Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DE COIMAS E CUSTAS COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAL IRRECORRIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 02/20/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Não é recorrível o despacho judicial que declara a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima instaurada pelo Ministério Público - tendo-se considerado caber essa competência à Autoridade Tributária -, decretando a absolvição do executado da instância. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO
Artigo 87.º 1 - Para a execução pelas indemnizações referidas no artigo 542.º e preceitos análogos é competente o tribunal em que haja corrido o processo no qual tenha sido proferida a condenação.Execução pelas indemnizações 2 - A execução pelas indemnizações corre por apenso ao respetivo processo. Artigo 88.º Quando a condenação em indemnização tiver sido proferida na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça, a execução corre no tribunal de 1.ª instância competente da área em que o processo haja corrido.Execução pelas indemnizações derivadas de condenação em tribunais superiores Neste quadro legal, entendemos que a remissão prevista no n.º 2 do artigo 491º do CPP, para «as disposições previstas no Código de Processo Civil para a execução por indemnizações», reporta-se aos artigos 87º e 88º do CPC. Donde, regulando-se nos artigos 87º e 88º do CPC, a quem cabe a competência para a execução, salvo o devido respeito pela posição em sentido contrário, entendemos que a remissão prevista no n.º 2 do artigo 491º do CPP terá de ser interpretada como tendo apenas esse âmbito de aplicação. Consideramos, por outro lado, que a remissão operada pelo artigo 510º do CPP, para o disposto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais, no respeitante à execução de bens e em tudo o que não estiver previsto no CPP, refere-se ao regime que a execução deve seguir, em termos de procedimento e tramitação. A remissão prevista no artigo 510º do CPP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, para o Regulamento das Custas Processuais, deve entender-se como reportada ao artigo 35º deste diploma legal. Sem pretendermos entrar na apreciação do mérito do recurso, diremos que, em nossa opinião, a previsão do artigo 35º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março[6], não abrange a execução por coima, razão pela qual, considerando a concreta questão suscitada no recurso, entendemos não ter aqui campo de aplicação. Em suma: Consideramos que a remissão prevista no n.º 2 do artigo 491º do CPP, para as disposições do Código de Processo Civil que regem a execução por indemnizações (artigos 87º e 88º) e a remissão estabelecida no artigo 510º do CPP, para o Código de Processo Civil (artigo 762º e ss.), subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, à execução por coima, por força do disposto no artigo 89º, n.º 2, do RGCO, cinge-se ao regime da execução, quanto ao procedimento e trâmites que deve seguir. No respeitante aos recursos, no âmbito do processo executivo, por contraordenação, perfilhamos o entendimento de que, em face redação dada ao n.º 2 do artigo 91º do RGCO, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, tendo deixado de se prever os casos de admissibilidade de recurso para a relação que eram previstos, na redação originária, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro[7] e existindo um regime específico quanto à recorribilidade das decisões, previsto no artigo 73º do RGCO, regime este que, em nossa opinião, também é aplicável à execução, com as necessárias adaptações, não devem ter aplicação as normas do CPC relativas ao regime recursivo. Esta matéria tem dividido a doutrina. Defendem alguns autores que com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, ao n.º 2 do artigo 91º do RGCO, foram eliminadas as limitações ao direito de recurso anteriormente previstas, pelo que, terá de se aplicar a regra geral do artigo 627º, nº 1 do Código de Processo Civil (por remissão do artigo 510º do CPP e ex vi do disposto no artigo 89º, n.º 2, do RGCO), que consagra a recorribilidade das decisões judiciais. Entre os autores que preconizam este entendimento não é consensual se a regra da recorribilidade das decisões proferidas no processo executivo, por coima, aplicada no âmbito de processo de contraordenação, está, ou não, sujeita aos limites do artigo 73º do RGCO, defendendo uns que está, sendo esses limites aplicáveis mutatis mutandis[8] e propendo outros para a solução negativa, embora com dúvidas[9]. Em sentido diametralmente oposto, entendem outros autores que as decisões proferidas em processo executivo, por coima, são todas irrecorríveis[10]. Acompanhamos a posição doutrinária segundo a qual, perante a redação dada ao n.º 2 do artigo 91º do RGCO, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, atinente à execução da coima, deixando de estar previstos os casos de admissibilidade de recurso para relação que constavam da redação originária dessa norma, a admissibilidade da interposição de recurso passou a estar sujeita ao regime geral, com os limites previstos no artigo 73º do RGCO, aplicável com as devidas adaptações. Sobre as decisões que admitem recurso, no âmbito do processo de contraordenação, dispõe o artigo 73º do RGCO: «1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 249,40€; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias; c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a 249,40€ ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público; d) A impugnação judicial for rejeitada; e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal. 2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. 3 - (...).» Ora o despacho judicial recorrido não se integra em nenhum dos casos elencados no n.º 1 do artigo 73º do RGCO, aplicável, ao processo de execução por coima, com as necessárias adaptações. Como é sabido, no processo contraordenacional o direito ao recurso é muito restrito, vigorando o princípio da irrecorribilidade das decisões, só sendo recorríveis aquelas cuja impugnação esteja expressamente prevista[11], nos termos do disposto no artigo 73º do RGCO. O Tribunal Constitucional, já por diversas vezes, se pronunciou no sentido de não ser inconstitucional a interpretação da norma ínsita no artigo 73º do RGCO, ao estabelecer limites ao direito de recurso[12]. Não se ignorando que a assinalada orientação do TC respeita a situações em que estava em causa o direito ao recurso por parte do arguido/condenado/executado, não existem razões para que, seja arredada quando se trate de recurso interposto por outro sujeito processual, no caso o Ministério Público, que promoveu a execução da coima (e custas). Diremos, ainda, o seguinte: No Código de Processo Civil, em matéria de recursos e no respeitante ao processo executivo, são aplicáveis os artigos 853º e 854º e, subsidiariamente, por remissão do artigo 852º, o regime dos recursos no processo de declaração, previsto nos artigos 629º e seguintes. A norma do Código de Processo Civil, convocada por quem defende ser admissível a interposição de recurso da declaração de incompetência, em razão da matéria, no âmbito do processo executivo, por coima – atenta a remissão do artigo 89º, n.º 2, do RGCO, para o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa, o que, na prática, significa para os artigos 491º, n.º 2 e 510º, ambos do CPP, os quais estabelecem que a execução da multa segue as disposições previstas no Código de Processo Civil para a execução por indemnizações (artigo 491º, n.º 2) e que em tudo o que não esteja previsto no Código de Processo Penal, a execução de bens rege-se pelo disposto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais (artigo 510º) –, é o artigo 629º, n.º 2, al. a), a qual estatui que: «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;». Como é sabido tem sido objeto de acesa controvérsia na jurisprudência a questão da aplicabilidade da enunciada norma, no âmbito do processo penal, aos recursos ordinários, tendo por fundamento a violação do caso julgado. A orientação jurisprudencial maioritária do STJ vem decidindo recusar a aplicabilidade, ao processo penal, do artigo 629º, al. a), do CPC, ex vi do disposto no artigo 4º do CPP, em matéria penal, acolhendo o entendimento de que o regime normativo dos recursos penais é completo e carateriza-se por uma pretensão de autonomia face ao processo civil, procedendo a um tratamento das suas dimensões essenciais, pelo que, não havendo lacuna a assinalar a esse regime, não há razão para aplicar as normas do CPC[13]. Cabe perguntar: Existirá fundamento para afastar esta orientação jurisprudencial, estando em causa a questão da declaração de incompetência, em razão da matéria, proferida no âmbito de processo de execução para cobrança coerciva de coima aplicada pela autoridade administrativa? Salvo o devido respeito pela posição contrária, afigura-se-nos que tal questão deve merecer resposta negativa. Na verdade, se no processo de contraordenação, para a impugnação das decisões judiciais, está previsto um regime específico em matéria de recursos (cf. artigos 73º e 74º, ambos do RGCO), sendo, subsidiariamente, aplicáveis, devidamente adaptadas e com as especialidades resultantes do RGCO, as normas do processo penal (cf. artigos 41º, n.º 1 e 74º, n.º 4, ambos do RGCO), não tendo, neste último, campo de aplicação a norma prevista 629º, al. a), do CPC, não vislumbramos que o possa ter, no processo executivo, por coima, ainda que, por via remissão estabelecida no artigo 89º, n.º 2, do RGCO, para o disposto nos artigos 491º, n.º 2 e 510º, do CPP, remetendo estes para as disposições do CPC respeitantes à execução. Nesta conformidade, entendemos não ser recorrível o despacho judicial que declara a incompetência do tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima, instaurada pelo Ministério Público, tendo-se considerado caber essa competência à Autoridade Tributária e, em consequência, tendo sido decretada a absolvição do executado da instância, nos termos do disposto no artigo 577º, al. a), do CPC. Uma última nota para referir o seguinte: Em face do decidido na 1.ª instância, o Ministério Público poderá, se assim o entender, requerer a remessa do processo executivo à Administração Tributária e se tal acontecer, esta entidade poderá adotar uma de duas posições: Aceitar a competência ou declarar também a sua incompetência. Adotando a AT a primeira posição, a situação ficaria ultrapassada. Pelo contrário se a AT recusar a competência, configurar-se-ia um conflito de jurisdição (cf. artigo 109º, n.º 1, do CPC), recaindo a competência para dele conhecer, ao presidente do STJ, com a faculdade de delegação nos vice-presidentes (cf. artigo 110º, n.º 1, do CPC e 62º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário), sendo aplicável, uma vez que não está regulado no CPP e por via do disposto no artigo 4º, o regime processual previsto nos artigos 111º a 113º do CPC. Pelo exposto, não sendo recorrível a decisão judicial em apreço, deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser rejeitado (cf. artigo 420º, n.º 1, al. b), do CPP, aplicável ex vi do artigo 74º, n.º 4, do RGCO), o que se decide.
* «Voto vencido por entender que o regime resultante do art. 73º do RGCO é claro quando restringe a sua aplicabilidade aos casos em que houve – em 1ª instância – “sentença ou despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º”, o que não é o caso dos autos. Conforme bem se realça na Decisão Sumária lavrada nesta Relação em 5 de fevereiro de 2024, o que aqui “se executa é, pois, uma decisão administrativa, não impugnada judicialmente, proferida no âmbito do referido processo contraordenacional“. Em breve, o art. 73º do RGCO não é aplicável ao caso dos autos devido a ausência de “recurso” de impugnação judicial». Évora, 20 de fevereiro de 2024 Gomes de Sousa __________________________________________________ [1] Cf., por todos, Ac. desta RE de 19/11/2015, proc. 892/07.2TAFAR.E1, in www.dgsi.pt. [2] Neste sentido, cf. Decisão Sumária de 29/11/2023, proc. n.º 82/23.1T9OLH.E1 – Desemb. Moreira das Neves –, in www.dgsi.pt. Decisão Sumária de 06/02/2024, proc. n.º 434/20.0T9OLH.E1 – Desemb. Ana Bacelar –, ainda não publicado no site da dgsi; [3] Neste sentido, cf. Ac. de 07/11/2023, proc. n.º 107/23.6T9OLH.E1 – Relator Desemb. Jorge Antunes; Ac. de 24/10/2023, proc. n.º 109/23.2T9OLH.E1 – Relator Desemb. João Carrola; Ac. de 07/11/2023, proc. n.º 319/23.2T9OLH.E1 – Relator Desemb. Carlos de Campos Lobo, com voto de vencido da Desemb. Ana Bacelar – e Decisão Sumária de 05/02/2024, proc. n.º 154/23.8T9OLH.E1 – Desembargadora Maria Clara Figueiredo –, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [4] No âmbito do processo n.º 516/23.0T9OLH.E1 – que tem voto de vencido da Desemb. Maria Perquilhas – disponível in www.dgsi.pt. [5] Neste sentido, cf. António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in “Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas”, 3ª Edição, Almedina, pág. 288. [6] Sob a epígrafe “Execução” dispõe o enunciado artigo 35º: «1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial. 2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas. 3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu. 4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. 5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil.» [7] Dispunha o artigo 91º: «1 - O tribunal perante o qual se promove a execução será competente para decidir sobre todos os incidentes e questões suscitados na execução, nomeadamente: a) A admissibilidade da execução; b) As decisões tomadas pelas autoridades administrativas em matéria de facilidades de pagamento; c) A suspensão da execução segundo o artigo 90.º 2 - Admite-se, todavia, recurso para a relação nos seguintes casos: a) Admissibilidade de execução de coima aplicada por via judicial; b) Nos casos referidos na alínea b) do número anterior, quando as decisões forem da competência do tribunal da comarca. (...).» [8] Neste sentido, cf. António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 10ª edição, 2014, Almedina, pág. 241, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., pág. 337 e António de Oliveira Mendes e José Santos Cabral, in ob. cit., pág. 291. [9] Assim, Manuel Ferreira Antunes, in Contra-Ordenações e Coimas – Anotado e Comentado, 2005, Dislivro, pág.571. [10] Neste sentido, vide Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6ª edição, Vislis, pág. 644. [11] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2011, Universidade Católica Editora, pág. 298. [12] Cf., entre outros, Acórdãos do TC n.º 508/2016, de 21/09/2016, nº 355/2012, de 05/07/2012 e n.º 659/2006, de 28/11/2006, acessíveis in https://www.tribunalconstitucional.pt. [13] Neste sentido, cf., por todos, Ac. do STJ de 12/01/2022 – com data de publicação de 02/02/2022 – proc. n.º 3519/16.8T8LLE.E1.S1 e de 18/06/2020, proc. n.º 28/06.7TELSB.L2. S1, in www.dgsi.pt. |