Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
308/18.9GAVRS.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: São pressupostos da suspensão da execução da pena:
− Que ao arguido deva ser aplicada em concreto pena de prisão não superior a cinco anos;

− Que se revele ela adequada e suficiente para a prossecução das finalidades da punição (juízo de prognose), sendo que a prognose, como pressuposto da suspensão da execução da pena, deve entender-se num sentido puramente preventivo especial, não tendo em conta critérios de prevenção geral e que “as considerações de prevenção geral só actuam como obstáculo à suspensão, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o nº 308/18.9GAVRS, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … – Juiz …, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, foi o arguido AA condenado, por sentença de 21/06/2022, pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. Com o pressente recurso o ora recorrente apenas pretende pôr em causa o teor do acórdão condenatório na decisão da matéria de direito, no tocante à Douta Decisão de não suspensão da pena.

2. A ausência de território nacional por parte do arguido bem como a não comparência em Tribunal não podem por si só não pode constituir uma penalização para o recorrente.

3. Mais, é possível fazer um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão relativamente ao comportamento futuro do recorrente, juízo que assenta na expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

4. Prevê o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

5. Trata-se de um poder/dever que o Tribunal tem sempre de usar desde que verificados os necessários pressupostos.

6. Existindo dois pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão, um de ordem formal, que consiste nem a pena de prisão não ser superior a cinco anos e outro de ordem material, que consiste no tribunal concluir que, face à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

7. Considerando-se justa e adequada a condenação do arguido 1 (um) ano e 9 (nove) meses), encontra-se verificado o pressuposto de ordem formal.

8. Também o pressuposto de ordem material se verifica uma vez que, atendendo à falta de condenação do recorrente nos últimos anos (após os factos que estiveram em apreço pelo Tribunal a quo, torna-se possível fazer uma prognose favorável ao recorrente, acreditando que a prevenção positiva cumpriu o seu papel mesmo antes da pena.

9. Pelo que, estão verificados os pressupostos do art.º 50.º, nº 1, do Código Penal, para a atribuição da suspensão da pena de prisão.

10 O que ora se requer. Entende o Recorrente que o Tribunal ad quo, ao não decidir assim, violou o disposto nos artigos 40.º 50.º e 71.º do Código Penal, impondo-se a revogação do douto Acórdão recorrido quanto à não aplicação da suspensão de prisão.

Tendo em consideração todo o exposto;

Sem prescindir do douto suprimento de V. Exas deve o presente recurso ser apreciado em conformidade, merecer provimento, e

Decidir pela suspensão da execução da pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão a que o recorrente foi condenado.

Fazendo-se assim, JUSTIÇA.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação

de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questão que se suscita é a da verificação dos pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1 - No dia 1 de Outubro de 2018, pelas 1h25m, o arguido AA, acompanhado de BB dirigiu-se a uma exploração agrícola pertencente à sociedade “….”, localizada no …, em …, e lograram entrar na mesma, através da vedação aí existente, que cortou, e abasteceram 11 sacos de pêra-abacate, correspondente a um peso de 208kg, no valor estimado de 730,00 euros.

2 - Contudo, o arguido e o referido BB, não logrou abandonar a referida exploração com os 11 sacos contendo pêra-abacate, pois foram interceptados pela patrulha da GNR que acorreu ao local.

3 - Ao agir do modo descrito, em comunhão de esforços e de vontade com o BB, o arguido AA agiu com o propósito de retirar os bens em causa do interior da referida exploração agrícola, onde se introduziu através da vedação ali existente, e de se apropriar dos mesmos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, o que só não logrou fazer porque foram interceptados pela patrulha da G.N.R.

4 - O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5 – O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado a 26/11/2012, pela prática, em 26/10/2012, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 90 dias de multa.

6 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado a 02/09/2019, pela prática, em 15/06/2019, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 100 dias de multa.

7 – O arguido já foi condenado, por sentenças transitadas em julgado e proferidas no Reino de Espanha, pela prática de crimes de furto, condenações essas em pena de prisão efectiva.

Quanto aos factos não provados, considerou inexistirem.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

Conforme deflui do relatório supra, BB faleceu e, consequentemente, foi declarada a extinção da sua responsabilidade criminal.

O arguido AA não esteve presente em audiência de julgamento.

Assim, a apreciação critica do Tribunal incidiu sobre os depoimentos das testemunhas ouvidas e arroladas pelo Ministério Público e sobre o teor dos documentos que constituem o Auto de apreensão, de fls. 35 e as Imagens, de fls. 60-62.

As testemunhas CC e DD, militares da GNR, descreveram a forma como obtiveram a notícia de que se encontrava em curso a prática de crime, a deslocação ao local em causa, descreveram tal local e afirmaram, então, a natureza e modo da intervenção efectuada no local. Assim, disseram, aperceberam-se que os individuos ainda se encontravam no local e, por isso, efectuaram um cerco à exploração e acabaram por deter os indivíduos, designadamente o arguido e o falecido BB. Disseram, também, que a detenção dos indivíduos ocorreu dentro da área da exploração agricola, que havia vários sacos já com abacates no interior, abandonados, sacos esse que teriam um peso de cerca de 208 kgs.

A testemunha EE, gerente da exploração agricola, não presenciou os factos, tendo chegado ao local quando os arguidos já haviam sito detidos. Porém, disse que existe uma vedação em rede, com cerca de 1,70 m de altura e a toda a volta da área do terreno da exploração agricola, vedação / rede que foi cortada para que os indivíduos de introduzissem no interior desta. Confirmou que havia cerca de 11 sacos com abacates, prontos para serem levados e cujo ensacamento terá sido levado a cabo pelos indivíduos, com o peso de cerca de 208 Kgs.

Finalmente, a testemunha FF, trabalhador agrícola, disse que já tinha havido vários furtos na exploração e que, por isso, instalaram sistema de video-vigilância; através de tal sistema souberam, em tempo real, do furto em curso e praticado por 2 indivíduos. Foi a testemunha que ligou para a GNR. A GNR compareceu no local e montou um cerco ao perímetro da exploração. Os 2 indivíduos foram detidos no interior da exploração, já perto da EN …. Já tinham ensacado cerca de 11 sacos com abacates, com o valor de cerca de 730 Euros no total. Esta testemunha já não foi tão precisa no que tange à existência de rede a toda a volta da área da exploração.

Ora, qualquer um dos depoimentos primou pelo rigor e isenção, revelando conhecimento directo dos factos e, por isso, logrando o convencimento do Tribunal relativamente às afirmações produzidas. Depoimentos que são confirmados pelos documentos juntos aos autos.

Poderia lançar-se a dúvida relativamente à existência de rede a toda a volta da área da exploração e modo / ponto de entrada dos indivíduos no interior desta. Porém, o depoimento da testemunha FF, nesta parte, foi hesitante, confessando alguma confusão, sendo que o depoimento da testemunha EE, gerente, o não foi. Ou seja, atendendo, até, à qualidade profissional desta testemunha, parece-nos que será de valorar positivamente este depoimento em detrimento daquele e no que respeita a este ponto.

Pelo que, assim sendo, se compreende a razão de ser dos factos dados como provados.

No mais, o Tribunal atendeu ao CRC junto aos autos.

Apreciemos.

O recurso versa sobre matéria de direito, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto e, posto que se não vislumbra qualquer dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidade alguma de conhecimento oficioso, cumpre considerar, como se considera, definitivamente fixada a matéria de facto constante da sentença sob recurso.

E, tendo em atenção a factualidade que provada se encontra, correcto está o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido efectuado pelo tribunal recorrido.

O recorrente foi condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, vindo censurar a não aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, aduzindo estarem verificados os seus pressupostos.

O tribunal recorrido sustentou-a nos seguintes termos, mondadas as referências legais e doutrinária (transcrição):

Revertendo ao caso concreto, temos, desde logo, que as necessidades de prevenção especial são muito elevadas. São já várias as condenações do arguido, inclusive pela prática de crime idêntico ao ora em apreciação. São, ainda, várias as condenações em pena de prisão efectiva.

Ora, sendo certo que a ausência do arguido de território nacional, bem como a sua ausência a julgamento, não permitiu colher dados / elementos concretos sobre as suas condições pessoais, o já sobredito não permite concluir que o arguido esteja apto a aproveitar a oportunidade da suspensão da execução da pena para empreender eficazmente a sua ressocialização alterando a sua conduta no futuro. Não obstante o anterior cumprimento de penas de prisão, o arguido voltou a prevaricar e na violação do mesmo bem juridico.

Em conformidade, entendemos não poder emitir-se um juízo de prognose futura no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça da pena, serão suficientes, para satisfazer as finalidades da punição, quer de reprovação, quer de prevenção geral e especial, que são especialmente relevantes.

Pelo que, assim sendo, não se substituirá a pena de prisão.

Pois bem.

Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal:

“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, “medida de conteúdo pedagógico e reeducativo”, não constitui uma mera faculdade do juiz, configurando-se antes como um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

São pressupostos da suspensão da execução da pena:

− Que ao arguido deva ser aplicada em concreto pena de prisão não superior a cinco anos;

− Que se revele ela adequada e suficiente para a prossecução das finalidades da punição (juízo de prognose), sendo que “a prognose, como pressuposto da suspensão da execução da pena, deve entender-se num sentido puramente preventivo especial, não tendo em conta critérios de prevenção geral (…)” e que “as considerações de prevenção geral só actuam como obstáculo à suspensão, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Assim, deve atender-se essencialmente aos mesmos elementos que são tomados em consideração para a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente – personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste” – Ac. do STJ de 29/11/2006, Proc. nº 06P3121, disponível em www.dgsi.pt.

Como se salienta no Ac. do STJ de 06/02/2008, Proc. nº 08P101, consultável no referenciado sítio, “pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade. Refere Jescheck que a suspensão da pena pressupõe um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), a conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e as circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral”.

Não obstante, conforme preceituado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal (que manda atender às finalidades da punição, a saber, segundo o artigo 40º, nº 1, do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), “com aquele pressuposto material básico coexistem considerações de prevenção geral” pelo que “para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso esporádico e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade” - cfr. Ac. do STJ de 24/10/2007, Proc. nº 07P3317, consultável em www.dgsi.pt.

O recorrente à data da prática dos factos (1 de Outubro de 2018) averbava já condenação criminal em Portugal, transitada em julgado, pelo cometimento de crime de condução de veículo sem habilitação legal e várias no estrangeiro, igualmente transitadas, pela prática de crimes de furto, condenações estas em pena de prisão efectiva.

Não demonstrou interiorização do desvalor da sua conduta, tendo faltado à audiência de julgamento, sem justificação, não obstante se encontrar devidamente notificado e se ausentado do território nacional, como até reconhece nas conclusões da motivação de recurso.

Assim, tendo em consideração a factualidade em causa e a personalidade do recorrente nos antecedentes criminais reflectida é efectivamente de entender que a mera ameaça da pena de prisão se mostra insuficiente para o afastar da prática de novas infracções criminais, não sendo possível, por isso, fazer um juízo de prognose de que, de futuro, se pautará por uma forma de vida afastada da criminalidade.

Face ao que, cumpre negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

Évora, 18 de Junho de 2024

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(António Condesso)

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(Margarida Bacelar