Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/24.2GBABF.E1
Relator: ANABELA SIMÕES CARDOSO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
MEDIDA
PERIGOSIDADE DO AGENTE
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: .A determinação da medida das penas é efectuada de acordo com critérios gerais plasmados nos arts. 40.º e 71.º do Cód. Penal, sendo que a pena acessória também ela é uma verdadeira pena, com a diferença de que a finalidade a atingir, neste caso, é mais restrita, porquanto visa sobretudo prevenir a perigosidade do agente, não obstante também ter um efeito de prevenção geral.

A graduação da medida concreta da pena acessória obedece aos mesmos critérios da pena principal e dela se espera que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente.

Com efeito, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo, não apenas de intimidação, da generalidade, mas, também, de defesa contra a perigosidade individual

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. No Processo Sumário, nº 24/24.2GBABF, do Juízo Local Criminal de …, Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi julgado o arguido, AA, pela prática, em autoria material, sob a sua forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao art. 69º nº 1 al. a) do mesmo diploma legal.

Realizado o julgado, foi proferida decisão, nos termos da qual se fez constar no respectivo dispositivo final:

“O Tribunal decide condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez:

A) na pena principal de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €6 (seis euros);

B) na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias;(…).”

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2. Não se conformando com o teor de tal decisão, dela recorreu a Digna Magistrado do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 15 dias em que o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1 e art. 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal;

2. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez cometido pelo arguido é punido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 meses a 3 anos, cfr. art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal;

3. O bem jurídico protegido é a segurança da circulação rodoviária, a segurança no tráfego, do trânsito de pessoas e veículos, por forma a evitar riscos e lesões para a vida, a integridade física e bens patrimoniais, tutelando-se, por conseguinte um interesse público consubstanciado na segurança dos utentes da via pública acautelando que os principais agentes do tráfego rodoviário, os condutores, dirijam as suas viaturas em condições psicomotoras normais, tratando-se de um crime de perigo abstracto;

4. A determinação da medida das penas é efectuada de acordo com critérios gerais plasmados nos arts. 40.º e 71.º do Cód. Penal, sendo que a pena acessória também ela é uma verdadeira pena, com a diferença de que a finalidade a atingir, neste caso, é mais restrita, porquanto visa sobretudo prevenir a perigosidade do agente, não obstante também ter um efeito de prevenção geral;

5. É premente uma urgente e clara sensibilização dos condutores para uma circulação rodoviária segura não só para os próprios como para os demais utentes da via, e uma das formas será de o conseguir será não só através da pena principal, mas também através da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados a fixar aos autores de crimes de condução sob o efeito do álcool de forma a garantir uma maior eficácia preventiva e dissuasora, sempre dentro do limite da culpa;

6. O grau de ilicitude e perigosidade do agente revelam-se acima de tudo na taxa de alcoolemia elevadíssima de que o arguido é portador, 2,27 g/l, o dolo é directo, tal como as elevadas necessidades prementes de prevenção geral e, ainda que menos intensas, as de prevenção especial;

7. Atentas as finalidades da punição, a par das circunstâncias supra descritas, do impunha-se a aplicação de uma pena acessória mais elevada, mais distante da moldura penal mínima plasmada legalmente de 3 meses para taxa de pelo menos 1,2 g/l;

8. A circunstância de a conduta do arguido ter atentado contra um bem que, em face dos elevados índices de sinistralidade que marcam as nossas estradas, se revela cada vez mais importante do ponto de vista social (segurança rodoviária), o que eleva a medida de pena imposta pelas exigências de prevenção geral, ditadas pela necessidade de estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e o efeito dissuasor, a par das necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir em concreto;

9. Atendendo a estes critérios e ainda que tendo em consideração como referiu o Mmº. Juiz a quo que a pena acessória causa um maior trastorno na vida das pessoas, nomeadamente pessoal e profissional, mas por factos que só àquele são imputáveis, as finalidades da pena assim o impõe, para protecção de um bem jurídico valioso- a segurança rodoviária- que encerra em si próprio diversos outros bens jurídicos, como o direito à vida e à integridade física e até à propriedade privada, é desajustada a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 15 dias, ainda muito próxima do limite mínimo legal da respectiva moldura, que se fixa entre 3 meses a 3 anos;

10. Pelo que violou a tribunal a quo, os critérios contidos nos artigos 40.º, 69.º, n.º 1, al. a), e 71.º, todos do Cód. Penal, para fixação da pena acessória a aplicar ao arguido, as quais deverão ser mais elevadas, e não tão exíguas, distanciando-se do mínimo legal, tal como a taxa apresentada, não podendo a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por período não inferior a 6 meses;

11. Deverá pois, nesta parte, ser revogada a sentença proferida e substituída por outra conforme ao direito.”

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3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, ao mesmo não tendo respondido o arguido.

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4. Subidos os autos a este tribunal, nele o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado Parecer, nos termos do qual considerou que deve ser concedido provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público, junto do tribunal recorrido.

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5. Cumpridos os vistos, realizou-se a competente conferência.

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6. O objecto do recurso versa a apreciação da seguinte questão:

- Medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

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7. A sentença recorrida, no que diz respeito aos factos provados, sumariamente ditados para a acta, é do seguinte teor:

No dia 03.01.2024, pelas 20h55, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, na Avenida …, em …, e, submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, apurou-se uma TAS igual a 2,39 g/l, que, deduzido o EMA, corresponde a urna taxa não inferior a 2,271 g/l.

O arguido sabia que tinha ingerido alcoólicas em quantidades que ultrapassavam o limite legal de teor de álcool de 1,2 g/l e, ainda assim, quis conduzir veículo ligeiro em causa, na via pública, com a mencionada taxa de álcool no sangue, apesar de saber que tal facto era proibido e punido por lei penal, mas, apesar de o saber, quis actuar da forma descrita, e conduzir o mesmo, nas condições em que o fez.

O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente,

Mais se apurou que:

O arguido não regista antecedentes criminais.

Confessou integralmente e sem reservas a prática do crime de que vem acusado.

Está, presentemente, desempregado, trabalhando, habitualmente, como cozinheiro.

Aufere de subsídio de desemprego o montante de 640,00 € mensais.

É solteiro e não tem filhos.

Paga de renda de casa 150,00 €, por mês.

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8. Apreciando:

O inconformismo da Digna Magistrada do Ministério Público, aqui recorrente, prende-se com a medida da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, que foi aplicada, ao arguido, por a considerar desajustada à gravidade do facto e perigosidade do agente nele revelada, sustentando que a mesma deverá ser fixada em quantum não inferior a 6 meses.

Apreciando:

Estabelece o art. 40.º do Cód. Penal que a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O art. 71.º do Cód. Penal explicita que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atentos os factores descritos no n.º 2 do mesmo artigo (grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências do facto, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo ou da negligência, sentimentos manifestados no cometimento do crime, bem como os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior aos factos, a falta de preparação para manter uma conduta lícita).

Temos, assim, que culpa e prevenção, são os dois termos do binómio, com o auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. A culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 214 e ss.).

A medida da pena será dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente, com o limite inultrapassável da medida da culpa.

Em suma, a tutela dos bens jurídicos e reinserção do agente são, em síntese, as finalidades da aplicação de uma pena, que não poderá nunca ultrapassar a medida da culpa.

No caso, o bem jurídico protegido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cometido pelo arguido, é a segurança da circulação rodoviária, a segurança no tráfego, do trânsito de pessoas e veículos, por forma a evitar riscos e lesões para a vida, a integridade física e bens patrimoniais, tutelando-se, por conseguinte, um interesse público, consubstanciado na segurança dos utentes da via pública, acautelando que os principais agentes do tráfego rodoviário, os condutores, dirijam as suas viaturas em condições psicomotoras normais, tratando-se de um crime de perigo abstracto.

No que concerne à medida da pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, que foi aplicada ao arguido, e, tal como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.165, a graduação da medida concreta da pena acessória obedece aos mesmos critérios da pena principal e dela se espera que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente.

Com efeito, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo, não apenas de intimidação, da generalidade, mas, também, de defesa contra a perigosidade individual – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Maio de 2015 (Processo n.º 915/14.9SGLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também ao estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade e na necessidade de incutir no espírito do condutor que, após ingerir bebidas alcoólicas, não pode conduzir.

Pela sua pertinência, reproduzem-se aqui os acórdãos mencionados nas alegações de recurso, pela Digna Magistrado do Ministério Público:

“Conforme já se afirmava na douta sentença citada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Junho de 2005 (disponível em www.dgsi.pt, com o n.º convencional JTRP00038140), “A condução sob o efeito do álcool, porque potencialmente indutora de consequências devastadoras para a saúde pública (e individual), deve merecer dos Tribunais, cada vez mais, punição severa – assim a sociedade recebendo o “sinal” de que tais comportamentos não são mais tolerados.

Como bem salienta o Acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Setembro de 2012, “A determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71° do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a tal pena acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, revelada na gravidade do facto praticado; O grau de ilicitude e perigosidade do agente revelam-se acima de tudo na taxa de alcoolemia de que o arguido é portador”.

Também no Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Maio de 2010, relator Esteves Marques se pode ler que “A pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool. Como se refere no Manual de Alcoologia para o Clínico Geral “ Na prática corrente da condução, os efeitos do álcool sobre a célula nervosa e sistema nervoso central e periférico, as “atitudes”, euforia e sobrestima da máquina e de capacidades, informação sensorial alterada, deficiente coordenação motora, atraso de reflexos, … são também factores que põem em risco a aptidão do condutor, representando o álcool a causa directa de elevada percentagem de mortes por acidentes de viação, e causa concomitante de acidentes de que apenas resultaram feridos e prejuízos materiais. Portanto o álcool desempenha um papel não somente como factor de risco de acidente, mas também na gravidade do mesmo. De acordo com o fenómeno da multiplicação de risco, de Freudenberg, verifica-se que este não cresce proporcionalmente com os valores da alcoolémia. Assim, em relação a um condutor abstinente, um outro com uma alcoolémia de 0,5 gramas/litro está sujeito ao dobro do risco, um segundo com a de 0,8 gramas/litro, ao quádruplo do risco do primeiro, e um terceiro com a de 1,5 gramas/ litro passa a estar sujeito a um risco dezasseis vezes maior. ” Como referem aqueles autores, a alcoolémia superior a 2 gramas por litro, caracteriza-se “por alterações muito marcadas — a nível de pensamento, da atenção, da esfera sensorial, da sensibilidade, da coordenação motora e do equilíbrio ”.

Observada a medida abstracta da pena acessória [entre 3 meses e 3 anos], não podemos considerar que se tenha ponderado, de forma rigorosa, na fixação da pena concreta da pena acessória [4 meses e 15 dias], que foi aplicada ao arguido, a todas as circunstâncias factuais e pessoais, em estrito cumprimento do estabelecido nos artigos 69º, 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.

Com efeito, não podemos deixar de ter em vista as exigências subjacentes à aplicação da pena e as finalidades visadas pelo legislador, ao estabelecer a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, quando em causa se encontra a prática de determinado tipo de ilícitos, ao considerar as elevadíssimas exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que ilícitos, como o de condução de veículos em estado de embriaguez, ocorrem, assim como o perigo que representam, quer para a integridade física / vida de terceiros, como até do próprio condutor.

Tal como o próprio Mmº Juiz afirmou na leitura da sentença proferida, “a taxa de alcoolémia é elevadíssima, efectivamente, eu diria é uma taxa realmente elevada, quase a chegar ao extravagantemente elevada. É uma conduta em termos objectivos de plena afronta às regras comuns de segurança rodoviária, por isso mesmo é um acto particularmente inaceitável para a comunidade”,

Na sentença recorrida, também se atendeu, entre o mais, à confissão do arguido [ao que não podemos deixar de registar que esta não assume particular relevância, neste tipo de crime, face à prova que consta dos autos], à ausência de antecedentes criminais, à sua inserção profissional e familiar, e à limitação muito importante que acarreta, na autonomia pessoal e laboral do agente, a aplicação da pena acessória em causa, daqui concluindo o Mmº Juiz a quo que a fixação da medida concreta da mesma se devia situar num patamar não elevado da moldura penal abstracta, consideração com a qual não podemos concordar.

Na verdade, teremos de atentar no elevado grau de ilicitude, na intensidade do dolo que é directo, à elevadíssima taxa registada, a perigosidade do agente revelada no facto, a par das elevadas e prementes necessidades de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, sendo inquestionável que a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis causa um maior transtorno na vida das pessoas e tem consequências que, frequentemente, a pena de multa não causa, nomeadamente por aquela acarretar reflexos negativos importantes na autonomia pessoal e profissional, mas tal só ocorre por factos que só àquelas são imputáveis.

Pelo exposto, temos de concluir que, no caso, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses e 15 dias, muito próxima do limite mínimo legal da respectiva moldura, se mostra desajustada à gravidade do facto e à perigosidade do agente nela revelada.

Tendo tomado a decisão de conduzir um veículo ligeiro de passageiros, na via pública, com uma TAS não inferior a 2,271 g/l, não pode o arguido deixar de ser por ela responsabilizado, dentro dos critérios de legalidade estabelecidos, não se podendo deixar de ter em consideração a finalidade da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, que visa única e exclusivamente a consciencialização do arguido, para que paute, futuramente, as suas condutas de acordo com a lei.

Como se faz notar no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Janeiro de 2013 (Processo n.º 593/12.0PEAMD.L1-9, disponível em www.dgsi.pt): “a opção do legislador plasma uma inequívoca direcção político-criminal que reconhece que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador’.

É precisamente essa a finalidade da pena acessória, a de incutir no espírito do condutor que, após ingerir bebidas alcoólicas, não pode conduzir.

Importa considerar, em suma, as muito elevadas exigências de prevenção deste tipo de infracção, sobretudo de prevenção geral, face aos significativos índices de sinistralidade verificados nas nossas estradas, no caso, em concreto, e, em particular no concelho de Albufeira, provocada, em grande parte, pela condução sob a influência do álcool, impondo que “as sanções aplicáveis se decretem com certa severidade, pois só assim poderão apresentar-se como dissuasoras do comportamento (...) dos condutores que bebem em excesso e que em tal estado de embriaguez, se atrevem ou se sentem impelidos para conduzir” (cf., neste sentido, o Ac. do T.R.C. de 3 de Julho de 1997, in C. J., Ano XII, t. 3, pág. 57).

Aplicando-se ao arguido, como é o caso dos autos, uma pena acessória muito próxima do mínimo legal, de 3 meses, quanto seria de aplicar a um indivíduo que fosse detectado a exercer a condução com uma TAS de 1,21g/l?

Temos, pois, que a aplicação da pena acessória, nos termos preconizados, nos autos, constitui uma verdadeira e flagrante violação das regras previstas nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal.

Tudo ponderado, afigura-se-nos ajustado que ao arguido seja aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 6 (seis) meses, a qual se mostra em concordância com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, tal como, muito bem elencado, no Parecer proferido pelo Ex.mo Senhor Procurador Geral Adjunto, nos presentes autos (1).

O recurso será, assim, face aos termos sobreditos, julgado procedente.

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- Decisão:

Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora, em conceder provimento ao recurso interposto pela Digna Magistrada do Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que condenou o arguido, AA, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, condenando-se, agora, o mesmo na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 6 (seis) meses, no mais se mantendo a decisão recorrida.

Sem custas

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(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)

Évora, aos 18 de Junho de 2024

Os Juízes Desembargadores

Anabela Simões Cardoso

Margarida Bacelar

Artur Vargues

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1 Cf,, entre muitos outros, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos dos Tribunais da Relação de Évora e de Guimarães, sendo os deste último Tribunal respigados do Ac. da Relação de Guimarães de 17.04.2023, relator Cruz Bucho:

- Ac. Relação de Évora – 27.04.2010 – Relator João Amaro – TAS 1,74g/l (+ anteriores condenações) – 5 meses e 15 dias de inibição;

- Ac. Relação de Évora de 14.02.2013 – Relator Carlos Berguete Coelho – TAS 1,49g/ - 3 meses e 15 dias;

- Ac. Relação de Évora de 25.10.2022 – Relatora Beatriz Marques Borges – TAS 2,134 g/l – 6 meses;

- Ac. Relação de Évora de 28.02.2023 – Relatora Laura Goulart Maurício – TAS de 2,23 g/l – 5 meses;

- Ac. Relação de Évora de 09.05.2023 – Relatora Ana Bacelar – TAS de 2,20g/l – 7 meses;

- Ac. Relação de Évora de 12.07.2023 – Relator Carlos de Campos Lobo – TAS de 2,79 g/l – 6 meses - neste acórdão, estava em apreciação a prática pelo arguido de dois crime de condução de veículo em estado de embriaguez, num com a referenciada TAS de 2,79 g/l e, noutro, com a TAS de 2,82 g/l, em ambos foi-lhe aplicada a pena de 6 (seis) por cada um e, em cúmulo, ficou condenado na pena de 10 (dez) meses de inibição (processo 22/20.5GCABT.E1);

- Ac. Relação de Évora de 10.10.2023 – relator João Carrola – TAS de 2,89 g/l (+ condenações anteriores) 12 meses;

- Ac da Relação de Guimarães de 5-12-2011, proc.º n.º 88/10...., rel. Fernando Chaves, que aplicou a sanção acessória de 4 (quatro) meses, numa TAS de 1,88 g/l;

- Ac da Relação de Guimarães de 26-3-2012, proc.º n.º79/11...., rel. Fernando Chaves, que aplicou a sanção acessória de 5 meses, numa TAS de 2,02 g/l (arguido sem antecedentes criminais);

- Ac da Relação de Guimarães de 25-6-2012, proc.º n.º 325/11...., rel. Lígia Moreira, que aplicou a sanção acessória de 4 (quatro) meses, numa TAS de 1,51 g/l. g/l (arguido sem antecedentes criminais).

- Ac da Relação de Guimarães de 17-3-2014, proc.º n.º 16/13...., rel. Lee Ferreira, que aplicou a sanção acessória de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, numa TAS de 1,90 gr/litro (arguido sem antecedentes criminais);

- Ac da Relação de Guimarães de 1-12-2014, proc.º n.º 621/13...., rel. Tomé Branco, que aplicou a sanção acessória de 4 (quatro) meses numa TAS de 1,69 g/l (arguido sem antecedentes criminais).

- Ac da Relação de Guimarães de 24-4-2017, proc.º n.º 12/17...., rel. Jorge Bispo, que aplicou a sanção acessória de 6 (seis) meses numa TAS de 2,088 g/l.

- Ac da Relação de Guimarães de 28-10-2019, proc.º n.º 156/19.GAVNF.G1, rel. Jorge Bispo, que aplicou a sanção acessória de 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias numa TAS de 2,42gr/l, (arguido sem antecedentes criminais).

- Ac da Relação de Guimarães de 12-10-2020, proc.º n.º 271/20...., rel por Jorge Bispo, que aplicou a sanção acessória de 3 meses e 15 dias numa TAS de 1,37gr/l.

- Ac da Relação de Guimarães de 9-12-2020, proc.º n.º 55/20...., rel. Ausenda Gonçalves, que aplicou a sanção acessória de 4 meses numa TAS de 2,20gr/l.

- Ac da Relação de Guimarães de 27-9-2021, proc.º n.º 250/20...., rel. Armando Azevedo, que aplicou a sanção acessória de 5 meses numa TAS de 2,16gr/l.

- Ac da Relação de Guimarães de 7-3-2022, proc.º n.º 132/21...., rel. Anabela Varizo Martins, que aplicou a sanção acessória de 4 meses numa TAS de 2,20gr/l.

- Ac da Relação de Guimarães de 24-10-2022, proc.º n.º nº 208/21...., rel. Helena Lamas, que aplicou a sanção acessória de 7 (sete) meses e 15 (quinze) numa TAS de 2,72 g/l