Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTINA PEDROSO | ||
Descritores: | FACTO CONCLUSIVO ACIDENTE DE VIAÇÃO CONCORRÊNCIA DE CULPAS | ||
Data do Acordão: | 04/20/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I – Quando na parte da fundamentação de facto de uma decisão, o Tribunal da Relação verifica que determinado ponto não contém matéria de facto, mas apenas conclusões, que não podem ser objeto de prova, constituindo uma valoração que terá de ser retirada no momento próprio da análise da questão jurídica, deve expurgá-las da fundamentação de facto da sentença recorrida, o que pode fazer, mesmo que não haja impugnação da matéria de facto, em cumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC, sem que a supressão dessas expressões de cariz jurídico-conclusivo, impossibilite a posterior valoração jurídica dos concretos factos que constem da matéria de facto provada. II – Deve atribuir-se em 50% para cada um, a culpa dos condutores pela ocorrência de um acidente de viação, quando se demonstrou que ambos iniciaram a realização de manobras de ultrapassagem e de mudança de direção para a esquerda, na mesma altura, manobras que são em si mesmas potencialmente perigosas por invadirem faixas (ou hemifaixas) que não lhes estão destinadas, sem que nesse momento se pudessem ver, mercê do veículo pesado que ocultava completamente o campo de visão de cada um, não sendo assacável ao condutor deste veículo qualquer responsabilidade na ocorrência do embate, por não haver nexo de causalidade entre a sua conduta e o acidente. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 513/20.8T8ELV.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre[1] ***** Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:I - RELATÓRIO 1. AA, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra TRANQUILIDADE SEGURADORAS UNIDAS S.A.; SOCIEDADE AGRÍCOLA DAS ESPADINHAS, LDA.; BB; e CC, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de 34.477,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Em fundamento invocou, em síntese, que pretende ser ressarcida por todos os danos sofridos em resultado do acidente ocorrido no dia 26.03.2018, que provocou a perda total do seu veículo, na sequência de um embate em que foram intervenientes três veículos: o primeiro de sua propriedade, conduzido pelo seu pai, que tomou todas as precauções devidas para a realização da manobra de ultrapassagem do veículo pesado de mercadorias, conduzido pelo 4.º Réu; embate que aconteceu em virtude da mudança de direção levada a efeito pelo condutor do trator segurado pela 1ª Ré, propriedade da 2.ª Ré, e conduzido pelo 3.º Réu. 2. Regularmente citados, todos os RR. contestaram, defendendo-se por impugnação, e por exceção, alegando a 1.ª Ré a exceção dilatória de incompetência territorial, que oportunamente foi julgada procedente, e os 2.º, 3.º e 4.º RR., a exceção dilatória de ilegitimidade passiva. Na sequência da contestação deduzida pelo 4.º Réu, a Autora requereu, e foi deferida, a intervenção principal provocada da Ré FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS SA., a qual veio defender-se por impugnação, e por exceção, invocando a exceção perentória da prescrição. 3. Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido saneador sentença, julgando-se verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, com a consequente absolvição da instância dos RR. Sociedade Agrícola das Espadinhas, Lda., BB, e CC; julgando-se improcedente a invocada exceção perentória de prescrição; e procedendo-se à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova. 4. Inconformada com a decisão relativa à exceção perentória de prescrição, a Companhia de Seguros Fidelidade apelou, tendo sido proferida decisão sumária nesta Relação de Évora, em 24.06.2022, revogando a decisão recorrida e determinando que a exceção perentória de prescrição fosse decidida na sentença final. 5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte segmento decisório: «Pelo exposto, de facto e de direito, DECIDE-SE JULGAR A PRESENTE ACÇÃO, proposta por AA, PARCIALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA e, em consequência: a) Julgo procedente, por provada, a excepção peremptória de prescrição invocada, e em consequência, ABSOLVO a 2.ª Ré, FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS SA., DO PEDIDO; b) CONDENA-SE a 1.ª Ré, GENERALI SEGUROS, S.A., A PAGAR À AUTORA, A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS, A QUANTIA DE 6.378,75€ (seis mil, trezentos e setenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros legais de mora, desde a data da sua citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável a pessoas singulares, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, ou outras taxas que entretanto sobrevierem, ABSOLVENDO-A DO REMANESCENTE PETICIONADO. Custas pela A., e pela 1ª Ré Generali Seguros, S.A., na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 28.098,25€ para a A., e 6.378,75€ para a 1.ª R., nos termos dos artigos 527.º, n.º 1 e 607.º, n.º 6, ambos do NCPC e artigo 6.º, n.º 1 e Tabela I-A do RCP.» 6. Inconformada, a Autora apelou, finalizando a sua minuta recursória com as seguintes conclusões: «i- Na Petição inicial a A. alegou a 35 que os condutores do tractor e do veículo pesado de mercadorias, BB e CC respectivamente, haviam violado grosseiramente as normas estradais. ii- CC, cujo veículo pesado se mostra segurado pela Fidelidade Companhia de Seguros SA, violou o normativo estabelecido a 40.º do Código da Estrada sob a epigrafe de ULTRAPASSAGEM. iii- Comete o crime, pelo menos em potência, p.p. pelo artigo 291.º do CPenal quem conduzir veículo em via publica violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à ultrapassagem e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. iv- O referido crime é punido a título de dolo (pena de prisão até três anos ou com pena de multa) e também a título de negligencia “Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”. v- O prazo de prescrição estabelecido pela alínea c) do número 1 do artigo 118.º do Código Penal, para o aludido crime se cometido a título de negligência por criação de perigo, é de 5 anos. vi- O acidente ocorreu a 26.03.2018. vii- A Fidelidade, pelos motivos que melhor se desenvolvem nas alegações, foi chamada a intervir a 25.10.2022. viii- A prescrição por efeito da aplicação conjunta dos dispositivos anunciados supra e do disposto no artigo 498.º número 3 do código civil, só ocorrerá em 26.03.2023. ix- A este prazo ainda acrescerá o benefício do prazo de suspensão estabelecido por força da legislação covid, o mesmo será dizer, por força da Lei 1-A/2020. x- Donde o chamamento por intervenção provocada da Fidelidade Companhia de Seguros SA foi tempestivo. xi- Não se verificando a prescrição sentenciada. xii- Pelo que o Tribunal a Quo devia ter considerado e aplicado o normativo conjunto ex vi do disposto no artigo 40.º do Código da Estrada, alínea b) do número 1, e número 3 do artigo 291.º e alínea c) do número 1 do artigo 118.º ambos do Código Penal, e ainda número 3 do artigo 498.º do Ccivil. xiii- O Tribunal a Quo devia ainda ter considerado provados os seguintes factos: xiv- O local do acidente caracteriza-se por uma recta com cerca de 500 metros, descendente no sentido de progressão do acidente. xv- O tractor no momento do embate possuía os rodados traseiros próximos da linha longitudinal descontinua que separa as vias. xvi- O tractor no momento do embate encontrava-se atravessado na faixa de rodagem esquerda ocupando-a em toda a sua largura. xvii- A berma à direita no sentido Degolados/ Arronches media 0,40cm. E, xviii- a berma à direita não permitia pela sua estreita dimensão que o veículo ligeiro a ela se dirigisse para obter uma visão mais ampla da estrada, que não obteria. xix- o veículo pesado de mercadorias em momento algum sinalizou a existência de eventual perigo, mediante o uso de pisca intermitente, ou de pisca à esquerda que é usualmente entendido no seio da condução como uma manifestação de impedimento à ultrapassagem ou existência de obstáculo na via, E ainda, xx- os constantes a A), B), D), E), F), J), K) e L) da matéria de facto considerada não provada; por incorrectamente julgados. xxi- Simultaneamente, devia ser considerado não provado o facto a que a Douta sentença alude em 21), 22) na parte em que refere “na mesma altura”, a 33) na estrita parte em que se refere a DD, por incorrectamente julgados. xxii- A propósito dos factos provados e não provados que agora se reclamam, fundam-se os mesmos nos seguintes meios probatórios que especificadamente se indicam. xxiii- Nas declarações prestadas por: a) CC, Vide a este propósito Gravação áudio 20220622105642_1078615_2871416 de 22.06.2022, 10:25 de 02:04 a 04:36; b) BB, Vide a este propósito Gravação áudio 20220622103331_1078615_2871416 de 22.06.2022, 09:55 de 05:12 a 09:15; c) DD, Vide a este propósito Gravação áudio 20220524144431_1078615_2871416 de 24.05.2022 14:33 de 2:18 a até final; d) EE, Vide a este propósito Gravação áudio 20220524153912_1078615_2871416 de 24.05.2022 14:56 de 2:37 a 8:19, e de 13:01 a 15:23. e) Nos factos não provados a G) e H). f) No croqui junto aos autos elaborado pela G.N.R. g) No relatório pericial junto com a Réplica e bem assim das fotografias que daquele constam e que não mereceram contestação. xxiv- Não obstante, sempre se dirá: o fundamento do Tribunal a Quo na estrita parte em que refere ““Efectivamente, dizem as regras de experiência comum que, quando um pesado de mercadorias, marca Mercedes-Benz, circula em marcha lenta numa via alcatroada, com piso seco, e em estado regular de conservação, com boa visibilidade, e limite de velocidade de 90 km/hora, algum obstáculo se encontra à sua frente, caso contrário não se deslocaria tão lentamente. Não colhe, portanto, o argumento do pai da A., quando atribui a marcha lenta à facilitação da manobra de ultrapassagem, pois que contraria todos os juízos de normalidade e senso comum. Assim sendo, pese embora ao pai da A. não fosse possível ver imediatamente o tractor, tinha obrigação de ter agido com maior cautela quando ponderou a manobra de ultrapassagem, sendo bastante previsível a existência de um obstáculo adiante, e que muito provavelmente seria outro veículo, esse sim, que circula normalmente a uma velocidade lenta, e que por isso segue encostado à berma, para facilitar a sua ultrapassagem, geralmente tractores agrícolas ou quadriciclos, muito comuns em zonas rurais, como é a zona onde se deu o acidente. Sendo que, como o próprio pai da A. admitiu, em momento algum se dirigiu para a berma para tentar visualizar, pela direita, a existência de outro veículo, não podendo, por isso, concluir que o tractor agrícola conduzia de modo a não ser visível pelos outros condutores” impõe ao condutor deste veículo ligeiro em particular, e a todos os condutores no geral, que antes de iniciar a manobra de ultrapassagem, para além da adopção de todas as precauções tipificadas no código da Estrada para o efeito (artigo 38.º), ainda possuirá a obrigação de socorrer-se da visibilidade que a berma possa oferecer, violando o disposto no artigo 17.º do CEstrada, sem a qual se considerariam culpados. xxv- Se por um lado se entende que tal consubstancia um ónus inexigível aos condutores, até pela posição do condutor no interior dos veículos – o volante situa-se à esquerda e as bermas, em via de 2 sentidos, à direita- não se vislumbrando em que normativo colhe tal interpretação; xxvi- por outro, impõe-se ao condutor a violação doutro preceito estradal (17.º CEstrada), pois aquele que pretenda ultrapassar possui o dever de o fazer pelo lado esquerdo e o igualmente dever de ocupar o lado da faixa de rodagem em sentido contrário (artigo 38.º /3 C. Estrada), estando a berma destinada aos fins que melhor constam no artigo 17.º do C.Estrada, segundo o qual: “ Os veículos só podem circular nas bermas ou nos passeios desde que o acesso aos prédios o exija, salvo as exceções previstas em regulamento local.” xxvii- Pelo que com respeito, se não pode aceitar. xxviii- De referir, que o Tribunal a Quo na extensão daquele fundamento, encerra em si mesmo contradição. xxix- Efectivamente, é o próprio Tribunal a Quo que refere ao fundamentar que “Assim sendo, pese embora ao pai da A. não fosse possível ver imediatamente o tractor…” xxx- Donde lhe reconhece que o tractor, por causa que não sua, não era visível. xxxi- Entende ainda o Tribunal na sua fundamentação que o argumento do condutor do veículo ligeiro de nome DD não colhe aceitação, segundo refere “as regras da experiência comum” dizem que se um veículo pesado segue em marcha lenta numa via com as características daquela é porque possui algum obstáculo à sua frente.” xxxii- Ora, são essas mesmas regras – da experiência comum e do costume – que levaram a que o condutor do ligeiro de passageiros interpretasse, em conjunto com os restantes factos – tracejado descontinuo, boa visibilidade, espaço para ultrapassar, não circulação em sentido contrário de nenhum veículo, e espaço para retomar à sua faixa, numa recta com cerca de 500 metros -, que podia ultrapassar em segurança o pesado de mercadorias, precisamente porque face a todas as circunstâncias incluindo da circulação do pesado nada resultaria em sentido oposto. xxxiii- Por outro lado, existe a convicção da confiança e segurança jurídica rodoviária, a que a testemunha AA não é alheio. xxxiv- Sabendo ele, como demonstrou no seu depoimento, que um pesado de mercadorias que anteceda veículo tractor, seguindo em marcha lenta, deve distar daquele 50 metros, considerou, por confiança rodoviária de que quem nela circula cumpre o normativo aplicável, que nenhum tractor ou veículo circulava à frente do pesado. xxxv- Donde sobre DD não recaia nenhum dever de prever que em frente ao pesado de mercadorias logo se encontrava, próximo e junto dele, o referido tractor, sendo-lhe inexigível. xxxvi- A este titulo importa ter presente o artigo 40.º do C.Estrada. xxxvii- Logo face ao normativo vigente e à necessária relação de confiança que se estabelece entre os condutores – segundo a qual todos cumprem os normativos legais – não cabia ao condutor do veículo ligeiro de passageiros o dever de prever ou sequer suspeitar que imediatamente ao pesado circulava o referido tractor (veículo e não obstáculo como se lê na Douta sentença ora em crise), porquanto nos 50 metros após o veículo pesado, não existia nenhum outro veículo naquela faixa de rodagem e disso mesmo se certificou. xxxviii-E assim acreditou, e outra crença não lhe era exigível, que em frente ao pesado de mercadorias não existia qualquer outro veículo, pois que existindo como era o caso, cabia ao pesado de mercadorias – ónus exclusivo do mesmo no caso concreto – distar pelo menos 50 metros do veículo à sua frente. xxxix- Por dever de patrocínio, sempre se dirá, que mesmo que fosse de prever e lhe fosse exigível essa previsão – que se entende não o ser – da existência de veículo que circulasse em frente e na mesma faixa que o pesado de mercadorias, tal facto, de per si, não faz concluir pela concorrência de responsabilidade de DD condutor do veículo ligeiro de passageiros para a realização do evento, pois que não havia impeditivo – no momento em que inicia a manobra de ultrapassagem- para que se fizesse igualmente a ultrapassagem do referido tractor, deparando-se com este. xl- Não tivesse o tractor invadido a faixa de rodagem onde já circulava o veículo ligeiro de passageiros em ultrapassagem, também aquele seria ultrapassado em segurança, se necessário, ou se tal não fosse possível regressaria o veículo ligeiro de passageiros para a retaguarda do pesado de mercadorias, ou se espaço entre o pesado e o tractor houvesse – que não havia – ali se colocaria. xli- Tal não configura, segundo cremos, qualquer violação de normativo legal. xlii- Efectivamente se o condutor do tractor não tivesse invadido a faixa de rodagem (conforme se mostra facto provado em 25) da Douta sentença) onde já se encontrava o veículo ligeiro em ultrapassagem e que já havia percorrido quase a totalidade correspondente ao comprimento do pesado de mercadorias (12 metros) que nunca parou, nunca a colisão se teria verificado. xliii- Pelo que o acidente em causa ficou a dever-se por culpa exclusiva e provada de BB e a CC. xliv- Ambos, e apenas estes, violaram culposamente as aludidas regras estradais, contribuindo para a produção do acidente. xlv- Por força dos contratos seguro, mostrando-se a responsabilidade civil por danos causados a terceiros transferida para as RR Generalli SA e Fidelidade SA, são estas as responsáveis pelo pagamento da indemnização que por defeito se fixou. xlvi- Mercê de que, pela gravidade das culpas de cada um dos RR Antónios, deverá, salvo o devido respeito, ser imputada mediante a proporção de 75% a cargo da Generalli SA e 25% por conta da Fidelidade Companhia de Seguros SA. Termos em que nos melhor de Direito que V.ªs Excelencias Doutamente suprirão deverá a decisão de 1.ª instancia ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção de prescrição reclamada pela Fidelidade Companhia de Seguros SA, vindo a final a fixar-se a responsabilidade exclusiva pelo pagamento dos danos por conta referida Generalli SA e da Fidelidade companhia de Seguros SA., assim se fazendo JUSTIÇA.». 7. As Rés apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação. 8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. ***** II. O objeto do recurso. Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Assim, as questões a apreciar, pela sua ordem lógica, consistem em saber se: i) deve ser modificada a matéria de facto; ii) a culpa exclusiva pela ocorrência do acidente, deverá ser imputada aos condutores dos veículos segurados nas Rés, na proporção de 75% a cargo da Generalli SA e 25% por conta da Fidelidade Companhia de Seguros SA; iii) caso se decida que o condutor do veículo segurado na Ré Fidelidade tenha responsabilidade na ocorrência do acidente, apreciar se se verifica ou não a exceção de prescrição invocada pela Ré Fidelidade. ***** III – FundamentosIII.1. – De facto Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos (transcrição): «OS FACTOS PROVADOS: Resultaram provados os seguintes factos: 1. A. A. é dona do veículo ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen modelo Golf, com a matrícula ..-HA-.., segurado pela companhia de seguros Zurich, com a apólice n.º ...15. 2. No dia 26/03/2018, pelas 10h45m, na Estrada 373, sentido Degolados Arronches ao Km 29, o pai da A., DD, conduzia o veículo da A. identificado no ponto 1.. 3. Era de dia e o tempo estava seco. 4. A via, com piso alcatroado, estava seca e limpa, e o piso em estado regular. 5. A referida via possui dois sentidos de trânsito, devidamente delimitados por uma linha longitudinal descontínua. 6. Ao Km. 29, a EN 371 caracteriza-se por ter um traçado recto. 7[4]. A faixa de rodagem mede, em largura, 6,30m, a largura da berma esquerda 1,65m, a da berma direita 0,40m, e a valeta tem a profundidade de 0,50m. 8. Após uma lomba, era possível avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão superior a 150m, pelo que a visibilidade era boa. 9. O limite de velocidade para o local é de 90Km/h. 10. No mesmo sentido da via, circulava também o tractor agrícola, da marca Fiat, com a matrícula ..-..-DX, conduzido por BB, ao serviço e no interesse da Sociedade Agrícola das Espadinhas, Lda, com o NIPC 501871594, e sede na Rua Militar n.º 1, 7370-049 em Campo Maior, que é dona do veículo. 11. O tractor agrícola é segurado pela companhia de seguros Tranquilidade Seguradoras Unidas S.A., com a apólice n.º ...13. 12. Em 01/10/2020 foi concretizada a inscrição da fusão, na modalidade de fusão por incorporação, da Generali Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectiva n.º 513 300 260, e da Generali Vida, Companhia de Seguros, S.A., pessoa colectiva n.º 502 403 209, na Seguradoras Unidas, S.A., entidade que detinha a Tranquilidade. 13. Em 02/10/2020, a Seguradoras Unidas, S.A. alterou a sua denominação social para Generali Seguros, S.A., mantendo o seu n.º de pessoa colectiva 500 940 231. 14[5]. Após a lomba e antes do embate, entre o veículo ligeiro e o tractor, no mesmo sentido, circulava um veículo pesado de mercadorias, da marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-AJ-.., conduzido por CC, no interesse e por conta da sua dona, Nabeirotrans, Transportes Rodoviários, Lda., com sede na Av. Calouste Gulbenkian, 7370-025 Campo Maior, e segurado pela Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., com a apólice ...17. 15. O condutor do veículo pesado de mercadorias e o condutor do tractor agrícola circulavam em marcha lenta. 16. Entre aqueles veículos não distavam 50 metros. 17. O tractor agrícola circulava entre a faixa de rodagem e a berma. 18. Face à dimensão do veículo pesado, e sua aproximação ao tractor agrícola, a visualização deste último (tractor agrícola) não era imediatamente visível pelos outros condutores, com excepção do referido pesado que imediatamente lhe seguia. 19[6]. O condutor do veículo ligeiro encetou a manobra de ultrapassagem do referido pesado de mercadorias, indicando a sua intenção de ultrapassar, em via permitida para o efeito, mediante o uso atempado de pisca, sem que no horizonte fosse visível qualquer outro veículo que não o pesado de mercadorias (camião) que visava ultrapassar, e que não sinalizava a existência de qualquer perigo. 20. Quando iniciou a manobra de ultrapassagem o condutor do veículo ligeiro certificou-se que a faixa de rodagem se encontrava livre em toda a sua extensão, e que esta tinha a largura necessária à realização da manobra em segurança, bem como que nenhum outro veículo ocupava a referida faixa de rodagem em sentido contrário. 21. Não cuidou, no entanto, de certificar-se que à frente do veículo pesado existia um obstáculo, atenta a marcha lenta que o mesmo empreendia, e que estavam reunidas as condições de segurança para realizar tal ultrapassagem. 22. Na mesma altura o condutor do tractor dirigiu-se da berma para o eixo delimitador da via, pretendendo aceder a um caminho privado, não asfaltado, e sem sinalização, que conduz ao Monte Judeu. 23. Para além de ter sinalizado a sua intenção de mudar de direcção à esquerda, através do respectivo sinal luminoso [vg. pisca], o condutor do tractor sinalizou-a também manualmente, levantando o braço esquerdo e mantendo-o na posição horizontal. 24. Tendo verificado que não havia trânsito a circular no sentido Arronches/Degolados, mas não cuidando de certificar-se que não havia qualquer veículo a iniciar ou a efectuar manobra para o ultrapassar, o condutor do tractor DX iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda, invadindo a faixa de rodagem onde já se encontrava o veículo ligeiro. 25. O veículo ligeiro já se encontrava na hemi-faixa esquerda a realizar a ultrapassagem quando se deparou com o veículo agrícola que invadiu aquela faixa de rodagem. 26. O condutor do veículo ligeiro, de forma a tentar evitar a colisão, guinou para a sua esquerda, entrando na valeta contígua à faixa de rodagem da EN371. 27. Acabando, no entanto, por embater, com a parte frontal/lateral direita do veículo ligeiro, no tractor, na lateral esquerda deste, mais precisamente no rodado traseiro esquerdo. 28. Vindo, por fim, a embater, com a parte frontal/lateral esquerda do veículo ligeiro, numa árvore situada do mesmo lado, junto à entrada do Monte Judeu. 29. O veículo ligeiro embateu no tractor agrícola quando este já se encontrava com os rodados dianteiros fora da EN371, em cima de um aqueduto, e os rodados traseiros na hemi-faixa esquerda de rodagem, sentido Degolados/Arronches. 30. Levando o tractor agrícola a tombar para o lado direito, acabando por se imobilizar, capotado, com o respectivo condutor debaixo do mesmo, ficando encarcerado, e sofrendo ferimentos graves. 31. Caso não tivesse realizado a referida manobra, o veículo ligeiro teria embatido no tractor agrícola em cheio, a meio da hemi-faixa esquerda de rodagem, sentido Degolados /Arronches. 32. Em consequência do embate, o veículo ligeiro sofreu estragos na frontal e laterais direita e esquerda, e também traseira do veículo, resultando na sua perda total. 33[7]. 34. O valor da reparação do veículo ligeiro foi orçamentado em 13.987,88€, sem desmontagem, não sendo a reparação económica e tecnicamente viável, uma vez que o veículo foi matriculado em 2008, registando 101591 quilómetros de rodagem, à data do acidente, e o valor comercial de 11.500,00€. 35. O veículo ligeiro foi vendido, como salvado, no estado em que se encontrava, na data de Abril de 2018, pelo valor de 3.000,00€. 36. À data a demandante encontrava-se a trabalhar na Novadelta Espanha, sita na Carretera de Badajoz Cáceres km 84, Cp16007 Badajoz, Espanha, e vivia na Calle ..., ... Badajoz Espanha, distando entre os dois locais 5 a 6 Kms 37. Não possuindo qualquer outro veículo para as suas necessárias deslocações, sendo o veículo acidentado aquele que utilizava diariamente, para se deslocar para o trabalho, para visitar a sua família em Elvas, para ir às compras, para se deslocar aos médicos. 38. A 24 de Julho de 2020, o seu pai ofereceu-lhe um novo veículo, com características semelhantes ao acidentado, apto para a transportar nos itinerários que a mesma necessita. 39. Desde o dia 26-03-2018 até ao dia 24-07-2020, a demandante esteve privada do veículo com que fazia as suas deslocações profissionais, pessoais e familiares, aos fins de semana e durante a semana. OS FACTOS NÃO PROVADOS: Dos factos relevantes para a decisão da causa, os alegados pelas partes e os que resultaram da instrução da mesma, mais nenhum outro se provou, e nomeadamente não se provou o seguinte: A. O condutor do tractor agrícola colocou-se em posição de não ser visível pelos outros condutores. B[8]. C. Iniciando assim a referida manobra, animado de velocidade superior a 100km/h. D. Ao condutor do veículo ligeiro não lhe era possível prever, nem sequer suspeitar, que circulava o referido tractor em frente ao indicado pesado de mercadorias. E. O referido condutor do tractor decidiu repentinamente sair da proximidade da berma onde seguia. F. O veículo ligeiro já se encontrava quase a concluir a ultrapassagem quando o tractor invadiu a faixa de rodagem em que circulava. G. Altura em que o condutor do veículo pesado de mercadorias accionou os quatros sinais luminosos intermitentes [vg. 4 piscas], alertando os demais condutores para a presença de um obstáculo à sua frente, chegando mesmo a imobilizar a sua marcha. H. Quando confrontado com a presença do veículo pesado de mercadorias imobilizado à sua frente, e indiferente à sinalização luminosa proveniente do mesmo, o condutor do HA decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem a esse veículo. I. Nesse preciso momento, o tractor DX já realizava a manobra de mudança de direcção à esquerda. J[9]. K. Quando iniciou a manobra de ultrapassagem o condutor do veículo ligeiro certificou-se que podia retomar à direita sem perigo. L[10]. M. O veículo ligeiro estava em bom estado de conservação e nunca tinha tido qualquer acidente. N. Era guardado em garagem e fazia a sua assistência na marca. Não se provaram os demais factos alegados pelas partes a que se não fez menção expressa, expurgados de conceitos vagos e indeterminados (como seja uma velocidade moderada ou excessiva.), conclusivos ou de direito, nem se relevaram todos quantos são repetidos ou irrelevantes para as soluções plausíveis de direito que o caso convoca». ***** III.2. – O mérito do recursoIII.2.1. – Da impugnação da matéria de facto Conforme decorre das conclusões do presente recurso, a Autora pretende a reapreciação por este Tribunal da Relação da matéria de facto constante em 21), 22) e 33) da matéria de facto assente, entendendo que devem ser considerado não provados os factos vertidos em 21), 22) na parte em que refere “na mesma altura”, e 33) na parte em que se refere a DD. Mais defende que os factos constantes nas alíneas A), B), D), E), F), J), K) e L), da factualidade não provada, devem passar a constar da matéria de facto considerada provada. Finalmente, impetra que sejam aditados aos factos provados os factos instrumentais que indica, resultantes da prova produzida, que igualmente enuncia. No que concerne à impugnação da matéria de facto provada e não provada, efetuada pela autora, ora Recorrente, cumpre preliminarmente afirmar que a mesma se mostra efetuada com observância dos ónus a respetivo cargo previstos nas três alíneas do n.º 1, e no n.º 2 alínea a) do artigo 640.º do Código de Processo Civil, cumprindo consequentemente verificar se existem ou não razões para modificar e aditar a matéria de facto nos termos pretendidos, salientando ainda que, no caso em apreço, também a Ré Generali, deu cumprimento ao previsto na alínea b) do n.º 2 da referida disposição legal, designando os meios de prova que em seu entender infirmam as conclusões da Recorrente. Como é sabido, nesta reapreciação da matéria de facto, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respetiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[11]. De facto, temos vindo a salientar que a convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, assenta na apreciação conjugada de todos os meios de prova, mormente na segunda instância, daqueles que desde logo foram indicados pela contraparte ou pelo julgador em motivação da sua convicção, e não apenas da prova que o Recorrente indica, sendo toda a prova apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas. Acresce que, relativamente à reapreciação do julgamento de facto pela Relação cumpre ainda ter presente que a mesma se destina primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento - atento o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto -, evidenciados a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por isso que, também na respetiva fundamentação a Relação tem de motivar, ou seja, dizer as razões que determinaram o respetivo juízo probatório, para aquilatar se tais elementos impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados. Para tal, e quanto à prova gravada, não basta ouvir os depoimentos ou declarações, que venham indicados pelas partes, impondo-se nesse juízo atentar ainda naqueles em que o julgador de primeira instância fundou a respetiva convicção, porquanto só assim podemos concluir, com o necessário rigor, se os meios de prova indicados pelo Recorrente impõem decisão diversa ou se apenas permitem decisão diversa. Vejamos, pois, começando por ter presente a fundamentação expressa na decisão recorrida a respeito dos factos ora impugnados, onde primeiramente se indicou a prova documental a que o tribunal a quo atendeu, relevando dessa indicação, para a apreciação da matéria em crise – que desde já consignamos termos tido igualmente em consideração –, a declaração amigável de acidente, a participação do acidente pela GNR, o despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, o relatório da Zurich e fotos e documentos anexos. Seguidamente a respeito da dinâmica do acidente, a julgadora fundamentou a convicção formada nos seguintes termos: «Foi ainda considerado o teor da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, tendo as testemunhas adiante identificadas, e arroladas pelas partes, deposto, com o referido conhecimento de causa, de modo claro, sincero, e inteiramente verosímil, merecendo total credibilidade: a) FF, militar da GNR na Brigada de Trânsito, guarda principal há 13 anos, que tomou nota da ocorrência no local; b) EE, militar da GNR, a exercer funções no destacamento de trânsito, há 25 anos, que tomou nota da ocorrência no local; c) CC, 48 anos, camionista, condutor do veículo pesado de mercadorias; Já os depoimentos dos outros condutores – DD, 60 anos, industrial, pai da autora, e condutor do veículo ligeiro, e BB, 62 anos, tractorista, condutor do tractor agrícola, revelaram-se apenas parcialmente verosímeis porquanto contrariados na exacta medida pela restante prova produzida e os juízos de normalidade comum. Efectivamente, dizem as regras de experiência comum que, quando um pesado de mercadorias, marca Mercedes-Benz, circula em marcha lenta numa via alcatroada, com piso seco, e em estado regular de conservação, com boa visibilidade, e limite de velocidade de 90 km/hora, algum obstáculo se encontra à sua frente, caso contrário não se deslocaria tão lentamente. Não colhe, portanto, o argumento do pai da A., quando atribui a marcha lenta à facilitação da manobra de ultrapassagem, pois que contraria todos os juízos de normalidade e senso comum. Assim sendo, pese embora ao pai da A. não fosse possível ver imediatamente o tractor, tinha obrigação de ter agido com maior cautela quando ponderou a manobra de ultrapassagem, sendo bastante previsível a existência de um obstáculo adiante, e que muito provavelmente seria outro veículo, esse sim, que circula normalmente a uma velocidade lenta, e que por isso segue encostado à berma, para facilitar a sua ultrapassagem, geralmente tractores agrícolas ou quadriciclos, muito comuns em zonas rurais, como é a zona onde se deu o acidente. Sendo que, como o próprio pai da A. admitiu, em momento algum se dirigiu para a berma para tentar visualizar, pela direita, a existência de outro veículo, não podendo, por isso, concluir que o tractor agrícola conduzia de modo a não ser visível pelos outros condutores. No que concerne ao tractor agrícola, de igual modo, não nos parece verosímil que o condutor do veículo ligeiro decidisse iniciar a ultrapassagem ao pesado, caso tivesse visto o tractor a sinalizar a manobra de mudança de direcção à esquerda. Com efeito, e atenta a dinâmica do acidente, resulta consentâneo com as regras de experiência comum que, quando o condutor do tractor, que dirigia junto à berma, decide iniciar a manobra de mudança de direcção, o mesmo ainda tem a visão da sua rectaguarda obstruída, na sua totalidade, pelo pesado, razão pela qual não se terá apercebido que o pai da A. já tinha iniciado a manobra de ultrapassagem do pesado. Nessa medida, pese embora o condutor do tractor tenha sinalizado a manobra, quer com pisca, quer com o braço, como expressamente confirmou o condutor do pesado, não temos a menor dúvida que o condutor do ligeiro não estava em condições de poder visualizar essa sinalização, porque obstruído pelo pesado, o qual não chegou a fazer qualquer sinalização, como o próprio condutor admitiu. Esta convicção é reforçada pela forma e o local onde ocorreu o embate, pois caso o tractor tivesse repentinamente iniciado a manobra de mudança de direcção, numa altura em que o ligeiro estava já preste a concluir a ultrapassagem, como a A., e o seu pai, querem fazer parecer, o embate do ligeiro no tractor teria sido no rodado dianteiro deste e não no rodado traseiro, como aconteceu. Para além de que, um tractor não é capaz de realizar manobras repentinas, pois caso virasse à esquerda a 40 km/h capotaria, como afiançou, de modo credível e isento, o militar da GNR Álvaro Póvoas. Do mesmo modo, não colhe a pretensão da Generali Seguros, a qual pretende fazer crer que o pai da A. iniciou a ultrapassagem quando o tractor já tinha iniciado a viragem à esquerda, pelo facto de o tractor ter sido embatido no rodado traseiro, quando já estava com os rodados dianteiros fora da EN371, em cima do aqueduto. Neste ponto foi fundamental o depoimento isento do condutor do pesado, o qual referiu expressamente que caso o ligeiro não tivesse realizado a manobra defensiva de guinar para a esquerda, o veículo ligeiro teria embatido no tractor agrícola em cheio, a meio da hemi-faixa esquerda de rodagem, sentido Degolados Arronches. O único facto de que o condutor do pesado não guardou uma memória fiável, e que o próprio admitiu em sede de acareação, prendeu-se com o embate na árvore por parte do ligeiro, não havendo dúvidas que este terá ocorrido posteriormente ao embate no tractor, como asseverou o pai da A., uma vez que o ligeiro tinha ambas as frentes batidas. Efectivamente, caso o ligeiro tivesse batido do lado direito, primeiro na árvore, que se situava antes do aqueduto, jamais poderia ir embater com o lado esquerdo no rodado traseiro do tractor, pois teria imediatamente se atravessado na estrada mercê da força centrípeta desencadeada pelo impacto. Assim se conclui que nenhum dos condutores envolvidos neste acidente agiu com a cautela e o cuidado necessários a circular com segurança, que podiam, e deviam, ser capazes». Para formarmos a nossa própria convicção a respeito da dinâmica do acidente porque, retas contas, é este momento temporal que está em causa, não podendo dissociar-se os pontos de facto impugnados – e mesmo alguns dos dados como provados – da compreensão global do evento, auditámos integralmente as declarações dos condutores dos 3 veículos, CC, BB, e DD, únicos depoentes que se encontravam no local do evento, podendo descrever a sua dinâmica, e ainda a de EE, militar da GNR, enquadrando-as à luz dos elementos objetivos que nos são trazidos pelas próprias características dos veículos e pelo local onde o acidente se deu, percecionado pelas fotografias juntas aos autos com o relatório de averiguação elaborado a pedido da seguradora do veículo pertencente à Autora, a Zurich, por MCBAP – Averiguações e Peritagens, constante a fls. 88 e ss. Tais fotografias, bem como as juntas de fls. 264 a 268, são bastante ilustrativas do local onde o acidente aconteceu, foram ainda completadas pelos elementos objetivos que o mesmo relatório nos traz a respeito das características físicas do local, com as que constam no relatório de participação do acidente, relatório de medições e croquis elaborado pelo indicado militar GNR (fls. 73 a 77v.º), e ainda pela participação amigável de fls. 11 e v.º. Destes elementos objetivos, notamos que não foi tida em consideração na matéria de facto provada uma das medições, que é relevante, consta do dito relatório nas características físicas do local, facto que não foi impugnado por qualquer das partes, que a Apelante pretende seja aditado, e que deve sê-lo, em cumprimento do disposto nos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.º 4, do CPC. Trata-se da largura da berma direita da estrada, que deve ser aditada ao ponto 7 da matéria de facto já provada, onde constam as demais medições relevantes. Assim, o ponto 7 ficará com a seguinte redação (o aditamento será acima destacado a negrito no local próprio): 7. A faixa de rodagem mede, em largura, 6,30m, a largura da berma esquerda 1,65m, a da berma direita 0,40m, e a valeta tem a profundidade de 0,50m. Deste modo, acolhe-se a pretensão de aditamento formulada pela Apelante em xvii única que a respeito da berma direita importa considerar, posto que a pretensão veiculada em xviii - a berma à direita não permitia pela sua estreita dimensão que o veículo ligeiro a ela se dirigisse para obter uma visão mais ampla da estrada, que não obteria, não é um facto mas uma conclusão, a extrair oportunamente daquele facto provado. A respeito da credibilidade dos depoimentos, da prova oral produzida conjugada com os elementos objetivos existentes nos autos, sufragamos a avaliação efetuada pela primeira instância, de que o depoimento de CC, camionista que conduzia o condutor do veículo pesado de mercadorias, foi totalmente isento e nos merece inteira credibilidade, e de que os depoimentos dos outros condutores – DD, pai da autora, e condutor do veículo ligeiro, e de BB, condutor do trator agrícola, revelaram-se apenas parcialmente verosímeis, ainda que apenas em alguns aspetos que oportunamente salientaremos, sendo credível parte significativa do que disseram. Para tentar ilustrar a dinâmica do evento, vamos descrever o que releva dos depoimentos, no concernente ao momento temporal em que cada um destes condutores conduzia os respetivos veículos, nas circunstâncias de tempo e local descritas nos factos provados de 2 a 10, e 14, tendo presente o que já referimos a respeito do aditamento ao ponto 7 (note-se que não seguimos a ordem em que foram feitas as declarações aquando de cada um dos depoimentos mas a ordem temporal que releva para a compreensão deste evento dinâmico). Assim, dos depoimentos dos condutores resulta que todos circulavam no mesmo sentido de trânsito e que não circulava mais nenhum veículo na estrada, nem nesse sentido, nem no oposto. Os condutores do trator e do veículo pesado antes da lomba, circulavam, respetivamente, a cerca de 40 km/hora e de 70/80 km/hora, declarando o condutor do veículo ligeiro que circularia a 60/70km/hora, coincidindo todos na afirmação de que antes da lomba nem sequer se tinham avistado. Trata-se de facto instrumental que releva para a correta compreensão dos factos provados em 14, 15, 16 e 18, e das suas próprias declarações quanto à perceção que cada um dos condutores podia (ou não) ter dos demais. Note-se que o facto 14. lido por si só, pode inculcar a ideia – errada –, de que os veículos seguiam próximos entre si já antes do momento que antecede o acidente, e não foi isso que se passou. Com efeito, o trator, até pelas suas próprias características, circulava em marcha lenta (assim entendida precisamente até aos 40km/h), desde o local de onde saíra próximo de Campo Maior. Porém, o veículo pesado não circulava antes desse ponto em marcha lenta. Só reduziu a velocidade após a lomba, precisamente por então ter avistado o trator, que ia em andamento encostado ao lado direito da faixa de rodagem. Disse o condutor do pesado “faço a lomba e vejo-o. Reduzi a velocidade”. Então, apercebeu-se que ele começou a fazer sinal para virar à esquerda, e reduziu novamente a velocidade. Note-se que tudo isto ocorreu sem que o condutor do veículo pesado sequer tivesse ainda notado a presença do ligeiro (já voltaremos a este momento). Portanto, importa assentar que os veículos não circulavam em marcha lenta antes da lomba, mas apenas após a lomba. Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), visando o esclarecimento da dinâmica do acidente quanto aos factos já provados em 14, 15, 16 e 18, adita-se o seguinte facto instrumental, que resulta da instrução da causa, no início do facto 14, que no demais se mantém: 14. Após a lomba e antes do embate, entre o veículo ligeiro e o trator, no mesmo sentido, circulava um veículo pesado de mercadorias (…). Prosseguindo. O condutor do trator, que pretendia virar à esquerda para entrar no “Monte do judeu” e assinalou essa intenção, declarou que, ao aperceber-se, apenas então, do veículo pesado e que este lhe estava a dar passagem (declarou até que parou, mas não foi isso que aconteceu), começou a reduzir a sua velocidade, até cerca de 15 km, e virou à esquerda, só tendo visto o ligeiro quando este lhe embateu e o trator capotou. Descrevendo a manobra que efetuou disse que “não parou o trator na via, seguiu direto”. Descontando a parte de que tal ocorreu “quando já estava dentro da herdade”, porque se assim fosse o ligeiro não lhe teria embatido, é credível que não tenha visto o ligeiro, porque o mesmo se apresentava “tapado” pelo pesado que por sua vez ia reduzindo a velocidade, mas, ainda assim, aproximando-se do trator. Disse o condutor do pesado que nem chegou a imobilizar o veículo porque, entretanto, ocorreu o embate e só parou em seguida, o que foi também confirmado pelo condutor do ligeiro, que disse que estavam os 3 em andamento. Aproximamo-nos agora do momento crucial. Precisou o condutor do pesado que quando se apercebe do carro que o vinha a ultrapassar, ele já estava “ao meu lado”, depreende-se que seria na sua zona de visão. Iria nessa altura a cerca de 40/50kms e devia estar a cerca de 20 metros do trator que, por seu turno, já estava a virar para o lado esquerdo. Não surpreende, portanto, em face da descrição da dinâmica do acidente, que nem o condutor do trator tenha visto o veículo ligeiro, nem o condutor deste tenha visto o trator quando iniciou a manobra de ultrapassagem, porque ambos viam apenas o veículo pesado (com 12 metros de comprimento e 2,65m de largura). Com efeito o condutor do ligeiro, pai da autora, declarou quando avistou o camião estaria a cerca de 30/40/50metros dele, porque antes da reta (que terá cerca de 300/400m) há uma lomba. O camião ia para aí a 40km e “eu pensei que ele me estava a dar passagem. Afinal era por causa do trator atravessado na via”. Mais declarou que não viu qualquer obstáculo em frente e só quando vai a ultrapassar o pesado, já quase a terminar, vê o trator. Já não podia voltar para a direita (porque tinha o camião e receio de ser arrastado pelo camião que ia em andamento). Como havia declarado que viria a cerca de 60 km/foi perguntado se não podia travar, tendo dito que já não conseguia travar porque, entretanto, o trator já estava em frente dele, atravessado na estrada, mais ou menos a 7 metros. Assim, tentou embater na roda traseira para ser embate em borracha e evitar o ferro, o que aconteceu, e o trator “andou de lado e caiu”. Esta testemunha foi entremeando o seu depoimento com aquilo que, a seu ver, devia ter sido feito, pelo condutor do veículo pesado: “o camionista sabendo, ou devendo saber, podia ter dado pisca para eu não ultrapassar”; “ia a cerca de 18/20m. impedia de ver o trator. Se tivesse 50m via”; “camião ia a circular, não parou e não fez 4 piscas”. Pareceu olvidar o depoente, preocupado que estava com os ditos 50 metros entre os veículos que seguem em marcha lenta (daí a importância da precisão factual antes efetuada), que o evento é dinâmico para todos, e momentos existem em que essa distância pura e simplesmente não pode ser guardada. Depois, para que o condutor do veículo pesado fizesse alguma sinalização de alerta sobre a existência do trator, necessário seria que se tivesse apercebido da ultrapassagem… Porém, em momento algum ouvimos a testemunha referir que antes de a encetar, buzinou, alertando quem o precedia, um veículo que usa quase toda a largura da hemifaixa de rodagem respetiva, da manobra que ia realizar. Estamos, pois, em condições de olhar agora os factos impugnados e dizermos se, em face da prova produzida, se impõe, ou não, a sua modificação. Vejamos. Quanto aos pontos 21 e 22 dos factos provados. Cremos que nada há a alterar. Relativamente ao 21., o pai da autora não cuidou efetivamente de certificar-se que podia realizar a manobra de ultrapassagem em segurança. Com efeito, pouco após ver o veículo pesado a circular anormalmente devagar numa reta extensa, em estrada boa e com tempo bom, pressupõe de imediato que lhe está a dar passagem “para ir à sua vida”. Porém, perguntado sobre se o condutor do pesado lhe fez sinal para o ultrapassar, disse que não. Portanto, encetou a manobra, porque viu a hemifaixa em sentido contrário livre, e uma reta à sua frente. Não se certificou de mais nada, e nem circulou algum tempo atrás do pesado para se aperceber se haveria alguma razão para a velocidade que aquele imprimia ao veículo. É certo que concordamos com a Apelante na parte em que se insurge contra a manobra sugerida pela julgadora de ida à berma para ter visibilidade para a frente do pesado, e não deixámos de notar que não lhe foi dada a possibilidade de explicar o que pretendia dizer. Daí, o aditamento da largura da berma direita, que manifestamente afasta tal possibilidade. Porém, tal não significa que tivessem sido por si observados os cuidados devidos para iniciar uma ultrapassagem, em segurança, a um veículo com o comprimento e a largura do pesado em causa, que impede ou limita manobras de recurso. Basta pensar, que o condutor do ligeiro não apenas não esperou para perceber se havia alguma causa para que o pesado ali circulasse à dita velocidade (não esqueçamos que é uma zona rural, onde é frequente que existam este e outro tipo de veículos que circulam lentamente), como, estando fora de uma localidade e não vendo razão para aquela velocidade, não sinalizou ao pesado que ia dar início à ultrapassagem. É que a justificação apresentada de que pensou que lhe estava a ser dada passagem, só se justificaria se houvesse sinalização do pesado nesse sentido, o que se nos apresenta como óbvio, até porque não sabia se o condutor já se havia apercebido da sua presença na via... (note-se a distância a que o próprio condutor do ligeiro, que naturalmente tinha o camião no seu campo frontal de visão, o avistou, sendo que o condutor do pesado não tem o veículo de trás no seu campo de visão direto). Quanto ao ponto 22., nenhuma razão existe para que seja eliminada a menção temporal “na mesma altura”. Com efeito, a descrita dinâmica do acidente assim o inculca, nada impondo decisão diversa da recorrida. Ao invés, depoimento do condutor do veículo pesado é claro: “quando se dá a ultrapassagem do ligeiro (entenda-se quando se apercebe da mesma), o trator já estava a virar para o lado esquerdo”. Aliás, não fora a precisão efetuada – porque naturalmente temos que ter em conta que quando o condutor do camião se apercebe do ligeiro este já está próximo da cabina, portanto, já havia encetado a manobra também anteriormente –, até poderíamos ser levados a pensar que quem iniciou primeiro a manobra foi o trator. Relativamente ao ponto 33, a apelante pretende que deve ser retirado o nome do condutor do seu veículo. A verdade é que no ponto em apreço não estamos perante matéria de facto, mas perante conclusões que não podem ser objeto de prova, constituindo uma valoração que terá de ser retirada no momento próprio da análise da questão jurídica, devendo consequentemente ser expurgadas da fundamentação de facto da sentença recorrida, o que, aliás, a Relação pode fazer, mesmo que não haja impugnação da matéria de facto, em cumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi artigo 663.º, n.º 2, do CPC, sem que a supressão dessas expressões de cariz jurídico-conclusivo, impossibilite a posterior valoração jurídica “dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova”[12]. Impõe-se, pois, a eliminação do ponto 33. da matéria de facto dada como provada. Vejamos, agora, as impugnadas alíneas da matéria de facto não provada, as quais – salvo as que devem ser eliminadas, pelas razões acabadas de referir –, igualmente não justificam qualquer modificação e, por isso, se motivarão telegraficamente, para evitar fastidiosa repetição, posto que são o inverso do que já foi acima referido como sendo a nossa convicção. Alínea A): o condutor do tractor agrícola colocou-se em posição de não ser visível pelos outros condutores. Parece-nos absolutamente evidente, que o condutor do trator não se colocou em posição de não ser visível. Ele ia na estrada e era visível para quem o seguia, o pesado. Porém, este veículo, pelas suas características, “tapava” a visibilidade do trator e consequentemente da manobra que este ia realizar, para quem estivesse atrás. Alínea B): O condutor do veículo ligeiro tomou a devida precaução, cuidado e zelo que lhe era exigível. Sendo matéria conclusiva, deve eliminar-se da matéria de facto, pelas razões referidas quanto ao ponto 33. Alínea D): Ao condutor do veículo ligeiro não lhe era possível prever, nem sequer suspeitar, que circulava o referido tractor em frente ao indicado pesado de mercadorias. Pelos fundamentos expressos quanto à manutenção do ponto 21., não cremos que assim tenha sido, devendo consequentemente manter-se no elenco dos factos não provados. Alínea E): O referido condutor do tractor decidiu repentinamente sair da proximidade da berma onde seguia. Claro que não. Nem o tipo de veículo que conduzia permite a realização de manobras de viragem repentinas, como tal foi claramente afastado pelo depoimento acima mencionado do motorista do camião. Alínea F): O veículo ligeiro já se encontrava quase a concluir a ultrapassagem quando o tractor invadiu a faixa de rodagem em que circulava. Pelos fundamentos expressos quanto à manutenção do ponto 22., não cremos que assim tenha sido, devendo consequentemente manter-se no elenco dos factos não provados. Alínea J): O condutor do veículo ligeiro tomou as devidas precauções para a realização da manobra, certificando-se de que podia realizar aquela, sem perigar qualquer colisão com outro veículo, que transitasse no mesmo sentido, ou em sentido oposto. Sendo matéria conclusiva, deve eliminar-se da matéria de facto, pelas razões referidas quanto ao ponto 33. Alínea K): Quando iniciou a manobra de ultrapassagem o condutor do veículo ligeiro certificou-se que podia retomar à direita sem perigo. Valem aqui os fundamentos expressos quanto à fundamentação do ponto 21. Se nem sequer via para a frente do camião, não podia ter-se certificado que podia retomar à direita sem perigo. Alínea L): Ao condutor do veículo ligeiro não era exigível, atentas as circunstâncias concretas, outra conduta. Sendo matéria conclusiva, deve eliminar-se da matéria de facto, pelas razões referidas quanto ao ponto 33. Cumpre agora apreciar se, para além do facto já acima aditado, como pretende a Apelante, o Tribunal a Quo devia ainda ter considerado provados os seguintes factos: xiv- O local do acidente caracteriza-se por uma recta com cerca de 500 metros, descendente no sentido de progressão do acidente. xv- O tractor no momento do embate possuía os rodados traseiros próximos da linha longitudinal descontinua que separa as vias. xvi- O tractor no momento do embate encontrava-se atravessado na faixa de rodagem esquerda ocupando-a em toda a sua largura. xix- o veículo pesado de mercadorias em momento algum sinalizou a existência de eventual perigo, mediante o uso de pisca intermitente, ou de pisca à esquerda que é usualmente entendido no seio da condução como uma manifestação de impedimento à ultrapassagem ou existência de obstáculo na via, A seleção da factualidade relevante para a decisão de uma causa, faz-se naturalmente dentro dos cânones do artigo 5.º do CPC, e, como temos considerado, de acordo com todas as soluções plausíveis da questão de direito, e ainda com o princípio da limitação dos atos. Assim, só serão de aditar os factos, ainda que instrumentais, que, na economia da ação, relevem para a solução jurídica da causa. Isto dito, vejamos. Os factos indicados em xiv, xv e xvi, na parte em que relevam ser considerados, já constam respetivamente nos pontos 8., 25., 27., e 29. da matéria de facto provada, pelo que, é inútil o pretendido aditamento (sendo os xv e xvi, até parcialmente contraditórios com o facto provado sob o ponto 29., não impugnado). Quanto ao facto referido em xix, considerando que as referidas “soluções plausíveis da questão de direito”, neste caso da imputação da responsabilidade pela ocorrência do acidente, que a primeira instância julgou de assacar parcialmente ao condutor do veículo pesado, e que a Apelante pretende seja mantida, tendo o condutor do pesado expressamente referido que atentas as descritas circunstâncias “não teve tempo de colocar sinalização”, cremos justificar-se o seguinte aditamento no final do ponto 19. dos factos provados: 19. O condutor do veículo ligeiro encetou a manobra de ultrapassagem do referido pesado de mercadorias, indicando a sua intenção de ultrapassar, em via permitida para o efeito, mediante o uso atempado de pisca, sem que no horizonte fosse visível qualquer outro veículo que não o pesado de mercadorias (camião) que visava ultrapassar, e que não sinalizava a existência de qualquer perigo. Nestes termos, procede parcialmente a deduzida impugnação da matéria de facto, procedendo-se à sua modificação no lugar próprio, e pelos fundamentos expostos. ***** III.2.2. Responsabilidade civil Conforme decorre do relatório supra, na presente ação a Autora alegou factos tendentes a demonstrar a culpa efetiva, ou subsidiariamente a culpa presumida, mas em qualquer caso, sempre exclusiva, dos condutores dos veículos que, por economia e facilidade de identificação designaremos por trator e pesado, segurados na 1.ª ré e na interveniente principal, na produção do acidente objeto dos presentes autos, pressuposto da respetiva obrigação de indemnizar os danos decorrentes do mesmo. Em face do disposto no artigo 483.º do Código Civil[13] “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação", cujos pressupostos foram desenvolvidamente tratados na decisão recorrida e não estão em causa. Acresce que, nos termos genéricos do artigo 342.º do CC, também afirmados a propósito da matéria referente à responsabilidade civil, no artigo 487.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, ao autor (lesado) incumbe a prova dos factos constitutivos do direito invocado, no caso, “a culpa do autor da lesão”, apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - n.º 2 do citado artigo 487.º - incumbindo, ao invés, às rés, a prova de que o acidente ocorreu por culpa do lesado. Efetivamente, a responsabilidade extracontratual é uma responsabilidade pessoal, e não objetiva pela circulação de veículos ou de outras coisas e é sobre a pessoa responsável que recai o dever de indemnizar, daí que o seguro de responsabilidade civil por acidente de viação seja sempre pessoal, apesar de destinado ao uso de um certo e determinado veículo ou à sua direção efetiva, razão pela qual assenta na atuação ilícita ou com risco, do respetivo condutor. Ora, grosso modo, a matéria de facto alegada pela Autora e pela 1.ª Ré[14] relativamente à dinâmica do acidente quando submetida a julgamento, logrou revelar-se parcialmente provada em termos que a primeira instância sopesou graduando a culpa, e repartindo-a, imputando a responsabilidade pela ocorrência do acidente aos condutores dos veículos da autora e do segurado na 1.ª Ré, em 37,5%, para cada um, e em 25% a responsabilidade do veículo pesado, na produção do acidente. Nessa proporção, computados os danos – cujo valor não foi impugnado –, foi a 1.ª ré condenada na obrigação de indemnizar a Autora, na proporção de 37,5%, e a interveniente principal foi absolvida do pedido contra si formulado, por ter sido julgada procedente a invocada exceção de prescrição do direito da autora. Dissente a Recorrente, defendendo que não deve ser atribuída qualquer responsabilidade ao condutor do seu veículo na produção do acidente, cuja responsabilidade deve ser exclusivamente assacada aos outros dois condutores, sendo 75% imputável ao condutor do trator e 25% ao condutor do pesado, e não estando prescrita a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora deste veículo, por ser aplicável o prazo de cinco anos, em virtude da responsabilidade criminal. Em fundamentação da repartição da responsabilidade pela ocorrência do acidente, pelos três condutores, ponderou-se na sentença recorrida, respigando-se o mais relevante, que «[c]omo resultou da factualidade provada, verifica-se que a dinâmica do acidente apurada, no essencial, situa-se a meio termo da posição assumida pelas partes, na medida em que, os três intervenientes neste sinistro violaram normas estradais. Efectivamente, não existem dúvidas que o condutor do veículo ligeiro, ao agir como descrito, desde logo, infringiu o disposto no artigo 24.º, n.º 1 do Código da Estrada (…). Tal como desrespeitou o disposto no artigo 38.º, n.º 1, alínea b) do Código da Estrada, que obriga a que, na realização da manobra de ultrapassagem, «o condutor deve, especialmente, certificar-se de que pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam». (…) Por sua vez, o condutor do veículo pesado de mercadorias, ao proceder como se provou, violou o previsto no artigo 40.º, n.º 1 do Código da Estrada (…). Finalmente o condutor do tractor agrícola, ao actuar conforme apurado, infringiu o disposto no artigo 35.º, n.º 1 do Código da Estrada (…). Do que acima ficou exposto, resulta que todos os condutores praticaram uma contra-ordenação grave, e o condutor do veículo ligeiro praticou ainda uma contra-ordenação leve. Destarte, todos os condutores praticaram factos ilícitos, cuja modalidade de ilicitude integra a segunda modalidade prevista no artigo 483.º, n.º 1 do CC, i.e., a violação de normas – neste caso, estradais – destinadas a proteger interesses alheios. (…) Assim, ao violar as normas do Código da Estrada supra citadas, os condutores dos três veículos fizeram recair sobre si uma presunção de culpa na produção do respectivo facto ilícito, pois os preceitos que regulamentam o trânsito na estrada, já contêm normas de prudência, de diligência na condução, de providência e, por isso, a infracção material das regras de trânsito que são consequência daquelas normas, pressupõe que houve violação destas e que, portanto, o respectivo infractor agiu com culpa (…). Conclui-se, portanto, que existe concorrência de culpas na produção dos danos sofridos pela A., face aos factos ilícitos e culposos praticados, o que é de conhecimento oficioso pelo tribunal (cfr. artigo 572.º do CC). Nesta situação, prescreve o artigo 570.º do CC que «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.» Ora, no caso sub judice o veículo da autora é um veículo automóvel ligeiro de passageiros, sendo que o condutor conduzia esse veículo a título particular, pelo que sobre ele não impendia um dever especial de cuidado acrescido de condução com segurança, o mesmo não acontecendo com os condutores do veículo pesado de mercadorias, e do tractor agrícola, que conduziam os referidos veículos no exercício da sua profissão. Por outro lado, o perigo causado com as condutas foi maior para o veículo ligeiro e para o tractor agrícola, contribuindo mais para a produção do acidente e, consequentemente, dos danos provocados pelo embate.» Sufragando o acerto da ponderação efetuada pela julgadora a respeito da repartição da culpa pela ocorrência do embate, em percentagem igual entre os condutores dos veículos ligeiro e do trator, de modo algum podemos subscrever a atribuição de qualquer percentagem de culpa pela ocorrência do acidente ao condutor do veículo pesado. Na verdade, para que o condutor desse veículo, que não embateu em qualquer um dos outros veículos, pudesse ter alguma culpa na produção do evento, necessário seria que lhe fosse imputável algum comportamento que pudesse considerar-se concausal deste sinistro rodoviário. Com efeito, para além da violação de norma legal, no tocante ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o artigo 563.º do CC, consagrou a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, na sua formulação positiva, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e ainda que, em abstrato ou em geral, o facto seja causa adequada do dano; e, na sua formulação negativa, a condição deixa de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, a mesma era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para a ocorrência desse dano[15]. Já quanto à imputação do facto ao lesante, a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente perante o facto, consistindo, em sentido amplo, na referida imputação do facto ao agente[16], ou ainda num enquadramento normativo, entendido como a omissão da diligência que seria exigível ao agente, medida de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[17], sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do CC). No caso vertente, a questão que o recurso convoca a respeito da determinação da responsabilidade do condutor do veículo pesado, é pois, a de saber se o facto de antes do embate aquele veículo circular em marcha lenta, não manter entre si e o trator 50 metros e não ter sinalizado ao condutor do veículo da autora, que o ultrapassava, a existência de um perigo na via, que o trator que pretendia virar à esquerda configurava, pode ou não, no concreto circunstancialismo de facto em apreço, considerar-se como sendo, ainda que parcialmente, causal do acidente e imputável (também) ao mesmo. Para o efeito, importa ainda ter presente o artigo 563.º do CC que, sob a epígrafe “nexo de causalidade”, dispõe que “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. VAZ SERRA[18], afirmava que “não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”. Revertendo estas considerações ao caso em presença, cremos que nada consta na matéria de facto provada que respalde a influência da conduta do condutor do veículo pesado na ocorrência do evento. Com efeito, como já precisámos a respeito da impugnação da matéria de facto, os 3 veículos não vinham a circular seguidamente. Cada um tripulava o seu veículo na sua hemifaixa de rodagem, a velocidade permitida para o local e tipo de veículo. Só após a lomba, mercê do avistamento do trator e da manobra de mudança para a esquerda que aquele manifestou intentar realizar, o condutor do veículo pesado reduziu a velocidade, o que muito bem se compreende, se bem virmos que, tudo se passando como ele então visualizava, o trator fazia a manobra assinalada, ele facultava-lhe a passagem e seguia na sua hemifaixa de rodagem, da qual, aliás nunca saiu. Portanto, desde logo, nas circunstâncias do caso, não se verifica o preenchimento do disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código da Estrada[19] (que, aliás, admite logo a exceção do n.º 2), pela simples mas evidente razão de que a circulação em marcha lenta que ocorria quando o veículo tripulado pelo pai da autora dele se aproximou, foi instantânea, não integrando também a previsão do artigo 26.º, n.º 1, do CE, já que foi justificada pelo concreto circunstancialismo, de se lhe apresentar pela frente um veículo agrícola, esse sim, um veículo que é sempre de marcha lenta, cujo limite máximo de velocidade são os 40kms/hora. E igualmente não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 21.º do CE, já que o mesmo não pretendeu reduzir a velocidade por sua iniciativa, o que teria de assinalar. Teve que fazer essa redução de velocidade precisamente para manter entre o seu veículo e o que o precedia, mais lento, e que ia efetuar uma mudança de direção, a distância suficiente para evitar acidentes, como previsto no artigo 18.º, n.º1, do CE. Finalmente, também não violou qualquer regra estradal ao não assinalar ao condutor do ligeiro o perigo da manobra que o trator ia efetuar. Na verdade, se é certo que, nos termos do artigo 39.º, n.º 1, do CE, “todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem”, a realidade é que, como declarou, nem sequer se apercebeu da mesma, até ver o veículo já no campo de visão da cabina, pelo que, não podia ter, no caso, tentado avisar o condutor do ligeiro. Mas, não se aperceber não significa que tripulasse o veículo distraído, e veremos porquê ao apreciarmos a conduta do condutor do veículo ligeiro. Concluímos, pois, não ser assacável qualquer responsabilidade ao condutor do veículo segurado na interveniente principal, o que determinará a confirmação da sua absolvição, a final, ficando prejudicado o conhecimento da invocada prescrição. Vejamos, agora, o comportamento do condutor do trator a quem a Autora pretende seja imputada a maior parte da responsabilidade. Pretendendo mudar de direção à esquerda, e sendo um veículo lento, tendo atrás de si o pesado que não lhe permitia ver o que se passava na sua traseira, devia ter-se aproximado do eixo da via, em cumprimento do disposto no artigo 44.º, n.º 1, do CE, e olhar também para trás, antes de virar, posição em que teria podido ver pelo espelho retrovisor a ultrapassagem que o ligeiro entretanto também já efetuava, e não efetuar a manobra antes daquele passar. Inversamente, mostra-se provado que, tendo verificado que não havia trânsito a circular no sentido Arronches / Degolados, mas não cuidando de certificar-se que não havia qualquer veículo a iniciar ou a efetuar manobra para o ultrapassar, o condutor do trator iniciou a manobra de mudança de direção à esquerda, invadindo a faixa de rodagem onde já se encontrava o veículo ligeiro. Consequentemente, o seu comportamento foi causal do embate. Chegamos assim à apreciação da conduta do condutor do veículo da autora. Pretende a mesma que o pai, que conduzia o seu veículo, cumpriu todas as regras. Porém, tal não aconteceu. Como é sabido, a posição de marcha dos veículos encontra-se legalmente prevista no artigo 13.º do CE, precisamente para acautelar a segurança rodoviária, estatuindo-se nesse preceito que: 1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem (…). 2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção. Portanto, o uso de faixa de rodagem que não aquela que está destinada à sua circulação deve revestir-se das maiores cautelas, sendo aos condutores que pretendem usar outra faixa ou mudar de direção que a lei impõe se rodeiem de todos os cuidados. Assim, o anuncia o artigo 35.º, n.º 1, do CE ao estabelecer uma disposição comum, aplicável aos condutores que pretendam “efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás”, determinando que o façam “em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”. Por isso, não basta que as manobras sejam realizadas em local onde não seja proibida a sua realização, sendo ainda necessário, por via da disposição geral respeitante à liberdade de trânsito prevista no artigo 3.º do CE, que as pessoas se abstenham de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis. Tanto a manobra de ultrapassagem como a de mudança de direção, porque são realizadas usando ou atravessando via que não se destina à própria circulação, são em si mesmas consideradas, manobras perigosas. Ora, se é verdade que quando iniciou a manobra de ultrapassagem o condutor do veículo ligeiro certificou-se que a faixa de rodagem se encontrava livre em toda a sua extensão, e que esta tinha a largura necessária à realização da manobra em segurança, bem como que nenhum outro veículo ocupava a referida faixa de rodagem em sentido contrário. A verdade é que, pelos motivos já acima referidos aquando da reapreciação do ponto 21 da matéria de facto, pese embora não pudesse ver o trator porque o pesado não permitia tal visibilidade, não cuidou de certificar-se que à frente do veículo pesado existia um obstáculo, atenta a marcha lenta que o mesmo empreendia, e, por isso, não estavam reunidas as condições de segurança para realizar tal ultrapassagem, designadamente porque não podia assegurar-se que podia retomar a direita em segurança (artigo 38.º, n.º 2, alínea b), do CE). Quanto ao nexo de causalidade da sua conduta para o embate, afigura-se-nos óbvio. Podia o condutor ter evitado este acidente? Claro que sim. Para além de dever aguardar para perceber se havia alguma causa para o pesado circular numa longa reta tão lentamente, e não pressupor, como fez, que lhe estava a dar passagem, tanto mais que a não sinalizou, podia, e devia, ter usado o sinal sonoro. Não é por acaso que o artigo 22.º, n.º 2, alínea b), do CE, permite a utilização de sinal sonoro fora das localidades, para prevenir um condutor da intenção de o ultrapassar e, bem assim, nas curvas, cruzamentos, entroncamentos e lombas de visibilidade reduzida. É precisamente para chamar a atenção do condutor que vai ser ultrapassado e vai naturalmente a olhar em frente, não só para facilitar a ultrapassagem, como para não realizar manobra, por exemplo, de mudança de direção, nesse entretanto. Ora, estes avisos defensivos são ainda mais relevantes perante veículos pesados, de grandes dimensões, que ocultam a via, tanto para quem os precede como para quem os antecede. Diremos, então, que, com elevada probabilidade, caso o condutor do ligeiro tivesse sinalizado a sua intenção antes de iniciar a manobra de ultrapassagem, perante a manobra de mudança de direção para a esquerda que estava a iniciar-se perante si, um condutor profissional, como era o do veículo pesado, teria feito a sinalização de pisca do lado esquerdo alertando para a existência de perigo, assim se evitando o embate. Conclui-se, portanto, que o comportamento do condutor do veículo ligeiro, pertencente à autora, também foi causal do embate. Efetivamente, ao contrário do que a Autora tem vindo a defender veementemente, nem sequer vislumbramos como é possível que, atenta a manobra de ultrapassagem realizada, possa objetivamente considerar que nenhuma culpa é de assacar ao condutor do seu veículo. Com efeito, estando ainda provado, por força do descrito nos pontos 3. a 9. que não terão sido fatores externos à atuação de cada um dos condutores a estarem na origem do acidente - já que a colisão ocorreu numa reta, onde apenas estes 3 veículos se encontravam a circular na estrada, esta encontrava-se em bom estado de conservação, e as condições meteorológicas eram boas quanto à visibilidade -, e entendendo-se que se justificará, nos termos do artigo 570.º do Código Civil, operar uma repartição da culpa na produção do acidente, cremos que a mesma apenas se divide entre os condutores dos veículos que embateram. Resta dizer, porque motivo se nos afigura – nessa parte sufragando o juízo formulado em primeira instância – que deve haver uma repartição igualitária da responsabilidade pela ocorrência do acidente entre estes condutores. Vejamos. O artigo 570.º, n.º 1, estatui que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Como observa MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA[20], a formulação legal “afasta os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura”. Por outras palavras, “a redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos”. BRANDÃO PROENÇA[21], afirma que esta norma do artigo 570.º «integra um princípio elementar de justiça, requerido pela própria consciência ético-jurídica, estatuindo, com naturalidade, determinadas consequências ligadas à repercussão patrimonial do dano para que concorreu a conduta “culposa” do lesado”», precisando mais adiante que “De acordo com a interpretação que fazemos do artigo 570º,...parece-nos mais coerente com a autonomia dogmática da “culpa” do lesado explicar o fundamento desse normativo recorrendo à ideia jurídica de uma auto-responsabilidade do lesado...no sentido de uma imputação das consequências patrimoniais decorrentes de opções livres que tomou e que se revelaram desvantajosas para os seus interesses, dada a sua aptidão autolesiva...Nem cremos incorrecto falar-se aqui de uma dupla imputação, ora de feição mais objectiva (a imputação danosa) ora de conteúdo mais pessoal (a imputação da conduta à acção livre e “culposa” do “lesado”». In casu, como já abordámos quando justificámos porque motivo entendíamos não ser de modificar a parte inicial do ponto 22. da matéria de facto provada, julgamos que a culpa de ambos os condutores é semelhante, porque ambos iniciaram a realização das ditas manobras na mesma altura, sem que nesse momento se pudessem ver, mercê do veículo pesado que ocultava completamente o campo de visão de cada um. Sendo que ambos realizaram manobras que são em si mesmas potencialmente perigosas por invadirem faixas (ou hemifaixas) que não lhes estão destinadas, e que não se demonstrou que um deles iniciou a manobra antes do outro[22]. Nos termos expostos, a apelação procede parcialmente, devendo concordantemente, pelas sobreditas razões, alterar-se a repartição da culpa na produção do acidente, sendo fixada em 50% para o condutor do veículo segurado na 1.ª, e em 50% para o condutor do veículo pertencente à Autora, não se atribuindo qualquer responsabilidade ao condutor do veículo segurado na interveniente principal, determinando-se a respetiva absolvição do pedido, e ficando prejudicado o conhecimento da questão da prescrição. Consequentemente, verificando-se que os danos patrimoniais sofridos pela Autora foram computados na sentença recorrida em 17.000,10€, conclui-se que, mercê da imputação de 50% de responsabilidade a cada um dos condutores, a indemnização devida pela 1.ª Ré à Autora, fixa-se em 8.500,05€. Parcialmente vencidas, a Autora e a 1.ª Ré, suportam as custas devidas, em ambas as instâncias, na proporção do respetivo decaimento, sendo na Relação apenas as custas de parte – artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 533.º do CPC. ***** IV - Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando parcialmente a sentença recorrida, e em consequência: a) CONDENAM a 1.ª Ré, GENERALI SEGUROS, S.A., A PAGAR À AUTORA, A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS, A QUANTIA DE 8.500,05€ (oito mil e quinhentos euros e cinco cêntimos), acrescida de juros legais de mora, desde a data da sua citação, até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% aplicável a pessoas singulares, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, ou outras taxas que entretanto sobrevierem, ABSOLVENDO-A DO REMANESCENTE PETICIONADO. b) Absolvem a FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS SA., DO PEDIDO. Custas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento ***** Évora, 20 de abril de 2023 Albertina Pedroso [23] Francisco Xavier Maria João Sousa e Faro __________________________________________________ [1] Juízo Local Cível de Portalegre – Juiz 2. [2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro. [3] Doravante abreviadamente designado CPC. [4] Aditamento efetuado na reapreciação da matéria de facto. [5] Aditamento efetuado na reapreciação da matéria de facto. [6] Aditamento efetuado na reapreciação da matéria de facto. [7] Eliminado na reapreciação da matéria de facto. [8] Eliminado na reapreciação da matéria de facto. [9] Eliminado na reapreciação da matéria de facto. [10] Eliminado na reapreciação da matéria de facto. [11] Cfr. neste sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt. [12] Cfr., neste sentido, mais desenvolvidamente, o Acórdão deste TRE de 28.06.2018, proferido no processo n.º 170/16.6T8MMN.E1 [13] Doravante CC. [14] A interveniente principal apenas impugnou os factos, alegando não ter tido notícia do sinistro, nem dever tê-la tido, dada a não intervenção do veículo seu segurado no evento. [15] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, pág. 651 e ss.. [16] No dizer de GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e atualizada, 1997, pág. 346. Note-se que esta imputação do facto ao agente, para além do dolo em qualquer uma das suas modalidades, pode ainda resultar, no âmbito da denominada mera culpa, de negligência consciente - quando o agente prevê a produção de um facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, e só, por isso, não toma as providências necessárias para o evitar -, ou mesmo de negligência inconsciente, que ocorre quando o agente não chega sequer a conceber a possibilidade de o facto se verificar, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida – cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, págs. 394 e 395. [17] Vd. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, I, 8ª edição, 2009, pág. 313; MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1990, pág. 309. [18] Citado por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, 1982, pág. 547. [19] Doravante abreviadamente CE. [20] In Direito das Obrigações, 10ª edição, Almedina, pág. 782. [21] Na sua dissertação de doutoramento intitulada “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de imputação do Dano Extracontratual, Almedina 1997, págs. 415 e 417. [22] Cfr., com alguma similitude com a situação em presença, os Acórdãos STJ de 07.05.2009, 16.03.2011, proferidos, respetivamente, nas revistas 1/2002 e 564/07, disponíveis no caderno de Jurisprudência Temática “A culpa nos acidentes de viação na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça”, em www.stj.pt. [23] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos Desembargadores que compõem esta conferência. |