Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2069/19.5T8FAR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: IVA
FACTURA COMERCIAL
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A menção do IVA numa factura passada por serviços prestados não significa que o consumidor final tenha pago ao prestador aquele imposto.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2069/19.5T8FAR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…), SA requereu o presente procedimento cautelar de arresto contra (…) e (…) pedindo que o Tribunal ordene o arresto de um imóvel pertencente aos requeridos, fundamentando a sua pretensão no facto de, no exercício da sua atividade, ter celebrado, em 17 de Outubro de 2016, um contrato de compra e venda de um lote de terreno para construção e ainda, em 16 de Outubro de 2016, um contrato de empreitada para construção de uma moradia nesse mesmo lote, constando dos contratos o preço total de € 430.000,00 já pagos pelos requeridos.
Foram emitidas, pela requerente, diversas facturas que não foram pagas. Veio a saber que o imóvel está à venda.
Falta o pagamento do IVA no montante de € 81.650,00 que não foi pago pelos requeridos.
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O requerimento inicial foi indeferido por se ter entendido que não existe justo receio da perda de garantia patrimonial e também por os elementos juntos aos autos indicarem que o IVA foi pago.
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Deste despacho recorre a requerente alegando que o IVA é devido.
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Os elementos a ter em conta, e que são os que a recorrente alega no seu requerimento inicial, são os seguintes:
No exercício da sua atividade, ter celebrado, em 17 de Outubro de 2016, um contrato de compra e venda de um lote de terreno para construção e ainda, em 16 de Outubro de 2016, um contrato de empreitada para construção de uma moradia nesse mesmo lote, constando dos contratos o preço total de € 430.000,00 já pagos pelos requeridos.
Assim, foi acordado entre as partes que o lote de terreno importaria a quantia de € 75.000,00 e que o preço global da construção seria de € 355.000,00, valor este sem IVA, ou seja, ao referido valor de € 355.000,00 deveria acrescer o IVA respetivo no montante de € 81.650,00, valor do IVA que não foi pago pelos requeridos.
A requerente emitiu as seguintes faturas:
a) Fatura datada de 2 de Junho de 2016, no valor de € 80.000,00, incluindo IVA no montante de € 14.959,35;
b) Fatura emitida em 16 de Junho de 2016, no mesmo valor de € 80.000,00, incluindo IVA no mesmo montante de € 14.959,35;
c) Fatura datada de 16 de Agosto de 2016, no mesmo montante de € 80.000,00, sendo € 14.959,35 referentes ao IVA respetivo;
d) Fatura datada de 25 de Agosto de 2016, no montante de € 20.000,00, incluindo IVA no valor de € 3.739,84;
e) Fatura datada de 7 de Fevereiro de 2017, no montante de € 40.000,00, sendo € 7.479,67 referentes ao IVA respetivo;
f) Fatura datada de 30 de Junho de 2017, no montante de € 136.650,00, incluindo IVA no montante de € 25.552,44.
Os requeridos, apesar de notificados das faturas em causa, não precederam ao pagamento do IVA em dívida.
A requerente constatou que o imóvel dos requeridos estava à venda num sítio de uma imobiliária e há dois dias verificou que o referido site menciona que a casa está sinalizada como vendida e, se tal venda se vier a concretizar, a requerente perderá pura e simplesmente a garantia patrimonial do seu crédito respeitante ao IVA, uma vez que basta fazer a escritura notarial, o que pode ter lugar a qualquer momento, parecendo óbvia a intenção dos requeridos de se furtarem ao pagamento da sua dívida, não sendo conhecidos outros bens em Portugal aos mesmos.
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No essencial, a alegação de recurso centra-se nestes pontos:
A sentença fez errada interpretação do contrato de empreitada de onde emerge a obrigação de pagamento de IVA para os Recorridos no valor de € 81.650,00 (oitenta e um mil e seiscentos e cinquenta euros), pois que, como tem vindo a ser decidido pelos Tribunais Superiores, o IVA deve acrescer ao montante mencionado no contrato de empreitada e não ser considerado incluído no respetivo preço. Não se concorda com a conclusão de que o contrato de empreitada foi cumprido na íntegra com apoio nas faturas emitidas das quais resulta que o IVA já foi pago. Pelo contrário, das faturas não pode resultar de forma alguma o pagamento do IVA. A importância que foi paga foi a de € 355.000,00 (valor sem IVA) mais o terreno.
A única garantia patrimonial de que a Recorrente tem conhecimento é o lote pretendido arrestar e a moradia construída no mesmo; é o único que sabe poder responder pela dívida. Relativamente a outros, nem sequer tem possibilidade de saber. O propósito de alienar a casa é suficiente para fundamentar o periculum in mora ou justo receio de perda de garantia.
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Em relação ao primeiro aspecto, entendemos que a recorrente tem razão.
A emissão da factura implica, por si só, o pagamento do IVA por parte de quem presta o serviço. Não significa que o comprador ou o consumidor o tenha pago directamente ao prestador. A relação que se estabelece com a emissão da factura é entre o Fisco e o prestador, independentemente de o consumidor pagar a este o IVA. Ou seja, e no seguimento da jurisprudência do STJ (de que se destaca o ac. de 4 de Junho de 2013, proferido em revista excepcional, citado pela recorrente; cfr., também e por ser mais recente, o ac. de 24 de Novembro de 2016), «na estrutura da relação jurídico fiscal o devedor de facto ou devedor principal é o contribuinte de facto, o adquirente dos bens ou serviços, aparecendo nessa mesma relação o contribuinte de direito (prestador dos serviços ou fornecedores dos bens) como responsável pela cobrança e liquidação» para, acrescentamos nós, entregar ao Estado. Como se escreve no mesmo acórdão, «o adquirente de serviços não isento de IVA deve entregar ao prestador de serviços o imposto sobre o consumo em causa, recaindo, apesar disso e nos termos legais, sobre este último, na condição de contribuinte passivo, a sua liquidação ao fisco».
Assim, o IVA não faz parte do preço mas acresce a ele.
E, não havendo no contrato algo estipulado em sentido diferente, tem de se concluir que o pagamento do IVA é devido pelo consumidor final.
Mas isto não significa qualquer presunção de pagamento ou de não pagamento. O que se afirmou sobre isto é tão-só que a emissão da factura com a menção do IVA, por si só, não é prova de que o consumidor o tenha pago ao prestador do serviço. Cabe à parte alegar que tal pagamento não foi feito – e é isto mesmo o que vem alegado no requerimento inicial.
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Quanto ao segundo ponto, ele prende-se com função do arresto, enquanto providência cautelar.
Nos termos do art.º 391.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, o «credor que tem há justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, pode requerer o arresto dos bens do devedor».
Aqui o justificado receio resulta do desconhecimento (além da casa construída no lote que foi vendido aos requeridos) de outros bens; dito de forma contrária, resulta de só este bem ser conhecido.
Escreve-se na sentença:
«(…) não é por a requerente desconhecer se os requeridos, estrangeiros, têm património para pagar a alegada dívida que pode justificar o arresto do único bem que a mesma lhe conhece, não havendo outro indicio concreto que permita concluir que os requeridos estão a alienar ou dissipar o seu património com vista a prejudicar os seus credores». Mas existe um indício que foi alegado: a intenção de vender a casa cujo arresto se pretende, com a publicação de anúncios.
A isto acresce que vem alegado que a casa já foi vendida o que ainda mais inviabiliza, dados os elementos conhecidos, qualquer garantia patrimonial. Claro que o arresto, que só incide sobre bens do devedor, será frustrado se a venda se provar uma vez que o imóvel já saiu da titularidade dos requeridos. Mas isto é para ser conhecido a final.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 10 de Outubro de 2019
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário:
(…)