sem marcas rodoviárias delimitadoras da faixa de rodagem e separadoras de vias de trânsito, bem como sem sinalização vertical.
9. Naquela data, as condições climatéricas eram boas e o pavimento encontrava-se seco.
10. CC, ao perfazer a curva para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, deparou-se com o mencionado veículo ligeiro de mercadorias, a circular em sentido contrário, ou seja, ....
11. De seguida, em circunstâncias não concretamente apuradas, ocorreu um embate entre os dois mencionados veículos, mais propriamente entre a frontal esquerda do ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-QE e a lateral esquerda do motociclo de matrícula ..-VJ-...
12. Todos os vestígios e destroços do embate ficaram na faixa de rodagem.
13. Após o embate, o motociclo e a vítima, ficaram imobilizados fora da faixa de rodagem, do lado direito, tendo em consideração o sentido de marcha do motociclo.
14. De seguida, o condutor do ..-..-QE fez deslocar o veículo na direcção da sua rectaguarda, em distância não concretamente apurada.
15. Na sequência do referido embate, e em virtude das lesões sofridas naquela circunstância, nomeadamente uma hemorragia interna por laceração da aorta interna, CC faleceu, no estado civil de solteiro, naquele local e data.
16. Ao aperceber-se da presença do veículo com a matrícula ..-..-QE e da iminência do embate, CC teve consciência de que a sua vida e integridade física corriam perigo.
17. Não era conhecida qualquer doença a CC.
18. Sendo este uma pessoa trabalhadora, alegre e dedicado à sua família.
19. CC nutria carinho e dedicação pelo filho, sendo um pai afectuoso.
20. O autor pergunta pelo pai, sobretudo em contexto escolar.
21. A autora e o CC tinham um projecto de vida comum, equacionando ter mais filhos.
22. O casal apoiava-se mutuamente.
23. CC e a autora andavam regularmente juntos em contexto social.
24. A morte de CC provocou um profundo abalo psíquico na autora, obrigando-a a recorrer a apoio de um psicoterapeuta.
25. A autora passou a ser uma pessoa mais reservada e triste.
26. CC exercia a profissão de operador de máquinas pesadas ou industriais e auferiu as quantias líquidas de € 932,13 no mês de Maio de 2019; € 871,61 no mês de Junho de 2019; € 1.486,21 no mês de Junho de 2019; e 942,41 no mês de Agosto de 2019; € 733,30 no mês de Setembro de 2019; € 733,30 no mês de Outubro de 2019 e € 953,92 no mês de Outubro de 2019.
27. O falecido CC contribuía, com o seu salário, para as despesas mensais e correntes da casa, bem como para as despesas diárias em alimentação, vestuário, saúde e higiene do autor.
28. CC adquiriu o motociclo supra mencionado em 21-10-2018, pelo preço de € 3.200,00.
29. Na sequência do embate acima referido, o motociclo em causa sofreu danos em toda a sua estrutura, cuja natureza, extensão e valor não foi possível apurar nos presentes autos.
30. O Instituto da Segurança Social I.P. pagou à autora a quantia de e 1.307,28, a título de subsídio por morte, relativo ao óbito de CC.
31. Em consequência do acidente, a roupa e calçado, de valor não concretamente apurado, que CC trazia vestido naquela ocasião sofreram danos de natureza e extensão não concretamente apuradas.
32. A autora suportou as despesas de funeral do falecido CC no valor de € 2.310,00.
33. Com a obtenção da certidão da habilitação de herdeiros que constitui o documento n.º 2, junto com a petição inicial, a autora despendeu a quantia de € 180.89.
34. De igual modo, com a obtenção da certidão emitida pela Procuradoria do Juízo de Competência Genérica ...., que constitui o documento n.º 3, junto com a petição inicial, a autora despendeu a quantia de € 20,40.
35. O Instituto da Segurança Social I.P. pagou ao autor, no período compreendido entre Dezembro de 2019 a Maio de 2023, a quantia de € 3.605,91, a título de pensão de sobrevivência.
36. O Instituto da Segurança Social I.P. pagou à autora, no período compreendido entre Dezembro de 2019 a Maio de 2023, a quantia de € 9.536,07, a título de pensão de sobrevivência.
37. À data da colisão supra referida, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-QE era propriedade de EE.
38. Após o embate, e em virtude do mesmo, CC sofreu dores.
39. À data do acidente, a responsabilidade emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-QE, encontrava-se transferida para a ré, através de um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice n.º ...01.
Não provado:
a. Na data e circunstâncias acima referidas, CC seguia no motociclo, ocupando a faixa de rodagem destinada ao seu sentido de marcha, a cerca de 40/50 cm., do início terra batida, existente do lado direito e atento o seu sentido de marcha, que nunca seria superior a 20/30 kms./hora.
b. Na data e circunstâncias acima referidas, o veículo ligeiro de mercadorias seguia na referida via a uma velocidade não inferior a 50 kms./hora, ocupando a totalidade da faixa de rodagem.
c. CC ao ver a sua linha de marcha obstruída, e atenta a curta distância que mediava entre o motociclo e o veículo ligeiro de mercadorias, não superior a três metros, não lhe foi possível efectuar a manobra evasiva de modo a evitar o embate.
d. As dores sofridas por CC agudizaram com o decorrer do tempo, até ao momento em que faleceu, tendo tido consciência de que muito dificilmente iria sobreviver em virtude das lesões por si sofridas.
e. CC quanto tinha tempos livres, passava-o com o autor.
f. Com a morte do seu pai, o autor sofre e continuará a sofrer.
g. O autor irá sempre sentir-se diferente dos seus amigos, pois crescerá sem o pai ao seu lado, o que poderá levar no futuro a um agravamento do seu sentimento de perda e traumas, os quais se irão reflectir em toda a sua vida.
h. Após a morte de CC, a autora deixou de conviver, ir a festas e outros eventos sociais.
i. Tornou-se uma pessoa resignada.
j. A autora desloca-se com muita frequência ao cemitério para depositar flores na campa do companheiro, e aí permanecendo longos períodos a chorar.
k. Em consequência do acidente, o motociclo ficou totalmente destruído, não sendo possível a sua reparação.
l. Naquela ocasião, DD conduzia o veículo de matrícula ..-..-QE, por conta, no interesse, sob as ordens e instruções da proprietária daquele EE.

1.2. Impugnação da decisão de facto
A Ré impugna a decisão de facto vertida nos pontos 16 e 38 – “16. Ao aperceber-se da presença do veículo com a matrícula ..-..-QE e da iminência do embate, CC teve consciência de que a sua vida e integridade física corriam perigo”, “38. Após o embate, e em virtude do mesmo, CC sofreu dores” – dos factos provados, considerando que não se provam.
Argumenta que os Autores não fizeram prova dos factos e que “o Tribunal concluiu pela existência de factos assentes numa regra que não é de experiência comum, mas antes corresponde a um convencimento subjetivo do Ex.mo Senhor Juiz sem suporte objetivo e racional.
A decisão recorrida motivou assim as respostas:
O facto inserto no ponto 16) decorre da conjugação da factualidade atinente à dinâmica do acidente, designadamente o sentido em que as viaturas seguiam, o tipo de via e colisão, com as regras da experiência comum, sendo crível que um homem médio experiencie este tipo de sentimentos no momento em que, ao conduzir um motociclo na via pública, se apercebe da iminência de um embate frontal com um veículo ligeiro de mercadorias.
(…)
O facto contido no ponto 38) foi dado como provado com recurso às regras da experiência comum, uma vez que as lesões sofridas por CC, dada a sua gravidade, são susceptíveis de provocar dores”.
Os factos impugnados foram afirmados – são ilações – a partir de outros factos provados; o facto 16º – “CC teve consciência de que a sua vida e integridade física corriam perigo” – constitui uma inferência das circunstâncias do acidente (v.g. pontos 11 e 12 dos factos provados) e o facto 38º – “após o embate, e em virtude do mesmo, CC sofreu dores” – constitui uma inferência da gravidade das lesões (ponto 15 dos factos provados).
A lei reconhece e admite a prova por presunção.
Conhecido um determinado facto, v.g. por haver resultado provado, a lei permite ao julgador inferir a partir dele um facto desconhecido, no âmbito da chamada prova por presunção judicial (artigo 349.º do Código Civil); necessário é que sobre o facto afirmado por indução seja admitida prova testemunhal (artigos 351.º e 392.º do Código Civil), como no caso se verifica.
As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.” [1]
As regras da experiência, não são factos ou acontecimentos, em si, susceptíveis de prova, são juízos correntes de probabilidade resultantes da observação e percepção do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos, que autorizam a convicção de que se as coisas se apresentam de ordinário de um certo modo existe um alto grau de probabilidade que, em igualdade de circunstâncias, se apresentem do mesmo modo.
Na realidade da vida e às vezes no quotidiano, há factos que ordinariamente se sucedem uns aos outros, e tanto quanto o homem da rua (Calamandrei), o juiz não deve estar alheio a essa percepção nem decidir como se a vida não fosse assim – sob pena de transformar o processo em uma técnica bem organizada para desconhecer o que todo o mundo sabe.”[2]
Ora, o sofrimento moral da vítima ante a iminência da morte causada por um acidente de viação, mais do que um juízo de probabilidade fundado nas regras da experiência constitui, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça uma evidência, um facto notório que não carece de alegação, nem de prova.[3]
Por isto que o juízo da 1ª instância ao afirmar, face às circunstâncias do acidente – embate frontal – que o condutor do motociclo “teve consciência de que a sua vida e integridade física corriam perigo” e ao considerar, ante as graves lesões por este evidenciadas, que o mesmo “sofreu dores” fez uso sustentado de presunções judiciais, evidenciando uma convicção extraída da vivência colectiva, apreensível pelo homem médio e, nesta medida, ao invés do afirmado pela Ré, explicitável, racional e sindicável.
Os factos impugnados mostram-se sustentados em prova válida e regular e, decisivamente, a prova produzida não impõe a solução diversa da encontrada pela 1ª instância.
A impugnação da decisão de facto improcede.

2. Direito
2.1. Se não é devida indemnização por danos morais sofridos pelo falecido
A decisão recorrida fixou em € 10.000,00 a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por CC – dores (…) bem como a percepção da iminência da morte e inerente perturbação, susto, medo, sofrimento” – na altura do acidente da qual lhe resultou a morte. Fundou-se, de facto, nos pontos 16º e 38º dos factos provados.
A Ré defendeu que os referidos factos não se provam e com este fundamento considera que a indemnização não é devida.
A impugnação da decisão de facto improcedeu e, assim, improcede a solução de direito preconizada pela Ré – improcedência do pedido de indemnização por danos morais sofridos pelo falecido – exclusivamente fundada numa alteração da base factual do litígio que não se reconhece.
O recurso da Ré improcede quanto a esta questão.

2.2. Se a repartição do risco dos veículos na eclosão dos danos deve ser fixada em 50%
A decisão recorrida depois de haver afastado a responsabilidade do condutor do veículo ligeiro a título de culpa efectiva – “(…) não se vislumbra matéria que permita concluir pela violação, por parte do condutor do veículo automóvel, de qualquer norma específica do Código da Estrada. (…) não deflui da matéria apurada que o mesmo tenha agido com negligência ou temeridade, pelo que forçoso será de concluir pela inexistência de culpa na produção do acidente por banda do condutor do veículo automóvel segurado pela ré” – e a título de culpa presumida – “não resultou demonstrado que DD conduzisse o aludido veículo «por conta, no interesse, sob as ordens e instruções da proprietária do veículo ...» – por aplicação da disciplina do artigo 506.º do Código Civil, repartiu a responsabilidade pela reparação do acidente por ambos os veículos fixando-a em “¼ para o condutor do motociclo e ¾ para o condutor do veículo automóvel”.
A Ré defende que a repartição do risco deve corresponder a 50% para cada um dos veículos assente, essencialmente, na ideia que a maior “instabilidade” do motociclo e “maior desproteção dos seus tripulantes” agravam o risco próprio dos motociclos [cls. 4ª a 7ª].
O artigo 506.º do Código Civil, estabelece:
1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.
2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”.
Colidindo dois veículos e não se tornando possível imputar, a título de culpa, a colisão a nenhum dos condutores pode uma ocorrer uma de duas situações:
- apenas um dos veículos contribuiu para os danos, caso em que a responsabilidade corre por quem, “a qualquer título (e maxime, pelo risco, ex 503.º/1) responda pelo veículo causador[4];
- ambos os veículos causaram os danos, caso em que a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos.
Em caso de dúvida na repartição dos riscos – ou das culpas – rege o n.º 2: considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos.
O juízo sobre a repartição da responsabilidade é equitativo e deve fazer-se em função das especificidades do caso concreto, atendendo às circunstâncias do acidente e características dos veículos, na medida em que estas possam ter contribuído para os estragos.
Na espécie, o motociclo tem a largura 70 cm. (ponta a ponta do guiador) e o ligeiro de mercadorias apresenta uma largura de 2 mts. (medida de ponta a ponta dos espelhos retrovisores) e vieram a colidir – a frontal esquerda do ligeiro de mercadorias e a lateral esquerda do motociclo – numa estrada municipal cuja faixa de rodagem, de dois sentidos, tem 3,04 metros de largura e se apresentava ao condutor do motociclo, com uma curva à esquerda, com inclinação ascendente [pontos 1, 5 a 8, 10 e 11 dos factos provados].
Assim, considerando o maior volume e peso do veículo ligeiro de mercadorias e o maior espaço que ocupava na via (cerca de 2/3) face ao motociclo, afigura-se adequado repartir o risco em ¾ para o veículo de mercadorias e ¼ para o motociclo.
Foi o que se decidiu em 1ª instância, com apoio em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em caso similar (colisão frontal entre um veículo ligeiro e um motociclo numa estrada com 5,20 metros de largura):
Em regra a jurisprudência, no caso de concorrência de um motociclo com um ligeiro, tem fixado essa proporção em 2/3 para o primeiro e 1/3 para o segundo.
Mas, in casu, essa proporção deve ser agravada em prejuízo do ligeiro por estar provado que o acidente ocorreu numa concreta incidência espacial em que a desproporção física dos veículos se torna, em concreto, mais nítida e mais impressiva – existia, para ambos os sentidos, um sinal de passagem estreita (sinal de perigo A4).[5]
Argumenta a Ré que a proporção do risco deve ser fixada em partes iguais, atenta a instabilidade do motociclo e maior desproteção dos seus tripulantes.
Admite-se que assim possa ocorrer de ordinário.
As especificidades do caso, e são elas que relevam, não permitem, porém, concluir, nem a Ré o afirma, por um qualquer nexo ou ligação entre a instabilidade do motociclo e/ou a maior desproteção dos seus tripulantes e a concreta contribuição daí decorrente para os danos verificados.
A decisão recorrida e as suas razões parecem-nos certas.
O recurso improcede quanto a esta questão.

2.3 Se a condenação da Ré deve ser reduzida por efeito da alteração da repartição de responsabilidades
Repartida a responsabilidade pelos danos em ¼ para o condutor do motociclo e ¾ para o condutor do ligeiro de mercadorias, a decisão recorrida condenou a Ré nesta proporção, isto é, condenou a Ré a pagar aos Autores ¾ dos montantes indemnizatórios que encontrou para os prejuízos por estes demonstrados.
Assente na alteração da proporção da responsabilidade (50/50), a Ré pretende a alteração da condenação relativamente aos vários segmentos indemnizatórios [cls. 9ª a 24ª].
O pressuposto que fundamenta nesta parte o recurso – repartição da responsabilidade do risco dos veículos em partes iguais – não se reconhece (ponto 2.2. supra) e, por consequência, o recurso improcede quanto às cls. 7ª, 12ª a 24ª, 26ª e 27ª.
O recurso improcede quanto a esta questão.

2.4. Se o pagamento do reembolso à Segurança Social deve observar a repartição da responsabilidade pela reparação dos danos
A decisão recorrida condenou a Ré a reembolsar o Instituto de Segurança Social I.P. no montante de € 14.449,26 (valor do pedido), correspondente às prestações sociais - subsídio por morte e pensão de sobrevivência – atribuídas aos Autores.
A Ré considera que a condenação deve observar a proporção da responsabilidade que lhe foi fixada pela reparação dos danos.
A nosso ver, com razão.
Segundo os artigos 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16/1 e 59.º, n.º 1, do D.L. n.º 59/89, de 22/2, as instituições da segurança social podem exercer o direito de reembolso dos subsídios ou pensões pagas contra terceiros responsáveis.
Ora, decidindo-se no caso que o condutor do veículo seguro pela Ré responde pelo risco, na proporção de ¾ dos danos causados, é esta a medida em que a Ré deverá reembolsar o Instituto da Segurança Social I.P., ou seja, no montante de € 10.836,95 (14.449,26 x ¾).
Os juros serão contados tal como determinado pela decisão recorrida, aplicando-se a mesma proporção (¾) ao capital sobre que incidem.
O recurso procede quanto a esta questão.

2.5. Indemnização pela perda do direito à vida (recurso principal e subordinado)
A decisão recorrida fixou em € 100.000,00 a indemnização devida aos Autores pelo dano decorrente da perda de vida do seu, respectivo, companheiro e pai.
A Ré considera excessiva tal quantia e embora não quantifique um valor alternativo, indica jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a indemnização de € 85.000,00 pelo dano morte a sinistrado de acidente de viação com 31 anos. Por sua vez, no recurso subordinado, os Autores consideram exíguo este segmento da indemnização e adequado o valor de € 120.000,00.
O montante da indemnização por danos não patrimoniais, entre eles, do bem máximo – a vida – é fixado equitativamente pelo tribunal, considerando a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano (artigos 496.º, n.º 4 e 494.º do Código Civil).
O montante da reparação “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”[6]
A indemnização deverá ainda atender às circunstâncias específicas de cada vítima, ponderando a sua idade, saúde, vontade de viver, situação familiar, realização profissional e observar os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de alcançar uma justiça do caso concreto em harmonia com os princípios da ordem jurídica maxime o princípio da igualdade (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).
No caso, a vítima era um jovem a atingir os 33 anos de idade, vivia em união de facto com a Autora, fruto desta união havia nascido o autor BB ainda não havia três meses à data do falecimento, nutria grande carinho e dedicação pelo filho, era trabalhador, alegre e dedicada à sua família e exercia a profissão de operador de máquinas pesadas. Tinha, pois, em circunstâncias normais, um futuro auspicioso pela frente e condições para dele tirar satisfação. O dano consequente à privação da sua vida situa-se no patamar superior da escala de gravidade configurável para este tipo de danos.
Assim, e tendo como referência casos comparáveis em que o Supremo Tribunal de Justiça vem avalizando indemnizações entre € 50.000,00 e € 100. 000.00[7], temos por equitativa e, assim, ajustada ao caso concreto a indemnização pela perda do direito à vida (€ 100.000,00) atribuída pela decisão recorrida.
Infundados, pois, o recurso principal e recurso subordinado; o primeiro por não valorizar as específicas particularidades do caso concreto referentes à juventude e saúde da vítima e do seu recente estado de paternidade; o segundo por se fundar numa quantificação que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem reservado, em casos contados, para diluir o elevado grau de culpa do agente o que, por definição, não ocorre na responsabilidade pelo risco, como no caso se verifica.
Os recursos improcedem quanto a esta questão.

2.6. Indemnização a título de frustração, por parte da Autora, do rendimento futuro da vítima (recurso subordinado)
A decisão recorrida fixou em € 185.000,00, o montante da indemnização por danos futuros [à qual veio a subtrair a quantia de € 9.536,07 recebido pela Autora a título de pensão de sobrevivência – ponto 36) dos factos provados].
Justificou:
(i) o valor da indemnização deverá corresponder ao rendimento obtido durante o período total da obrigação de prestar alimentos;
(ii) ao rendimento líquido da vítima deverá ser deduzido 1/3 do seu valor expectavelmente afecto às suas despesas pessoais;
(iii) uma vez que a indemnização vai ser paga de uma só vez, o montante apurado deverá ser reduzido de uma determinada percentagem, uma vez que o beneficiário da mesma poderá rentabilizá-lo em aplicações financeiras ou em investimento de diferente natureza;
(iv) em contrapartida ao ponto anterior, há que atender ao valor da inflação e desvalorização monetária;
(v) a esperança de vida em Portugal para indivíduos do sexo masculino cifra-se nos 78,05 anos (de acordo com o Instituto Nacional de Estatística;
(vi) o período de vida ativa em regra, até aos 70 anos;
(vii) a evolução dos salários e das despesas alimentares;
(viii) o valor a arbitrar terá em conta que o dever de sustento do filho menor, em situações normais, não se iria manter para além de determinada idade (cfr. art. 1905º, nº2, do CC).
(ix) «Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.97, in CJSTJ, 1997, II, 24.
Considerou:
Resulta da matéria dada como provado que, à data dos factos, CC, com 32 anos de idade, auferia a remuneração líquida mensal de € 900,00, o que perfaz um total anual de € 12.600,00 (€ 900,00 x 14) – cfr. pontos n.ºs 1), 4), 15) e 26)”.
E concluiu:
“(…) afigura-se justo e adequado fixar a quantia de (…) € 185.000,00, no que toca à autora”.
Com excepção do âmbito temporal do cálculo da indemnização (o qual, afirma, deverá ter por referência a esperança média de vida das mulheres em Portugal), a Autora concorda os parâmetros que concorreram para o cálculo da indemnização e fazendo uso deles pede que a indemnização seja fixada em € 437.500,00.
Não se questiona o direito da Autora ser indemnizada pela perda de rendimentos resultante do falecimento de CC com quem vivia em união de facto desde ../../2015 [ponto 2 dos factos provados], questiona-se o seu montante.
O direito a quantificar emerge do disposto no n.º 3 do artigo 495.º do CC, o qual, em caso de lesão de que proveio a morte, prevê:
Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
O âmbito da indemnização, como tem vindo a ser reconhecido, não abrange quaisquer danos patrimoniais, mas apenas o dano relativo à perda de alimentos. Nas autorizadas palavras de Antunes Varela, “o prejuízo a ter em conta é o que advém (para a pessoa carecida de alimentos) da falta da pessoa lesada”, sendo “por este prejuízo que a indemnização se mede”; e daqui conclui que o lesante não pode “ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração) àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo)”.[8]
Fundada na responsabilidade civil, a indemnização calcula-se de acordo com os princípios enunciados nos artigos 562.º, 564.º e 566.º do CC e não por aplicação dos critérios específicos da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º, n.º 1 e 2004.º do CC.[9]
De acordo com tais princípios, a indemnização em dinheiro deve corresponder ao resultado da diferença aritmética (teoria da diferença) entre a actual situação do lesado e aquela que existiria se o dano não tivesse ocorrido (artigo 566.º, n.º 2, do CC). Calcular esta diferença quanto a danos futuros não é tarefa fácil, como se tem amiúde repetido mormente quando, como é o caso, uma das parcelas da equação (a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido) está condicionada por factores predominantemente aleatórios [o tempo provável de vida activa laboral, a esperança de vida, as possibilidades de progressão na carreira, o nível remuneratório futuro, a evolução dos níveis dos preços, das taxas de juros, da inflação, a própria evolução tecnológica enquanto condicionante da prestação e retribuição do trabalho e outros, como as políticas fiscais e de emprego futuros].
Como é o caso.
O valor exacto dos danos, em situações como a dos autos, dificilmente poderá ser averiguado, restando ao tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil).
Julgar equitativamente não é sinónimo de julgar aleatoriamente e a jurisprudência tem procurado, continuamente, encontrar critérios que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio, enunciados em vários arestos [10], observados pela decisão recorrida, supra referidos e aqui dados por reproduzidos.
Sobre tais parâmetros importará apenas referir que “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzida (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento[11] e que a esperança média de vida dos homens portugueses, no triénio de 2019-2021 rondavam os 77 anos (mais concretamente 77,67 anos).[12]
Dos factos provados colhe-se o seguinte:
– Em consequência das lesões que lhe resultaram do acidente CC, nascido a ../../1986, faleceu em ../../2019 – pontos 1, 4 e 15 dos factos provados;
- CC vivia em união de facto com a Autora, desde ../../2015 e desta união nasceu o autor BB em ../../2019 – pontos 2 e 3 dos factos provados;
- Exercia a profissão de operador de máquinas pesadas ou industriais e auferiu as quantias líquidas de € 932,13 no mês de Maio de 2019; € 871,61 no mês de Junho de 2019; € 1.486,21 no mês de Junho de 2019; € 942,41 no mês de Agosto de 2019; € 733,30 no mês de Setembro de 2019; € 733,30 no mês de Outubro de 2019 e € 953,92 no mês de Outubro de 2019 (ponto 26 dos factos provados).
- Contribuía, com o seu salário, para as despesas mensais e correntes da casa, bem como para as despesas diárias em alimentação, vestuário, saúde e higiene do autor (ponto 27 dos factos provados).
Valorando os factos à luz das regras enunciadas:
CC tinha cerca de 33 anos à data da sua morte, a esperança média de vida dos homens portugueses, no triénio de 2019-2021 (o acidente ocorreu em 2019) rondavam os 77 anos, sendo conjeturável (à luz das regras da experiência da vida) que a Autora iria beneficiar do contributo pecuniário daquele para as despesas do agregado durante um período de cerca de 44 anos.
O falecido auferia cerca de € 900,00 mensais (ponto 26 dos factos provados), € 12.600 anuais (900,00 x 14), sendo de admitir, num juízo de equidade que 1/3 deste rendimento seria destinado para si próprio, outro 1/3 seria despendido nos alimentos para o seu filho até este perfazer 25 anos de idade e o restante 1/3 seria destinado às despesas do agregado familiar correspondendo ao contributo pecuniário do falecido de que a Autora se viu privada.
Assim, tomando por base estes pressupostos de cálculo (12.600 x 1/3 x 44), chega-se à conclusão, em termos de resultado, que a perda de alimentos da Autora (aqui ficcionados) ao fim 44 anos importaria, singelamente, no valor total de € 184.800,00.
Porém, este valor carece ainda de correções.
Com o atingir dos 25 anos da idade do autor BB seria de admitir que o contributo do falecido para as despesas do agregado familiar e, para si próprio, viesse a aumentar, por ser de presumir que o seu filho passaria a estar em condições concretas de providenciar pelo seu sustento. Mas também não se pode olvidar que a Autora vai dispor, de uma só vez, da antecipação do recebimento de capital (de que só beneficiaria em frações ao longo de 35 anos).
Tudo visto, afigura-se-nos justo e equitativo o montante de € 185.000,00 fixado em 1ª instância como o rendimento perdido pela Autora com a morte do seu companheiro.
O recurso da Autora improcede quanto a esta questão.
O recurso da Ré procede parcialmente e o recurso dos Autores improcede, restando alterar a decisão recorrida em conformidade.

3. Custas
No recurso da Ré: parcialmente vencida no recurso, sem oposição dos Autores na parte em que obteve vencimento, incumbe à Ré pagar as custas na razão do seu decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
No recurso dos Autores: vencidos no recurso, as custas correm por conta dos Autores, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, em:
- julgar parcialmente procedente o recurso da Ré e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia de € 10.836,95, contando-se os juros sobre ¾ do capital a que, respectivamente, respeitam, mantendo-se a decisão recorrida em tudo o mais.
- julgar improcedente o recurso dos Autores.
As custas dos recursos correm pelos Autores e pela Ré, esta na proporção do decaimento, conforme supra determinado.
Évora, 27/06/2024
Francisco Matos
Maria Domingas Simões
Anabela Luna de Carvalho

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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. 1º, 4ª ed. pág. 312.
[2] L.F. Pires de Sousa, citando Cândido Rangel Dinamarco, Prova Testemunhal, 2014, pág. 332.
[3] Acs. STJ 11-10-2017 (proc. n.º 1090/12.9GBAMT.P1.S1) e de 29-10-2020 STJ (n.º 5/05.5TBPTS.L1.S1), em www.dgsi.pt.
[4] A. Menezes Cordeiro, Tratado II, Direito das Obrigações, tomo III, 2010, pág. 677.
[5] Ac. STJ de 18-11-2008 (proc. n.º 08B1189), em www.dgsi.pt.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. 1º, 4ª ed., pág. 501.
[7] V.g. Ac. do STJ de 22-02-2018 (proc. n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1), disponível em www.dgsi.
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., pág. 624.
[9] V.g. Ac. do STJ de 04-06-2020 (proc. n.º 2732/17.5T8VCT.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
[10] V.g. Ac. do STJ de 03/03/2021 (proc. n.º 3710/18.2T8FAR.E1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
[11] Ac. do STJ de 19-04-2018 (proc. n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1) em www.dgsi.pt.
[12] INE, em www.ine.pt