Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | TRÂNSITO EM JULGADO RENOVAÇÃO PEDIDO PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Transitada em julgado a sentença, a parte que decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, pode renovar o pedido quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique (artigo 621.º do CPC). II – Na falta de disposição especial, aplica-se o prazo de dez dias a contar da verificação do evento para o interessado renovar o pedido. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 97/20.7T8FTR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. Município de Alter do Chão, com sede em Largo do Município, n.º 6, em Alter do Chão, instaurou contra (…), viúvo, residente no Largo do (…), n.º 11, em Alter do Chão e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), com sede na Avenida da Liberdade, n.º 7, em (…), acção declarativa com processo comum. Alegou, em resumo, haver celebrado com o 1º Réu, em 13 de Março de 2008, um contrato de compra e venda de um lote de terreno, sito na Zona Industrial de Alter do Chão, pelo preço de € 137,50, destinado à construção de uma serralharia civil, obrigando-se o 1º Réu a concluir as obras no prazo de 2 anos e acordando ambos que, em caso de incumprimento do prazo de construção, a propriedade do lote revertia para o Autor, juntamente com todas as benfeitorias nele existentes, mediante o pagamento de uma indemnização de setenta por cento do valor pelo qual o lote foi adquirido; o Réu não concluiu as obras, em reunião ordinária do executivo municipal, realizada a 04-03-2020, foi deliberado, por unanimidade, fazer operar a cláusula resolutiva aposta no contrato e o montante da indemnização mostra-se assegurado por depósito autónomo. Concluiu pedindo i) se determine a resolução do contrato de compra e venda e a reversão da propriedade do prédio para a esfera jurídica do Autor, ii) se julgue validamente cumprida, pelo Autor, a obrigação de pagamento da indemnização contratualmente fixada entre as partes e iii) se determine o cancelamento da penhora registada a favor da 2.ª Ré através da Ap. n.º (…), de 04.12.2014. Contestou a ré Caixa de Crédito Agrícola excecionando a ilegitimidade do co-réu (…), o caso julgado, a caducidade do direito de ação e a inoponibilidade a terceiros de boa-fé do direito à resolução do contrato exercitado pelo Autor. Concluiu pela absolvição da instância e, em qualquer caso, pela absolvição do pedido. Respondeu o Autor por forma a defender a improcedência das excepções suscitadas pela ré Caixa de Crédito Agrícola. 2. Foi proferido despacho saneador a julgar improcedentes as excepções da ilegitimidade passiva e do caso julgado e afirmar, em tudo o mais, a validade e regularidade da instância. Foi admitida a intervenção de (…) e de (…), enquanto sucessores da falecida mulher do réu (…). Identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova houve lugar à audiência final e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: “(…) julga-se a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, decide-se: i. Julgar não verificada a exceção de caducidade do direito de ação. ii. Declarar verificada a condição resolutiva aposta no contrato de compra e venda celebrado entre o Autor Município de Alter do Chão e o Réu (…), que teve por objeto o prédio urbano, composto por lote de terreno com o n.º (…) – Loteamento da (…), sito no Zona Industrial de Alter do Chão, com a área de 550m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão sob o n.º (…), da freguesia de Alter do Chão e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…) e, em consequência, determinar a reversão do direito de propriedade sobre o referido imóvel para a esfera jurídica do Autor. iii. Declarar que o Autor procedeu ao pagamento do valor da indemnização fixada entre as partes em caso de resolução do contrato de compra e venda. iv. Determinar o cancelamento da inscrição a que respeita a Ap. n.º (…), de 27.06.2013, do prédio descrito sob o n.º (…), da freguesia e concelho de Alter do Chão, na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão. v. Determinar o cancelamento da inscrição da penhora a favor da Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), a que respeita a Ap. n.º (…), de 04.12.2014, do prédio descrito sob o n.º (…), da freguesia e concelho de Alter do Chão, na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão.” 3. A ré Caixa de Crédito Agrícola recorre da sentença, motiva o recurso e concluí: "I) A recorrente sindica desde já, a decisão proferida no despacho saneador que julgou improcedente a invocada exceção do caso julgado, uma vez que esta não transita em julgado, pois dela não há recurso autónomo, nos termos do artigo 644.º, nºs 1 e 3, do C.P.C., pelo que, o Venerando Tribunal da Relação, em sede do recurso de apelação, não está impedido de reapreciar esta questão nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do C.P.C.. II) A aqui recorrente, na contestação apresentada em 29.09.2020, com a referência citius 1680005, invocou a exceção de caso julgado, porquanto considerou que no âmbito do processo n.º 282/15.3T8FTR, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo de Competência Genérica de Fronteira, já havia sido proferida decisão que absolveu a aqui recorrente dos pedidos, conforme decisão junta aos autos e demais articulados juntos pelo recorrido no dia 14.12.2020, com a referência citius 1729613, em cumprimento do despacho judicial do Tribunal a quo de dia 26.11.2020, com a referência 30468727. II) O Proc. n.º 282/15.3T8FTR, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo de Competência Genérica de Fronteira e agora no processo n.º 97/20.7T8FTR que corre termos igualmente no Juízo de Competência Genérica de Fronteira, existe identidade de causa de pedir uma vez que as pretensões formuladas em ambas as ações emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas, havendo identidade de partes, causa de pedir e pedidos. IV) Contudo, o Tribunal a quo no despacho saneador recorrido, julgou não verificada a exceção dilatória de caso julgado, considerando que da leitura dos autos constatou que o tribunal já se pronunciou efetivamente sobre o mérito de uma ação anterior, que correu termos entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, tendo absolvido os Réus dos pedidos formulados pelo Autor, com fundamento na procedência de uma exceção perentória, consubstanciada na falta de deliberação camarária para a reversão peticionada, que entretanto o autor já obteve e que consequentemente, são um conjunto de factos que, sendo objetivamente posteriores à ação que correu termos entre as partes, o Autor não invocou e, considerando a sua superveniência, também não poderia ter invocado. V) Sucede que o alegado facto superveniente – deliberação camarária – enquanto pressuposto da reversão do imóvel para o Município poderia ter sido tomada desde o momento em que o réu (…) incumpriu com o ónus de construção das instalações do referido lote, no prazo de dois anos após a aprovação do projeto. VI) Conforme consta do contrato de promessa de compra e venda, foi celebrado em 05.12.2006, do lote 15 do loteamento da (…) / Zona Industrial de Alter do Chão (doc. 2 junto pelo autor) do qual faz parte integrante o Regulamento para Venda e Construção de Lotes de Terreno da Zona Industrial da …, em Alter do Chão a contar da aprovação do projeto das instalações, aprovação camarária de 21.11.2007, conforme documento n.º 4 e 5 junto pelo autor com a petição inicial nos presentes autos. VII) Sendo que, nos termos do contrato – cfr. documento n.º 2, ónus “dois” – o incumprimento dos seus termos, nomeadamente o prazo de 2 anos para conclusão das obras, determinava a reversão da propriedade do lote de terreno vendido em favor do Autor Município de Alter do Chão, após deliberação camarária nos termos previsto no Regulamento para Venda e Construção dos Lotes de Terreno da Zona Industrial da (…), em Alter do Chão, datado de 06.03.1997, publicado no Diário da República, apêndice 77, II Série, n.º 192, de 21.08.1997 e alterado a 17.10.2003, publicado no Diário da República, apêndice 173, II Série, n.º 270, de 21.11.2003. VIII) Concretamente, estipula o artigo 20.1, na atual redação, que “findos os prazos referidos nos n.ºs 19.1 e 19.2 sem que eles tenham sido cumpridos pelos adquirentes, o terreno, procedido de deliberação camarária, reverterá a favor do Município, assim como todas as benfeitorias neles existentes”, conforme documento n.º 5 junto pelo autor. IX) Pelo que, após decorrido o prazo dos dois anos concedidos pelo autor, que terminaram em 21.11.2009, deveria o mesmo ter procedido à deliberação camarária, em prazo razoável. X) A primeira ação – proc. n.º 282/15.3T8FTR, deu entrada apenas em 2015, sem que existisse deliberação camarária, por total inércia do autor, conforme petição inicial tendo proferida sentença que absolveu os réus dos pedidos, tendo a sentença transitado apenas em 11-12-2019, após interposição de recurso pelo autor, conforme certidão junta aos presentes autos com o requerimento de 14.12.2020, com a referência citius 1729613. XI) O autor teve oportunidade de obter a deliberação camarária desde 22.11.2009 (no dia seguinte ao terminus do prazo concedido ao réu .., até ao trânsito em jugado da sentença nos autos com o proc. n.º 282/15.3T8FTR, que se verificou em 11.12.2019, isto é, mais de 10 anos para obter um documento que estava na sua esfera jurídica a faculdade de obter, o que nunca fez. XII) Nem pode o aqui recorrido, invocar o desconhecimento dos termos do Regulamento para Venda e Construção dos Lotes de Terreno da Zona Industrial da (…), em Alter do Chão, concretamente, da obrigatoriedade de ter de existir deliberação camarária de reversão do imóvel a favor do Município, assim como todas as benfeitorias neles existentes, por ser o próprio autor de tal Regulamento. XIV) Igualmente, o recorrido Município tinha o poder/dever de através dos órgãos do Município deliberar sobre a reversão do imóvel a favor do Município, assim como todas as benfeitorias neles existentes. XV) É unânime quer nos Tribunais superiores quer na Doutrina que são factos supervenientes – objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento depois de findos os prazos normais para a sua alegação, o que não é nenhum dos casos. XVI) Mais, aquando da interposição de recurso pelo autor, vencido na ação, poderia o mesmo, ter junto a referida deliberação, o que também não fez. XVII) A deliberação camarária é apenas junta como documento n.º 5 nos presentes autos, após reunião ordinária da Câmara Municipal de Alter do Chão, realizada a (…), após o trânsito em julgado da sentença proferida no Proc. n.º 282/15.3T8FTR, em foi deliberado (deliberação n.º …), por unanimidade, aprovar a proposta de reversão do lote de terreno identificado em 1), por não se mostrar verificada a cláusula referida em 6), conforme facto provado no ponto 10 da sentença proferida nos presentes autos. XVIII) Pelo que, ao contrário do entendimento da Mma. Juiz do Tribunal a quo, aquando a prolação do despacho saneador, e no que se reporta à decisão de não verificação da exceção de caso julgado, não poderia tal decisão ser sustentada num alegado facto superveniente objetivamente posterior à ação que correu termos entre as partes, que o Autor não o invocou e, considerando a sua superveniência, também não poderia ter invocado, porquanto o autor teve a oportunidade substantiva e processual para o fazer ainda em sede do proc. n.º 282/15.3T8FTR. XIX) Sendo o objeto da segunda ação – Proc. n.º 97/20.7T8FTR idêntico e coincidente com o objeto da decisão proferida na primeira ação Proc. n.º 282/15.3T8FTR – o caso julgado opera por via de exceção – a exceção de caso julgado – como é o caso. XX) O Tribunal a quo ao decidir não verificada a exceção e caso julgado, nos termos em que o fez, deu a possibilidade ao recorrido de corrigir um erro/ lapso ou esquecimento em juntar a deliberação camarária que teve 10 anos para a obter, fundamentando tal facto, como um facto novo e alegadamente superveniente, o que não se pode aceitar nem permitir, sob pena de pôr em causa o princípio constitucional do Estado de Direito que se concretiza através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrado no artigo 2.º da CRP. XXI) O caso julgado é uma exceção dilatória, que obsta que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa, como o fez, pelo que deve ser revogada a decisão que considerou não verificada a exceção de cajo julgado, proferida no despacho saneador recorrido, com a consequentemente imposição da primeira decisão que absolveu a recorrente dos pedidos, em detrimento da segunda decisão de mérito. XXII) No que concerne à sentença recorrida, a recorrente sindica a matéria de facto provada, no sentido de que a matéria de facto provada não está completa, para a boa decisão da causa, como é o caso. XXIII) É neste sentido que a recorrente, em sede de impugnação de matéria de facto vem sindicar a decisão recorrida, com vista a que sejam incluídos factos alegados e provados pelo autor através da prova documental junta aos autos, a saber: - Consta do Regulamento para Venda e Construção dos Lotes de Terreno da Zona Industrial da (…), em Alter do Chão, datado de 06.03.1997, publicado no Diário da República, apêndice 77, II Série, n.º 192, de 21.08.1997 e alterado a 17.10.2003, publicado no Diário da República, apêndice 173, II Série, n.º 270, de 21.11.2003, a que o contrato se encontra sujeito, a necessidade de deliberação camarária relativa à reversão do prédio para o Município. - Estipula o atual artigo 20.1, na atual redação (anterior ponto 14.1 do mencionado Regulamento que “findos os prazos referidos mos n.ºs 19.1 e 19.2 sem que eles tenham sido cumpridos pelos adquirentes, o terreno, precedido de deliberação camarária, reverterá a favor do Município, assim como todas as benfeitorias neles existentes” – vide Regulamento que se junta. - A presente ação com o n.º 97/20.7T8FTR foi registada através da Ap. (…), de 2023.03.02, na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão, conforme certidão junta aos autos pela Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão no dia 28.03.2023 com a referência (…). XXIV) Estes factos cujo aditamento se requer, estão provados por documentos que o próprio Tribunal a quo considerou e valorou concretamente os documentos 2, 3, 4 5, 6 e 7, juntos pelo autor com a petição inicial. XXV) Por outro lado, foram alegados pelo autor e dados como factos provados os factos nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9 e 11 da douta sentença recorrida. XXVI) Para dar como provados tais factos consta da Motivação da douta sentença que o Tribunal fundamentou a sua convicção na análise conjugada de todos os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento com o teor dos documentos juntos aos autos, coadjuvado pelas regras da experiência comum, em concreto, para prova dos factos 1 a 6 dos factos provados o Tribunal a quo considerou documentalmente provados – atenta a prova documental, de carácter autêntico, junta aos autos na petição inicial: d) ao teor do contrato de promessa de compra e venda do lote 15 do loteamento da (…) / Zona Industrial de Alter do Chão (doc. 2), e) da escritura pública do contrato de compra e venda celebrado entre o Autor e o 1.º Réu relativo ao mesmo lote de terreno (doc. 3). f) e à certidão permanente do prédio urbano denominado (…) – Lote n.º (…), sito em Alter do Chão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão sob o n.º … (doc. 7), na qual se encontram registadas, por um lado, as cláusulas contratuais reproduzidas no ponto 6, quer a penhora do prédio a favor da Ré Caixa de Crédito Agrícola do (…), CRL. XXVII) No que respeita às comunicações entre o Autor e o 1.º Réu relativas ao processo de construção do lote vendido e da intenção de reversão do mesmo a favor daquele por não verificação da cláusula estipulada em 6, que constam dos factos provados nos pontos 8 a 12, o Tribunal teve em consideração os documentos 4 a 6 e 8 juntos com a petição inicial. XXVIII) E efetivamente, conforme consta do documento n.º 2 junto pelo autor - contrato de promessa de compra e venda do lote 15 do loteamento da (…) / Zona Industrial de Alter do Chão (doc. 2 – faz parte integrante deste documento o Regulamento para Venda e Construção de Lotes de Terreno da Zona Industrial da …, em Alter do Chão. XXIX) Por outro lado, consta no documento n.º 5 junto ao autos pelo autor referências concretas ao Regulamento supra identificado, sendo que no documento n.º 6 consta a certidão da ata da Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Alter do Chão de dia (…), a deliberação camarária de reversão do lote n.º (…), a favor do Município. XXX) Consta do Regulamento para Venda e Construção dos Lotes de Terreno da Zona Industrial da (…), em Alter do Chão, datado de 06.03.1997, publicado no Diário da República, apêndice 77, II Série, n.º 192, de 21.08.1997 e alterado a 17.10.2003, publicado no Diário da República, apêndice 173, II Série, n.º 270, de 21.11.2003, a que o contrato se encontra sujeito, a necessidade de deliberação camarária relativa à reversão. XXXI) E estipula o atual artigo 20.1, na atual redação (anterior ponto 14.1 do mencionado Regulamento) que “findos os prazos referidos nos n.ºs 19.1 e 19.2 sem que eles tenham sido cumpridos pelos adquirentes, o terreno, precedido de deliberação camarária, reverterá a favor do Município, assim como todas as benfeitorias neles existentes”. XXXII) Consta ainda dos factos provados no ponto 11 da douta sentença recorrida que “Em reunião ordinária da Câmara Municipal de Alter do Chão, realizada a (…), foi deliberado (deliberação n.º …), por unanimidade, aprovar a proposta de reversão do lote de terreno identificado em 1), por não se mostrar verificada a cláusula referida em 6). XXXIII) A existência de tal deliberação, por aplicação do Regulamento supra citado, se afigura como essencial ao funcionamento da cláusula resolutiva do contrato celebrado entre as partes. XXXIV) Pelo que, estando explanados supra os elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento devem ser aditados como factos provados os factos indicados em XXIII). XXXV) Por outro lado, considera a recorrente que a sentença recorrida deve ser revogada por erro de julgamento, na interpretação e subsunção dos factos e do direito, bem como à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afecta e vicia a decisão proferida. XXXVI) No que concerne à qualificação jurídica da estipulação contratual aposta no contrato celebrado entre as partes considerou o Tribunal a quo que estamos perante uma condição resolutiva, que por si só, desencadeará a cessação dos efeitos do negócio, nos termos do artigo 270.º do C.C., o que se sindica. XXXVII) Salvo o devido respeito, considera a recorrente que, no caso dos presentes autos, a estipulação contratual aposta no contrato celebrado entre as partes consubstancia uma cláusula resolutiva a ou convenção de resolução, a que se reporta o artigo 432.º, n.º 1, in fine, do Código Civil. XXXVIII) Consequentemente, sujeita igualmente ao disposto no artigo 435.º do Código Civil, nos termos do qual a resolução convencionada no contrato de compra e venda celebrado entre o Autor e a recorrente, por incumprimento da referida cláusula, não afeta os direitos adquiridos por terceiros, mantendo-se, por isso, a penhora registada a favor da recorrente. XXXIX) No que concerne aos efeitos relativamente a terceiros, valem as normas aplicadas previstas no artigo 435.º do Código Civil, sendo a regra a inoponibilidade da resolução a terceiros, sem distinção entre terceiros de boa fé e terceiros de má fé. XL) A excepção da oponibilidade da resolução a terceiros aplica-se se estiver em causa acção de resolução respeitante a bens imóveis como é o caso, e se a acção tiver sido registada antes do registo do direito da recorrente, o que não é o caso. XLI) A penhora do lote de terreno com o n.º (…), destinado à instalação de uma oficina de serralharia civil, sito no Loteamento da (…) – Zona Industrial, da freguesia de Alter do Chão, com a área de 550 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão sob o n.º (…), encontra-se registada a favor da recorrente pela Ap. (…), de 2014/12/04, na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova da Barquinha, XLII) O registo da presente ação com o n.º 97/20.7T8FTR foi registada através da Ap. (…), de 2023.03.02, na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão, conforme certidão junta aos autos pela Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão no dia 28.03.2023 com a referência (…). XLIII) Considerando-se que a estipulação contratual trata-se de uma cláusula resolutiva, e tendo a ação sido registada depois do registo do direito da recorrente, os efeitos da resolução são inoponíveis à recorrente devendo manter-se a penhora registada a favor da Ré Caixa de Crédito Agrícola do (…), CRL, através da Ap. (…), de 2014/12/04, da Conservatória do Registo Predial de Vila Nova da Barquinha. XLIV) Consequentemente, o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, concretamente. aplicou as disposições constantes do artigo 270.º e seguintes, do Código Civil ao invés de aplicar a norma jurídica constante dos artigos 432.º do Código Civil e seguintes, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada por violação do disposto nos artigos 432.º e 435.º, ambos do Código Civil. XLV) Finalmente o Tribunal a quo considerou não verificada a excepção de caducidade do direito de ação, fundamentando apenas como o do decidido num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2014, proc. n.º 367/2001.E1.S1: «não estando previsto na lei, nem tendo sido convencionado pelas partes, quando tal seja possível, um prazo de caducidade para o exercício do direito de resolução, este está sujeito ao regime de prescrição, designadamente ao prazo de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil.» XLVI) A recorrente não pode concordar com tal entendimento, que aliás não é unânime, nem na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, nem na Doutrina. XLVII) Isto porque, desde logo, dispõe o artigo 10.º, n.º 1, do Código Civil: os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. Devendo o Tribunal ad quem aplicar o disposto no artigo 436.º, n.º 2, do Código Civil. XLVIII) Ora estando o réu (…) obrigado a construir as instalações no referido lote, no prazo de 2 anos a contar da aprovação do projeto de instalação que foi aprovado em 21.11.2007, deverá o direito de resolução do contrato de compra venda ser exercido pelo recorrido, em idêntico prazo, isto é, 2 anos a contar de da data em que terminou os dois anos concedidos ao réu (…). XLIX) O autor – Município – é conhecedor do Regulamento aplicável, para além de ter o poder/dever de, através dos órgãos camarários proferirem a deliberação camarária de reversão do lote para o Município. L) O autor tinha conhecimento, da data da aprovação do projeto de construção, porque tal aprovação foi concedida pelo próprio Município, aqui autor, pelo Departamento competente. LI) O autor, tinha o controlo efetivo sobre todo o procedimento administrativo, não sendo admissível que possa estar mais de 10 anos sem nada fazer, nomeadamente proferir a deliberação camarária. LII) Aceitar que o autor pudesse beneficiar de um para de 20 anos para intentar a presente ação, é permitir a violação dos Princípios Constitucionais, concretamente do Principio da Igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP, da Segurança jurídica – princípio inerente ao Direito e que supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas de forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados, confiando que as decisões que incidem sobre esses atos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem. Princípio que se extrai a partir do princípio do Estado de direito democrático, constante do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. LIII) Pelo que deve ser a sentença recorrida revogada, e ser substituída por outra que julgue verificada a excepção de caducidade do direito de ação de dois anos a contar da data em que o réu (…) incumpriu a obrigação de construir as referidas instalações, no prazo de igualmente, dois anos a contar de 22.11.2009, por se considerar ser o prazo razoável a aplicar no caso em apreço, por aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e 436.º, n.º 2, ambos do Código Civil Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido, bem como a douta sentença recorrida. Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da JUSTIÇA!” Não houve lugar a resposta. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões nestas suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, doravante CPC; as conclusões da motivação do recurso suscitam as seguintes questões: i) a impugnação do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção do caso julgado, ii) a impugnação da decisão de facto, iii) se a cláusula 6ª do contrato de compra e venda comporta uma convenção resolutiva inoponível a terceiros, iv) se caducou o direito do Autor à reversão da propriedade do lote de terreno. III. Fundamentação 1. Factos A decisão recorrida julgou assim os factos: Provado: 1. Em 5 de dezembro de 2006, o Autor, representado, para estes efeitos, por (…), na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Alter do Chão, e o 1.º Réu celebraram um contrato de promessa de compra e venda, mediante o qual o primeiro outorgante prometeu vender e o segundo outorgante prometeu comprar um lote de terreno com o n.º (…), com o valor patrimonial de € 1.237,65 (mil e duzentos e trinta e sete euros, sessenta e cinco cêntimos), destinado à instalação de uma oficina de serralharia civil, sito no Loteamento da (…) – Zona Industrial, da freguesia de Alter do Chão, com a área de 550 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão sob o n.º (…), pelo preço de € 137,50 (cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos). 2. Em 13 de março de 2008 foi outorgada escritura pública de compra e venda, mediante a qual o Autor vendeu ao 1.º Réu, casado no regime de comunhão de adquiridos com (…), o lote de terreno identificado em 1), pelo preço de € 137,50 (cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), no âmbito da venda de lotes a munícipes e de acordo com o Regulamento para Venda e Construção de Lotes de Terreno da Zona Industrial da (…), em Alter do Chão. 3. No contrato de compra e venda ficou estipulado entre as partes o seguinte: «a venda deste lote tem os seguintes ónus: um: o segundo outorgante deverá concluir as obras no prazo de dois anos a contar da data da aprovação do projeto das instalações, que foi em vinte e um de novembro de dois mil e sete, podendo este prazo ser prorrogado pela Câmara Municipal, caso se justifique». dois: findo o prazo referido em “um”, sem que ela tenha sido cumprido pelo segundo outorgante, o lote de terreno reverterá a favor do Município, assim como todas as benfeitorias nele existente. 4. Na cláusula 3.ª do referido contrato ficou convencionado o seguinte: «no caso de reversão a favor do Município pelo não cumprimento do prazo estipulado em “um”, o segundo outorgante receberá uma indemnização de setenta por cento do valor pelo qual o lote foi adquirido, não recebendo indemnização pelas benfeitorias nele existente.». 5. Através da Ap. (…), de 27.06.2013, foi registado o direito de propriedade sob o lote de terreno identificado em 1), descrito na Conservatória do Registo Predial de Alter do Chão, sob o n.º (…), da freguesia de Alter do Chão, a favor de (…) e esposa, atualmente falecida. 6. Através da mesma Ap. (…), encontra-se inscrita no registo predial a seguinte cláusula: «(…) as obras têm que ser concluídas no prazo de três anos a contar da data da aprovação do projeto (21/11/2007), podendo este prazo ser prorrogado pela Câmara Municipal, caso se justifique; findo o mesmo prazo de três anos, o lote de terreno, bem como todas as benfeitorias nele existentes, reverterão a favor do Município. No caso de reversão por incumprimento do prazo estipulado de três anos, o comprador receberá uma indemnização de 70% do valor qual adquiriu o lote, não havendo qualquer indemnização pelas benfeitorias aí existentes». 7. Através da Ap. (…), de 04.12.2014, foi registada, na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova da Barquinha, uma penhora sobre o lote de terreno identificado em 1) a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), CRL. 8. Desde a data da aprovação do projeto, o Réu (…) não concluiu as obras para construção da oficina de serralharia civil. 9. A 3 de fevereiro de 2020, foi o 1.º Réu notificado, por carta registada com aviso de receção, para a morada sita na Rua (…), 66-2.º, esq., Alter do Chão, para, no prazo de 10 dias úteis, se pronunciar sobre a sobre a intenção do Autor em fazer reverter, em seu favor, o lote de terreno identificado em 1), com a cominação de, nada dizendo, o Município recorrer às vias legais que dispunha para o efeito. 10. O Réu não respondeu à missiva que lhe foi dirigida pelo Autor. 11. Em reunião ordinária da Câmara Municipal de Alter do Chão, realizada a (…), foi deliberado (deliberação n.º …), por unanimidade, aprovar a proposta de reversão do lote de terreno identificado em 1), por não se mostrar verificada a cláusula referida em 6). 12. O Autor procedeu ao pagamento ao Réu, através de depósito autónomo, de 70% do preço do imóvel identificado em 1), correspondente ao valor de € 96,25 (noventa e seis euros e vinte e cinco cêntimos). Não provado: Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados. 2. Direito 2.1. A excepção do caso julgado A ré Caixa de Crédito Agrícola, doravante designada por 2ª Ré, recorre da sentença e do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção do caso julgado; a decisão que julga improcedente a excepção do caso julgado, por não subsumível a nenhuma das previsões das alíneas dos nºs 1 e 2 do artigo 644.º do CPC, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final (n.º 3 da referida disposição legal) e, sendo este o caso, cumpre conhecer do recurso nesta parte. 2.1.1. A improcedência da excepção do caso julgado no despacho saneador teve por fundamento a disciplina do artigo 621.º do CPC. Considerou-se: “(…) da leitura dos autos constata-se que o tribunal já se pronunciou efetivamente sobre o mérito de uma ação anterior, que correu termos entre as mesmas partes, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, tendo absolvido os Réus dos pedidos formulados pelo Autor, com fundamento na procedência de uma exceção perentória, consubstanciada na falta de deliberação camarária para a reversão peticionada. Dispõe, no entanto, o artigo 621.º do Código de Processo Civil que «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique». A norma acima transcrita visa afirmar os limites temporais do caso julgado, definindo que a sentença já proferida em processo anterior se encontra sujeita à condição rebus sic stantibus. Destarte, o instituto do caso julgado abrange quer a factualidade deduzida em ação anterior, quer igualmente aquela que poderia ter sido deduzida (a designada factualidade dedutível), fazendo precludir todas as possíveis razões que o autor poderia ter aduzido e não o fez (nesse sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30-06-2015, proc. n.º 89/14.5TBLRA.C1, rel. Alexandre Reis, disponível em www.dgsi.pt). O mesmo já não abrange, no entanto, o conjunto de factos que, sendo objetivamente posteriores à ação que correu termos entre as partes, o Autor não invocou e, considerando a sua superveniência, também não poderia ter invocado. Ora, considerando que a sentença proferida nos autos n.º 282/15.3T8FTR absolveu os Réus do pedido precisamente por não ter sido praticado determinado facto (mais concretamente, por inexistir, à data, deliberação camarária que fundamentasse a reversão pretendida pelo Autor), a mesma não obsta a que o pedido se renove, nos termos do já referido artigo 621.º do Código do Processo Civil, precisamente com fundamento na circunstância de tal facto ter sido, entretanto, praticado. (…) Nestes termos, e em face do exposto, julga-se não verificada a exceção dilatória de caso julgado, nos termos invocados pela 2.ª Ré na contestação, determinando-se o prosseguimento dos autos em conformidade.” A Recorrente diverge e argumenta, em essência, com a negligência do Autor em provocar a deliberação camarária, enquanto pressuposto da reversão do imóvel para o Município, a insusceptibilidade da deliberação constituir uma facto superveniente, uma vez que nada impedia o Autor de a ter provocado após o alegado incumprimento do contrato de compra e venda pelo 1º Réu e considerando inaceitável a relevância que a decisão recorrida atribui à deliberação, decorridos que foram dez anos sobre a data em que podia haver sido tomada “sob pena de pôr em causa o princípio constitucional do Estado de Direito que se concretiza através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, expressamente consagrado no artigo 2.º da CRP” [conclusões 1ª a 21ª]. A identidade de sujeitos e de pedido entre a presente acção e uma outra que correu termos com o n.º 282/15.3T8FTR e terminou com a absolvição dos Réus dos pedidos formulados pelo Autor, por sentença transitada em julgado, constitui uma enunciação pacífica para os autos; foi afirmada pelo Autor a abrir a petição inicial [artigos 1º a 18º ], constitui apoio da defesa – e agora do recurso – da 2ª Ré e serve de fundamento à decisão recorrida. Menos consensual a identidade de causas de pedir; a petição inicial pressupõe e assevera a sua inexistência. Segundo o ponto 20.1 do Regulamento para Venda e Construção dos Lotes de Terreno da Zona Industrial da (…), em Alter do Chão, findos os prazos referidos nos nºs 19.1 e 19.2 sem que eles tenham sido cumpridos pelos adquirentes, o terreno, precedido de deliberação da Câmara Municipal, reverterá a favor do município, assim como todas as benfeitorias neles existentes [DR 2ª Série, n.º 80, de 5/4/1997, alterado na sequência do aviso n.º 8830/2003, publicado no DR 2ª Série n.º 170, de 21/11/2003]. Os pontos 19.1 e 19.2 reportam-se, respectivamente, aos prazos concedidos os adquirentes dos lotes de terreno para a apresentação dos projectos de construção e para a conclusão das obras. O pedido formulado pelo Autor no processo n.º 282/15.3T8FTR não foi instruído com a deliberação de reversão da Câmara da Municipal e a acção improcedeu por essa razão; [“(…) constatando-se que o Autor não procedeu como lhe era determinado pelo Regulamento a que o contrato se encontra sujeito, atenta a falta de deliberação camarária relativa à reversão, constata-se a existência de um facto impeditivo do exercício do direito do Autor em fazer reverter o lote de terreno para a sua esfera jurídica. Desta forma entende o Tribunal verificar-se uma excepção peremptória, que importará a absolvição dos Réus do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC – sentença de 19-04-2018, proferida no proc. n.º 282/15.3T8FTR, confirmada pelo acórdão desta Relação de 16-05-2019]. Na presente acção o pedido do Autor mostra-se instruído com a deliberação de reversão da Câmara Municipal [Em reunião ordinária da Câmara Municipal de Alter do Chão, realizada a …, foi deliberado (deliberação n.º …), por unanimidade, aprovar a proposta de reversão do lote de terreno identificado em 1), por não se mostrar verificada a cláusula referida em 6) – ponto 11 dos factos provados]. A causa de pedir é o facto jurídico donde procede a pretensão do autor [artigo 581.º, n.º 4, do CPC] e “corresponde grosso modo, ao conjunto dos factos que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito jurídico pretendido” [Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º , 4ª ed., pág. 490]; noutra explicação: a “procedência da acção ou da excepção pressupõem certos factos: os factos necessários a essa procedência podem ser designados por factos principais. Este factos englobam (…) os factos essenciais e os factos complementares, cuja distinção se traça do seguinte modo; - os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte (…)” [Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, págs. 71 e 72]. A pretensão do Autor – a reversão da propriedade do lote de terreno – assenta, em ambas as causas, no incumprimento do contrato de compra e venda pelo réu (…), concretamente na inobservância por dos prazos de construção a que se obrigou (ponto 3 dos factos provados). Ora, a existência de deliberação da Câmara Municipal a autorizar a a reversão é indispensável à procedência da acção – como o é v.g. a legitimidade das partes ou a deliberação dos sócios de uma sociedade por quotas a autorizar a propositura de uma acção da sociedade contra o gerente (artigo 246.º, n.º 1, do CSC) – mas não identifica, nem caracteriza, o facto gerador do direito visado pelo Autor, nem se insere na previsão da norma material de que o Autor faz derivar o seu direito circunscrito, como se mostra, aos efeitos do incumprimento do contrato de compra e venda celebrado entre o Autor e o Réu (…); a deliberação complementa a causa de pedir, mas não a altera. Por isto que a causa de pedir em ambas as acções é idêntica. Foi o que se afirmou na 1ª instância sem impugnação das partes; da Ré que esgrime com a procedência da exceção por verificação da sua tripla identidade; do Autor porque não se apresentou a ampliar o objecto do recurso [artigo 636.º do CPC]. 2.1.2. Assente na ideia de constituir a presente acção repetição da acção n.º 282/15.3T8FTR, a decisão recorrida considerou, ainda assim, válida a renovação do pedido do Autor e improcedente a exceção do caso julgado. Recorreu à disciplina do artigo 621.º do C.P.C., segundo a qual: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.” Prevê a segunda parte da norma “eventualidades de caducidade do caso julgado” [Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit. págs. 586 e 587]. A sentença define a relação material controvertida, tal como ela existia no momento do encerramento da discussão (artigo 611.º, n.º 1, do CPC), mas pode ser alterada por efeito de vicissitudes ulteriores da própria relação jurídica que dirimiu. Se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, o caso julgado não obsta à renovação do pedido quando verificada a condição, o decurso do prazo ou a prática do facto. “Tal acontecerá, quer o autor tenha, na primeira acção, alegado a verificação da condição, tendo o tribunal dado como não provada a sua verificação, quer o não tenha feito; no primeiro caso, a causa de pedir da nova acção é integrada exactamente pelos mesmos factos (designadamente, o negócio jurídico e a verificação da condição), enquanto que no segundo, sendo a mesma causa de pedir (o negócio jurídico), um novo facto constitutivo (que a complementa) surge como novo” [Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 756]. No caso, o Autor decaiu na primeira acção – n.º 282/15.3T8FTR – por falta de deliberação da Câmara Municipal a autorizar a reversão da propriedade do lote de terreno vendido ao réu (…) e a presente acção foi instruída com um extracto da deliberação então em falta. O Autor demonstra na presente acção haver praticado o facto cuja falta determinou a improcedência da acção n.º 282/15.3T8FTR, alterando assim as circunstâncias da relação material controvertida definida pela sentença transitada e justificando, à face da lei, a renovação do pedido na presente acção. Foi assim que se decidiu em 1ª instância e não se vê melhor solução. 2.1.3. Coloca-se, no entanto, a questão do prazo para a renovação do pedido. Ab initio convém relembrar a expressão da lei: “a sentença não obsta a que o pedido se renove”. Expressão que não afasta e, ao invés se bem vemos, aponta para que a renovação do pedido ocorra na própria acção em que a parte decaiu; parece ser esta a leitura de Manuel de Andrade – com actualidade embora por referência ao anterior artigo 673.º do CPC de 1961 – de acordo com a qual “a acção pode ser renovada quando decorrer o prazo ou estiver preenchida a condição” [Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 325]; razões de economia processual concorrem, a nosso ver, para esta leitura, embora não se veja afastada, é certo, a instauração de uma nova acção destinada a renovar o pedido, caso em que o tema decidendum se mostrará circunscrito à verificação da eventualidade – preenchimento do prazo, da condição ou da prática do facto – por esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à demais matéria da causa (artigo 613.º, n.º 1, do CPC). Note-se que a renovação do pedido supõe que “a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto” supondo assim apreciados com juízo de procedência os demais factos e razões da pretensão deduzida em juízo. Indo directamente à questão do prazo, o artigo 621.º do CPC, não o refere, isto é, a lei não estabelece, em especial, qualquer prazo para a renovação do pedido da parte que decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto (nem este, nem o prazo durante o qual deverá ocorrer o evento, ao menos, quando se trate de facto a praticar). Sem embaraço se dirá, face à previsão da norma (artigo 621.º do CPC), que o prazo para a renovação do pedido se deverá iniciar após a verificação de alguma das eventualidades nela referidas, mas dela não se retira o prazo em que a renovação do pedido deverá ocorrer. Em tese surgem-nos como possíveis duas soluções: i) a inexistência de qualquer prazo processual para o exercício do direito, caso em que este seria regulado de acordo com o que resultar do direito substantivo; ii) a aplicação da regra geral sobre o prazo dos actos das partes previsto no artigo 149.º do CPC. Cremos ser a última a melhor solução. A força excepcional atribuída ao caso julgado assenta em razões de certeza e segurança jurídica e tem assento constitucional. O Tribunal Constitucional tem reconhecido a proteção constitucional do caso julgado, com base nos princípios da confiança e da segurança jurídica, que decorrem da consagração do Estado de direito democrático, nos termos do artigo 2.º da Constituição (v.g. Acórdãos com os números 301/2006, 310/2005, 151/2015 e 680/2015, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Ora, constituindo a previsão da 2ª parte do artigo 621.º do CPC uma exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado parece-nos acertado que o exercício do direito nele previsto – a renovação do pedido – deva ocorrer num tempo definido pela lei processual, por forma a adequar o exercício do direito à renovação do pedido aos referidos princípios da certeza e segurança jurídica; em situações bem mais clamorosas (artigo 696.º do CPC), a lei estabelece o prazo de 60 dias – cujo início depende do fundamento (artigo 697.º do CPC) – para o interessado requerer a revisão da sentença transitada em julgado e estabelece imperativamente o prazo de cinco anos sobre o transito em julgado da decisão, ressalvados os casos de direitos de personalidade, a partir do qual o caso julgado se torna (definitivamente) intangível [artigo 697.º, n.º 2, do CPC]. Por sua vez, a letra do artigo 149.º, n.º 1, do CPC, parece afastar a possibilidade de inexistência de prazo para a prática de actos pelas partes no processo ou para as partes nele exercerem qualquer outro poder processual. “Na falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária” (artigo 149.º, n.º 1, do CPC). Por isto que, não prevendo especialmente a lei o prazo para a renovação do pedido da parte que decaiu por não estar verificada uma condição, por não se mostrar preenchido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, é aplicável o prazo de 10 dias a contar da data da verificação do respetivo evento; regime aplicável à renovação do pedido na própria acção ou em acção posterior, uma vez que o procedimento se destina a fazer valer o direito (artigo 2.º, n.º 2, do CPC) e não a constituir ou a modificar o direito que se exercita. No caso, demonstra-se que a deliberação da Câmara Municipal que aprovou a reversão do terreno vendido ao réu (…) ocorreu em 04-03-2020 (ponto 11 dos factos provados) e a acção foi proposta em 21-07-2020, o que significa que à data da propositura da acção já havia decorrido o referido prazo de dez dias e, assim, a preclusão do direito do Autor renovar o pedido formulado na acção n.º 282/15.3T8FTR. Preclusão que envolve o restabelecimento dos efeitos do julgado na acção n.º 282/15.3T8FTR relativamente à Ré/recorrente sem se estender aos demais Réus a quem o recurso não aproveita (artigo 634.º, a contrario, do CPC). O caso julgado constitui uma excepção peremptória cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea e), do CPC). O recurso procede com a absolvição da 2ª Ré da instância. Solução que prejudica o conhecimento das remanescentes questões colocadas no recurso, uma vez que não se altera em função de tal conhecimento. 3. Custas Configurando-se a 2ª Ré/recorrente como parte vencedora, sem oposição do Autor/recorrido, as custas, nesta instância, correm por conta deste na vertente de custas de parte (artigos 527.º, n.º 1 e 533.º, n.º 2, do CPC). Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…) IV. Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em: a) julgar procedente a excepção do caso julgado e, em consequência, em absolver da instância a ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…); b) em revogar, nesta medida, o despacho saneador mantendo-o em tudo o mais. Custas pelo Autor/recorrido conforme supra determinado. Évora, 6/6/2024 Francisco Matos Isabel de Matos Peixoto Imaginário Rosa Barroso |