Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS DE CAMPOS LOBO | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VÍTIMAS CRIANÇAS PRISÃO EFECTIVA PENA ACESSÓRIA | ||
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Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - Em quadros de violência doméstica importa, em termos de prevenção geral, enfrentar de modo incisivo determinado paradigma de comportamentos, denotando a comunidade em geral um sentimento de intolerância ante vítimas crianças e de tenra idade. II - Perante este tipo de visados, certos atos a si dirigidos podem ter efeitos e repercussões de dimensão perturbadora no seu desenvolvimento são e crescimento equilibrado, vertente esta inaceitável em termos comunitários. III - Ações perpetradas sobre menores, consubstanciadas em ofensas à integridade física e injúrias que se foram repetindo no tempo e em período de algum significado, de acordo as regras da normalidade, são passíveis de causar lesões / marcas / registos em toda a esfera emocional e física de crianças, mormente, quando advindas de alguém de quem se espera e acalenta proteção, apoio, carinho, sossego e até apego. IV - O prolongar e repetição no tempo de certo agir, sem o menor sentimento de compaixão e comiseração pelo sofrimento imposto a crianças, ignorando / esquecendo todo o prejuízo que para aquelas poderia advir, transparece ausência de posicionamento empático e de respeito pelo outro na sua mais elementar dimensão. V - Tudo isto não se compagina com a possibilidade de suspensão da execução de pena de prisão. VI - A imposição de penas acessórias por força do plasmado no nº 6 do artigo 152º do Código Penal apela a exigências de ponderação da concreta gravidade dos factos, sugerindo o legislador, ao que se cogita, o desenho de uma realidade carregada de traços / contornos / linhas de peso negativo de magnitude intolerável. VII - Por seu turno, e para tal, pressupõe-se e exige-se que na acusação e / ou pronúncia se faça referência à norma legal que o consagra, sendo que não constando de tais peças processuais essa menção, para a aplicação de penas acessórias é necessário que o juiz faça uma comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação e / ou pronúncia, sob pena da sentença ser nula, por violação do direito de defesa do arguido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1. No processo nº 10/23.0GCCTB da Comarca de Évora – Juízo Central Civil e Criminal de Évora – Juiz 2, foi deduzida acusação contra, 2.Inconformado com o decidido, recorreu o arguido questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição) 1. O agora recorrente fora condenado, como autor material, na forma consumada, DE DOIS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA AGRAVADO, p. e p. pelo artigo 152.º n.º 1, al. d) e e) e n.º 2, alínea a), do Código Penal: - na pena de 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO – quanto ao ofendido J; 1. O arguido tece múltiplas e genéricas considerações a propósito da factualidade julgada provada, nomeadamente, que as testemunhas E, A, R, F e V referiram em julgamento que nunca viram sinais de violência no corpo das crianças nem alguma coisa que suscitasse alarme, mas não avança um único argumento concreto extraído dessas declarações que, articulado com a demais prova produzida em julgamento, mencionada na fundamentação da matéria de facto, que imponha uma decisão contrária à tomada pelo Tribunal Colectivo, como exige o disposto no artº 412º, nº 3, al. b), do C.P.P.. Mais, 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se também no sentido da improcedência do recurso, referindo (…) o tribunal a quo apreciou a prova de modo racional, objetivo e motivado, com respeito pelas regras da experiência comum, não competindo ao tribunal ad quem censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se postergar o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.127º do C.P.P[1]. O arguido, respondendo, reiterou o propugnado no seu requerimento recursivo. 5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação 1.Questões a decidir Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95. 2. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição) FACTOS PROVADOS 2.2. Fundamentação da matéria de facto: (transcrição) O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, designadamente, as declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial e audiência de discussão e julgamento, as declarações para memória futura prestadas pela criança J, os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos aos autos, prova esta que que se fez tendo por fundamento, ademais, o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. * Assim, e concretizando, os pontos 1 e 2, acham-se demonstrados das declarações prestadas pelos arguidos, que referiram em que momento iniciaram a relação amorosa, os locais onde fixaram a sua residência e os períodos em que ocorreram, coincidentes entre si, tendo por isso merecido credibilidade para o Tribunal. O ponto 3 resultou ainda demonstrado das declarações dos arguidos conjugadas com o teor das certidões de nascimento juntos aos autos em 07.02.2023 [com as Ref.ªs: 32630493, 32630491 e 32630489]. A factualidade vertida nos pontos 4 a 16 resultaram provados das declarações prestadas pela arguida C conjugadas com as declarações da criança J em sede de declarações para memória futura e os depoimentos das testemunhas F e V. O arguido B prestou declarações admitindo que “o J de vez em quando se portava mal e dava-lhe uma nalgada”(sic). Mais referiu que a sua relação com o J sempre foi boa gostava deste como se de um filho tratasse, no entanto, chamava-o à atenção porque pintava a parede do quarto e os lençóis com lápis. Nessa altura, a arguida C estava presente e ralhava também com o filho começando este a chorar. No mais, negou a factualidade constante do libelo acusatório. A arguida C prestou declarações e admitiu grande parte da factualidade. Começou por referir que B era calmo mas quando bebia álcool batia no J e na M e começava a “resmungar”. Que bebia em casa e a situação agravou-se desde a pandemia, passando a beber quase diariamente. Referiu que assistiu o arguido B a chamar a J de “estúpido, filho da puta, vai para o caralho, burro e deficiente”. Assistiu ao arguido a dar nalgadas e chapadas e socos na zona lombar do J e a atirá-lo para o sofá “como se fosse um boneco” (sic). Viu o arguido a dar pontapés, situações em que deixavam a criança a chorar. Quanto a M, o arguido deu-lhe nalgadas “que fazia com que levantasse os pés do chão” e atirava-a para cima do sofá por causa das birras que a mesma fazia, momento em que a arguida pegava na criança ao colo e levava-a consigo. Circunstância que já não fazia com J, uma vez que, quando se metia à frente do arguido, este empurrava-a e só parava quando este soluçava e se encolhia. Por último referiu que J tinha medo do arguido. Inquirida a testemunha F [mãe da arguida C que, não obstante tal relação de parentesco, prestou depoimento claro, sem contradições e coerente e, por esse motivo, mereceu credibilidade para o Tribunal], pela mesma foi referido que assistiu a alguns episódios em que o arguido deu palmadas no rabo e na cabeça de J. Já no que concerne à M, viu o mesmo a dar palmadas no rabo e a sentá-la no sofá , dizendo mesmo: “ela chorava bem, era de dor”. Que tanto M como J choravam bastante e, este último, tinha medo do arguido, chegando mesmo a ver a criança a tremer. Quando o arguido chegava a casa, J “ia para o quarto, ia para um cantinho”. Ouviu ainda o arguido B a chamar a J de “Cabrão” e a dizer “vai para o caralho”. Que as situações ocorriam quando o arguido bebia, o que acontecia quase diariamente, facto que teve oportunidade de comprovar quando se deslocava a casa do casal, nomeadamente na Páscoa e no Natal do ano transacto (2022). A testemunha distinguiu ainda o facto de “quando não bebia, era mais um “ralhar “[referindo-se aos menores]”. Por sua vez, a testemunha V [prima da arguida C e madrinha de J], referiu que durante um passeio que realizou, viu o seu afilhado, J, a chorar e a pedir para não o levar para casa porque o arguido lhe “batia muito”. Que pensava que era uma birra de J mas depressa percebeu que este demonstrava bastante medo do arguido B, tanto mais que a criança soluçava e só dizia que não queria ir para casa. Alguns dias depois, viu o arguido B a repreender o J e aquele terá levantado a mão para lhe bater mas a testemunha mandou baixar a mão e este retrocedeu nos seus intentos. Por último disse que o arguido tinha sempre de ter álcool em causa, referindo mesmo: “nunca estive com ele sem que estivesse sério ou não estivesse a beber”. O seu depoimento revelou-se claro, coerente, escorreito e sem contradições, razão pela qual mereceu credibilidade para o Tribunal. As testemunhas E [professora do J de Setembro de 2022 a Fevereiro de 2023], A [coordenadora do Jardim de Infância onde se encontravam as crianças M e T de Setembro de 2022 a Fevereiro de 2023] e R [auxiliar de infância do T de Setembro de 2022 a Fevereiro], foram unânimes ao referir que era a arguida quem ia, algumas vezes, buscar os filhos, nunca tendo visualizado quaisquer marcas no corpo das crianças. Ora, as declarações do arguido não mereceram qualquer credibilidade para o Tribunal, pois que orientados para fazer crer ao Tribunal que as “nalgadas” que admitiu ter dado à criança J se tratavam de uma resposta ao facto de o mesmo “se portar mal”. Sucede que, em nenhum momento foi relatado quer pela arguida, quer pelo menor ou mesmo pela testemunha F que a criança tenha pintado paredes ou lençóis. Por outro lado, quer a arguida C quer a testemunha F foram na grande maioria coincidentes ao referir as expressões utilizadas pelo arguido quando se dirigia a J, bem como a forma e locais onde atingia a criança. Não olvidamos as declarações prestadas por J, em declarações para memória futura, na medida em que foi referindo os locais onde o arguido o atingia, a forma como se dirigia a si [designadamente de “parvo”] chegando mesmo a referir que não fazia nada e só por isso o arguido lhe batia e esclareceu como se sentia com tais comportamento do arguido, na medida em que ficava triste e a chorar. Pese embora estejamos perante uma criança de apenas 7 anos de idade e eventualmente possa ter alguma limitação cognitivo-intelectual de acordo com o relatório pericial psicológico junto aos autos em 13.06.2023 [Ref.ª 3662774], a factualidade dada como provada resulta da conjugação das declarações da arguida C, que a essa parte, cremos que foram verdadeiras, pela forma pormenorizada como os foi relatando e que se mostram conformes com os depoimentos prestados por F e V, que atestaram a forma como a criança se encontrava – a soluçar e a tremer. Não se suscitaram, pois, dúvidas em dar os pontos 4 a 7, 10 a 12 como provados. Já no que aos pontos 8, 9 e 12, referentes à criança M, o Tribunal formou a sua convicção nas declarações da arguida C conjugadas com o depoimento de F. De facto, não se suscitaram dúvidas ao Tribunal quanto à forma e locais onde o arguido atingiu a filha do casal, pois que as declarações de C e da testemunha F se mostraram consentâneas. De referir que, pese embora esta testemunha tenha referido que não sabia se a criança chorava para não ser contrariada a verdade é que a mesma referiu que “chorava muito e bem e era de dor”, o que, só por si, é revelador da intensidade com que eram dadas as palmadas, ainda que alegadamente não tenham sido visíveis quaisquer marcas na criança. Também não olvidamos que os comportamentos do arguido sobre aquelas crianças tinham, pelo menos, inerente o consumo excessivo de bebidas alcoólicas – atestado pelas declarações da arguida C e das testemunhas F e V. Na verdade, não se suscitaram, por isso dúvidas a este Tribunal em dar o ponto 14 como plenamente demonstrado. Não obstante o arguido ter declarado que bebia mas não o fazia em excesso a verdade é que o mesmo admitiu beber, designadamente, cerveja e que o fazia à frente das crianças. Ainda que a testemunha R [amigo do arguido B há cerca de 6 a 7 anos], tenha referido que nunca visualizou o arguido a oferecer bebida a J, a verdade é que o seu depoimento foi marcado por alguma inconsistência e parcialidade e não mereceu credibilidade para o Tribunal. A testemunha referiu que visitava a casa dos arguidos e ali pernoitava quinzenalmente ou mensalmente, vendo televisão e bebendo uma a duas cervejas ou um copo de vinho. No entanto, nunca viu o arguido alcoolizado. Ora, não se revela consentâneo com as regras da experiência comum que a testemunha e o arguido dedicassem o seu tempo “livre” apenas a ver televisão e ser a única testemunha que tenha relatado que o arguido bebia uma a duas cervejas infirmando o depoimento das demais testemunhas e da própria arguida C. Tal depoimento foi por isso insuficiente para abalar a convicção formada pela restante prova, designadamente pelo testemunho de F que referiu ter presenciado o arguido a oferecer cerveja ao J, que bebeu, não obstante C ter pedido para o arguido parar, e aquele prosseguiu com os seus intentos referindo mesmo que J tinha de beber para ser homem – depoimento este que foi corroborado pelas declarações da arguida – dando-se como provado o ponto 14. O ponto 13 resultou demonstrado das declarações da arguida que confirmou ter presenciado todas as ocasiões descritas no libelo acusatório. E, embora tenha referido que se tenha colocado à frente do arguido e este a empurrava [no caso do J] ou pegava na M ao colo, a verdade é que tais situações não foram de forma a impedir os comportamentos do arguido em relação aos seus filhos, tanto mais que referiu que, em várias situações, saiu para tratar do jardim deixando as crianças com o arguido, tendo conhecimento que este tinha acabado de consumir álcool. O ponto 15 resultou provado da conjugação de toda a prova produzida, designadamente das dos depoimentos das testemunhas F e V o que, juntamente com as regras da experiência comum, sedimentaram a convicção do tribunal, sendo que o arguido não podia deixar de saber que ao infligir os maus-tratos descritos estava a molestar física e psicologicamente o seu “enteado” e a sua filha e lhes provocava grande sofrimento, o que quis e logrou. Já quanto ao ponto 16, mostrou-se claro que a arguida C incumpriu de forma flagrante para com os deveres que lhe eram impostos enquanto mãe, não afastando de qualquer forma os seus filhos do perigo que corriam, tanto mais que deixava o arguido com os filhos sabendo que o mesmo tinha acabado de consumir álcool e, dessa forma, contribuiu, também ela, para o sofrimento psíquico e físico sofrido pelas crianças, ao que podia ter obstado tendo plena capacidade e obrigação de fazer. Tudo visto, jamais poderiam os arguidos ser alheios às consequências que tinham as suas condutas no desenvolvimento dos menores que eram as mesmas ilícitas e censuradas do ponto de vista penal, resultando claramente provado o ponto 17. A factualidade vertida no ponto 18 resultou demonstrada da conjugação das declarações dos arguidos, declarações para memória futura de J, do teor dos relatórios sociais juntos aos autos a 17.10.2023 e 19.10.2023 [Ref.ªs: 3783086 e 3786289],e documento de fls. 141. O ponto 19, resultou demonstrado das declarações dos arguidos que mereceram credibilidade tendo o mesmo sido ainda conjugado com a análise do documento junto a fls. 361 a 364 [carta enviada pelo arguido à arguida]. A situação pessoal e profissional dos arguidos vertidas nos pontos 20 a 23 e 25 a 28, resultou provada da análise dos relatórios sociais juntos aos autos a 17.10.2023 e 19.10.2023 [Ref.ªs: 3783086 e 3786289] conjugados com as declarações prestadas pelos arguidos as quais, pela sua espontaneidade, mereceram credibilidade [excepto no que respeita à escolaridade do arguido B, atendendo o Tribunal ao teor do relatório social face ao tempo despendido por parte dos técnicos com os arguidos e que permite a estes avivar com maior exactidão tais circunstâncias]. Soçobra a factualidade vertida nos pontos 24 e 29, que resultou demonstrada e dos certificados de registo criminal junto aos autos a 11.10.2023 [Ref.ªs: 3775374 e 3775373]. * Os FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS decorreram de quanto aos mesmos não ter sido produzida qualquer prova, ter sido produzida prova em contrário ou não ter sido produzida prova suficiente.No que respeita às alíneas a), d) a h), resultou não provada uma vez que quanto às mesmas nenhuma prova foi produzida nesse sentido. Resultou igualmente não provadas as alíneas b) e c), uma vez que, das declarações da arguida C prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial e em audiência de julgamento foram contraditórias, pois que se por um lado naquele primeiro momento referiu que o arguido deu um soco a J e o mesmo terá vomitado, em audiência de julgamento referiu que o arguido só deu socos a jogo no rabo e não se recorda de o mesmo ter vomitado nessa sequência. Ouvida a criança J (em sede de declarações para memória futura), não resultou que este tenha vomitado na sequência de quaisquer actos perpetrados pelo arguido, mas antes porque se encontrava doente. Já no que respeita às alíneas i) e j), ainda que a arguida C tenha referido que, em uma das ocasiões, o arguido lhe terá referido que se saísse de casa apenas levava o menor J e que a matava, que tinha receio do arguido pois era ameaçada e “para onde ele ia eu tinha de ir”, a verdade é que tais declarações não mereceram qualquer credibilidade para o Tribunal pois que contraditórios e centrados na desculpabilização e culpabilização do seu ex-companheiro, o arguido B. De facto, ao longo das suas declarações a arguida mostrou liberdade de movimentos, pois não só demonstrou que saía de casa para tratar do jardim, deixando o arguido em casa com os filhos, como trabalhava e deslocava-se livremente ao local de trabalho. Por outro lado, não podemos deixar de salientar que a arguida referiu não puder conduzir e, não obstante, foi vista pelas testemunhas E, A e R, num veículo quando esta ia, sozinha, alguma vezes, buscar os seus filhos. Por outro lado, a própria mãe da arguida, a testemunha F [pessoa que a arguida referiu que era muito próxima] referiu que a arguida lhe terá referido que nunca lhe faltou nada. Acresce dizer que em nenhum momento a arguida, procurou ajuda ou falar com alguém ou mesmo apresentar queixa contra o arguido. Por último, não podemos deixar de considerar que a factualidade vertida naquelas alíneas e as declarações da arguida não são concordantes com o comportamento do arguido para com aquela, pois que as expressões foram sempre dirigidas ao filho desta e os actos de violência eram praticados na pessoa do enteado e filha deste e nunca sobre a arguida. Nessa medida, tal factualidade resultou como não provada uma vez que não foi produzida prova suficiente que validamente pudesse corroborar a versão da arguida e permitir que o Tribunal formasse uma convicção positiva sobre aquela factualidade.
2.3. Das questões a decidir Olhando ao instrumento recursivo, ao que se pensa, assume o arguido recorrente a sua discordância quanto à factualidade dada como assente, mormente no que tange ao circunstancialismo atinente com a menor vítima M. * Caso o intento reativo do arguido recorrente se reporte à invocação do vício precavido no artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPPenal – erro notório na apreciação da prova – importante seria que recursivamente, despontasse claro que olhando à decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, exuberasse alguma evidente falha, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, acima já se fez menção[6]. Aqui, igualmente, não se visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria em discordância, assumindo-se antes como um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que está em causa é antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova enunciados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[7]. A apontada mácula, abrange o erro sobre facto notório incluindo os factos históricos de conhecimento geral; a ofensa às leis da natureza (vg. considerar provado um facto física ou mecanicamente impossível), a ofensa às leis da lógica (vg. incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova); ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos[8]. Mostram-se aqui incluídas todas as situações que se assumam como casos de erro “(…) evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) também todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”[9]. Tem-se igualmente entendido na jurisprudência configurar tal noção, tudo o “(…) que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa” (…) aquele erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta”[10]. Sopesando toda a decisão recorrida não emerge erro notório na apreciação da prova, entendido como aquilo que se mostre evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e resulte do texto do Acórdão conjugado com as regras da experiência comum. Por seu turno, o que parece ocorrer é antes uma mera leitura divergente da prova produzida, mormente o peso conferido aos depoimentos prestados pela coarguida, mãe desta – F – e de V, em detrimento de outros. Ora, ao que se cogita, transluz que é jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores, que a atribuição de credibilidade, ou não, a prova por declarações ou testemunhal, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar, se for contrária às regras da experiência comum e lógica[11], sendo que nada impede que o julgador possa atribuir credibilidade a parte de um depoimento ou declarações e não a atribuir noutro vetor[12]. Diga-se, ainda, que se tem por pacífico que se vem aceitando que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de coarguido, sobre factos desfavoráveis a outro, sendo cristalino, pensa-se, que a lei não só não proíbe essa valoração como indica em vários preceitos que ela deve ocorrer – artigos 146º e 343º nº 4 do CPPenal -, notando-se que da norma consagradora do impedimento dos coarguidos testemunharem – artigo 133º nº 1, alínea a) do diploma em referência - não resulta a proibição de valoração, mas sim a proibição de aquisição do conhecimento probatório do coarguido, salvo no caso previsto no nº 2, na forma do testemunho[13]. Por outra banda, a invocada referência (…) professora e educadoras, testemunhas da acusação pública, realizados em sede de audiência de julgamento, em circunstância alguma censuraram o comportamento do aqui recorrente, e nunca viram sinais de violência no corpo dos menores que suscitassem sinalização, ao que se entende, em nada abala todo o extraído pelo tribunal recorrido. Com efeito, o facto de tais pessoas nunca terem questionado o comportamento do arguido recorrente e /ou terem constatado / detetado, sinais de elucidativos de os menores terem sido alvo de agressões em nada belisca / afasta o concluído em 1ª instância. Aliás, o tipo de agressões perpetradas nos menores vítimas – bofetadas no rabo e na cabeça, pontapés nas pernas, agarrar pelos braços, socos nas costas, arremesso para cima da cama e do sofá - podiam não ter deixado qualquer marca física imediata e facilmente visível. Neste seguimento, há que chamar à colação o princípio enformador do processo penal, princípio da livre apreciação da prova. O tribunal ouviu, avaliou, ponderou e decidiu. E todo esse processo foi seguido de um modo sustentado, lógico, racional e justificado, não resultando de uma mera opção arbitrária, caprichosa, descuidada e / ou insensata. Sopesando toda a parte decisória relativa à fundamentação da matéria de facto, a qual não se mostra minimamente questionada pelo arguido recorrente, para além da exibição de um geral desacordo, transparece, pensa-se, que está devidamente explicada a razão para o tribunal a quo ter dado como provados os factos que permitiram apontar ao arguido toda a panóplia criminal que conduziu à sua condenação. Ante tal, e sem necessidade de outros ponderativos, sucumbe este vetor recursivo. * Cabe então, em outro passo, ponderar o caminho seguido pelo tribunal recorrido em matéria punitiva. Preliminarmente, saliente-se que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo e que sobreleve de todo o espetro decisório. De outra banda, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu na decisão de primeira instância nesta vertente. Na verdade, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram sedimentadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei. Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida em primeira instância, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada[14]. Há assim que cotejar tais linhas com o trazido pelo arguido recorrente e o narrado na peça decisória, neste particular trecho. Defende o arguido recorrente, neste particular segmento (…) deverá a pena de prisão de SEIS anos e TRÊS meses ser substituída por outra com o limite máximo de CINCO anos e ser suspensa na sua execução (… ), sem apontar um quantitativo, para além de reforçar o seu exagero, relativamente a cada uma das penas parcelares. O tribunal recorrido quanto às penas principais parcelares, discorre – (…) as necessidades de prevenção geral são extremamente elevadas atendendo às consequências consabidamente de reiteração deste tipo de comportamentos e as consequências familiares e sociais dos mesmos (…) RELATIVAMENTE AO ARGUIDO B, cumpre ainda ter em consideração (…) às necessidades de prevenção especial, as mesmas são elevadas, uma vez que o arguido já conta com condenações anteriores, ainda que por crimes de diferente natureza mas com relevância o facto de ter sido condenado por crimes de condução em estado de embriaguez pelo menos por duas vezes, designadamente por factos ocorridos em 2019 e 2022 (…) o grau de ilicitude dos factos, é muito elevado, atendendo às circunstâncias, designadamente, o lapso de tempo em que manteve o seu comportamento, o modo de execução, as expressões insultuosas dirigidas ao seu “enteado”(de apenas 6 anos de idade), quer, em relação a ambas as crianças, os locais do corpo atingidos, tudo demonstrativo da falta de autocontrole por parte do arguido (…) intensidade do dolo, na forma mais grave, dolo directo (…) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou (falta de) motivos que o determinaram, associados ao consumo de álcool, de desprezo, de intolerância, de falta de assistência e solidariedade para com crianças de tenra idade (…) apresentou uma versão de desculpabilização fazendo crer que se limitava a exercer o poder correctivo juntos das crianças (…) o arguido encontra-se socialmente inserido. Reconhece-se que importa em termos de prevenção geral enfrentar de modo incisivo este paradigma de comportamentos, denotando a comunidade em geral um sentimento de intolerância neste tipo de quadros, máxime ante vítimas crianças e de tão tenra idade. Com efeito, perante este tipo de visados, certos atos a si dirigidos podem ter efeitos e repercussões de dimensão perturbadora no seu desenvolvimento são e crescimento equilibrado, vertente esta inaceitável em termos comunitários. Não se tendo claramente evidenciado em termos de concretização e detalhe as consequências físicas e psíquicas advindas para as crianças em causa, limitando-se o tribunal a conclusivas referenciações - grande sofrimento físico e grande sofrimento psíquico - parece indubitável que este tipo de ações perpetradas sobre os menores, consubstanciadas em ofensas a integridade física e injúrias que se foram repetindo no tempo e em período de algum significado, de acordo as regras da normalidade, são passíveis de causar lesões / marcas / registos em toda a esfera emocional e física de crianças tão pequenas. Ademais, quando advindas de alguém de quem se espera e acalenta proteção, apoio, carinho, sossego e até apego. No que tange à vertente da prevenção especial, sublinhando todos os matizes trazidos pelo tribunal a quo, sem olvidar que o passado criminal exibido se reporta a factos diametralmente distintos dos aqui em causa[15], apenas releva positivamente, crê-se, que o arguido se encontra socialmente inserido, tendo trabalho ao tempo destes factos e estrutura familiar. Perante este recorte, e não trazendo o arguido recorrente qualquer argumentário verdadeiramente questionador do decidido, crê-se que efetivamente as penas parcelares encontradas se mostram aceitáveis e equilibradas. Considere-se então a pena única encontrada que, efetivamente, é a que o arguido recorrente direta e prontamente afronta. Reza o tribunal a quo, neste patim recursivo (…) as circunstâncias em que os factos foram praticados (…) que a gravidade dos factos é muito elevada (…) a natureza dos crimes e as vítimas atingidas (…) o arguido sabe distinguir exactamente o bem do mal, tem capacidade para entender a gravidade das suas actuações e não desenvolveu um processo genuíno de auto-responsabilização, mostrando-se avesso a qualquer sentimento de culpa ou arrependimento, revelando uma personalidade alheia aos valores sociais básicos (…) contando ainda com a existência de passado criminal (…) considera-se adequada a CONDENAÇÃO DO ARGUIDO NA PENA ÚNICA DE 6 ANOS E 3 MESES DE PRISÃO. Partindo de tal e atendendo a todo o espetro factual existente, devidamente sedimentado e aceite, há que apurar da pena única e sobre a mesma congeminar. Em primeiro lugar, cumpre salientar que a solução encontrada pelo tribunal recorrido, considerando as penas parcelares ali fixadas, apresenta-se, ao que se crê, de manifesto e rotundo exagero / desequilíbrio / descomedimento pois, ante uma moldura oscilante entre 3 anos e seis meses de prisão e 6 anos e 7 meses de prisão, o tribunal recorrido situou-se em monta muito próxima do máximo possível – 6 anos e 3 meses de prisão. A pena única deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do agente e das diversas penas parcelares, sendo por isso necessário que se obtenha uma visão integrada dos factos, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto, a maior ou menor autonomia, a frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento[16]. Impõe-se o equacionar, em conjunto, a pessoa do autor e os delitos individuais, de modo que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve sempre refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência, sendo que na valoração da personalidade do agente deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si[17]. Há a reter, também, que não emergindo do ordenamento penal português o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem o da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo seu conjunto, este visto não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto os factos e a personalidade do agente[18]. Releva, ainda, a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[19]. Toda esta métrica, reclama, por isso, que se fundamente a opção a tomar, por forma a que a medida da pena do concurso não surja como fruto de um ato intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário, pese embora aqui, o dever de fundamentação não assuma nem o rigor nem a extensão dimanados do artigo 71º, podendo, todavia, os fatores enumerados no nº 2 deste inciso servir de mote enformador. O quadro em presença revelando algumas preocupações em termos de prevenção geral, como se fez notar, não enverga características de uma dimensão tão insustentável que justifique um quase toque no máximo possível. Ressalta que o arguido recorrente, apresentando passado criminal ligado a práticas de crimes na vertente rodoviária, esquematizando um estar de alguma pouca empatia e de certa dificuldade em termos autocríticos, não exibe qualquer condenação relacionada com este tipo de factos. A par, a circunstância de estar profissional e familiarmente inserido e ter hábitos de trabalho. Concatenando todos estes traços ponderativos, uma pena única a roçar a mediania possível (5 anos e 8 dias), situada no patim dos 5 anos de prisão parece ajustada. Em presença deste novo quadro punitivo, há então que ponderar a possibilidade de utilização da pena substitutiva – suspensão da execução da pena de prisão – pugnada pelo arguido recorrente. O artigo 50º do CPenal, mormente o seu nº 1, aponta para quais os critérios a seguir / observar para se poder recorrer ao instituto / mecanismo aí tratado. Nesse desiderato, parece pacífico que o primeiro se prende com a pena imposta - prisão aplicada em medida não superior a 5 anos -, sendo que o segundo reclama que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza no seguinte axioma: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por seu turno, assoma que a decisão de aplicação de tal pena de substituição reclama que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a tutela da confiança e das expetativas da comunidade na validade da norma jurídica violada. Haverá, pois, que ter sempre presente e premente as necessidades de prevenção manifestadas no sentimento jurídico da comunidade, pelo que uma pena de substituição da prisão, como o é a suspensão da execução da pena, (…) não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente (…) o sentimento de reprovação social do crime (…) o sentimento jurídico da comunidade[20]. Importa igualmente referir que indica o artigo 40º, nº1 do CPenal que as finalidades da punição são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que por força da revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março e, bem assim, a resultante da Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, houve um claro intento por parte do legislador em reforçar o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizando-se o papel da multa como pena principal e alargando-se o tipo e o âmbito de aplicação das penas de substituição. Por outra banda, certo é que dentre as penas de substituição exorbitam ainda as qualificativas de penas de substituição em sentido próprio – todas aquelas não privativas da liberdade, onde se insere a que ora se examina – e as penas de substituição em sentido impróprio – todas as que assumem caráter detentivo / cerceamento da liberdade. Sopesando tais premissas, olhe-se ao quadro em presença. Tal qual se sublinhou, desponta que o quadro crime em presença é passível de preocupação e de atenção da comunidade, em termos de prevenção geral, nomeadamente por estarem em causa crianças de tenra idade e, nessa medida, sem capacidade de defesa e de qualquer tipo de reação. O arguido recorrente já sofreu anteriores condenações – quatro e por condução sem habilitação legal e condução em restado de embriaguez – que embora em outros contextos, é revelador de alguma incapacidade de se autorregular e de se conformar respeitando o quadro normativo vigente. Diga-se, também, que o prolongar e repetição no tempo do seu agir, sem o menor sentimento de compaixão e comiseração pelo sofrimento imposto às crianças, ignorando / esquecendo todo o prejuízo que para aquelas poderia advir, transparece ausência de posicionamento empático e de respeito pelo outro na sua mais elementar dimensão. O arguido recorrente admitindo que por vezes dava uma nalgada ao ofendido J, ao que transparece, veio assumindo postura de alguma superficialidade e inconsequência face a todo o sucedido. Em presença de todo este retrato, pesando todo o atrás expendido, ao que se cogita, não é possível elaborar um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena serão o bastante para o cercear duma eventual tentativa de nova prática delituosa. Deste modo, entende-se ser de impor a pena de 5 (cinco) anos de prisão, devendo ser esta efetiva. * Visite-se, agora, a vertente relativa às penas acessórias aplicadas ao arguido recorrente.O tribunal recorrido, em suporte da decisão propalada, aduz (…) os factos praticados pelo arguido são muito graves. Não obstante o arguido ficar condenado em pena efectiva de prisão, a verdade é que e o mesmo não interiorizou o desvalor da sua conduta, pelo que afigura-se necessário, com vista a estabilizar a actual situação e sedimentar no arguido a gravidade da sua conduta, assegurando ao mesmo tempo a segurança protecção das vítimas e bem assim do outro filho do arguido - T - de forma a resguardar estas crianças, num futuro próximo, de forma a que nada perturbe a sua recuperação gradual deste quadro de sofrimento daqueles e de forma a conferir uma maior protecção a esta última criança, de apenas 2 anos, que sejam aplicadas penas acessórias (…) tendo em consideração os factos provados e o princípio da proporcionalidade das penas, e que a manutenção dos contactos com os filho menores poderá ser prejudicial para o crescimento e educação destes, em nome do interesse dos menores. Analisando o inciso legal em que se suporta o decidido em 1ª instância - artigo 152º do CPenal -, ao que parece, em matéria de penas acessórias, vigora o princípio da não automaticidade[21], o que imediatamente assola da literalidade podem ser aplicadas (nº 4), pode (…) ser inibido (nº 6). Por seu turno, a normação constante do nº 6 do artigo 152º do CPenal apela a exigências de ponderação da concreta gravidade dos factos em sindicância, sugerindo o legislador, ao que se cogita, o desenho de uma realidade carregada de traços / contornos / linhas de peso negativo de magnitude intolerável. Importa, ainda, notar que a imposição de uma pena acessória por força do dispositivo legal em referência, tanto quanto se vem entendendo, pressupõe e exige que na acusação e / ou pronúncia se faça referência à norma legal que a consagra, sendo que não constando de tais peças processuais essa menção, para a sua aplicação é necessário que o juiz faça uma comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, sob pena da sentença ser nula, por violação do direito de defesa do arguido[22]. Ora, visitando todo o percurso decisório tomado pelo tribunal recorrido, ao que exulta, falham em toda a sua extensão os matizes atrás formulados. Desde logo, o aspeto gravidade dos factos imputados ao arguido com a aludida coloração de magnitude incabível / inaceitável, não exulta. Na verdade, toda a materialidade descrita, não se escamoteando o seu significado e o seu negativo peso, parece não denotar a exigência / dimensão pedida pelo dispositivo legal em causa. Por outro lado, calcorreando todo o processado é imediata e prontamente claro que em nenhum momento da marcha processual se fez qualquer alusão, ainda que insinuadamente, à possibilidade de aplicação das penas acessórias em causa, e nessa medida, se permitiu o exercício do contraditório neste específico segmento. Ante este expendido, cabe concluir pela inexistência de condições mínimas para a imposição das medidas acessórias em questionamento, sendo de revogar a decisão proferida, nesta parte. III - Dispositivo Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal - 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido B e, em consequência decidem: Comunique, de imediato, ao tribunal recorrido. |