Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPA VALENTIM | ||
Descritores: | BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS ELEMENTOS SUBJETIVOS DO CRIME DOLO EVENTUAL | ||
Data do Acordão: | 11/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - Para que seja praticado o crime de branqueamento, o agente tem de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita da vantagem ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no nº 1 do artigo 368º-A do Código Penal seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal. II - Para que se mostrem preenchidos os elementos subjetivos do crime em apreço é, pois, necessário, para além do mencionado dolo especifico, que o agente saiba qual a origem dos bens e/ou rendimentos (elemento intelectual do dolo), e, ainda, que pratique alguma das condutas típicas ciente de que aqueles bens ou produtos resultam da prática de algum dos crimes subjacentes. É também indispensável que queira (elemento volitivo), por si ou através de outra pessoa, praticar alguma ou algumas daquelas condutas. III - Contudo, as condutas em causa no branqueamento de capitais podem ser preenchidas por qualquer uma das modalidades de dolo, sendo bastante, para que o agente seja punido, que represente como possível que os bens em questão estão relacionados com os crimes precedentes (dolo eventual). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO No Juízo Local Criminal de Abrantes a arguida T, com os demais sinais dos autos, foi submetida a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal singular, após acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4, e 10 do Código Penal (na redação da Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, aplicável à data da prática dos factos), por referência ao artigo 6.º, n.ºs 1 e 4, al. b), da Lei do Cibercrime, e ao artigo 225.º, n.º 1, al. d), do Código Penal. Por sentença de 13 de Maio de 2024, foi decidido: Condenar a arguida, T, como autora material, a título de dolo eventual (artº 14º, nº 3 do C.P.) e na forma consumada, da prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4, e 10 do Código Penal (na redação da Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto, aplicável à data da prática dos factos), por referência ao artigo ao artigo 221.º, n.º 1, e nº 5, al. a), todos do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão. Suspender a execução da pena de prisão por três (3) anos com regime de prova – cfr. art 50º, nº 1 e 5 e 53º todos do CP. Submeter a suspensão da execução da pena de prisão da arguida referida em 2, nos termos dos artigos 51º e 52º, todos do Código Penal nas seguintes regras de conduta: i. Realização, durante o período da suspensão, de entrevistas mensais com técnicos da DGRSP onde deverão ser trabalhadas as competências pessoais da arguida no sentido que a mesma se deve abster da prática de crimes seja de que natureza for, educando-a para o direito e devendo as entrevistas serem direcionadas para a educação cívica e interiorização de que a lei, decisões judiciais e ordens emanadas por autoridades competentes são para ser cumpridas e respeitadas; ii. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; iii. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; iv. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de trabalho ou da ausência de Portugal, devendo informar o período de ausência e a morada onde se encontra. v. Frequentar programas de educação cívica e de cidadania, de modo a educá-la a viver em sociedade e a respeitar o seu semelhante bem como o património alheio. vi. Inscrever-se no Centro de Emprego na sua área de residência e frequentar cursos de formação profissional, de modo a combater a sua situação de desemprego, cuja prova de inscrição terá de comprovar no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado. Inconformada com a decisão final dela interpôs recurso a arguida requerendo revogação da decisão recorrida e a substituição por outra que conclua pela sua absolvição. Extraiu a recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões: (transcrição) 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo em 13.05.2024 a qual condenou a arguida, ora recorrente, pela prática, em autoria material e a título de dolo eventual e na forma consumada, na prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368-A, nº 1,2,3, 4 e 10 do Código Penal por referência ao artigo 221, nº 1 e nº 5 al. a), todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão. 2. Para o efeito, os fundamentos da interposição de recurso por por parte da arguida e sobre os quais vem respeitosamente pedir a este Venerando Tribunal da Relação de Évora que se pronuncie, são os seguintes: A) Artigo 410º n° 2 do Cód. Processo Penal - Matéria de Direito — Tipificação da conduta da arguida; B) Artigo 410º n° 2 als. a), b) e c) do Cód. Processo Penal - Impugnação da matéria de facto - o vício da sentença decorrente da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada; o vício da sentença quanto à decisão da matéria de facto por contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; o erro notório na apreciação da prova; C) Medida da Pena. 3. Da discussão da causa e com interesse para a boa decisão da mesma resultaram provados, entre outros, os seguintes factos: 11. A arguida ao actuar da forma descrita, representou como possível, que o dinheiro que recebeu da respectiva conta bancária, no valor de €2.500,00 e de €4.972,22, foi obtido através de acesso não autorizado de terceiros à conta de origem da transferência, estando ciente de que a transferência em apreço não foi realizada ou autorizada pela titular dessa conta, e tendo conhecimento que tal quantia não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva dona. 12. A arguida atuou com o propósito conseguido de receber, levantar e dissipar a referida quantia monetária representando como possível que a mesma provinha da prática de crimes informáticos, ficando com uma parte dessa quantia para si e entregandp a maior fatia a terceiros, bem como a introduzir na economia legal quantias monetárias provenientes de práticas ilícitas, colocando em causa a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, conformando-se com tal resultado, e obtendo um enriquecimento ilícito como contrapartida dessa conduta, o que representou e quis. 13. Com a conduta descrita (ao disponibilizar a respectiva conta bancária para receber aquelas quantias em dinheiro e ao adquirir depois moeda estrangeira usando o dinheiro dessa forma obtido, utilizando o sistema bancário e financeiro legítimos para fazer transitar o dinheiro), a arguida quis ocultar a proveniência ilícita da quantia em causa, utilizando o sistema bancário e financeiro legítimos para fazer transitar o dinheiro, dando a essa quantia a aparência de licitude, e quis impossibilitar que os suspeitos que praticaram os factos elencados nos pontos 3 a 6 fossem identificados e que a aludida quantia fosse apreendida, dificultando a acção da justiça, o que quis e conseguiu. 14. A arguida quis ainda atuar contra a vontade da ofendida, sabendo que não estava autorizada por aquela a receber as aludidas transferências, provocando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial no valor de €7.477,22, logrando obter, para si e para o(s) referido (s) suspeitos, o correspondente enriquecimento. 15. A arguida atuou de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei. 4. Considerou o Tribunal a quo, que não foram apurados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa: a) Que a arguida sabia que o dinheiro que recebia na sua conta bancária tinha sido obtido através de um esquema de se fazer passar por funcionários bancários e assim obter os códigos de acesso à conta bancária da ofendida e, dessa forma, aceder à conta através desses códigos, sem conhecimento e consentimento da ofendida, única legalmente autorizada a movimentar essa conta. 5. Ora, a Arguida discorda da matéria de facto dada como provada pelo douto Tribunal, mormente os artigos 11 a 15, por entender que a mesma não resulta suficientemente demonstrada da prova carreada aos autos. 6. Pois que, a convicção a que chegou o Tribunal deveria ser objecto de um procedimento lógico e coerente no que concerne à valoração da prova, em respeito ao que determina o artigo 127.º do Código de Processo Penal, pois só assim se poderá ter por cumprido. 7. Na presente situação, e salvo melhor opinião, entende-se que a douta sentença resulta de um arbítrio naquela que foi a apreciação da prova, em desfavor da Arguida, em clara violação do que decorre do preceito acima identificado, do que decorre do princípio da presunção da inocência e do princípio do in dubio pro reo. 8. Com efeito, em sede de audiência de discussão de julgamento, a Arguida/Recorrente, de forma que julgamos credível, referiu que disponibilizou a sua conta para receber aquela transferência, desconhecendo a origem ilícita da quantia a transferir. 9. A arguida/ recorrente foi acusada, e bem assim, condenada pela prática do crime de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368-A, nº 1,2,3, 4 e 10 do Código Penal por referência ao artigo 221, nº 1 e nº 5 al. a), todos do Código Penal. 10. Estabelece o nº 2 do art.º 368-A: “converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.” 11. Ora a Arguida não se conforma com a subsunção dos factos ao crime de branqueamento por considerar que este tipo de ilícito pressupõe que o seu autor tenha praticado pelo menos uma das condutas previstas nesse número. 12. Salvo o devido respeito, não foi feita prova de que a Arguida/Recorrente tenha praticado qualquer das condutas acima descritas. 13. Dos factos dados como provados relativamente à Arguida/ Recorrente não resulta provada a prática de qualquer operação capaz de ocultar ou dissimular a origem das quantias em causa ou evitar a punição da Arguido ou de terceiros pela prática dos factos descritos no número 2 do artigo 368.º - A do Código Penal. 14. Pelo contrário, verificou-se que as movimentações de bancárias e de divisas imputadas à Arguida/ Recorrente são feitas pela Arguida/ Recorrente e nesse sentido nada ocultam. 15. Acresce que, a arguida esclareceu a quem entregou parte do numerário, e designadamente qual o destino que deu aos sucessivos levantamentos realizados no próprio dia do recebimento da aludida quantia. 16. Igualmente identificou os destinatários e os montantes dessas operações encontram-se totalmente identificados. 17. Por fim, não é “reintroduzida” em circulação qualquer quantia ilícita, disfarçando-a (quanto à sua origem, proveniência ou natureza) ou ocultando a sua proveniência ilícita. 18. Veja-se que a ora a Recorrente só concordou com a transferência de tais montantes para a sua conta bancária, por se serem pessoas que conhecia e seus conterrâneos. 19. E não porque sabia que as transferências de tais montantes foram efectuadas de forma fraudulenta, como o Tribunal a quo quer transparecer. 20. Assim, e salvo melhor opinião, não se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime de branqueamento, em virtude de ter considerado que a arguida desconhecia da proveniência ilícita dos montantes que foram transferidos para a sua conta bancária 21. Nos presentes autos não se logrou recolher elementos indiciários suficientes que possibilitem concluir que a Arguida/ Recorrente tinha conhecimento da proveniência ilícita da quantia que foi transferida para a conta de que era titular, elemento típico do crime de branqueamento. 22. Nesta senda, perfilhamos o entendimento de que neste tipo de crime se impõe a verificação de um dolo específico, de conhecimento efetivo da origem ilícita da vantagem na prática de um dos crimes catálogo e de intenção de dissimular a origem de tais vantagens, e/ou de evitar que o autor do crime precedente seja perseguido criminalmente, o que, entende, não se compadece com a modalidade de dolo eventual. 23. Mais uma vez se reitera que não se logrou provar que a Arguida/ Recorrida conhecia a proveniência ilícita dos montantes depositados na sua conta bancária e por isso não estão preenchidos todos os elementos típicos respeitantes aos crimes de branqueamento. 24. Veja-se que o Tribunal a quo se socorre da prova documental, mormente as informações e detalhes associados aos movimentos realizados com o cartão da arguida, de fls. 173 a 174 conjugadas com a informação prestada pela Unicâmbio SA de fls. 229 e ss, bem como das faturas de fls. 231 a 232 para dar como provados os factos 11 a 15, que aqui se impugnam, porém de tal prova documental não se consegue retirar a verificação de um dolo específico, de conhecimento efetivo da origem ilícita da vantagem na prática de um dos crimes catálogo e de intenção de dissimular a origem de tais vantagens, e/ou de evitar que o autor do crime precedente seja perseguido criminalmente. 25. Prova disso é que o Tribunal a quo no facto 11, considera que: “que a Arguida quis actuar da forma descrita, representou como possível, que o dinheiro que recebeu da respectiva conta bancária, no valor de €2.500,00 e de €4.972,22, foi obtido através de acesso não autorizado de terceiros à conta de origem da transferência, estando ciente de que a transferência em apreço não foi realizada ou autorizada pela titular dessa conta, e tendo conhecimento que tal quantia não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva dona. 26. Igualmente não se encontra provado o elemento subjectivo deste tipo de crime, pois tinha o Tribunal a quo que ter provado que a conduta da Arguida teve como intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal. 27. Ora, nos autos constam as movimentações bancárias e de divisas imputadas à Arguida/ Recorrente são feitas pela Arguida/ Recorrente e nesse sentido nada ocultam. 28. Acresce que não está provado que a Arguida/Recorrente tenha cedido qualquer outra conta bancária por si titulada para a prática de factos semelhantes. 29. Mais uma vez se diz que da prova produzida a mesma mostra-se insuficiente, que demonstre sem margem para dúvidas que Arguida tenha tido qualquer participação na subtracção daquela quantia da conta bancária da ofendida ou que tivesse conhecimento da origem ilícita da quantia a transferir para a sua conta. 30. Nestes termos, entende-se que o Tribunal a quo decidiu erroneamente pela existência de um crime de branqueamento, condenando a Arguida pela sua prática ao arrepio do que lhe impunha o disposto no artigo 127 do Código de Processo Penal, do que lhe impunha o princípio da presunção da inocência e do principio do in dúbio pro reo. 31. Face ao exposto, estamos perante matéria de direito, e conhecimento oficioso, atinente à tipificação da conduta imputada à arguida, pelo qual esta veio a ser arbitrariamente condenada, o que se requer a V.ª Ex.ª que seja reconhecido, impondo-se a revogação da douta sentença recorrida, com consequente absolvição da Arguida. 32. A Arguida, aqui Recorrente, por mera cautela, igualmente não pode deixar de proceder a uma impugnação ampla da matéria de facto, com fundamento no vicio da sentença decorrente da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (investigação de toda a matéria de facto relevante), no vicio da sentença decorrente de contradição insanável entre a decisão e a fundamentação e, bem assim, no erro notório da apreciação na prova. 33. Nesta senda, a Arguida não se conforma com a aquela que foi a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo dos pontos 11 a 15 da matéria dada como provada, pelo vai tal factualidade nestes pontos expressamente impugnada, tudo e nos termos e para os devidos efeitos legais. 34. Assim, naquela que foi a matéria de facto dada como provada nos pontos 11 a 14 da matéria de facto da douta sentença recorrida, e que se impugnam em conjunto, porque foi em conjunto que foi efectuada a motivação para uma tal decisão, o Tribunal a quo apreciou e analisou a factualidade atinente tendo-o feito na globalidade e com suporte na prova documental mormente as informações e detalhes associados aos movimentos realizados com o cartão da arguida, de fls. 173 a 174 conjugadas com a informação prestada pela Unicâmbio SA de fls. 229 e ss, bem como das faturas de fls. 231 a 232. 35. Ora, do facto de a Arguida ter comprado dólares com os montantes que foram depositados na sua conta em nada provam que a Arguida o fez de forma ardilosa e fraudulenta, pois que, a Arguida estava convicta que aquele dinheiro pertencia a Klisman Alexandre Monteiro de Carvalho e Rui Sérgio de Almeida. 36. Ora, a Arguida foi igualmente enganada pelos sujeitos acima identificados, pois estava convicta que eram os titulares dos montantes transferidos. 37. Em boa verdade a Arguida apenas seguiu as instruções dos sujeitos acima identificados e por acreditar que os estava a ajudar. 38. Acresce que a Arguida desconhecia por completo que o dinheiro era da ofendida. 39. Igualmente desconhece o destino que o R lhe deu, pois foi a este que entregou o dinheiro, assim que o mesmo foi creditado na sua conta. 40. O Tribunal a quo não conseguiu provar que a Arguida sabia que o dinheiro não pertencia aos sujeitos A e R e os mesmos se tinham apropriado de tal valor de forma fraudulenta. 41. Assim, não se compreende como pode o Tribunal a quo desvalorizar por completo as declarações da Arguida, quando a mesma explica de forma clara a situação e identifica os destinatários dos montantes transferidos. 42. Acresce que da prova documental carreada nos autos não se consegue retirar a verificação de um dolo específico, de conhecimento efetivo da origem ilícita da vantagem na prática de um dos crimes catálogo e de intenção de dissimular a origem de tais vantagens, e/ou de evitar que o autor do crime precedente seja perseguido criminalmente. 43. Mais uma vez só prova a ingenuidade da Arguida, por acreditar que estaria a ajudar os seus conterrâneos e que os montantes transferidos lhes pertenciam. 44. Veja-se que o Tribunal a quo deu como não provado: “Que a arguida sabia que o dinheiro que recebia na sua conta bancária tinha sido obtido através de um esquema de se fazer passar por funcionários bancários e assim obter os códigos de acesso à conta bancária da ofendida e, dessa forma, aceder à conta através desses códigos, sem conhecimento e consentimento da ofendida, única legalmente autorizada a movimentar essa conta.” 45. Mais uma vez se reitera que não se logrou provar que a Arguida/ Recorrida conhecia a proveniência ilícita dos montantes depositados na sua conta bancária da A. 46. Assim, e face ao acima exposto, igualmente não se pode dar como provado o ponto 15 de que a Arguida atuou de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei. 47. Ora somos de entendimento diferente, pois a sentença recorrida não deu como provados factos necessários ao preenchimento do elemento objectivo e subjectivo do tipo de ilícito em causa, impondo-se neste caso a sua absolvição 48. Veja-se que a conduta adoptada pela Arguida só é censurável por lei porque precede de uma prática fraudulenta da qual a arguida é alheia e sobre a qual não teve qualquer participação. 49. O Tribunal a quo considera que este tipo de actuação por parte da Arguida é equiparada ao tipo de actuação dos “Money mules”, pelo facto de a Arguida proferir em sede de declarações que “existe muita corrupção em Angola e por isso fazem muitas transferências para Portugal” e porque a Arguida volta a repetir a conduta em novembro. 50. Mais uma vez se diz que essa conduta de novembro não é respeitante aos presentes autos e ainda se encontra em fase de investigação, pelo que precisam de ser recolhidos indícios suficientes para que a Arguida seja acusada da prática de tal ilícito criminal. 51. Mais diz o Tribunal a quo que da reiteração a mesma estava convincente com o esquema criminoso e sabia da origem ilícita do dinheiro. 52. Questiona-se como pode o Tribunal a quo retirar que de tal conduta que a Arguida sabia do esquema ardiloso e da origem ilícita dos montantes quando inexiste no processo prova que leve a tal conclusão. 53. Nesta senda, e não tendo sido possível, no nosso entender produzir prova suficiente com vista à condenação da Arguida, existe uma inequívoca contradição naquela que foi a motivação para a decisão da matéria dada como provada entre os quais os pontos 11 a 15, contradição essa insanável e ainda perante um erro notório na apreciação da prova, que se evidencia pelo texto da própria decisão. 54. Assim, depreende-se que o Tribunal a quo optou erroneamente por decidir os factos em desfavor da Arguida, considerando os elementos objectivos, como os subjectivos de que depende a prática do ilícito criminal pela circunstância de analisar e interpretar os factos globalmente, pelo que ao decidir dessa forma o Tribunal a quo violou claramente o principio da presunção da inocência e do in dubio pro reo, o que decorre do principio da livre apreciação da prova e as garantias de defesa que se encontram constitucionalmente consagradas no art.º 32 da Constituição da República Portuguesa. 55. Nestes termos devem ser dados como não provados os factos 11 a 15 da sentença recorrida por falta de prova, devendo a Arguida/ Recorrente ser absolvida do crime de branqueamento por não se terem provado os factos de que depende o preenchimento do tipo de ilícito em causa. 56. No que concerne à aplicação do penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos, o Tribunal a quo, considerou que “a personalidade da arguida reclama a NÃO aplicação do regime especial para jovens, não gozando esta da atenuação especial aí prevista, pois esta não se revela em concreto benéfica para a ressocialização da condenada.” 57. Mais refere o Tribunal a quo que a Arguida não colaborou com o Tribunal, pois não assumiu a factualidade subjectiva do crime pelo qual vinha acusada, entende que ela própria é uma vítima. 58. Ora, como poderia a Arguida confessar a prática dos factos quando também ela foi vítima dos sujeitos A e R. 59. Mais uma vez se diz que o Tribunal a quo andou mal ao não aplicar este regime especial à arguida, pois no nosso modesto entendimento, a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz tem de usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos. 60. Ora, entendemos que o Tribunal a quo deveria ter formulado um juízo de prognose benigna quanto às expectativas de reinserção de um jovem, socorrendo-se do relatório social junto aos autos. 61. Mas assim, não procedeu o Tribunal a quo, promovendo a não aplicação deste regime especial com base na falta de colaboração e ausência de capacidade autocritica da Arguida. 62. Assim, entendemos que deve ser aplicado à Arguido este regime especial tendo em consideração que, a gravidade do ilícito não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo, pois o que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para aquele juízo no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projecção de personalidade especialmente desvaliosa. 63. Ora, a arguida não tem registo criminal e não se mostra provado que a Arguida tenha utilizado esta conta ou outras contas bancárias para praticar ilícitos criminais. 64. Ainda, as dificuldades que resultam da inexistência de amparos sociais e familiares não devem no plano dos pressupostos do regime de jovens ter uma leitura negativa. Ou seja, devem criar-se condições de encaminhamento na direcção dos valores que se pretendem alcançar para que se possa testar o modo de reacção e o desempenho futuro da personalidade do recorrente. 65. No que concerne à possibilidade de reinserção, o relatório social contém indicações que permitem contribuir para uma prognose positiva, desde que o recorrente seja devidamente acompanhado pelas instituições competentes. 66. Face ao exposto, entende-se que deve ser aplicado o regime penal de jovens previsto no DL 401/82, de 23-09, com a atenuação prevista no art. 4.º, porquanto as condições e a idade da recorrente fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção. 67. Face ao supra exposto, a Arguida ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 1 anos de prisão a qual deverá ser substituída por multa. Caso assim não se entenda, e por mero dever de patrocínio: 68. No que concerne à fixação da medida concreta da pena de prisão, o Tribunal a quo afigurou ser de aplicar à arguida a pena de 2 anos de prisão. 69. Ora, em face do quantum da pena, a Tribunal deveria ter substituído a pena de prisão por uma das penas substitutivas, que no presente caso seria por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do art.º 58, nº 1 do CP. 70. O Tribunal a quo considerou que a pena de trabalho a favor da comunidade não se revelaria eficaz face à personalidade desvaliosa da arguida revelada nas suas declarações, sendo que tal pena, em face da gravidade do crime, mereceria o repudio da sociedade, pelo que não se opta pela sua aplicação. 71. Ora, não se pode concordar com o entendimento do Tribunal a quo e com a parca fundamentação, quando o Tribunal a quo sabe não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no Código Penal, pois que a aplicação de tais penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado. 72. Conforme acima se expôs, o relatório social da arguida permite concluir num juízo de prognose positiva tendo em conta a sua reintegração. 73. O que, nos termos da alínea g), do artigo 1.º do Código de Processo Penal, a função do relatório social é auxiliar o tribunal ou juiz no conhecimento da personalidade da arguida. 74. Do relatório social resulta claro que a arguida não apresenta uma conduta antijurídica, nem qualquer predisposição para a prática de ilícitos criminais. 75. A Arguida não tem antecedentes criminais. 76. A favor da Arguida pesa a sua inserção familiar e profissional. 77. Entende-se que a Arguido cumpre os pressupostos formal e material para que lhe possa ser aplicado a pena de trabalho a favor da comunidade na medida em que o pressuposto formal respeita a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade (art. 58.º, n.º 5 do Código Penal), e o pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que já se demonstrou ser possível. 78. Nestes termos, e atenta a força ressocializadora do trabalho em prol da comunidade, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade poderia contribuir para a melhor reintegração social da Arguido, razão pela qual se deveria optar pela sua aplicação que se mostra adequada às circunstâncias do caso concreto e às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. Admitido o recurso, ao mesmo respondeu o Ministério Público pugnando pela sua improcedência. Apresentou as seguintes conclusões: (transcrição) 1. A conduta da arguida integra os elementos objectivo e subjectivo do crime de branqueamento previsto no art.º 368.º-A, n.º 3, do Código Penal, pelo que a mesma praticou o aludido crime. 2. Efectivamente, a arguida disponibilizou sua conta bancária para receber quantias monetárias resultantes da prática de crimes praticados por terceiros, tendo, após a recepção de tais valores, utilizado a sua totalidade na aquisição de divisas estrangeiras, designadamente dólares norte-americanos, deslocando-se a uma casa de câmbios e adquirindo essas divisas com o seu cartão de débito pessoal, associado àquela conta, de que era titular. 3. A arguida entregou tais valores em mão aos arguidos, tendo ficado com uma pequena parte – entre 30,00€ e 50,00€ – para si. 4. Ao adquirir as divisas estrangeiras, a arguida levou a cabo uma operação de conversão do produto do ilícito transformando-o de moeda corrente em Portugal (euros), realidade subtraída à ofendida, em outra realidade financeira, consubstanciada em moeda estrangeira. 5. Com esta operação, logrou a arguida retirar o dinheiro do sistema bancário, cortando o paper trail financeiro, porquanto deixa de haver operação bancária ligada à passagem do dinheiro da arguida para os indivíduos autores do ilícito base. 4. Convertido em moeda estrangeira, tal dinheiro poderia mais facilmente ser reintroduzido no sistema financeiro através de nova operação de compra de moeda (agora euros) ou de um depósito bancário em moeda estrangeira, 5. Dificultando assim o funcionamento dos sistemas de alerta existentes no sistema bancário, levantando menos suspeitas já que os próprios utilizadores dessa moeda estrangeira eram, eles próprios, estrangeiros, e obstaculizando qualquer investigação sobre o percurso percorrido pelo produto dos ilícitos base. 6. Quanto ao elemento subjectivo, a lei não prevê a punibilidade por negligência dos comportamentos previstos no n.º 3, do art.º 368.º-A, do Código Penal, mas não exclui qualquer forma de dolo. 7. Contrariamente ao que faz no n.º 5 do aludido dispositivo legal, onde exige que o comportamento seja praticado “com conhecimento”. 8. Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a arguida representou como possível a origem ilícita dos capitais, verbalizando que desconfiou de que a proveniência do dinheiro podia ser ilícita por causa dos sucessivos telefonemas feitos a terceiros, pelos indivíduos com quem se relacionou, que precederam as entradas de dinheiro na sua conta, por causa da pressa de tais indivíduos em levar a arguida a efectuar a operação de conversão desses capitais em divisas estrangeiras e por causa do facto de haver muita corrupção em Angola, com a necessidade de branquear os capitais que daí emergiam. 9. Pelo exposto, mostra-se inquestionável que a arguida representou como possível que o seu comportamento estivesse, pelo menos, a auxiliar aqueles indivíduos a locupletarem-se com dinheiro obtido ilicitamente, sendo que parte desse dinheiro reverteu para si própria. 10. Impõe-se a conclusão de que os elementos objectivo e subjectivo do crime de branqueamento se encontram verificados em relação à arguida. 11. Quanto à questão da não aplicação do regime especial para jovens delinquentes, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09, o art.º 4.º determina que tal aplicação apenas deve acontecer quando o julgador “tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. 12. In casu, a arguida não assumiu nunca o desvalor da sua conduta, mostrando uma total falta de autocrítica quanto à ilicitude do seu comportamento ou à necessidade de adoptar diferente postura no futuro para obviar à prática de novos ilícitos criminais. 13. Além disso, mostrou uma total falta de empatia para com a ofendida, chegando mesmo a afirmar que era ela, a ofendida, a culpada da situação em que a arguida se encontrava. 14. Não diligenciou no sentido de reparar o dano provocado à ofendida, aceitando pagar uma parte do valor que esta perdeu, mas não a totalidade, revelando uma falta de percepção do impacto da sua conduta no bom funcionamento da sociedade como um todo. 15. A situação concreta exige especial reflexão da arguida sobre os seus comportamentos para efeitos de satisfação das necessidades de prevenção especial que a situação reclama. 16. Pelo que andou bem o julgador ao não aplicar o regime especial para jovens delinquentes e, pelas mesmas razões, a afastar a substituição da pena de prisão por trabalho. Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando os argumentos constantes da resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público na primeira instância. Considerou ainda não se verificar qualquer dos vícios previstos no artº 410º, nº2 do CPP. Cumprido o artº 417º, nº2 do CPP a recorrente voltou a pugnar pela sua absolvição. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR. Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva em Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Acórdão do S.T.J. de 05.12.2007, Proc. nº 3178/07, 3ª Secção, disponível em Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a sentença final proferida nos autos – as questões a examinar e decidir prendem-se com: A) Impugnação da matéria de facto - o vício da sentença decorrente da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada; o vício da sentença quanto à decisão da matéria de facto por contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; o erro notório na apreciação da prova (artº 410º n° 2 als. a), b) e c) do CPP; B) Não preenchimento do tipo legal do crime de branqueamento; C) Aplicação do regime especial para jovens; D) Pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO. Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte: (transcrição) “III – Fundamentação de Facto Produzida a prova e discutida a causa resultaram os seguintes: A. Factos Provados: 1. Em data não concretamente apurada, C abriu uma conta bancária no NOVO BANCO de que é titular, no balcão de Mação, a que corresponde o contrato n.º (…..) e à qual acede através de computador à plataforma de homebanking do “Novo Banco”, associada à conta bancária a que corresponde o referido contrato. 2. No dia 5 de agosto de 2021, através do acesso online à aludida conta, C acedeu à sua conta bancária para consultar o saldo bancário e verificar se havia sido creditada a quantia correspondente ao seu salário. 3. Na mesma data, pessoa de identidade desconhecida acedeu informaticamente à conta de homebanking associada à referida conta bancária após ter obtido, de modo não concretamente apurado, e sem consentimento da ofendida, os dados de utilizador e a password de acesso à aludida conta. 4. No dia 6 de Agosto de 2021, pelas 14h18, o já mencionado suspeito de identidade desconhecida, ou outra pessoa (do sexo masculino) atuando em conluio com o mesmo, telefonou, a partir do n.º (…..), para o n.º de telemóvel de C, identificando-se como “M” funcionário do Novo Banco e informando C de que a sua conta estava a ser alvo de burla e que tinha sido tentado o levantamento de uma quantia e que, por esse motivo, o Novo Banco tinha cancelado o seu acesso à conta e não iria permitir a concretização da transferência. 5. Ato contínuo, o suspeito informou C que, para desbloquear os acessos à conta bancária, precisaria de códigos do cartão matriz e de um código de validação, códigos esses que C facultou ao suspeito, por acreditar que estava a falar com um funcionário do Novo Banco. 6. Na posse desses dados, e dos dados de acesso à plataforma de homebanking que previamente havia obtido, o suspeito logrou concretizar, no mesmo dia 6 de agosto de 2021, uma transferência no valor de € 2.500,00 e outra transferência no valor de € 4 972,22, debitadas da conta bancária já mencionada e que foram creditadas na conta bancária do Novo Banco com o IBAN (…..), no balcão do NOVO BANCO na Reboleira-Amadora. 7. A aludida conta bancária com o IBAN (…..) foi aberta no dia 8 de janeiro de 2021, pela arguida T, no balcão do NOVO BANCO na Reboleira, Amadora, tendo o pedido de adesão sido preenchido com disponibilização de um cartão de crédito e de um cartão de débito, associados ao número de contribuinte da arguida (……). 8. Tal conta bancária com o IBAN (…..) é titulada e movimentada em exclusivo pela arguida T e à qual se encontra associado o cartão da UNICAMBIO …... 9. No dia 6 de Agosto de 2021, e após ter sido alertada pelo(s) suspeito(s) quanto à realização da transferência, a arguida procedeu ao levantamento integral das quantias de €2.500,00 e de €4.972,22 que recebeu na respetiva conta bancária, através de uma compra Mb cartão ……… Unicambio SA Lisboa, realizada num ATM, utilizando para o efeito referido cartão, associado à conta bancária com o IBAN (…..). 10. Posteriormente, a arguida entregou parte dessa quantia ao(s) restantes suspeitos, ficando com uma parcela desse valor para si, em montantes não concretamente apurados. 11. A arguida quis atuar da forma descrita, representou como possível que o dinheiro que recebeu na respetiva conta bancária, no valor de €2.500,00 e de €4.972,22, foi obtido através de acesso não autorizado de terceiros à conta bancária de origem da transferência, estando ciente de que a transferência em apreço não foi realizada ou autorizada pela titular dessa conta, e tendo conhecimento que tal quantia não lhe pertencia e que atuava contra a vontade da respetiva dona. 12. A arguida atuou com o propósito conseguido de receber, levantar e dissipar a referida quantia monetária, representando como possível que a mesma provinha da prática de crimes informáticos, ficando com uma parte dessa quantia para si e entregando a maior fatia a terceiros, estando ciente de que dessa forma estava a auxiliar a empobrecer o património da ofendida, bem como a introduzir na economia legal quantias monetárias provenientes de práticas ilícitas, colocando em causa a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, conformando-se com tal resultado, e obtendo um enriquecimento ilícito como contrapartida dessa conduta, o que representou e quis. 13. Com a conduta descrita (ao disponibilizar a respetiva conta bancária para receber aquelas quantias em dinheiro e ao adquirir depois moeda estrangeira usando o dinheiro dessa forma obtido, utilizando o sistema bancário e financeiro legítimos para fazerem transitar o dinheiro), a arguida quis ocultar a proveniência ilícita da quantia em causa, utilizando o sistema bancário e financeiro legítimos para fazer transitar o dinheiro, dando a essa quantia a aparência de licitude, e quis impossibilitar que os suspeitos que praticaram os factos elencados nos pontos 3. a 6. fossem identificados e que a aludida quantia fosse apreendida, dificultando a acção da justiça, o que quis e conseguiu. 14. A arguida quis ainda atuar contra a vontade da ofendida, sabendo que não estava autorizada por aquela a receber as aludidas transferências, provocando-lhe, assim, um prejuízo patrimonial no valor de €7.472,22, logrando obter, para si e para o(s) referido(s) suspeito(s), o correspondente enriquecimento. 15. A arguida atuou de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei. Mais se provou que: 16. Na situação referida em 9, e no mesmo dia, a arguida deslocou-se loja da Unicâmbio, Instituição de Pagamento, SA, no aeroporto de Lisboa, e utilizando as quantias creditadas na sua conta pela ofendida, adquiriu o montante de 7 468 dólares americanos. 17. A arguida acedeu dar aos suspeitos o nº da sua conta bancária, mas suspeitando da proveniência legal das quantias, porque em Angola há muita corrupção. 18. Como contrapartida a arguida recebeu um valor compreendido entre os 30,00 e os 50,00 euros. 19. A arguida nunca ressarciu a ofendida. 20. A arguida entende que a ofendida é a culpada do desapossamento das quantias em causa porque deu as credenciais aos suspeitos. DAS CONDIÇÕES PESSOAIS, FAMILIARES E ECONÓMICAS 21. A arguida vive com a irmã e uma amiga. 22. O desenvolvimento da arguida decorreu na terra natal (Angola), sendo que, quando os pais se separaram, ficou ao encargo da mãe, tendo esta sido interiorizada como referência de afeto e proteção 23. A mãe encontra-se emigrada nos Estados Unidos da América e, apesar da distância geográfica, a arguida comunica diariamente com a mesma. 24. Ainda que mantenha contactos pontuais com o progenitor, a arguida não estabeleceu um vínculo gratificante com o mesmo, o que o que surge enquadrado no impacto de comportamentos que este terá adotado depois da separação (disputa das responsabilidades parentais das descendentes comuns). 25. Tem uma licenciatura curso de artes visuais, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. 26. Tem uma mesada de 300,00 euros. 27. A mãe é que paga as suas despesas. 28. A arguida não está envolvida em atividades estruturadas, o que fundamenta com a perspetiva de se reunir à mãe, nos Estados Unidos da América, quando a irmã primogénita terminar a licenciatura, no ano letivo em curso 29. De acordo com o avaliado, a pendência desta situação contribui a dificuldade que a arguida patenteia na definição do projeto de vida futuro 30. Em termos de relacionamentos de proximidade, a esfera de T inclui a irmã, a amiga coabitante e o seu namorado, relação esta que perdura há quatro anos e surge vivenciada como gratificante 31. As suas interações sociais ocorrem, sobretudo, com conhecidos e amigos conterrâneos, os quais, tanto quanto tem conhecimento, adotam um estilo de vida pró-social 32. De acordo com o avaliado, a pendência desta situação contribui a dificuldade que a arguida patenteia na definição do projeto de vida futuro. 33. Em termos de relacionamentos de proximidade, a esfera de T inclui a irmã, a amiga coabitante e o seu namorado, relação esta que perdura há quatro anos e surge vivenciada como gratificante 34. As suas interações sociais ocorrem, sobretudo, com conhecidos e amigos conterrâneos, os quais, tanto quanto tem conhecimento, adotam um estilo de vida pró-social DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS 35. A arguida não tem antecedentes criminais averbados. B. Factos Não Provados Não foram apurados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa: a) Que a arguida sabia que que o dinheiro que recebia na sua conta bancária tinha sido obtido através de um esquema de se fazer passar por funcionários bancários e assim obter os códigos e acesso à conta bancária da ofendida e, dessa forma, aceder à conta através desses códigos, sem conhecimento e consentimento da ofendida, única legalmente autorizada a movimentar essa conta. C. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pela mesma. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se: A prova documental inarredável e não deturpada pela passagem do tempo, cujo teor não foi impugnado e infra descrita: Auto de noticia de fls. 3 a 5, a qual permitiu dar como provado o dia e hora dos acontecimentos (facto 2). Pesquisa de IBAN de fls. 6, a qual permitiu apurar que o IBAN no qual foram creditadas as quantias provenientes da conta da ofendida era válido e estava sediado no Novo Banco. Informação do Novo Banco de fls. 66 a 87, a qual identifica que o IBAN (onde as quantias foram creditadas) é de uma conta da qual a arguida é a titular única (facto 6 a 7). Informações e detalhes associados aos movimentos realizados com o cartão da arguida, de fls. 173 a 174 conjugada com a informação prestada pela Unicâmbio SA de fls. 229 e ss, bem como as faturas de fls. 231 a 232, o que permitiu dar como provado que a arguida após ter recebido as quantias provenientes da conta da ofendida procedeu à compra de dólares americanos (factos 9 e 16). Dos extratos dos movimentos do seu cartão bancário bem como da sua conta bancária infra identificados, conjugado com a informação da Unicâmbio, resulta claramente que, após a transferência das quantias € 2.500,00 e de 4.972,22 efetuadas para a conta titulada pela arguida, foi, de imediato, efetuado um débito, relacionado com uma empresa de câmbio, cuja compra foi efetivamente realizada pela arguida, dado que a fatura tem a sua assinatura, para além da sua identificação, a qual resultou da exibição do título de residência, de cuja cópia a loja de câmbios ficou (fls. 234 a 235). Portanto, destes documentos, infere-se, com certeza absoluta, que foi a arguida a comprar moeda estrangeira com os valores creditados na sua conta resultantes do esquema ardiloso de que a ofendida foi vítima. Extrato bancário de fls. 110 a 114 e informação bancária relativa à titularidade da conta bancária de fls 80 a 91 e ainda do extrato bancário da conta da arguida datado de janeiro de 2021 a janeiro de 2022, respeitante à conta titulada pela arguida, os quais permitiram comprovar que as transferências das quantias por parte de C foram efetivamente creditadas na conta da arguida e dos quais se extrai, igualmente, que a arguida ficou com as quantias na sua posse procedendo à compra de dólares americanos. Não obstante da arguida afirmar que a mesma foi enganada por um tal de A e R, a verdade é do extrato bancário respeitante ao mês de novembro (fls. 285 a 286) se extrai que a arguida recebeu, novamente, transferências de quantias de terceiros e, de seguida, a arguida faz exatamente mesma operação de compra de moeda estrangeira e ainda faz transferências para o A. Ora, a ser verdade que a arguida ficou com suspeitas que a transação ocorrida nestes autos não era licita, porque razão, então, acedeu fazer o mesmo em novembro do mesmo ano? Portanto, não colhe o argumento que se tratou de ingenuidade da arguida quando praticou os factos objeto destes autos. Em face das várias operações ocorridas em agosto e novembro, conclui-se que a arguida representava como possível que a proveniência das quantias era ilícitas e, como tal, resolveu transformar os euros em dólares americanos. Contudo, destes documentos consegue-se concluir, sem margem para dúvidas, que as transferências provenientes de C o foram contra a sua vontade e por tal motivo a sua proveniência era ilícita, pelo que se deu como provado os factos 1 a 10. Da prova documental supra aludida, retira-se que a arguida, para além de ter disponibilizado a sua conta bancária para viabilizar a concretização de transferências, ainda terá utilizado o cartão bancário associado à sua conta, para comprar divisas estrangeiras, em casa de câmbio, o que pressupõe uma consciência e vontade de colaboração com o(s) angariador (es). Ora, resulta das regras de experiência comum que este tipo de atuação dos “money mules”, consubstanciada na imediata conversão do valor transferido em numerário, segundo as instruções do angariador, através da compra de divisas estrangeiras, repartindo depois o produto obtido com o angariador e com os diferentes ramos da estrutura criminosa, visa precisamente a eliminação dos vestígios associados à origem ilícita dos fundos, o que pressupõe que a arguida tenha atuado com consciência e vontade de colaborar com os tais angariadores, consciente de que o dinheiro que recebia na conta era proveniência de atividade delituosa, ainda que não tivesse um conhecimento detalhado do esquema criminoso. E tal consciência resulta em primeiro lugar porque a arguida referiu, em sede de declarações, que existe muita corrupção em Angola e por isso fazem muitas transferências de dinheiro para Portugal; e em segundo lugar, porque a arguida volta a repetir a mesma conduta em novembro, o que permite concluir que da reiteração a mesma estava conivente com o esquema criminoso e sabia da origem ilícita do dinheiro. O branqueamento dos valores transferidos, implica por parte dos “money mules”, a transformação do valor obtido em numerário, normalmente operada através de compra de divisas estrangeiras em casas de câmbio, sendo que o pagamento do câmbio de moeda estrangeira foi efetuado, no caso em apreço, com recurso ao cartão multibanco associado à conta da instituição bancária do Novo Banco, transação que pressupõe necessariamente a identificação do titular da conta (que pressupõe a exibição de cópia do cartão de residência - o que resulta de fls. 234 a 235 - e, por isso, implica a intervenção pessoal da aqui arguida. De resto, não é crível que a arguida, “por ser ingénua”, tenha cedido ao pedido para ali serem creditadas quantias vindas de familiares de pessoas que nem sequer eram amigos próximos, sem qualquer contrapartida (que teve, pois recebeu, segundo as suas declarações, entre 30,00 e 40 euros), que nem soube identificar como deve ser – e se tenha desinteressado de tudo isto até novembro, onde volta a repetir a atuação, ao ponto se ser cancelada a sua conta, em face da informação de fls. 66. Neste particular, nenhuma credibilidade mereceram as declarações da arguida, que em julgamento procurou, de forma incessante e verborreica, sustentar a tese de que desconhecia as transferências efetuadas para a sua conta e a proveniência ilícita dos dinheiros transferidos, até porque a mesma referiu que sabe que existem muitas transferências provenientes de Angola, sustentadas em corrupção, pelo que só esta circunstância a coloca na situação de admitir como possível a ilicitude de toda a atuação, conformando-se com a mesma e participando igualmente na mesma (factos 1 a 18). Relatório social de fls. 219 a 225, respeitante à arguida, os quais permitiram apurar as circunstâncias de vida desta e sua personalidade, os seus rendimentos, porquanto elaborado de forma objetiva, fundamentada, conseguido através de entrevista com a mesma, permitindo dar como provado os factos nºs 21 a 34. CRC de fls. 218, o qual permitiu apurar que a arguida não possui antecedentes criminais, (facto 35). A arguida, quis prestar declarações, negando a prática dos factos, referindo que foi contactada por duas pessoas (R e A) que frequentavam a comunidade Angolana e que lhe pediram para receber dinheiro na sua conta, vinda de familiares que residiam em Angola, sendo exigido que a conta fosse do Novo Banco. Referiu que eram pessoas que ostentavam sinais de riqueza e, como há muita corrupção em Angola, acreditou que o dinheiro tivesse alguma coisa a ver com essa situação. Mais referiu que suspeitou da transação, porque o tal R e A estavam sempre a receber telefonemas momentos antes das quantias serem creditadas na sua conta. Após ela ter sido creditada na sua conta, a arguida, de imediato trocou a quantia por dólares americanos, tendo recebido uma quantia que se situou entre os 30,00 e os 50,00 euros. No mais apresentou um discurso verborreico e quando apanhada em contradição, o que sucedeu várias vezes, refugiava-se na falta de memória. Todo o seu discurso foi no sentido de se vitimizar e que foi ingénua pois acreditou que não estaria a fazer nada de mal. Aliás, foi ao ponto de, em declarações finais, afirmar que a ofendida C é que foi a culpada porque cedeu as credenciais às pessoas que lhe pediram. Ora, o seu depoimento não mais que serviu para revelar a sua atitude interna, revelando uma total falta de capacidade de autocritica, não reconhecendo que a ofendida era vítima, o que demonstra uma personalidade totalmente desfasada dos ditames do direito. De facto, se a arguida achou suspeita a transação ocorrida em 08.08.2021, porque é que foi efetuar a mesma operação em novembro do mesmo ano. Na verdade, já diz o ditado popular “à primeira todos caem, à segunda cai quem quer”. Portanto, o extrato da conta bancária da arguida supra aludido, revela à saciedade que a mesma cooperava com o tal R e A, efetuando as operações de compra de moeda estrangeira, após os referidos valores serem creditados na sua conta. A arguida, ao efetuar as operações de dissimulação do dinheiro transferido para a sua conta (através da compra de moeda estrangeira, em casa de câmbio), usando o cartão associado à conta para as quais as quantias (da propriedade da C) foram transferidas, admitiu como possível a natureza ilícita das atividades que originaram os produtos a dissimular (elemento intelectual do dolo) conformando-se com o resultado (elemento volitivo do dolo), tendo atuado com a intenção de evitar que os autores fossem perseguidos criminalmente, ainda que não conhecesse de forma detalhada o esquema criminoso nem os autores ou todos os autores dessas estrutura criminosa com a qual colaborou. Sendo incontornável concluir que a arguida agiu com a intenção de evitar que os angariadores e membros da estrutura criminosa, ainda que desconhecessem a sua completa identificação, fossem criminalmente responsabilizados pela forma ilícita como acederam a esses fundos. Aliás, muito se estranha que sendo o cavalo de batalha que a arguida desconhecia toda a estratégia ilegal que, após encerrada a audiência de julgamento tenha vindo pagar uma pequena parte do valor retirado à ofendida. Ora se não cometeu o crime, porque é que pagou uma parte do valor à ofendida? Ou seja, tendo a arguida sentido a obrigação de reparar parcialmente a quantia à ofendida, conclui o Tribunal que esta tinha admitido como possível que as quantias creditadas na sua conta eram ilícitas. Pelo que, conjugadamente com a prova documental e as declarações da arguida, se deu com provado os factos 1 a 20. A prova testemunhal, nomeadamente: A ofendida, C, a qual reportou que recebeu um telefonema de uma pessoa que se fez passar por um funcionário do seu banco, convencendo-a que a sua conta tinha sido alvo que uma tentativa de um levantamento e que necessitava das suas credenciais para efetuar o bloqueamento da conta, ficando a mesma convencida da verdade das suas declarações e, assim, revelou os códigos de acesso à sua conta bancária on line. As suas declarações permitiram apurar o prejuízo por si sofrido e que nunca foi ressarcida pela arguida antes da audiência de julgamento, apenas posteriormente e uma pequena parte. As suas declarações foram prestadas de forma sincera, objetiva e imparcial e, conjugadamente com o auto de notícia aludido, permitiu ao Tribunal apurar o esquema usado por pessoas não identificadas para obter da ofendida, as credenciais necessárias para aceder à conta desta e emitir as ordens de transferência para as contas dos arguidos, bem como o prejuízo por esta sofrido. As suas declarações permitiram dar como provado os factos 1 a 5 e 19. O namorado da ofendida L, cujas declarações não foram valoradas por estarem contaminadas, pois o mesmo assistiu à primeira sessão de audiência de julgamento, nomeadamente, ouviu todas as declarações prestadas pela arguida. Das regras de experiência comum (quanto ao elemento subjetivo – factos 12 a 14), resulta que este tipo de colaboração, sobretudo quando prestada a desconhecidos, envolve uma determinada contrapartida, ainda que não se haja demonstrado a sua medida, pois que, não é natural que alguém aceite a transferência de um risco sem qualquer sinalagma, o que permite ao tribunal dar como demonstrado o dolo dos arguidos, ainda que esse dolo se apresente com uma densidade diferente daquele que vem descrito na acusação. É inelutável concluir que a arguida atuou com o conhecimento e vontade de evitar que os autores desses ilícitos fossem criminalmente punidos, contribuindo decisivamente para dissimular a origem ilícita dos fundos que para as suas contas foram transferidos. Da prova globalmente produzida, o Tribunal concluiu que houve um primeiro momento, executado por pessoas não concretamente apuradas que consistiu na obtenção dos códigos de acesso à conta da ofendida, através de um esquema em que tais pessoas se faziam passar por trabalhadores do banco e convencendo a ofendida que tinha havido uma tentativa de levantamento da sua conta, seria necessário bloqueá-la e, para tal, precisavam de todos os códigos de acesso da conta online, os quais foram revelados pela ofendida. E desta forma acederam ilicitamente à conta bancária da ofendida, recorrendo a uma burla informática. E o segundo momento, que consistiu na angariação e conta de destino dos fundos a transferir, para posterior branqueamento dos proventos ilícitos (conta da Money mule), cujo titular fica incumbido de proceder ao levantamento dos valores transferidos para a sua conta que disponibilizam e posterior entrega aos interessados/angariadores, na manutenção da atividade ilícita, papel que nos caso dos autos, coube à arguida que, seguindo instruções de terceiros (os tais R e A), assumiu o papel de transformar o dinheiro obtido em numerário, através de compra efetuada com o cartão associado à conta de que é titular, em casa de câmbio, repartindo o dinheiro entre o titular da conta mula/angariador e o restante pelos diferentes ramos da estrutura criminosa, eliminando os vestígios associados à origem ilícita dos fundos. De facto, a arguida prestou-se, não só a fornecer os seus dados de identificação pessoal e da sua contas bancárias a indivíduo(s) cuja identificação não se logrou apurar e a aceitar, por acordo com estes (outra não pode ser a conclusão à luz das regras da vida e da normalidade), a receção nesta última das quantias monetárias em apreço provindas da conta bancária de C (identificada nos movimentos registados nas suas contas bancárias) mas também a no próprio dia adquiriu com elas moeda estrangeira (dólares americanos), introduzindo-as no mercado licito. E assim sendo, como foi, sem dúvida que a arguida teve que representar como possível, pelo menos, que as mesmas tiveram origem num estratagema de apropriação ilícita levado a efeito com o recurso à tecnologia informática que permitiu a tais indivíduos entrar na conta da ofendida, ainda que desconhecendo os concretos contornos do esquema enganoso, com o que se conformou não tendo deixado, apesar de tal representação, de levar a efeito a sua atuação. Pelo exposto, deu-se como provado os factos 1 a 20 (atuando com dolo eventual) e como não provado a sua atuação a título de dolo direto). IV – ENQUADRAMENTO JURIDICO-PENAL A arguida encontra-se acusada da prática de um crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1, 2, 3 e 4, e 10 do Código Penal (na redação da Lei n.º 58/2020, de 31 de Agosto, aplicável à data da prática dos factos), por referência ao artigo 6.º, n.ºs 1 e 4, al. b), da Lei do Cibercrime e ao artigo 225.º, n.º 1, al. d), do Código Penal. Dispunha à data dos factos o artº 3680-A do Código Penal: "1 -Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas aplicáveis, de factos ilícitos típicos de: a) Lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, ou pornografia de menores; b) Burla informática e nas comunicações, extorsão, abuso de cartão de garantia ou de crédito, contrafação de moeda ou de títulos equiparados, depreciação do valor de moeda metálica ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa ou de títulos equiparados, ou aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação ou de títulos equiparados; c) Falsidade informática, dano relativo a programas ou outros dados informáticos, sabotagem informática, acesso ilegítimo, interceção ilegítima ou reprodução ilegítima de programa protegido; d) Associação criminosa; e) Terrorismo; f) Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas; g) Tráfico de armas; h) Tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal ou tráfico de órgãos ou tecidos humanos; i) Danos contra a natureza, poluição, atividades perigosas para o ambiente, ou perigo relativo a animais ou vegetais; j) Fraude fiscal ou fraude contra a segurança social; k) Tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, ou corrupção com prejuízo do comércio internacional ou no setor privado; l) Abuso de informação privilegiada ou manipulação de mercado; m) Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores, violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, contrafação, imitação e uso ilegal de marca, venda ou ocultação de produtos ou fraude sobre mercadorias. 2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior. 3 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos. 4 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos. 5 - Incorre ainda na mesma pena quem, não sendo autor do facto ilícito típico de onde provêm as vantagens, as adquirir, detiver ou utilizar, com conhecimento, no momento da aquisição ou no momento inicial da detenção ou utilização, dessa qualidade. 6 - A punição pelos crimes previstos nos n.os 3 a 5 tem lugar ainda que se ignore o local da prática dos factos ilícitos típicos de onde provenham as vantagens ou a identidade dos seus autores, ou ainda que tais factos tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 5.º 7 - O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada. 8 - A pena prevista nos n.os 3 a 5 é agravada em um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual ou se for uma das entidades referidas no artigo 3.º ou no artigo 4.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e a infração tiver sido cometida no exercício das suas atividades profissionais. 9 - Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada. 10 - Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial. 11 - A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. 12 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens. O crime de branqueamento é um crime de ação, autónomo em relação ao crime subjacente, que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pelo autor do crime subjacente. O branqueamento supõe o desenvolvimento de atividades que podendo integrar várias fases, têm como objetivo dar uma aparência de origem lícita, encobrindo a sua origem. Seguindo aqui o Ac. da Relação do Porto, Proc. 109/19.7TELSB-G.P1, disponível em www.dgsi.pt, o "crime de branqueamento de capitais consiste essencialmente na ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade vantagens de crimes. Há nesta figura jurídico-penal uma relação umbilical, inextricável, obrigatória, entre a ação de ocultar ou dissimular a origem ou propriedade de determinados desses bens, pois devem forçosamente ser produto direto ou indireto de um crime anterior" Sendo ainda certo que .com a sua criminalização protege-se apenas a administração da justiça, designadamente o interesse do aparelho judiciário na recuperação dos proventos do crime. «O bem jurídico que se tutela é a ideia de que o crime não deve compensar" ou, mais concretamente, os crimes geradores de lucros, não devem compensar - e, para tal, é ilícita a dissimulação dos respetivos proventos»" O branqueamento de capitais é um crime de mera atividade e de perigo, cujo cometimento se verifica com a simples execução de um dos comportamentos típicos, independentemente do seu resultado. O crime de branqueamento é um crime de ação, autónomo em relação ao crime subjacente, que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pelo autor do crime subjacente. O branqueamento supõe o desenvolvimento de atividades que podendo integrar várias fases, têm como objetivo dar uma aparência de origem lícita, encobrindo a sua origem. A designação mais comum para significar as fases, etapas ou possíveis operações de branqueamento de capitais, é a adotada pela GAFI, que distingue três etapas, designadamente na terminologia inglesa habitualmente usada por placement, layering e integration (fases de colocação, circulação e de integração), tendo inspirado a Convenção de Viena e em consequência o legislador português, que seguiu aquela muito de perto (Ac. STJ de11/06/2014). Dito de outro modo, no branqueamento inclui-se a “colocação (placement) – a fase de maior risco, em que o delinquente se procura desembaçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação direta com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista a criar a aparência de legalidade: investimento de curto prazo, médio prazo ou longo prazo. A punição do branqueamento visa tutelar a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na deteção e perda das vantagens de certos crimes (cfr. Ac. Rel Porto de 07.02.2007, Proc. 06165509 in www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 867. 4 Cfr. Ac Rel. Porto de 07-02-2007 – Proc. 0616509 in www.dgsi.pt.) As vantagens a que se refere o citado preceito legal, abrangem o conceito de moeda, dinheiro. A conduta pode ser mais rudimentar ou sofisticada, ambas integrando a prática do crime, pelo que a simples conduta do agente de apenas depositar, na sua conta bancária, quantias monetárias provenientes do crime subjacente por si praticado, pode integrar a prática do crime de branqueamento De qualquer forma, não é apenas por ser mais “elementar” ou menos sofisticado o modo de execução do ato de “branqueamento” ou de “reciclagem” praticado pelo agente, que se pode de imediato concluir que então essa conduta não integra o crime de branqueamento; se fosse esse o entendimento a seguir, corria-se o risco de restringir excessivamente (contra a vontade do legislador) a área de tutela típica desta incriminação, além de se esquecer a necessária articulação funcional com o conteúdo do bem jurídico que se quis proteger. Objeto da ação típica são as vantagens patrimoniais resultantes de crime anteriormente cometido pelo próprio branqueador ou por outrem, desde que integrado no «catálogo». A punição do branqueamento não pressupõe que tenha de existir agente determinado ou condenação pelo crime subjacente. A lei exige apenas o conhecimento da prática da infração principal, e não a sua punição. O branqueamento de dinheiro, para utilizar uma fórmula simplificada, supõe uma infração principal (predicated offense), com outras designações ao nível do direito europeu e internacional, como crime-prévio, crime primário, crime antecedente, crime precedente, facto referencial, crime designado, infração subjacente, facto ilícito típico (designação presente nos nº 1, 5, 7, 9 e 10 do art. 368º A do C.P.). O crime de branqueamento de capitais é estruturalmente autónomo da criminalidade subjacente. Desde que se tenha verificado a prática do crime-base e sejam praticados atos subsumíveis ao tipo de branqueamento, este ganha autonomia, no sentido de que o respetivo agente será penalmente perseguido mesmo nos casos em que, não seja possível determinar a identificação do autor do crime-base, tal como sucede no caso dos autos. De salientar ainda que a verificação do crime de branqueamento, na previsão do n.º 2 do artigo 368.º-A não depende somente do preenchimento do tipo objetivo (por exemplo a prova de depósitos em conta própria, ou das vantagens provenientes do crime subjacente), pois que se trata de um crime essencialmente doloso, não estando prevista nenhuma forma de negligência. As condutas em causa no branqueamento de capitais podem ser preenchidas por qualquer uma das modalidades de dolo, sendo bastante para que o agente seja punido que represente como possível que os bens em questão estão relacionados com os crimes precedentes (neste sentido, Pedro Caeiro – Branqueamento de Capitais e Jurisdição -A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001 e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, pág.431-439 e Vitalino Canas, in obra citada, pág 165). Mesmo que essa conduta possa ser qualificada de operação de conversão e, assim, preencher o tipo objetivo do crime em análise, é necessário, também, que o agente, ao efetuar qualquer operação no procedimento mais ou menos complexo de conversão, transferência ou dissimulação, tenha conhecimento da natureza das atividades que originaram os bens ou produtos a converter, transferir ou dissimular (elemento intelectual do dolo) e a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal (elemento volitivo do dolo). Quanto ao grau de conhecimento para que se possa afirmar o dolo, não é necessário que seja determinado precisamente quem tenha sido autor das atividades da infração subjacente, ou quem tenha estado na origem dos fundos a converter, transferir, dissimular ou ocultar. Não é de exigir um conhecimento detalhado e pormenorizado do crime donde derivam os bens, caso contrário, só poucas condutas seriam puníveis. Será dispensável o conhecimento do tempo, lugar, forma de cometimento, autor e vítima do crime precedente. A exigência do conhecimento por parte do agente da proveniência criminosa dos bens ou produtos sobre os quais, ou em relação aos quais atua, deve ser entendida como abarcando o dolo típico em todas as suas formas, incluindo o dolo eventual (neste sentido, cfr Jorge Duarte, Luís Silva Pereira, Vitalino Canas, Vitor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Miguez Garcia e Castela Rio). Desçamos ao caso dos presentes autos: Em face dos factos dados como provados em 1 a 10 e 16 a 18, resulta, sem qualquer margem para dúvida que: - que pessoas não identificadas acederam de forma ilícita à conta bancária da ofendida C, mais concretamente recorrendo a uma burla informática, a que alude o artigo art. 221º, nº 1 e 5, al. a), do C. Penal (punido com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias), ilícito este que embora não caiba na cláusula geral dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, porquanto o valor do prejuízo patrimonial não atingiu o valor consideravelmente elevado, mas apenas o valor elevado, e não o crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, tal como vem referido na acusação. - que as mencionadas quantias monetárias daí transferidas tiveram como destino a conta bancária da arguida - a arguida praticou os elementos objetivos do crime de branqueamento, ao facultar a sua conta para a concretização das transferências e ao contribuiu para a dissimulação dessas quantias, por via da compra de moeda estrangeira, utilizando o cartão associado a essa mesma conta. Assim sendo, igualmente com a sua conduta preencheu os elementos subjetivos do crime de branqueamento, porquanto a arguida, ao efetuar a operação de dissimulação do dinheiro transferido para a sua conta (através da compra de moeda estrangeira, em casa de câmbio, através do cartão associado à sua conta para a qual essas quantias foram transferidas, admitiu como possível a natureza ilícita da atividade que originou o produto a dissimular (elemento intelectual do dolo) conformando-se com o resultado (elemento volitivo do dolo), tendo atuado com a intenção de evitar que os autores fossem perseguidos criminalmente, ainda que não conhecesse de forma detalhada o esquema criminoso nem os autores ou todos os autores dessas estrutura criminosa com a qual colaboraram. Perante a factualidade descrita nos pontos 2 a 6, de que foi consumado o crime precedente (burla informática), ainda que se ignorem os autores do estratagema de apropriação ilícita das quantias monetárias em apreço com recurso à tecnologia informática, do mesmo modo que se mostra verificado que foi para dissimulação de tais quantias, por via da aquisição de moeda estrangeira em empresas de câmbio através do cartão associado à sua conta, que a arguida aceitou facultar esta última aos autores da subtração que para aí as transferiram. Também o elemento subjetivo se mostra verificado, porquanto, ao atuar dessa forma, representou como possível que tais quantias monetárias que recebeu na sua conta bancária provinham de atividades ilícitas cometidas de forma organizada e com o recurso à tecnologia informática e que ao assim procederem estavam a introduzi-las na economia legal, dando-lhes a aparência de licitas, com o que se conformou, com o objetivo concretizado de impedir que fosse estabelecida qualquer relação direta entre tais quantias e o crime do qual as mesmas constituíam vantagens, assim obstando a que o seu autor ou autores fossem responsabilizados. Atuou, por isso, com dolo eventual, que é compatível com este tipo de ilícito. Inexistindo causas que excluam a ilicitude ou a culpa, vai a arguida condenada pelo crime que vinha acusada, mas a título de dolo eventual. DA MEDIDA DA PENA O crime de branqueamento é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos. Porém, conforme o estatuído no nº 10 do mesmo preceito legal, a pena aplicada não pode ser superior ao limite máximo da pena correspondente ao crime precedente de onde provêm nas vantagens: no caso 5 anos, porquanto o crime precedente (burla informática) é punido com pena de prisão até cinco anos (art.221º , nº 1 e 5, al. a), do C. Penal). DO REGIME PENAL JOVEM Considerando a idade da arguida na data da prática dos factos (06.08.2021) a arguida tinha 20 anos pois nasceu a 28.06.2001 cumpre apreciar e decidir se é de aplicar o regime especial para jovens. Com efeito, de acordo com o artigo 9.º do Código Penal aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos são aplicáveis as regras fixadas em legislação especial. Como é sabido os objetivos subjacentes do regime especial para jovens imputáveis constantes do DL. nº 401/82, de 23 SET consubstanciam relevantes interesses públicos de justiça e de política criminal. Como se escreve no preâmbulo do citado Decreto-Lei: “Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim se facilitará aquela reinserção”. O art. 4º, do citado DL. nº 401/82, de 23SET, consagra, assim que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do delinquente. Ou seja, será de aplicar o regime de atenuação especial dos jovens delinquentes, quando for de concluir por um juízo de prognose positiva sobre o efeito da atenuação especial da pena relativamente à reinserção social do arguido. Resulta, então, com mediana clareza que o Regime não tem aplicação automática, não basta que o condenado tenha entre 16 e 21 anos, é necessário que da personalidade do agente se conclua que as faculdades previstas no Regime ajudem na ressocialização do arguido. Não é um prémio para o condenado, mas sim uma motivação para o sucesso da ressocialização, assim da sua personalidade devem surgir elementos que nos permitam assegurar que por esta via se consegue de forma eficaz a ressocialização. Não concluindo neste sentido, não há razões para fazer apelo a tal regime. Conforme se afirma no Ac. da RP de 22JAN05. «O legislador não consagrou o regime das disposições especiais para jovens, por consagrar, mas acolheu o ensinamento de outros ramos do saber que explicam que na adolescência e no início da idade adulta, os jovens adaptam-se ou não, melhor ou pior, em maior ou menor grau, às várias transformações que vivenciam. Neste ciclo de vida, não raramente, os jovens enveredam por condutas ilícitas, mas em regra a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório. Importa por isso, e estas são as palavras do legislador, dado o carácter transitório da delinquência juvenil, evitar a estigmatização, o que só se consegue com o afastamento, na medida do possível, da aplicação da pena de prisão. O regime especial para jovens tem, por outro lado, a vantagem de permitir uma transição gradualista e menos abrupta e dramática entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, reconhecido como é que o estabelecimento de limiares peremptórios de imputabilidade constitui algo de controverso, chegando mesmo alguns autores a falar em arbitrariedade, o que julgamos excessivo». Conforme salienta Ac. do STJ 29-01-2004, Proc. n.º 3767/03 - 5.ª Secção «tratando-se de um jovem delinquente, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral. Se, relativamente a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” - impor, independentemente da (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena». Ainda a este propósito salienta o Ac. do STJ de 07-01-2004 Proc. n.º 3213/03 - 3.ª Secção que «A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos - regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa. Na realização da intenção da lei, a ponderação favorável de prognose e as vantagens do regime penal dos jovens, particularmente a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, impõem-se sempre que não existam elementos seguros sobre a personalidade e as condições de vida do jovem que claramente as afastem. Esses elementos determinantes devem ser relativos à personalidade do agente do facto, às condições sociais e familiares, às perspetivas de formação escolar e profissional, que permitam a avaliação num quadro de facto global que não afaste o juízo de ponderação favorável e a prognose positiva sobre as vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Não são os factos, enquanto tais, que permitem aquela avaliação, mas o juízo, favorável ou desfavorável, que o tribunal deve fazer perante as circunstâncias mais ligadas às condições de pessoais do jovem e à conformação da sua personalidade». Ensina ainda o Ac. do STJ de 04-02-2004 Proc. n.º 4038/03 - 3.ª Secção que «O regime especial do DL 401/82 de 23-09, mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente, por se entender merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização, elegendo este como objectivo primordial da pena. A aplicação deste regime só deverá ser afastada quando os factos demonstrarem estarmos perante aquela especial exigência de defesa da sociedade e seja certo que o jovem delinquente não possui aquela natural capacidade de regeneração. Tendo em consideração que este "regime especial" instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social do jovem delinquente surge aí como finalidade primordial da pena, a atenuação especial desta, nos termos do art. 4.º daquele DL, só não deve ser aplicada quando houver razões sérias para crer que essa medida não vai facilitar a ressocialização do jovem». A arguida não colaborou com o Tribunal, pois não assumiu a factualidade subjetiva do crime pelo qual vinha acusada, entende que ela própria é uma vitima e, indo mais além, considera que a ofendida é que foi culpada do sucedido por ter disponibilizado os códigos de acesso a terceiros, permitindo o acesso à sua conta bancária e a retirada do dinheiro, o que revela uma ausência de capacidade de autocritica, falta de empatia pelo outro e uma manifesta ausência de arrependimento, cujo depoimento choroso não resultou mais do que da circunstância de ter sido apanhada na sua atividade criminosa. Estas circunstâncias revelam uma personalidade totalmente desfasada dos ditames do direito que importa educar. Nesta medida, a personalidade da arguida reclama a NÃO aplicação do regime especial para jovens, não gozando esta da atenuação aí prevista (art. 4.º do Regime Especial Para Jovens Delinquentes e arts. 73.º e 74.º do Código Penal), pois esta não se revela em concreto benéfica para a ressocialização da condenada. Cumpre, então, fixar a medida concreta da pena de prisão, tendo em consideração as molduras acima indicadas. Tal operação deve atender ao critério fixado pelo art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, o qual dispõe que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Por conjugação com o disposto no art.º 40.º do diploma acabado de citar, é possível retirar a conclusão de que à culpa caberá fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada e para além do qual se estará perante uma instrumentalização da dignidade humana do delinquente, sendo em função de considerações de prevenção – geral de integração e especial de socialização – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena. A articulação entre ambas as finalidades faz-se de molde a que seja a prevenção especial a determinar, em último termo, a pena a aplicar, sem prejuízo de não se poder descer abaixo do limiar mínimo de prevenção geral, sob pena de o ordenamento jurídico se pôr a si próprio em causa. São, por um lado, muito elevadas as exigências de prevenção geral, atento o alarme social suscitado pelo tipo de condutas aqui em causa que, como já referido, colocam seriamente em causa os sentimentos comunitários de confiança no sistema financeiro. Quanto às finalidades de prevenção especial, a este respeito e quanto à culpa, temos que a arguida atuou com dolo eventual, a ilicitude é elevada atendendo à gravidade objetiva da conduta em causa, dado o elevado prejuízo patrimonial que acarretou para ofendida e que a mesma nunca foi ressarcida pela arguida até à audiência de julgamento. Apenas, posteriormente, e após o agendamento para a leitura de sentença, no valor de 1 100,00 euros. A arguida não assumiu a factualidade e ainda considera que a ofendida foi a culpada do sucedido, ao ter caído na armadilha montada e, desta forma, ceder os códigos de acesso, revelando uma total ausência de arrependimento, falta da capacidade de autocritica e uma personalidade desfasada dos ditames do direito, porquanto acha os outros culpados da sua conduta delituosa, o que evidencia um deficit de juízo crítico quanto à problemática criminal em causa, o que agrava as exigências de prevenção especial. Em benefício da arguida há que relevar a ausência de antecedentes criminais e a circunstância de a arguida se encontrar bem inserida familiar e socialmente, o que atenua as exigências de prevenção especial. Da conjugação de todos estes fatores, afigura-se dever ser fixada à arguida a pena de 2 (dois) anos de prisão. DA PENA SUBSTITUTIVA Em face do quantum da pena, importa averiguar se a pena de prisão deverá ser substituída por uma das penas substitutivas. A pena de multa, em face do quantum, é liminarmente afastada, pois só é aplicável até penas de prisão até um ano. Nos termos do art 58º, nº 1 do C.P.: “1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.” Quanto à pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, a mesma não se revelaria eficaz face a personalidade desvaliosa da arguida revelada nas suas declarações, sendo certo que tal pena, em face da gravidade do crime, mereceria o repudio da sociedade, pelo que não se opta pela sua aplicação. DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO Tendo em consideração a pena concreta aplicada, há, então, que ponderar da eventual suspensão da execução da pena de prisão ora determinada. Dispõe, a este respeito, o art.º 50.º, nºs 1 e 5 do Código Penal, que: “1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”. Constata-se, assim, que a suspensão da execução da pena de prisão depende de um pressuposto formal e de um pressuposto material. Pressuposto formal é o de que a pena de prisão aplicada ao arguido o seja em medida não superior a 5 anos. Pressuposto material é o de que o tribunal, atendendo aos fatores elencados no normativo supra citado, possa concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido. Se assim for, assegurada está a finalidade político-criminal do instituto em causa, bem como as finalidades de prevenção especial – na medida em que se evita um desnecessário contacto com o meio prisional – e geral – as quais, por natureza, nunca podem ser postergadas. Ora, no presente caso, verifica-se que os factos pelos quais a arguida vai condenada se reporta a 06.08.2021 ou seja, a um período de tempo relativamente recuado. São lhe conhecidas condutas semelhantes em novembro de 2021, o que resulta do extrato bancário de fls. 285 a 286. Não assumiu a factualidade, trazendo uma versão de vitimização, na tentativa de se eximir da sua responsabilidade criminal, mas sem sucesso como se dilucidou em sede de análise das suas declarações. Revela uma personalidade desconforme dos ditames do direito, pois entende que a ofendida é que foi culpada do sucedido. É sustentada pela mãe. A seu favor, milita a sua integração familiar, social, não tendo emprego porque concluiu agora os estudos bem como a ausência de antecedentes criminais. Igualmente milita a seu favor a sua juventude. Todas estas circunstâncias impõem ao Tribunal um juízo de prognose favorável em relação a à arguida no sentido de que não voltará, após a submissão a este julgamento, a praticar novas infrações criminais, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, nesta fase da sua vida, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art. 50º do Código Penal. Assim, a pena de prisão em que a arguida vai condenada, respetivamente, será suspensa na sua execução pelo período de três anos, conforme art. 50º, nº 5 do Código Penal. Nos termos do nº 2 do art. 50º do Código Penal, “O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”. E, por força do nº 1 do art. 53º do CP, “O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade”. Ora, in casu, e de acordo com o disposto nos arts. 51º, 52º e 53º do CP, em face da personalidade desvaliosa, traduzida na sua crença de que a ofendida é que é culpada da prática do crime, entendemos que a suspensão da execução da pena de prisão deverá ser acompanhada de regime de prova e das seguintes regras de conduta dever: i. Na realização, durante o período da suspensão, de entrevistas MENSAIS com técnicos da DGRSP onde deverão ser trabalhadas as competências pessoais da arguida no sentido que a mesma se deve abster da prática de crimes seja de que natureza for, educando-a para o direito e DEVENDO AS ENTREVISTAS SEREM DIRECIONADAS PARA A EDUCAÇÃO CÍVICA E INTERIORIZAÇÃO DE QUE A LEI, DECISÕES JUDICIAIS e ORDENS EMANADAS POR AUTORIDADES COMPETENTES SÃO PARA SER CUMPRIDAS E RESPEITADAS; ii. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; iii. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; iv. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de trabalho ou da ausência de Portugal, devendo informar o período de ausência e a morada onde se encontra. v. Frequentar programas de educação cívica e de cidadania, de modo a educá-la a viver em sociedade e a respeitar o seu semelhante bem como o património alheio. vi. Inscrever-se no Centro de Emprego na sua área de residência e frequentar cursos de formação profissional, de modo a combater a sua situação de desemprego, cuja prova de inscrição terá de comprovar no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado. IV – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO DO RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO Dos invocados vícios previstos no artº 410º, nº1, a), b) e c) do C.P.Penal Um recurso é o mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão. As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias: i. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal; ii. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo código. No caso do presente recurso, a arguida enveredou pela revista alargada, considerando a sentença recorrida enferma dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. No caso da revista alargada, estamos perante a arguição de vícios decisórios cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, nomeadamente, excertos de prova testemunhal produzida em julgamento. Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, tendo os mesmos de ser de tal forma evidentes, que serão detetáveis por um homem médio. Consubstanciam-se, grosso modo, na invocação de segmentos decisórios que demonstrem que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, que se tenha dado como assente algo notoriamente errado ou se tenham violado as regras da prova vinculada (caso do erro notório) ou quando se verifica que os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição (no caso da insuficiência) face, única e exclusivamente, ao que consta no texto decisório. Para verificação da ocorrência de tais vícios, o tribunal de recurso deverá apreciar se do texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos, etc.), por si só ou conjugada com as regras de experiência comum e de uma forma tão patente que não escape à observação do homem médio, emerge alguma das situações previstas nessa disposição legal, nomeadamente: a) Insuficiência da matéria de facto para a decisão: Esta verifica-se quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso. Note-se, todavia, que só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito, ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo. Assim, tal insuficiência – definida por Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, em Recursos Penais, 8.ª Edição 2011, Rei dos Livros, página 74, precisamente, como uma “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” – tem de existir internamente, no âmbito da decisão; b) Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão: Este vício ocorre quando, de acordo com um raciocínio lógico, se tenha de concluir que a decisão não fica suficientemente esclarecida, por existir irremediável contradição entre os próprios elementos fundamentadores invocados ou quando essa fundamentação determina uma decisão precisamente oposta à que foi proferida. Como se esclarece no Ac. do STJ de 03/10/2007 (Relator Conselheiro Henriques Gaspar – acessível em www.dgsi.pt): A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito. A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos”. Verificar-se-á igualmente o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do artº 410.º quando há contradição entre os vários pontos da matéria de facto dada como provada; entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada; em sede de fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão. Porém, o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão não se verifica quando o resultado a que o juiz chegou na sentença advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu corresponder aos factos provados. Se o tribunal a quo entende que os factos provados não corporizam todos os elementos do tipo legal de crime imputado ao agente, não está em causa uma questão de facto – contradição insanável da fundamentação - mas sim uma questão de direito: erro de subsunção dos factos ao direito ; c) Erro notório na apreciação da prova: Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valora contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-07-2016, Relator Desembargador Vasques Osório in www.dgsi.pt). Ocorre este vício quando se dão por provados ou não provados, factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta, quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dubio”. (cfr Ac. do S.T.J de 24.3.2004 proferido no Proc. nº 03P4043 em www.dgsi.pt , Ac. do S.T.J 3.3.1999 no Proc. 98P930 e Ac. da Rel. Guimarães de 27.04.2006 no Proc. 625/06) ou quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” (cfr Ac. da Rel. Porto de 02.02.2005 no Proc.0413844 e da Relação de Guimarães de 27.06.2005 no Proc. 895/05-1ª). Quanto a este vicio importa ter em atenção que o tribunal decide, salvo no caso de prova vinculada, de acordo com as regras de experiência comum e da livre convicção. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. Contudo, a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável. Tal liberdade está intimamente ligada quer ao dever de tal apreciação assentar em critérios objetivos de motivação, quer ao dever de perseguir a verdade material. Assim, conclui-se que os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento. Tendo em conta os contornos dos vícios decisórios, que se deixaram expostos, temos de concluir não enfermar a decisão recorrida de nenhum dos vícios decisórios. Refere a recorrente que, “por mera cautela, igualmente não pode deixar de proceder uma impugnação ampla da matéria de facto, com fundamento no vicio da sentença decorrente da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (investigação de toda a matéria de facto relevante), no vicio da sentença decorrente de contradição insanável entre a decisão e a fundamentação e, bem assim, no erro notório da apreciação na prova” (ponto 42 da motivação de recurso). “Nesta senda, a Arguida não se conforma com a aquela que foi a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo dos pontos 11 a 15 da matéria dada como provada, pelo vai tal factualidade nestes pontos expressamente impugnada, tudo e nos termos e para os devidos efeitos legais” (ponto 43 da motivação de recurso). Discorda-se deste entendimento. Desde logo porque, perante o completo acervo de factos provados, e sem que a recorrente, em sede de alegações de recurso, tenha indicado qualquer facto relevante que o tribunal tenha deixado de apreciar considera este tribunal de recurso que não se vislumbra a existência de qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - os factos provados definem todos os elementos do tipo, permitem graduar o dolo, a ilicitude e a culpa e todas as circunstâncias pertinentes para a determinação da medida da pena, termos em que não se verifica o invocado vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão previsto na alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP. Também não se vislumbra qualquer contradição, muito menos insanável, da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (alínea b) da citada disposição legal), pois, o Tribunal não deu como provada uma coisa e o seu contrário nem a fundamentação se encontra em discordância com a decisão tomada. Por último, examinada a motivação da decisão de facto, não se deteta na decisão recorrida qualquer irrazoabilidade patente a um observador comum, não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum, pelo que, também não ocorre o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do artº 410º do CPP. Não houve da parte do Tribunal a quo qualquer falha ou desrespeito das regras legais e dos princípios gerais de direito na valoração da prova, não padecendo, por isso, a decisão impugnada, de qualquer erro na apreciação da prova. O julgamento de facto foi realizado pelo tribunal a quo que, livremente, e em obediência a toda a prova produzida perante si, avaliada de harmonia com as regras da experiência e da lógica, se convenceu que a prova demonstrava judicialmente os factos considerados provados. O Tribunal a quo expressa e detalhadamente indica a base da sua convicção, num raciocínio lógico e inteligível, examinando criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção e decidiu de acordo com o princípio da livre apreciação da prova. Deste modo, a convicção do Tribunal a quo mostra-se racional e foi formada de acordo com os critérios lógicos e objectivos, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do C.P.P – ao abrigo do qual toda a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Confunde a recorrente o erro notório na apreciação da prova com a mera discordância que manifesta relativamente à matéria de facto que fundou a sua condenação pelo crime de branqueamento, negando que tenha agido com conhecimento da realidade ilícita subjacente ao pedido que lhe foi apresentado pelos dois indivíduos, cuja identidade em concreto desconhecia, contraditando através da reavaliação da prova que produz no âmbito da impugnação da decisão de facto, mas sem que, em momento algum, a partir de uma análise do texto da fundamentação da decisão recorrida, tendo em conta as regras da experiência comum, ponha em causa aqueles mesmos factos ou a convicção que sobre ele formou o Tribunal recorrido. De facto, o que verdadeiramente a recorrente parece não aceitar é a apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, ou, dito de outro modo, o que o recorrente pretende é colocar em causa a convicção do tribunal ao dar os factos como provados, convicção com a qual não concorda, com o objectivo de que este tribunal superior a modifique no sentido que pretende, ou seja, que dê como provados factos constitutivos do crime de branqueamento pelo qual foi condenada, ou seja, o que invoca é a existência de erro de julgamento e não de qualquer um dos vícios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.Penal, o que tem a ver com a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do artº 412º, n.º 3 do Código de Processo Penal. Ora nos termos do artº 428º do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artº 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova”. Por sua vez, o art.º 412º, n.º 3 dispõe que, “Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” E, o seu n.º 4 estabelece que, “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. A impugnação da matéria de facto por o Tribunal a quo ter efetuado uma incorreta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, não pode confundir-se com discordância na apreciação da prova que invada o espaço da livre apreciação da prova plasmado no artº 127º, do Código de Processo Penal, que é de estrito domínio do julgador, e que impõe, por um lado, a inexistência de critérios pré determinados no valor que atribui à prova e, por outro lado, a não realização de uma apreciação discricionária ou arbitrária da prova produzida. Do que resulta que o juiz deve apreciar a prova (salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial) segundo os critérios de valoração racional e lógica, tendo em conta as regras normais de experiência. Por isso, quando se refere que a valoração da prova é segundo a livre convicção da entidade competente (in casu, o juiz), a convicção há de ser pessoal, objetivável e motivável, logo, vinculada e, assim, capaz de conseguir a adesão razoável da comunidade pública. Donde resulta que tal existirá quando e só quando o Tribunal se tenha convencido, com base em regras técnicas e de experiência, da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (cfr. Figueiredo Dias Direito Processual Penal, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, p. 198-207). Daí que, de acordo com a jurisprudência, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o princípio in dúbio pro reo. A impugnação da matéria de facto prevista no citado artº 412º, nº 3, do CPP traduz-se numa apreciação, “que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso de matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se o permitirem [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412º].” (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 01.04.2019, acessível in www.dgsi.pt). Não basta, assim, ao recorrente apresentar uma discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha que fazer “um segundo julgamento”, com base na gravação da prova. O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. De facto, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstrem esses erros (neste sentido, acórdãos do STJ, de 15.12.2005 e de 09.03.2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado facto foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal facto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Sucede, que a recorrente não satisfez minimamente tais ónus de especificação que lhe competia nos termos do disposto no artº 412.º, n.º 3, porquanto não indica em concreto os factos que entende terem sido incorretamente julgados pelo tribunal de 1.ª instância, não especifica as concretas provas que invoca por referência ao consignado em ata de audiência de julgamento, nem indica concretamente as passagens em que se funda a impugnação e que impõem decisão diversa da recorrida. A recorrente sustenta ainda que foi violado o princípio in dubio pro reo. No caso concreto, a violação do princípio in dubio pro reo, a qual pode e deve ser conhecida como vício do texto da decisão, não se detecta na leitura da decisão recorrida, nomeadamente na fundamentação da matéria de facto pois que da leitura da mesma não ressalta qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados. Salienta-se que o princípio in dubio pro reo corresponde a uma regra de decisão (e não de interpretação dos factos ou da prova), através da qual, após produção da prova e efectuada a sua valoração, o resultado do processo probatório seja uma dúvida, que tem de ser razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, levando o juiz a decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. Ou seja, exige se que no espírito do julgador subsista uma dúvida positiva e invencível, efectivamente impeditiva da convicção do tribunal, depois de esgotado todo o iter probatório e feito o exame crítico de todas as provas, sobre a verificação, ou não, dos factos integradores de um crime ou relevantes para a pena. No caso em apreciação, não é invocável o princípio in dubio pro reo, atenta a prova produzida e que fundamentou a decisão sobre a matéria de facto provada, sendo certo que não se verificou qualquer dúvida no processo de formação da convicção do julgador a quo. DO RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO Qualificação jurídica dos factos Sustenta a Recorrente que não é possível ser-lhe imputado um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368º-A, nº 1,2,3, 4 e 10 do Código Penal por referência ao artigo 221º, nº 1 e nº 5 al. a), todos do Código Penal. Para o efeito traz à colação a redacção do nº 3 (actual nº 2) da referida disposição legal (na versão da Lei n.º 58/2020, de 31 de Agosto, aplicável à data da prática dos factos) que enumera as condutas que integram o tipo, a saber, “converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal”, argumentando que não praticou qualquer dos actos objectivos que integram esse tipo legal. Mais refere que perfilha o entendimento de que neste tipo de crime se impõe a verificação de um dolo especifico traduzido “no conhecimento efetivo da origem ilícita da vantagem na prática de um dos crimes catálogo e de intenção de dissimular a origem de tais vantagens, e/ou de evitar que o autor do crime precedente seja perseguido criminalmente, o que, entende, não se compadece com a modalidade de dolo eventual” e que não admite a sua prática com dolo eventual. Vejamos: O que se pretende com a incriminação do tipo legal em causa é obstar ao branqueamento de capitais, ou seja, a que os agentes ocultem ou disfarcem a origem ilícita do produto dos seus crimes. O bem jurídico que protege é a boa administração da justiça, e bem assim a tutela da pretensão estadual do confisco das vantagens do crime, que é lesada pelo branqueamento, numa perspectiva de que “o crime não (deve) compensa(r)”. As modalidades da acção elencadas no n.º 2 e 3 são as seguintes: conversão ou transferência de vantagens; auxílio, transferência ou facilitação de alguma operação de conversão de vantagens, de bens ou produtos, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita. Para o que ora releva, importa considerar a operação de transferência, que consiste na acção através da qual se desloca fisicamente uma coisa móvel ou a acção de modificação da propriedade, posse ou detenção de valores patrimoniais. (cfr. Ac. TRL, 13.7.2010, Relator Carlos Espírito Santo). Trata-se de um crime derivado, comummente identificado como sendo de segundo grau ou de conexão. Importa que os bens ou produtos a branquear sejam derivados de crimes, ou seja, tem de existir a prática de um crime anterior que proporcione ilicitamente ao seu autor os proventos que posteriormente ele ou terceiro pretendem dissimular. E de um crime de perigo que não carece de efectiva lesão do bem jurídico protegido, isto é, de perigo abstracto, pois não exige a verificação do perigo real para o bem jurídico protegido. Em suma: a condição objectiva do tipo de branqueamento é a verificação de um facto ilícito típico subjacente, de onde provenham vantagens que se dissimulam, sendo certo, todavia, que o crime de branqueamento e a respectiva reacção penal são autónomos em relação ao ilícito subjacente (Ac. TRL,13.7.2010, rel. Carlos Espírito Santo, cit). Para efeitos de punição deste tipo de crime é irrelevante que o agente não tenha conhecimento do local do cometimento do crime precedente ou da identidade dos seus autores, pois a punição tem lugar mesmo que o facto precedente tenha sido cometido fora do território nacional (artº 368º-A, nº4). No que tange aos elementos psicológicos, exige-se, naturalmente, que o agente tenha o conhecimento, no momento da prática do acto, de que os bens em causa são produto do crime e que, com o mesmo, se pretende dissimular a origem ilícita das vantagens. Ou seja, o agente tem de representar e querer praticar um facto que preenche um tipo de crime - converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência - com uma das finalidades definidas na lei: ou ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação, ou titularidade das vantagens, ou que é consequência necessária da sua conduta, ou que é consequência possível da sua conduta conformando-se com isso (respectivamente dolo directo, necessário e eventual) (Ac. TRL, 13.67.2010, cit..). Alega a recorrente que dos factos dados como provados não resulta provada a prática de qualquer operação capaz de ocultar ou dissimular a origem das quantias em causa ou evitar a punição da Arguido ou de terceiros pela prática dos factos descritos no número 2 do artigo 368.º - A do Código Penal. Esta alegação improcede manifestamente uma vez que resultou provado que: - que pessoas não identificadas acederam de forma ilícita à conta bancária da ofendida C, mais concretamente recorrendo a uma burla informática, a que alude o artigo artº 221º, nº 1 e 5, al. a), do C. Penal; - que, dessa forma, lograram concretizar duas transferências, no valor de 2.500,00 € e 4.972,22 €, que tiveram como destino a conta bancária da arguida, depois desta lhes ter fornecido o respectivo número; - que a arguida utilizou as quantias creditadas na sua conta para adquirir 7.468 dólares americanos na loja da Unicâmbio, no aeroporto de Lisboa, que entregou parcialmente aos suspeitos, ficando com uma parcela desse valor para si. Pelo que, a arguida praticou os elementos objetivos do crime de branqueamento, ao facultar a sua conta para a concretização das transferências e ao contribuir para a dissimulação dessas quantias, por via da compra de moeda estrangeira. Alega, ainda, a recorrente que o crime em causa não se compadece com a modalidade subjectiva do dolo eventual. Sem razão, porém, pois, como bem se refere na decisão recorrida “As condutas em causa no branqueamento de capitais podem ser preenchidas por qualquer uma das modalidades de dolo, sendo bastante para que o agente seja punido que represente como possível que os bens em questão estão relacionados com os crimes precedentes (neste sentido, Pedro Caeiro – Branqueamento de Capitais e Jurisdição -A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001 e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, pág.431-439 e Vitalino Canas, in obra citada, pág 16 (…) A exigência do conhecimento por parte do agente da proveniência criminosa dos bens ou produtos sobre os quais, ou em relação aos quais atua, deve ser entendida como abarcando o dolo típico em todas as suas formas, incluindo o dolo eventual (neste sentido, cfr Jorge Duarte, Luís Silva Pereira, Vitalino Canas, Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Miguez Garcia e Castela Rio). Na verdade, a recorrente parece confundir, com o devido respeito, a questão da exigência de um dolo específico para a consumação do crime de branqueamento com a sua prática na modalidade de dolo eventual. Dúvidas não existem de que o agente tem de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita da vantagem ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no n.º 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção penal. Esta exigência do dolo específico por parte do agente faz com que estejamos perante um crime de intenção, na medida em que exige um determinado propósito, uma determinada intencionalidade por parte do agente, para além da sua consciência e vontade relativa aos elementos objectivos do crime. De salientar que, não fazendo o fim prosseguido pelo agente parte do tipo, basta a intenção do mesmo para que o crime se mostre consumado. Para que se mostre preenchido o elemento subjectivo do ilícito em apreço é necessário, para além do mencionado dolo especifico, que o agente saiba qual a origem dos bens e/ou rendimentos (elemento intelectual do dolo), que pratique alguma das condutas típicas ciente de que aqueles bens ou produtos resultam da prática de algum dos crimes subjacentes. É ainda indispensável que queira (elemento volitivo), por si ou através de outra pessoa, praticar alguma ou algumas daquelas condutas. Se é certo que todos os elementos do tipo devem ser abrangidos pelo dolo do agente, tem-se questionado se relevam apenas o dolo direto e o necessário, ou se, pelo contrário, também o dolo eventual por parte do agente será relevante. No fundo, está em causa saber se são ou não puníveis as atuações daquele agente que, tendo dúvidas sobre a real proveniência dos bens e representando como possível que estes tenham, de facto, origem num dos crimes subjacentes, decide agir, executando a conversão, transferência ou dissimulação, conformando-se com tal possibilidade, mas sem saber ao certo a real origem desses bens. Para alguns, Jorge Fernandes Godinho - Do Crime de “Branqueamento de Capitais: Introdução e Tipicidade, pág.214-222 e Paulo Pinto de Albuquerque – Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág.869-870 não é admissível o dolo eventual por parte do agente quanto ao conhecimento da proveniência dos bens, tendo este, no mínimo, de representar a realização do tipo de branqueamento como consequência necessária da sua conduta (dolo necessário). A ora recorrente, como já referimos, perfilha de tal entendimento e daí que resultando da factualidade que actuou com dolo eventual, pugne pela sua absolvição. Porém, acompanhamos o entendimento perfilhado pela maioria dos autores e seguido na decisão recorrida, no sentido de que as condutas em causa no branqueamento de capitais podem ser preenchidas por qualquer uma das modalidades de dolo, sendo bastante para que o agente seja punido que represente como possível que os bens em questão estão relacionados com os crimes precedentes (neste sentido, Pedro Caeiro – Branqueamento de Capitais e Jurisdição -A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001 e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, pág.431-439 e Vitalino Canas (em ob. Cit, pag. 165) No mesmo sentido, Jorge Dias Duarte, in “Branqueamento de Capitais - O Regime do D.L 15/93, de 22 de Janeiro e a Normativa Internacional”, pág. 149-150, o qual defende que “a exigência de conhecimento por parte do agente da proveniência criminosa dos bens ou produtos sobre os quais, ou em relação aos quais actua, deve ser entendida como abarcando o dolo típico em todas as suas formas, isto é, abarcando não só os casos em que o agente atua com dolo direto ou necessário, mas também os casos em que a conduta do agente se caracteriza pelo dolo eventual”. Desta forma, como refere o mesmo autor, “o elemento intelectual do dolo encontrar-se-á preenchido não apenas nos casos em que o agente atua com intenção de realizar um determinado facto que sabe preencher o tipo de crime do artigo 368º-A do Código Penal, ou representa esse preenchimento como consequência necessária da sua conduta, mas também nos casos em que o agente atua representando como possível que em resultado da sua conduta pode preencher aquele tipo de crime e persiste nesse comportamento, conformando-se com aquela realização” (Acórdão da Relação de Guimarães de 28-09-2020, Proc. 393/15.5JABRG.G1, Relatora Cândida Martinho). Desde logo, não resta qualquer dúvida, nos termos a que já aludimos supra e perante a factualidade descrita nos pontos 3 a 14, de que foi consumado o crime precedente, correspondente a factos típicos ilícitos característicos do crime de burla informática, ainda que se ignorem os autores do estratagema de apropriação ilícita das quantias monetárias em apreço com recurso à tecnologia informática. Do mesmo modo que se mostra verificado que a arguida aceitou facultar aos autores da subtracção a sua conta bancária para que nela fossem depositadas tais quantias e que foi para dissimulação das mesmas que, através do cartão associado à sua conta, adquiriu moeda estrangeira em empresas de câmbio, que entregou aos autores do crime precedente. Também o elemento subjectivo se mostra verificado, porquanto, ao atuar dessa forma, fê-lo com a finalidade de dissimular a origem ilícita das quantias que foram depositadas na sua conta, por forma a que o(s) autor(es) da burla informática não fossem criminalmente perseguidos, representando como possível que tais quantias monetárias que recebeu na sua conta bancária provinham de uma actividade ilícita cometidas de forma organizada e com o recurso à tecnologia informática e que ao assim procedeu estavam a introduzi-las na economia legal, dando-lhes a aparência de licitas, com o que se conformou, com o objectivo concretizado de impedir que fosse estabelecida qualquer relação direta entre tais quantias e o crime do qual as mesmas constituíam vantagens, assim obstando a que o seu autor ou autores fossem responsabilizados. Mostra-se, pois, preenchido o tipo legal do crime de branqueamento, verificados que estão os demais elementos do tipo, na modalidade de dolo eventual. Da pena - Regime Especial Para Jovens O crime de branqueamento é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos. Porém, conforme o estatuído no nº 10 do mesmo preceito legal, a pena aplicada não pode ser superior ao limite máximo da pena correspondente ao crime precedente de onde provêm nas vantagens: no caso 5 anos, porquanto o crime precedente (burla informática) é punido com pena de prisão até cinco anos (art.221º, nº 1 e 5, al. a), do C. Penal). Considerando a idade da arguida na data da prática dos factos, 20 anos (nasceu a 28.06.2001) o tribunal a quo ponderou a possibilidade de esta poder beneficiar do regime especial para jovens. Optou, pelas razões que se mostram descritas na sentença recorrida por afastar tal instituto, do que a arguida discorda, entendendo que o Tribunal a quo deveria ter formulado um juízo de prognose benigna quanto às expectativas de reinserção de um jovem, socorrendo-se do relatório social junto aos autos. Dispõe o artigo 4.º do Decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º (…) do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Temos por isso dois critérios objetivos de aplicação: - Ser aplicável pena de prisão. - O tribunal tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. O primeiro requisito verifica-se uma vez que o crime em apreço apenas é punido com pena de prisão. A verificação do segundo requisito impõe à priori um juízo de prognose relativo à conduta futura do arguido, estando por isso assente em necessidades de prevenção especial. Aplica-se este instituto quando a mera aplicação deste regime mais favorável possa contribuir para a ressocialização do arguido, incentivando-o a adotar no futuro condutas conforme ao direito. Pressuposto específico que deverá ser aferido não em abstrato, mas em concreto de acordo com elementos precisos sobre a personalidade do arguido, designadamente que resultem da imediação do julgamento. Por regra, apenas em contexto de genuína interiorização do desvalor da conduta, resultante de uma confissão em contexto de arrependimento sincero permitem concluir pelo juízo de prognose necessário à aplicação deste instituto jurídico. O jovem sente e reconhece a oportunidade que lhe é dada pelo Estado e retribui mediante um esforço acrescido na adoção de condutas conforme ao direito. Uma utilização imponderada, por defeito ou presunção, deste instituto poderá atingir o efeito contrário ao pretendido, culminando numa perversão do sistema de justiça. O jovem ao invés de interiorizar o desvalor da conduta, reforça a sua personalidade criminógena ao abrigo de um sentimento de impunidade potenciado pela atenuação especial da pena inerente à aplicação deste instituto. No caso concreto a arguida, não demonstrou qualquer interiorização do desvalor da conduta, revelando uma personalidade avessa ao cumprimento de regras ao não se coibir de praticar os factos ilícitos em causa, “entende que ela própria é uma vitima e, indo mais além, considera que a ofendida é que foi culpada do sucedido por ter disponibilizado os códigos de acesso a terceiros, permitindo o acesso à sua conta bancária e a retirada do dinheiro, o que revela uma ausência de capacidade de autocritica, falta de empatia pelo outro e uma manifesta ausência de arrependimento, cujo depoimento choroso não resultou mais do que da circunstância de ter sido apanhada na sua atividade criminosa” (transcrição da sentença). Nenhum benefício poderá trazer a aplicação deste instituto neste caso concreto. Pelo contrário, estamos perante um caso típico em que a aplicação do regime especial para jovens teria o efeito perverso e contrário ao pretendido, razão pela qual esta Relação entende que bem andou o tribunal a quo ao afastá-lo. Pelo que nada há a censurar à sentença recorrida quando decidiu não aplicar à arguida o regime especial para jovens, improcedendo, neste segmento, o recurso. Ao não se aplicar este regime, inviável se mostra uma diminuição da pena para um ano, conforme pretende a recorrente e, consequentemente, a possibilidade de a substituir por pena de multa (v.d. ponto 67 das conclusões). Da prestação de trabalho a favor da comunidade A Recorrente entende que para a punição do crime por que foi condenada a aplicação de trabalho a favor da comunidade seria suficiente. Com efeito, a sua condenação numa pena de dois anos de prisão, permite, nos termos do artº 58º, nº 1 do C. Penal, a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que deverá acontecer sempre que o tribunal conclua, nomeadamente, em razão da idade do condenado, que se realizam por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Justificou o tribunal a quo a sua não opção pela substituição da pena de dois anos de prisão aplicada à arguida por prestação de trabalho a favor da comunidade por entender não se revelaria eficaz face a personalidade desvaliosa da arguida revelada nas suas declarações, sendo certo que tal pena, em face da gravidade do crime, mereceria o repudio da sociedade. A substituição de uma pena de prisão depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, sendo este o único critério a atender. Esta pena de substituição consubstancia-se na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade (art. 58º, n.º 2 do C. Penal). A lógica da pena de trabalho a favor da comunidade assenta na ideia de radicar o conteúdo punitivo na perda/afetação de uma parte substancial dos tempos livres do condenado, sem o privar de liberdade e permitindo-lhe, consequentemente, a manutenção integral das suas ligações familiares, profissionais e económicas, ou seja, a sua integração social. Por outra banda, esta pena tem um conteúdo socialmente positivo, enquanto se traduz numa prestação ativa a favor da comunidade. Porém, no caso concreto, o juízo de prognose a efetuar não é positivo, já que esta pena de substituição não cumpriria, no caso concreto, o objetivo de intimidação e aprofundamento da validade e eficácia das normas penais, quer pelos cidadãos em geral, quer pela arguida em particular. Assim, embora se pudesse concluir pela verificação dos pressupostos formais para a aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, estando apenas dependente do acordo da arguida (que poderia ser obtido através da notificação do mesmo para o prestar, pessoalmente ou através de procuração com poderes especiais), afigura-se-nos que não se verificam os pressupostos materiais, dada a profunda insensibilidade da mesma face à gravidade dos factos e a sua personalidade de não assunção da sua responsabilidade enquanto cidadã de um Estado de Direito. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao não considerar a substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade. * Mantém-se, assim, na íntegra a decisão recorrida.V. DECISÃO Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interposto pela arguida, e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida nos seus precisos termos. Tributação: Condena-se a arguida no pagamento da taxa de justiça fixada em 3 UC (artº 513º, nº1 do C. P. Penal). O presente acórdão foi elaborado pela Relatora e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.) Évora, 05 de novembro de 2024 Filipa Valentim Renato Barroso Filipa Costa Lourenço |