Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8100/15.6T8STB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DEFEITOS DA OBRA
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- O prazo de denúncia de defeitos da obra é um prazo de caducidade.
II- Não se verifica a caducidade do direito de exigir a eliminação dos defeitos se as partes estabelecem um acordo para resolver o problema dos defeitos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 8100/15.6T8STB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) e (…) intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum, contra (…) pedindo que o réu fosse condenado a proceder às obras necessárias à eliminação e reparação definitiva dos defeitos de construção ou a pagar a quantia correspondente no valor de € 25.000,00, bem como a indemnizar os autores pelos danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00.
Alegaram que o R. construiu a moradia que constitui a habitação dos autores e que a obra apresenta diversos defeitos de construção.
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O R. contestou, alegando que realizou todos os trabalhos de reparação acordados com os autores e que as obras ora reclamadas nem sequer dizem respeito a trabalhos que lhe foram adjudicados; excepcionou ainda a prescrição do direito de indemnização pelo decurso do prazo de três anos, o abuso de direito uma vez que os autores não agendaram a vistoria conjunta no prazo previsto no referido acordo, considerando-se definitivamente resolvida qualquer questão referente a vícios da obra, bem como a caducidade do direito à eliminação de defeitos porquanto os trabalhos reclamados não foram denunciados nem constam do acordo celebrado entre as partes, sendo certo que desde essa altura (2013) os autores não voltaram a fazer qualquer comunicação ao réu. Mais alegou a litigância de má-fé dos autores, por deduzirem pretensão a que sabem não ter direito.
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Os AA. responderam, concluindo como na petição inicial e invocaram a litigância de má-fé do réu.
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Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o R. dos pedidos.
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Desta sentença recorrem os AA. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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O recurso foi julgado parcialmente procedente.
O recorrido reclamou invocando a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Em conferência, foi anulado o acórdão.
Cumpre agora tomar posição sobre a matéria que não foi conhecida na sentença por se julgar prejudicada face à absolvição do pedido.
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Repete-se, de forma a tornar a situação mais clara, todo o teor do acórdão proferido a 2 de Maio de 2019, tal como dele consta.
Depois, se tratará das questões levantadas pelo recorrido na sua contestação.
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Como questão prévia, os recorrentes alegam que a gravação de alguns depoimentos é deficiente, o que constitui uma nulidade.
No entanto, os recorrentes não a vieram arguir nos termos do art.º 155.º, n.º 2, Cód. Proc. Civil: aquela deficiência deve ser invocada non prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
Os recorrentes pediram a gravação no dia 10 de Janeiro deste ano e nada disseram até apresentarem as alegações, sendo certo que, por se tratar de uma nulidade processual, teriam que a arguir perante o tribunal onde decorreu o julgamento.
Não o tendo feito, ficou precludida a possibilidade da arguição.
Assim, indefere-se a invocação de nulidade.
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A impugnação da matéria de facto incide sobre o problema essencial deste processo que tem que ver com a origem das humidades.
Defendem os recorrentes que é patente que a falta de drenagem é a causa dessas humidades. Socorrem-se, para tanto, do relatório pericial subscrito por (…).
Neste relatório é referido que que «a drenagem sob a implantação da construção não é suficiente, originando a ascenção de humidade por capilaridade»; e isto como causa de humidade na parede inferior da cozinha e seus armários, humidade na parede exterior bem como no pavimento da sala.
O que a este respeito está provado é o seguinte:
«28 – No decurso da acção, em 26 de Abril de 2017, foi realizada perícia ao imóvel, tendo sido detectada a existência das seguintes anomalias:
«a) No exterior: pintura com descasque; humidade na parede exterior em betão (zona do telheiro; já foi iniciada demolição localizada do betão, com armaduras à vista);
«b) No interior: humidade na parte inferior da parede da cozinha e ombreiras das portas interiores; humidade pontual na parte inferior dos armários da cozinha; sótão com humidade pontual no alinhamento do apoio do painel solar; pavimento na sala do R/C com vestígios de humidade nas juntas dos mosaicos.
«29 – O descasque da pintura exterior pode ter origem na fraca qualidade do material ou deficiente preparação antes da pintura.
«30 – A humidade no sótão tem origem na falta de impermeabilização dos pontos de fixação dos painéis.
«31 – Os trabalhos acima descritos em 29. e 30. (pintura e fixação dos painéis) não foram realizados pelo réu.
32 – As demais situações de humidade apontadas no relatório pericial, descritas em 28, têm origem na falta ou deficiente rede de drenagem do terreno».
Estes factos são, aliás, corroborados pelo acordo entre as partes que «aceitam e reconhecem que a existência dos vícios relacionados com as humidades no imóvel não tem causa exclusiva nos trabalhos realizados pelo primeiro outorgante [réu], mas também nas características geomorfológicas da área e no projecto que para a construção foi executado» (n.º 23).
Por este motivo, não podemos concordar com os recorrentes quando afirmam que «o Tribunal a quo afastou-se deste objecto, acabando por não mencionar em nenhum ponto da douta sentença onde resulta a origem da humidade na casa dos Autores». Pelo contrário, cremos que a realidade exposta dá integral satisfação ao pedido dos recorrentes no que se refere à impugnação da matéria de facto, isto é, no que se refere às causas de humidade em certas zonas da casa. O consta deste excerto é exactamente retirado do relatório pericial pelo que não há necessidade de mais acrescentos.
Assim, nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
1 – Os autores são proprietários da moradia sita na Rua Dr. (…), n.º 38, Alto da Guerra, em Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o número (…), e inscrito na matriz sob o artigo (…) da freguesia de Gâmbia, Pontes e Alto da Guerra.
2 - A referida moradia foi construída pelo réu no desempenho da sua actividade profissional de construtor civil.
3 - Os trabalhos da referida construção da moradia, para os quais o réu foi contratado pelos autores, ficaram concluídos em Outubro de 2010.
4 - Sendo a obra entregue aos autores para que pudessem realizar os acabamentos da moradia.
5 – Em particular, ficou por conta dos autores a realização dos seguintes trabalhos, não adjudicados ao réu:
a) Pintura exterior e interior;
b) Fornecimento e instalação de caixilharias (alumínios);
c) Fornecimento e instalação de cantarias;
d) Revestimentos de pavimentos cerâmicos, torneiras, banheiras e bases de duche, roupeiros, soalhos e móveis de cozinha
e) Escada interior;
f) Gradeamentos;
g) Lareira.
6 – Posteriormente, no decurso da obra, foram acordados e realizados trabalhos adicionais, designadamente, reforço do muro e aplicação de tubo geotêxtil coberto com brita n.º 2 para escoamento de águas do terreno a tardoz para a respectiva caixa colectora de águas pluviais.
7 - Os autores começaram a habitar a moradia no dia 13 de Novembro de 2010.
8 - Nesse inverno, os autores começaram a detectar manchas de humidade nas paredes e chão da cozinha, sala, lavandaria e dispensa, no interior da casa.
9 - Com o decurso do tempo, aumentaram as dimensões das manchas de humidade nas paredes, no chão nas janelas e seus remates, nas paredes interiores da sala, na cozinha e armários da cozinha e aduelas e portas da cozinha e sala.
10 – Os autores reclamaram a situação diversas vezes ao réu, que se deslocou à moradia para verificar o problema e iniciar a sua reparação.
11 - Em Março de 2011, os autores solicitaram um parecer sobre a pintura exterior ao serviço de assistência técnica da marca Tintas Robbilac, que reconheceu a existência de salitre normalmente associada à presença de níveis de humidades elevados e não decorrente de deficiente qualidade dos produtos aplicados e comercializados pela marca.
12 - Em Maio de 2011, os autores solicitaram outro parecer ao departamento técnico da empresa (…), que também comercializou materiais empregues em obra, concluindo pela presença de percentagens de humidade superiores a 80% nas paredes, não associada a deficiente qualidade dos materiais aplicados.
13 - Em Agosto de 2011, recorreram os autores ao Instituto de Soldadura e Qualidade para nova análise da situação, tendo sido detectado o seguinte:
“Constatou-se que no interior da habitação, ao nível do R/C, existem patologias na base das paredes e nalgumas guarnições em madeira dos vãos das portas, relacionadas com a presença de humidade (…)
A localização das patologias encontram-se confinadas à cozinha, zona de máquinas e despensa, assim como na sala (apenas na parede divisória cozinha/sala), aparentando progredir no sentido do tardoz da moradia (interface com o logradouro) para o interior da habitação.”
14 – Concluindo que importa corrigir as seguintes anomalias, sob pena de potenciarem o encaminhamento de água para o interior:
- Fissuração no passadiço em argamassa, junto à porta de acesso à cozinha;
- Deficiências de impermeabilização e estanquidade junto ao tubo de drenagem, na caixa técnica;
- Fissuras no muro adjacente à propriedade vizinha, onde as evidências de processos migratórios de água no interior dos materiais (eflorescentes) estão patentes.
15 - Em Abril de 2012, foram realizadas algumas intervenções por parte do réu, o qual procedeu a diversas reparações.
16 – Existindo, desde essa altura, um buraco em aberto na parede exterior da cozinha.
17 - Em 09 de Abril de 2013, mediante documento escrito foi celebrado um acordo entre as partes, no qual se fez constar que “no decorrer do ano de 2011 foram identificados no imóvel diversos pontos de humidade, designadamente, na cozinha e na sala e apesar de algumas tentativas até agora realizadas para solucionar o problema não resultaram, tendo agravado os pontos de humidade”.
18 – No referido documento, as partes acordaram que as anomalias existentes eram as seguintes (cláusula 2.ª):
a) Existência de humidade na parede norte na zona da sala de estar e cozinha, bem como no pavimento da sala, corredor, cozinha, despensa e lavandaria;
b) Aduelas das portas contíguas à cozinha apresentam sinais de humidade;
c) Algumas peças dos móveis da cozinha apresentam danos decorrentes da humidade;
d) Existência de humidade na parede norte do quintal;
e) Existência de humidade nas instalações eléctricas no andar de cima;
f) Pintura das paredes do escritório;
g) Calçada no portão de entrada encontra-se com pedras soltas;
h) Existência de humidade em dois quartos virados a sul no 1º andar.
19- Tendo o Réu assumido a responsabilidade de proceder à execução dos seguintes trabalhos, com vista a solucionar os vícios identificados na alínea a): “demolirá uma das paredes que compõem a parede dupla da moradia, na zona da cozinha, por baixo dos móveis; daí identificará a origem das infiltrações; solucionará o problema com isolamento adequado, mas caso seja impossível localizar a origem do problema, colocará uma calha de escoamento, com encaminhamento para o esgoto, no interior da parede dupla, respeitando o isolamento com wallmate” – cláusula 3.ª-1.
20 - O réu assumiu ainda a responsabilidade de proceder à eliminação das anomalias identificadas nas alíneas b) a h), mediante a reparação ou substituição das peças danificadas – cláusula 3.ª-2.
21 - Ficou acordado que os trabalhos seriam executados até ao dia 17 de Abril de 2013 – cláusula 3.ª-3.
22 – Mais acordaram as partes realizar até ao final do mês de Julho de 2013 uma vistoria conjunta para verificar a resolução dos problemas, a convocar pelos autores, sob pena de se considerarem imediatamente sanados todos os vícios (cláusula 4.ª.1).
23 – Estipulando-se ainda na cláusula 5.ª do aludido acordo que:
“1. Os outorgantes aceitam e reconhecem que a existência dos vícios relacionados com as humidades no imóvel não tem causa exclusiva nos trabalhos realizados pelo primeiro outorgante [réu], mas também nas características geomorfológicas da área e no projecto que para a construção foi executado.
2. Em consequência do disposto no número anterior, e desde que cumpridas integralmente as obrigações que para o primeiro outorgante decorrem do presente instrumento, os direitos dos segundo outorgantes relacionados com a garantia do imóvel em causa ficam condicionados e será invalidade a possibilidade de virem a denunciar ou exigir futuramente a reparação de defeitos ou correcções de vícios que possam surgir e que estejam relacionados com aqueles que agora são objecto deste acordo.”
24 - Até ao dia 17 de Abril de 2013, o réu realizou os trabalhos descritos na cláusula 2.ª e na cláusula 3.ª, com excepção da substituição das aduelas das portas (alínea b) da cláusula 2.ª).
25 – Por carta registada com aviso de recepção, datada de 23 de Julho de 2013, os autores convocaram o réu para estar presente no dia 31 de Agosto de 2013 a fim de ser realizada a vistoria indicada na cláusula 4.ª.
26 – O réu não compareceu, por já ter decorrido o prazo previsto naquela cláusula para realização da vistoria.
27 – Os autores intentaram a presente acção em 01 de Outubro de 2015.
28 – No decurso da acção, em 26 de Abril de 2017, foi realizada perícia ao imóvel, tendo sido detectada a existência das seguintes anomalias:
a) No exterior: pintura com descasque; humidade na parede exterior em betão (zona do telheiro; já foi iniciada demolição localizada do betão, com armaduras à vista);
b) No interior: humidade na parte inferior da parede da cozinha e ombreiras das portas interiores; humidade pontual na parte inferior dos armários da cozinha; sótão com humidade pontual no alinhamento do apoio do painel solar; pavimento na sala do R/C com vestígios de humidade nas juntas dos mosaicos.
29 – O descasque da pintura exterior pode ter origem na fraca qualidade do material ou deficiente preparação antes da pintura.
30 – A humidade no sótão tem origem na falta de impermeabilização dos pontos de fixação dos painéis.
31 – Os trabalhos acima descritos em 29. e 30. (pintura e fixação dos painéis) não foram realizados pelo réu.
32 – As demais situações de humidade apontadas no relatório pericial, descritas em 28, têm origem na falta ou deficiente rede de drenagem do terreno.
33 – O projecto de construção da moradia não prevê a execução de rede de drenagem.
34 – A aplicação de tubo geotêxtil referida em 6. destinou-se apenas ao escoamento de águas pluviais e não à impermeabilização e drenagem de todo o terreno da moradia.
35 - A impermeabilização das paredes (aplicação de hidrófugos) é um trabalho incluído na pintura e que ficou a cargo dos autores. 36 – O isolamento e impermeabilização ao nível do rés-do-chão deveria ser efectuado aquando da aplicação do soalho e pavimento cerâmico, trabalhos esses que ficaram a cargo dos autores.
37 - As cantarias e paredes exteriores não carecem de lavagem.
38 – As cantarias e os beirados não necessitam de impermeabilização.
39 – As telhas necessitam de lavagem na zona de escorrência de águas devido aos painéis solares.
40 – As paredes exteriores precisam de nova pintura, devendo ser aplicado material impermeabilizante e respirável.
41 – Não é necessário colocar um respiradouro em cada divisão. 42 – A pintura interior do imóvel está em bom estado geral, com excepção das zonas junto ao pavimento térreo onde se manifestam as humidades.
43 – Não é necessário substituir o pavimento do rés-do-chão, podendo ser realizado apenas um trabalho de impermeabilização. 44 – O preço de mercado das obras reclamadas pelos autores é de € 12.000:
- Lavagem de cantarias € 150,00
- Lavagem de paredes e telhas € 2.900,00
- Aplicação de impermeabilização nas cantarias e beirados € 550,00
- Aplicação de membrana e pintura € 1.500,00
- Colocação de respiradouro em cada divisão € 600,00
- Impermeabilização das cantarias € 300,00
- Pintura € 2.000,00
- Impermeabilização do chão ao nível do R/C e colocação de novo chão € 4.000,00.
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Começaremos por apreciar as questões do abuso de direito por parte dos AA. e da caducidade do direito à eliminação dos defeitos, temas estes que o R. invocou para arguir a nulidade do acórdão. Caso estas razões sejam procedentes, será desnecessário conhecer do mérito do recurso dos AA..
Em primeiro lugar, a caducidade pois que o abuso de direito, como válvula de segurança que é, só deve intervir se outra solução se vier a adoptar.
Na sua contestação, o R. alega o seguinte:
Conforme invocado pelos AA., qualquer dos invocados pretensos vícios no imóvel que é sua propriedade, já se encontravam e eram detetáveis desde 2010 (cfr. artigo 40.º, da PI).
A última vez que o R. assumiu a reparação dos defeitos e que realizou trabalhos com vista à sua correção que efetivamente foi conseguida foi, como se alegou, em Abril de 2013.
Ora, segundo preceitua o n.º 2 do artigo 1225.º do Código Civil, a denúncia de qualquer defeito deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização (reparação natural, in casu) deverá ser feita no ano seguinte à denúncia.
Ora, sendo evidente que desde abril de 2013 os AA. não voltaram a dirigir ao R. qualquer comunicação, e só em setembro de 2015 interpuseram a presente ação, afigura-se natural, que o direito a qualquer eventual reparação caducou.
Aliás, note-se que os trabalhos que os AA. reclamam do R. (cfr. artigo 47.º, da PI), não têm nenhuma relação com aqueles que constam do acordo celebrado em abril de 2013 e no qual estão descritos os defeitos reconhecidos pelas partes e que careciam de ser corrigidos pelo R..
Não concordamos.
O prazo de caducidade é só um e esgota-se com o seu decurso. Como é sabido, os prazos de caducidade não se suspendem nem se interrompem (art.º 328.º, Cód. Civil). O acordo de 2013 não teve por efeito recomeçar novo prazo de caducidade (como causa de extinção de um direito) pois que a partir do momento da sua celebração o tempo que decorrer é de natureza prescricional, isto é, tem que ver com a responsabilidade contratual e respectiva prescrição (art.º 309.º, por oposição ao art.º 498.º que se refere apenas aos casos de responsabilidade por facto ilícito). Não se trata já da necessidade de haver uma dada declaração para que cesse o prazo que a lei fixa para o exercício do direito (aqui, o de denunciar os defeitos) mas antes de tempo de cumprimento e, caso o cumprimento não ocorra na forma devida, de eventual responsabilidade. O facto de o pedido dos AA., na óptica do R., incidir sobre trabalhos não incluídos no acordo nada tem que ver com caducidade do direito de denunciar os defeitos. este problema ficou arredado com o referido acordo de 2013.
Assim, não está caducado o direito dos AA..
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Daqui decorre que a invocação do abuso de direito não pode proceder.
Com efeito, o que o R. alegou foi que, «ao não respeitarem o acordo em questão e ao virem pretender uma solução jurídica diferente daquela que aceitaram nos termos contratuais, invocando as normas jurídicas gerais que regulam a matéria em apreço, os AA. exercem abusivamente um direito, de modo que se traduz em venire contra factum proprium, se tivermos em conta que a posição que agora manifestam é incompatível com o acordo que voluntariamente aceitaram».
Não cremos que se trate de um comportamento incompatível com o acordo porque o que os AA. pretendem é que a sua casa fique em devidas condições, que foi aquilo que o R. se comprometeu a fazer; o seu objectivo é o mesmo de sempre. Por outro lado, não vemos que o comportamento dos AA., como a lei exige, exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé (art.º 334.º Cód. Civil). pelo contrário, é uma decorrência do acordo.
Assim, improcede este argumento.
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Sendo improcedentes as duas questões levantadas pelo R., é patente que o conhecimento do mérito do recurso interposto pelos AA. não está prejudicado.
Assim, retomaremos o que se expôs no anterior acórdão.
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Em relação à parte jurídica, a sentença recorrida absolveu o R. dos pedidos porque o «projecto de construção da moradia não prevê a execução de rede de drenagem, não tendo por isso sido realizado tal trabalho (p. 15».
Realmente, não há no orçamento referência expressa a trabalhos de drenagem; mas pode alguém construir sobre um terreno sem primeiro cuidar de preparar esse terreno para que a construção seja sólida e isenta de vícios? Pode um construtor erigir uma casa num solo que não oferece segurança? É necessário escrever isso no contrato?
Cremos que não.
É obrigação do empreiteiro fazer a construção sem defeitos, nem que para isso tenha de realizar outros trabalhos que não estivessem concretamente previstos no contrato, seja porque só posteriormente foi apercebida a necessidade da sua realização, seja porque, logo de início, ele se apercebeu dessa necessidade mas não achou relevante a sua inclusão expressa no contrato. Os conhecimentos que o R. tem nesta matéria são suficientes para estar alerta para quaisquer defeitos originários da construção, o que, por sua vez, implica a adaptação dos trabalhos a realizar. Não é por a casa a construir se encontrar num lameiro ou mesmo num pântano (o que, admitimos, é claramente difícil) que o empreiteiro pode afirmar que fez a casa conforme o convencionado, sem cuidar na natureza do terreno onde a implantou.
Por isso mesmo, o art.º 1225.º, n.º 1, Cód. Civil (com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro), estabelece que «se a empreitada tiver por objecto a construção (…) de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, (…) a obra, por vício do solo ou da construção (…) apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra».
E que a casa apresenta defeitos não há dúvidas, e nem todos são imputáveis aos trabalhos que os AA. decidiram executar. A estrutura da casa foi o R. que a construiu e devia estar capaz para receber os acabamentos. Nem as partes afirmam que toda a responsabilidade é só do R. ou só dos AA.; o que dizem, e o acordo descrito no n.º 23 é claro a este respeito, é que os defeitos são imputáveis a ambos.
O problema das humidades, tal com o afirma o relatório pericial, resulta da falta de cuidado ao se edificar a casa uma vez que eram devidos trabalhos de drenagem e eles não foram feitos. Não se pode argumentar com o facto de tal trabalho não estar previsto no contrato. Como acima se disse, faz parte da obrigação do empreiteiro construir a casa em condições sendo de notar que o preceito legal admite expressamente que tal responsabilidade pode ter a sua causa apenas no vício do solo (presumindo-se que o empreiteiro o não preparou para a construção a edificar).
Mas disto não resulta que todos os danos verificados sejam da responsabilidade do R.; antes existe acordo, como já se disse, em sentido diferente.
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Assim, concluímos que os recorrentes têm direito a ser indemnizados pelos danos causados pela falta ou insuficiência de drenagem e que são os indicados n.º 28 da exposição da matéria de facto.
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Embora nas suas alegações os recorrentes peçam pura e simplesmente a revogação da sentença, sem indicar os termos exactos em que tal revogação deva ser feita, isto é, sem apresentarem um pedido concreto e definido para que este tribunal sobre ele se possa pronunciar, entendemos que devemos ligar ao pedido formulado na p.i..
Ele é este:
«(…) deve o R. ser condenado a proceder às obras necessárias supra enunciadas em 47º, com vista à eliminação das causas da humidade e reparação definitiva dos defeitos de construção acima identificados e sua consequente eliminação, ou, a pagar aos A.A. quantia nunca inferior a € 25.000,00, para estes se substituírem ao R. na execução das obras.
«Mais deve o R. ser condenado por danos morais suportados e sofridos pelos A.A. e sua família, em virtude de, passado este tempo, ainda não terem sido efetuadas as obras, mantendo-se a falta de habitabilidade da moradia, no montante de € 5.000,00».
O art.º 47 da pi.i tem esta redacção:
Deverá o R. ser condenado a executar as seguintes obras:
No exterior: Lavagem de cantarias, paredes e telha; rematar fissuras e tompos dos beirados; aplicação de impermeabilização nas cantarias e beirados, aplicação de membrana, pintura.
No interior: Colocação de respiradouro em cada divisão; impermeabilização das cantarias; pintura; impermeabilização do chão ao nível do r/c e posterior colocação de novo chão».
O que está provado no citado art.º 28.º é, aparentemente, de menor âmbito que o pedido mas na realidade trata-se do remédio para os danos causados pela humidade infiltrada; e por estes, como já se viu, é o R. responsável.
O valor das obras ascende a € 12.000,00 e os recorrentes pedem, caso eles se substituam ao R., o pagamento de quantia não inferior a € 25.000,00. Não pode ser uma vez que não são admissíveis pedidos infinitos. O que o tribunal pode fazer é condenar, naquela eventualidade, até àquele montante. Não que os AA, venham a ter direito de gastar € 25.000,00 mas sim que podem gastar, e justificadamente, até esse montante.
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O segundo pedido é improcedente pois que não há quaisquer factos que o suportem.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente em função do que se condena o R. a efectuar as obras identificadas no art.º 47.º da p.i. e acima indicadas ou a pagar aos A.A. quantia não superior a € 25.000,00, para estes se substituírem ao R. na execução das obras.
Custas por recorrentes e recorridos na proporção de ¼ e ¾.
Évora, 21 de Novembro de 2019
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário: (…)