Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO CULPA DA ENTIDADE PATRONAL NEXO DE CAUSALIDADE | ||
Data do Acordão: | 05/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1. A responsabilidade agravada do empregador, nos termos do art. 18.º n.º 1 da LAT, com fundamento na falta de observação de regras sobre segurança e saúde no trabalho, dispensa a prova da culpa, mas exige a verificação de um nexo de causalidade entre essa violação e a eclosão do acidente. 2. A segurança começa no planeamento e institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efectiva aplicação, e essa responsabilidade cabe directamente ao empregador. 3. E tal sucede ainda que os factos integradores da violação dos dispositivos relativos à segurança, higiene e saúde no trabalho sejam imputáveis a um terceiro. 4. Actua culposamente o empregador que, tendo trabalhadores a executar simultaneamente tarefas de abate de árvores e recolha de lenha no solo, não planifica os trabalhos, não assinala as zonas de abate e não delimita os perímetros de segurança, assim colocando o trabalhador que estava a recolher a lenha no solo numa situação especialmente perigosa, de inadvertida entrada na zona de queda. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: Participado acidente de trabalho ocorrido no dia 23.05.2019 a AA, realizou-se, no Juízo do Trabalho de Évora, tentativa de conciliação, que resultou infrutífera porquanto a seguradora AGEAS PORTUGAL – Companhia de Seguros, S.A., recusou a responsabilidade por imputar a causa do acidente à entidade empregadora, recusando também a incapacidade atribuída, enquanto a empregadora BB, Lda., por seu turno, não aceitou qualquer responsabilidade. E assim o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, apresentou petição inicial demandando apenas a seguradora e pedindo o pagamento das prestações normais decorrentes do acidente. Na sua contestação, a seguradora aceitou a caracterização do evento como acidente de trabalho, mas disse que o mesmo resultou de actuação culposa da empregadora, por inobservância das regras de segurança. Requereu a intervenção principal provocada da empregadora, o que foi deferido. Citada, a empregadora contestou dizendo não ter violado quaisquer regras de segurança e que o acidente se ficou a dever a comportamento temerário do sinistrado, o que determina a sua descaracterização. Realizado julgamento, a sentença considerou ter ocorrido actuação culposa da empregadora, por falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, e condenou nos seguintes termos: 1. “Atribuir a AA uma incapacidade permanente parcial de 17,06%, a partir do dia 22 de Julho de 2020; 2. Condenar “BB, Lda.” a pagar a AA: a. O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 1.641,53€ (…), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 22 de Julho de 2020 e vincendos até efectivo e integral pagamento; b. A quantia de 8.626,15€ (…), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, mais se determinando que seja descontado o pagamento já efectuado ao autor, a esse título, pela ré “Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A.”, liquidando-se, assim, o montante em dívida em 2.580,85€, sobre o qual acrescem juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respectivo vencimento mensal e vincendos até efectivo e integral pagamento; c. A quantia de 80€ (…) a título de despesas com deslocações, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis vincendos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento; 3. Condenar “BB, Lda.” no pagamento das custas. 4. Ao abrigo do disposto no art. 79.º, n.º 3, da LAT, sem prejuízo do direito de regresso, condena-se a ré “Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A.” no pagamento da pensão e indemnização referidas em 2. c) e c) restritas aos seguintes montantes: a. O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de 1.149,07€ (…), acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 22 de Julho de 2020 e vincendos até efectivo e integral pagamento; b. A quantia de 80€ (…) a título de despesas com deslocações, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis vincendos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até efectivo e integral pagamento.” Inconformada, a Ré empregadora recorre e conclui: I. Com relevância para a apreciação do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos: (…) II. No caso sub judice, entendeu o Tribunal a quo que a entidade patronal violou as regras de segurança, e do n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro resulta que para a sua aplicação, é necessário existir uma violação de uma regra de segurança e saúde no trabalho, que o acidente resulte da não observação da regra em causa, isto é, exista o nexo de causalidade, cabendo a prova de tais factos à R. seguradora, n.º 2 do art.º 342.º do CC. III. É imputada e concluída, na sentença do Tribunal a quo, a infracção pela Recorrente das regras de segurança referidas no Guia de Boas Práticas Florestais emitido pela Direcção Geral das Florestas, o qual não tem qualquer obrigatoriedade nem força de Lei nos termos do artigo 1.º do Código Civil (sublinhado nosso) IV. Não poderá assacar-se responsabilidades à entidade patronal, ora Recorrente, sustentando-se na aplicação do artigo 18.º da LAT sem que exista uma violação clara de uma regra de segurança, a qual tem de ser identificada em concreto e não meramente em termos abstractos. V. A violação das recomendações de um guia de boas práticas, do qual não resulta nenhum dever, mas mesmo a violação de deveres genéricos é manifestamente insuficiente para preencher a previsão do n.º 1 do artigo 18.º da LAT. VI. No último parágrafo da página 21 da sentença, o Tribunal a quo transcreve ipsis verbis, sem citar a fonte, a conclusão VIII do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2021 proferido no âmbito do processo n.º 559/18.6T8VIS.C1.S1 que refere: “VIII – A ausência de normas concretas que especificamente regulem a actividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade de imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa.” VII. Porém, um “Guia de Boas Práticas” não é um normativo. VIII. Não basta a existência de um acidente de trabalho para que se conclua pela violação de uma regra de segurança por si só. IX. Para que haja uma violação de uma regra de segurança que imponha um comportamento, ou proíba um comportamento, tem de existir uma previsão normativa expressa. (sublinhando nosso) X. Não existe qualquer norma concreta que obrigue o cumprimento dos procedimentos cuja omissão foi imputada à Recorrente como reconhece o Tribunal a quo. (sublinhado nosso) XI. Além da infracção, teria a R. seguradora de provar o nexo de causalidade entre tal violação e a ocorrência, mas dos factos dados como provados, dos quais terá de resultar o nexo de causalidade, apenas consta, grosso modo, que a Recorrente não planificou os trabalhos a realizar, as zonas de abate não se encontravam assinaladas e que não se encontravam delimitados e delineados os perímetros de segurança, pontos 23 a 25 dos factos dados como provados, não resultando o necessário nexo de causalidade, o qual é matéria de facto. XII. Não está dado como provado que, no caso em concreto, o acidente ocorreu porque a Recorrente não planificou os trabalhos a realizar, ou porque as zonas de abate não se encontravam assinaladas ou porque não se encontravam delimitadas ou porque não se encontravam delineados os perímetros de segurança. (sublinhado nosso) XIII. Não consta dado como provado que o trabalhador foi colhido pelo tronco da árvore porque não se apercebeu que estava no raio de queda da árvore, porque o mesmo não estava assinalado. (sublinhando nosso) XIV. Antes pelo contrário, resulta da matéria de facto dada como provada que o trabalhador foi avisado e tinha conhecimento que a árvore ia ser cortada, e que não poderia estar próximo da mesma, pontos 5, 6, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada. (sublinhando nosso) XV. Resultou provado que o trabalhador tinha formação e que enveredava equipamento de protecção individual adequado. XVI. No caso sub judice, tratava-se de abate de árvores efectuado por profissionais conhecedores dos riscos e com formação para o efeito, os quais comunicaram por gestos que a árvore ia ser abatida e todos compreenderam, inclusive o sinistrado. XVII. Se não existe um meio tipificado para as comunicações, qualquer meio, desde que seja compreendido pelos intervenientes, é bastante. XVIII. Teria, desde logo, a R. seguradora de ter alegado e provado que, se fossem planificados os trabalhos a realizar, as zonas de abate estivessem assinaladas e que se estivessem delimitados e delineados os perímetros de segurança, o acidente não teria ocorrido. (sublinhado nosso) XIX. As causas do acidente não foram apuradas, nem dadas como provadas, apenas que o A. foi atingido pelo tronco de uma árvore, pelo que, nunca o Tribunal a quo poderia ter concluído que foi causado pela violação de regras de segurança. (sublinhando nosso) XX. É o próprio Tribunal a quo que, em sede de apreciação da descaracterização do acidente de trabalho, conclui que não foi apurada a causa do acidente: “Compulsados os autos, constata-se não se ter apurado em que circunstâncias concretas ocorreu o acidente sofrido pelo autor, não sendo possível concluir, designadamente, se o mesmo se ficou a dever, ou não, a um acto praticado pelo próprio ao colocar-se na linha de queda da árvore, se foi por um recuou do tronco aquando do abate, se foi por ressalto do tronco ou se deveu a qualquer outra circunstância. Por conseguinte, não resultando provadas tais circunstâncias, não é possível concluir que o autor actuou com culpa grave, susceptível de descaracterizar o acidente de trabalho por si sofrido, nos termos previsto na al. b) do n.º 1, do art. 14.º da LAT.” Página 17 e 18 da sentença recorrida. (sublinhado nosso) XXI. Não tendo elementos concretos factuais, o Tribunal a quo imputa, em termos abstractos e meramente hipotéticos, à infracção da norma de segurança a causa do acidente. (sublinhado nosso) XXII. Chegando a imputar à Recorrente a violação do disposto no n.º 14 do artigo 15.º da Lei n.º 102/09, de 10 de Setembro e no n.º 4 do artigo 16.º da mesma base legal, quando se trata, em ambos os casos, de normas sancionatórias que não impõem ou proíbem comportamentos. XXIII. O Tribunal a quo, tentou fundamentar a decisão com elementos nada coincidentes com os autos. XXIV. A imputação abstracta de violação de normas, sem se apurar o caso concreto, é manifestamente insuficiente para dar como verificado o nexo de causalidade. XXV. O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro e nos artigos 1.º, e 342.º do Código Civil, ao decidir nos termos em que consta na sentença. XXVI. Pelo que, terá de concluir-se que a responsabilidade pela ocorrência do acidente não é imputável à Recorrente nomeadamente por violação das regras de segurança, devendo ser absolvida e a sentença ser revogada em conformidade. XXVII. Para a descaracterização do acidente de trabalho exige a alínea a) do art.º 14.º do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009 de 4/9, sob a epígrafe “Descaracterização do Acidente” que: “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.” (sublinhado nosso) XXVIII. No caso concreto, a conduta do sinistrado preenche cabalmente todos os referidos requisitos, pois resultou como provado que: a. O trabalhador foi atingido pelo tronco de uma árvore ao ser cortada; b. O trabalhador antes da árvore ser cortada foi avisado que a mesma ia ser cortada e ficou ciente disso; c. A Recorrente comunicou ao trabalhador que não se poderia aproximar das árvores quando as mesmas estavam a ser abatidas; d. O trabalhador sabia que não se podia aproximar das árvores quando estão a ser cortadas; e. O trabalhador tinha formação promovida pela Recorrente. XXIX. O Tribunal a quo sustenta que a conduta do sinistrado não foi isenta de culpa e concorreu para a verificação do acidente: “Não se olvida que para tal terá também o autor contribuído (…)” página 23 da sentença recorrida. XXX. Da conjugação dos factos dados como provados resulta que, apesar de saber que não poderia aproximar-se da árvore que estava a ser cortada, o sinistrado aproximou-se e foi atingido pelo tronco. XXXI. A dinâmica, como o trabalhador alega ter ocorrido o sinistro, não foi dada como provada, al. e) dos factos não provados. XXXII. O Autor, aqui Recorrido, violou uma das condições de segurança estabelecidas pela Recorrente. XXXIII. A Recorrente ao ter transmitido em data anterior ao início dos trabalhos, aos funcionários, incluindo ao autor, que não deveriam aproximar-se do local de queda das árvores, constitui uma regra de segurança estabelecida pela Recorrente, verificando-se assim, o preenchimento do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT. XXXIV. Mas, fazendo o mesmo juízo do Tribunal a quo, que conclui que certamente não seria necessário comunicar ao A. para não se aproximar das zonas de queda das árvores, por ser uma evidência, teremos então que analisar o comportamento do trabalhador à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT. (sublinhado nosso) XXXV. Apesar de ser uma evidência, nas palavras do Tribunal a quo, que ao estar a ser abatida uma árvore não de pode aproximar do local de queda da árvore, a Recorrente reforçou tal proibição junto do Autor. XXXVI. Sendo uma evidência, isto é, um comportamento obviamente proibido, não teria sequer a Recorrente a obrigação de o comunicar ao Autor, dado que, o homem médio sabe de tal proibição, mas ainda assim comunicou. XXXVII. Apesar da Recorrente, na pessoa do seu legal representante, ter reforçado tal proibição e este ter ficado ciente, como ficou dado como provado, aproximou-se do local de queda da árvore e foi atingido pelo tronco da mesma. XXXVIII. Mesmo perante a advertência da Recorrente quanto à não aproximação dos locais de queda as árvores, o sinistrado optou por um comportamento temerário, altamente reprovável e indesculpável, grosseiramente negligente, em face de real risco que tal conduta importou. (sublinhado nosso) XXXIX. O homem médio, dotado de boa diligência, colocado na posição do sinistrado, face ao circunstancialismo e aos riscos que corria não teria tomado o comportamento prosseguido pelo sinistrado e não se teria aproximado do local de queda da árvore, quando sabia que a mesma estava a ser abatida. XL. Agiu com culpa grave dado que apenas uma pessoa excepcionalmente descuidada e incauta teria adoptado tal comportamento, tendo tal comportamento, gratuito e infundado, sido a causa exclusiva do acidente. XLI. O acidente foi causado por negligência grosseira do sinistrado, o que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 14.º do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro, igualmente descaracteriza o acidente de trabalho com a consequentemente inexistência de dever de reparação do mesmo por parte da entidade patronal. XLII. O Tribunal a quo, ao não concluir pela descaracterização do acidente de trabalho, violou o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT. XLIII. Tendo a decisão de ser revogada e substituída por outra que conclua pela descaracterização do acidente de trabalho e consequente absolvição da Recorrente. Nas respectivas respostas, o sinistrado e a Seguradora sustentam a manutenção do julgado. Cumpre-nos decidir. A matéria de facto apurada na sentença recorrida, e não impugnada, é a seguinte: 1. AA nasceu a …/…/1998. 2. No dia 23 de Maio de 2019, pelas 14h30m, em Alcácer do Sal, enquanto trabalhava como trabalhador florestal por conta de “BB Lda.”, AA foi atingido por um tronco de árvore. 3. A árvore que atingiu o autor foi um pinheiro manso adulto. 4. E foi cortada por CC, que trabalhava por conta própria, contratado para o efeito por “BB Lda.”. 5. Antes de proceder ao corte da árvore, CC comunicou por gestos ao autor que iria proceder ao corte da árvore em questão, procedimento esse adoptado sempre que procedia ao corte de uma árvore. 6. O que o autor entendeu. 7. A árvore caiu para a frente, atenta a posição de CC. 8. O autor tinha capacete, auscultadores, calças de corte, botas de biqueira de aço e óculos. 9. O legal representante da ré “BB Lda.” transmitiu, em data anterior ao início dos trabalhos, aos funcionários, incluindo o autor, que não deveriam aproximar-se do local e queda das árvores. 10. Facto de que o autor estava ciente. 11. Na sequência da referida ocorrência, o autor sofreu uma fractura estável da bacia (fractura dos ramos ísquio e iliopúbicos à direita, do ramo púbico à esquerda e ísquion à esquerda e fissura da asa direita do sacro longitudinal) e do membro inferior direito (fractura exposta da diáfise da tíbia e perónio). 12. As lesões acima descritas determinaram uma incapacidade temporária absoluta (ITA) ao sinistrado de 24.05.2019 a 02.03.2020 e de incapacidade temporária parcial de 35% de 03.03.2020 a 27.05.2020 e de 25% de 28.05.2020 a 20.07.2020. 13. Como sequelas das lesões acima descritas, o autor apresenta estado pós fractura dos ossos da bacia com dores sequelares, sem limitações acentuadas de mobilidade, disfunção eréctil que responde a medicação, com erecção e ejaculação, bem como estado pós fractura exposta dos ossos da perna direita, com diminuição da resistência óssea e dor local, o que lhe determina uma incapacidade permanente parcial de 17,06%. 14. Nas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, o autor auferia retribuição anual de 9.622,10€ (correspondente a 600,00€ x 14 meses + 111,10€ x 11 meses). 15. O autor frequentou formação profissional, fornecida pela ré “BB Lda.”, em 24.01.2019, de 8h, sobre “Segurança e higiene no trabalho na operação de equipamentos” e sobre “Equipamentos de corte – moto-serras, motor roçadoras, rachadores”. 16. O autor era funcionário da ré “BB Lda.” desde o início de Fevereiro de 2019, desempenhando, desde então funções de trabalhador florestal, entre elas, a recolha de lenhas concomitantemente ao abate de árvores. 17. Entre “BB Lda.” e “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”, foi celebrado escrito denominado de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 001010278564, mediante o qual aquelas declararam transferir para a segunda a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos trabalhadores da primeira, até ao montante de retribuição anual de 9.622,10€, mediante o pagamento de um prémio por parte da mesma. 18. Contrato que se encontrava em vigor em 23 de Maio de 2019. 19. Foi atribuída alta clínica ao autor em 21 de Julho de 2020. 20. O autor despendeu com deslocações a este tribunal a quantia de 80,00€. 21. “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.” pagou ao autor todas as indemnizações devidas ao mesmo por incapacidades temporárias. 22. Quando foi atingido pela árvore, o autor encontrava-se a recolher lenha do solo. 23. Não havia planificação dos trabalhos a realizar. 24. As zonas de abate não se encontravam assinaladas. 25. Tão pouco tais zonas se encontravam delimitadas e delineados os perímetros de segurança. APLICANDO O DIREITO Da violação de regras de segurança Vem sendo afirmado de forma dominante na jurisprudência[1] que a responsabilidade agravada do empregador, para os fins do art. 18.º n.º 1 da LAT – Lei 98/2009, de 4 de Setembro – tem por base dois fundamentos, a saber: · acidente provocado pelo empregador ou seu representante, o que implica a ocorrência de um comportamento culposo; ou, · acidente resultante da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho. Também vem sendo reconhecido que a prova da culpa apenas é indispensável quanto ao primeiro fundamento, mas quanto ao segundo – incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho – torna-se necessário demonstrar que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal, e a verificação de um nexo de causalidade entre essa conduta omissiva e a eclosão do acidente.[2] Finalmente, importa referir que o ónus de alegação e prova dos factos que integram a violação de regras de segurança e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente impende sobre a parte que invoca o direito às prestações agravadas, ou que venha a beneficiar da situação. Dispõe o art. 563.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” Antunes Varela[3] ensina que esta norma acolheu a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acto ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, ou seja, que não foi de todo indiferente para a produção do dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele. Conforme o insigne Mestre, «para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.»[4] Acresce que «a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano.»[5] Verifiquemos então, numa primeira linha, se houve regras de segurança e saúde no trabalho que não foram observadas pelo empregador, para, em segundo lugar, apurar se o seu cumprimento provavelmente evitaria a produção do evento lesivo. Está apurado que não havia planificação dos trabalhos a realizar, as zonas de abate de árvores não estavam assinaladas e tão pouco tais zonas se encontravam delimitadas e delineados os perímetros de segurança. A sentença recorrida concluiu pelo incumprimento de regras de segurança no trabalho, que evitariam a produção do acidente, efectuando a seguinte fundamentação, que transcrevemos: «É, pois, manifesto, que não estavam instituídos quaisquer procedimentos de segurança, não podendo considerar-se como tal a circunstância de o legal representante da ré “BB Lda.” ter transmitido, em data anterior ao início dos trabalhos, aos funcionários, incluindo o autor, que não deveriam aproximar-se do local e queda das árvores, nem tão pouco o método adoptado aquando do abate, dado por provado em 5., ou seja, a mera comunicação por gesto entre a pessoa que faz o abate e dos demais trabalhadores que executam outras tarefas. Com efeito, afirmar a alguém que não se pode aproximar de uma árvore que vai ser abatida, não mais é que a constatação de uma evidência. Deveriam a ré entidade patronal do autor e a pessoa por si contratada para execução da tarefa - pois sobre ambos recairia a responsabilidade sobre as condições de segurança no local, a primeira porque tinha lá trabalhadores em exercício de funções; a segunda, porque se encontrava em laboração conjuntamente com tais trabalhadores - terem adoptado os seguintes procedimentos de segurança referidos no Guia das Boas Práticas Florestais emitido pela Direcção-Geral das Florestas, acessível em https://www.icnf.pt/api/file/doc/e550b62b6b44f397, cujo conhecimento ambos deveriam ter porquanto relacionados com o exercício da respectiva actividade: - Levantamento da área a corte, com delimitação da área sujeita a abate; - Localização do início do abate; - Definição da direcção do abate; - Definição dos circuitos de rechega; - Definição dos trilhos de extracção; - O abate das árvores deveria ser precedido da operação de marcação da área a corte, tendo em vista assinalar as árvores a abater e a avaliação prévia do volume lenhoso a extrair; - A área a corte deveria ser dividida em secções, onde deverão trabalhar o número adequado de operadores; - Para qualquer operação devem ser mantidas as distâncias de segurança e nenhum operador deveria trabalhar sozinho na mata; - Uma vez que qualquer árvore possui uma direcção de queda natural que depende da sua conformação (inclinação da árvore, distribuição dos ramos na copa), a qual muitas vezes não coincide com a direcção de queda mais adequada, por forma a facilitar as operações posteriores e evitar danos no tronco da árvore a abater, o abate deve ser dirigido de acordo com uma direcção de queda planeada – direcção de abate, a qual depende do sentido da extracção, da inclinação natural da árvore e dos eventuais obstáculos existentes; - Nenhum operador deveria estar na área correspondente a uma distância inferior a duas vezes e meia a altura da árvore que se vai cortar – distância de segurança. Todas estas medidas foram omitidas, sendo que a entidade patronal do sinistrado entendeu cumprido o seu dever avisando o sinistrado para não se aproximar das árvores objecto de abate, e a pessoa contratada pela entidade patronal para proceder ao abate da árvore, se bastou com uns acenos de braços. Mas se tal lhes bastou, ao Tribunal afigura-se manifestamente insuficiente, porquanto foi precisamente a omissão de deveres elementares de cuidado, como os supra descritos que foram, num juízo de prognose póstuma, a causa adequada, à produção do acidente que veio a verificar-se, tendo contribuído de forma decisiva para a ocorrência do referido evento. Não se olvida que para tal terá também o autor contribuído, contudo, é precisamente porque os trabalhadores são humanos e, portanto, naturalmente, susceptíveis de incorrer em erro ou distracção, que existem deveres de protecção acrescidos da responsabilidade da entidade patronal. Mostram-se, desse modo, e face ao exercício simultâneo e actividade sem estarem asseguradas condições mínimas de segurança, sem qualquer planificação ou organização, sem instruções claras e precisas, nos termos acima descritos, violados os arts. 15.º, n.º 1, n.º 2, al. a), c), d), e), l), n.º 14, e 16.º, n.º 1 e 4, da Lei 102/09, de 10.09, na redacção actual.» O Supremo Tribunal de Justiça tem observado que “a ausência de normas concretas que especificamente regulem a actividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade de imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa.”[6] A Lei 102/2009, de 10 de Setembro, que aprova o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, estabelece no seu art. 15.º n.º 2 a obrigação do empregador zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta vários princípios gerais de prevenção, entre eles: a) “Evitar os riscos; b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais; c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção; e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção; f) (…); g) (…); h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho; i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; j) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual; k) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.” São estes deveres que, manifestamente, a Recorrente não observou. Ao determinar a realização dos trabalhos em causa – abate de árvores e recolha de madeira, por vários trabalhadores, em simultâneo – cumpria-lhe não apenas atribuir aos seus trabalhadores os instrumentos de trabalho e de protecção adequados, como ainda planear a tarefa, identificando os riscos previsíveis e combatendo-os na sua origem, e fornecendo instruções adequadas aos seus trabalhadores para a realização segura dos trabalhos. Ao invés, a Recorrente não planificou os trabalhos, não assinalou as zonas de abate e não delimitou os perímetros de segurança. Importa notar que a violação das regras de segurança ocorre não apenas por acção, mas também por omissão, face à obrigação do empregador em zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador – art. 486.º do Código Civil. Argumenta a Recorrente que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira do sinistrado, que se aproximou indevidamente do local, apesar de lhe ter sido assinalado o abate da árvore. Júlio Gomes observa que “os erros, as distracções, fazem parte da normalidade do trabalho humano, porque o trabalho, como as pessoas que o fazem, não é perfeito – é obra de seres humanos.”[7] E porque assim é, a forma como os seres humanos procuram evitar o erro no seu trabalho é através da correcta planificação e da devida informação a todos os trabalhadores, para todos estarem conscientes das suas tarefas e das tarefas dos outros. Ora, o sinistrado estava a executar a tarefa que lhe havia sido confiada: a recolha de lenha no solo. Esta tarefa exige concentração no solo, pois é ali que está a lenha a recolher, pelo que fica diminuída a atenção à altura das árvores e ao cálculo da distância de segurança em relação à zona de queda. Ademais, entre outros equipamentos de protecção individual, o sinistrado usava auscultadores que, pelo menos, reduzem a passagem de som, pelo que se devia admitir a possibilidade de não ouvir o som da moto-serra a cortar a árvore (ou este chegar-lhe diminuído). Simultaneamente, decorria o abate de árvores, tarefa essa desempenhada por outra pessoa, que deveria não só avaliar a altura da árvore, mas também calcular o sentido provável de queda (é sempre um cálculo de probabilidades, pois não são raros os casos em que a árvore tomba num sentido inesperado, por acção de ventos ou outros factores não devidamente estimados) e definir o perímetro de segurança. Apesar da pessoa que cortou a árvore ter assinalado por gestos que iria proceder ao abate da árvore em questão, também está demonstrado que a zona de abate não estava delimitada nem delineado o perímetro de segurança. Logo, ao contrário do que afirma a Recorrente, o sinistrado não dispunha de um sistema adequado e seguro que o avisasse de qual a área perigosa a evitar. Estava concentrado no seu trabalho de recolha de lenha no solo, não era a ele que cabia a tarefa de calcular o sentido provável de queda da árvore nem definir a zona de segurança, e não se apercebeu que tinha entrado na zona de queda da árvore, tanto mais que o respectivo perímetro de segurança nem sequer estava delimitado. Todas estas violações são imputáveis à Recorrente, quer pela falta de planificação dos trabalhos, quer pela não identificação dos riscos previsíveis (não delimitação do perímetro de segurança), quer por não ter fornecido instruções adequadas aos seus trabalhadores para a realização segura dos trabalhos (não bastava ao operador da moto-serra assinalar por gestos que iria proceder ao abate da árvore, precisava definir o perímetro de segurança e garantir que o sinistrado, e todos os demais trabalhadores presentes no local, compreendiam efectivamente qual a zona de abate de onde não se podiam aproximar). Acresce, como se afirma no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2013, publicado no DR, I Série, de 5 de Março, “é de considerar que, ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a um terceiro (que responderá por tal perante as entidades fiscalizadoras competentes ou até em face da entidade patronal, na sede própria), continua a ser a entidade patronal – que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador –, a responsável directa perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho.”[8] Entrando agora na discussão do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente em apreço, recordemos que este resulta de um encadeamento de factos que conduzem ao dano. E no caso em concreto, pondera-se que a observância das regras de segurança supracitadas, com correcto planeamento, fornecimento de instruções adequadas e delimitação do perímetro de segurança, seria, com muito elevado grau de probabilidade, apta a evitar a produção do acidente. A segurança começa no planeamento e institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efectiva aplicação, e essa responsabilidade cabe directamente à entidade patronal. E não se pode afirmar – como pretende a Recorrente – que o sinistrado adoptou um comportamento temerário, altamente reprovável e indesculpável, grosseiramente negligente. Não era a ele que competia definir o perímetro de segurança de queda da árvore, nem lhe competia planear os trabalhos. Estava a desempenhar as tarefas que lhe cabiam, de recolha de lenha no solo, e foi colocado numa situação especialmente perigosa, de inadvertida entrada numa zona de abate de árvores, por não estar delimitado qualquer perímetro de segurança. Propositadamente, não se colocou na zona de queda da árvore – os factos não o indiciam, sequer. E como procurámos expor, à sua entidade empregadora cabia a tarefa de planear devidamente os trabalhos e adoptar os procedimentos adequados a evitar o acidente. Não o tendo feito, e cabendo-lhe a responsabilidade de garantir as necessárias condições de segurança pela execução dos trabalhos, a empregadora deve responder pela totalidade dos prejuízos decorrentes do acidente, nos termos que resultam do art. 18.º n.º 1 da LAT. Consequentemente, a muito bem fundamentada sentença recorrida merece ser confirmada, improcedendo o recurso. DECISÃO Destarte, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. As custas pela Recorrente. Évora, 25 de Maio de 2023 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa __________________________________________________ [1] De que são exemplos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2018 (Proc. 750/15.7T8MTS.P1.S1), de 25.10.2018 (Proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2) e de 15.09.2021 (Proc. 559/18.6T8VIS.C1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt. [2] Vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.2021, referido na nota anterior, bem como o Acórdão da Relação de Évora de 25.11.2021 (Proc. 1340/19.T8STR.E1), com o mesmo local de publicação. [3] In Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., 2000, pág. 900. [4] Loc. cit., pág. 894. [5] Idem, pág. 896. [6] Nos seus Acórdãos de 19.06.2013 (Proc. 3529/04.8TTLSB.L2.S1) e de 15.09.2021 (Proc. 559/18.6T8VIS.C1.S1), publicados em www.dgsi.pt. [7] In O Acidente de Trabalho – O Acidente In Itinere e a sua Descaracterização, 1.ª ed., Coimbra Editora, 2013, pág. 215. [8] Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.01.2003 (Proc. 03S3775), publicado em www.dgsi.pt. Reafirmando esta jurisprudência, vida ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.06.2013 e de 15.09.2021, supra citados. |