Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/20.0IDFAR-A.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA DO PROCESSO PENAL
SUSPENSÃO DO PROCESSO TRIBUTÁRIO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O art.º 7.º CPP consagra o princípio da suficiência do processo penal, segundo o qual nele devem ser resolvidas todas as questões relevantes para o conhecimento do seu objeto.
II. Dispõe o n.º 1 do artigo 47.º do RGIT (na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29dez.) que: «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças.»
III. Do que do texto desta disposição resulta é que tal suspensão não é automática, na medida em que não basta a pendência de impugnação judicial tributária ou oposição à execução fiscal para a determinar, sendo concomitantemente necessário que, naquelas lides, “se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”, sendo que este segmento do preceito, que não constava da sua redação original, foi nele introduzido pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, precisamente com intenção de o clarificar definitivamente nesse aspeto.
IV. Deveremos, assim, concluir que não sendo a questão suscitada junto da Autoridade Tributária prejudicial relativamente ao objeto deste processo, no sentido de se apresentar como um antecedente lógico-jurídico, condicionante do conhecimento da questão principal, não se verificam os pressupostos dos artigos 47.º, n.º 1, do RGIT e/ou 7.º, n.º2, do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., foi, em 10 de dezembro de 2021 proferido o seguinte despacho (transcrição):

“Referência ...85:

Compulsados os autos, vislumbra-se que, o arguido pessoa singular, prestou TIR, a 29/09/2020, considerando a referência ...04.

Por sua vez, o arguido pessoa coletiva, prestou TIR, a 15/10/2020, considerando a referência ...70.

Foi deduzida acusação nos autos e, tendo sido os arguidos notificados da mesma, na pessoa do arguido pessoa singular, considerando a referência ...41 seguindo a missiva em análise para a morada referida pelo arguido pessoa singular, aquando da prestação do TIR.

Foi a referida missiva devolvida, considerando a referência ...98.

Foram os autos remetidos a julgamento e recebida a acusação, cujo despacho foi notificado aos arguidos, desta feita, para as moradas indicadas por ambos aquando da prestação de TIR, tendo a carta relativa à pessoa coletiva sido depositada, a 29/10/2021, e tendo a carta relativa ao arguido pessoa singular sido devolvida, tendo-se o mesmo considerado regularmente notificado, não obstante, por despacho proferido a 23/11/2021, para o qual remetemos, por facilidade de referência – e entendendo desde logo ser de aplicar o referido entendimento à notificação operada ao mesmo, do despacho de acusação.

Por outro lado, foi designada data para realização da audiência de julgamento, a saber, no dia 13/12/2021, tendo os, à data, Il. Defensores oficiosos dos arguidos anuído à referida data, considerando o termo datado de 20/10/2021, na referência ...46.

Por requerimento de 08/12/2021, vêm os arguidos, desde logo, constituir Mandatário e juntar requerimento aos autos, referindo que a sociedade arguida não foi notificada do despacho de acusação, em fase de inquérito, o que igualmente sucedeu com o arguido, não tendo recebido as missivas nas moradas indicadas para efeitos de TIR, e assim, ficando privados de requerer a abertura de instrução, invocando assim a existência de nulidade processual – sem, no entanto, identificar em concreto, a nulidade apontada.


*

Quanto ao arguido pessoa singular, desde logo, pelos motivos referenciados no despacho de 21/11/2021, para o qual remetemos, nenhuma questão se colocando e que cumpra analisar, encontrando-se o mesmo notificado quer do despacho de acusação quer do despacho que recebeu a acusação, para a morada do TIR, constante dos autos.

Quanto à arguida pessoa coletiva, vejamos.

Ora, entendemos que, a notificação do despacho de acusação, na pessoa do seu legal representante e porém, na morada indicada por este aquando da prestação do TIR, constitui mera irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123.º, do CPP.

E, essa irregularidade tem-se por sanada se decorre dos autos que o arguido tomou conhecimento da acusação, tendo constituído mandatário, juntando procuração forense, e posteriormente juntado contestação, negando a prática dos factos acusados e arrolando prova testemunhal visando a comprovação da respetiva inocência, como aliás, sucede nos autos –veja-se, no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11/04/2018, Relator Luís Porto, Processo 96/17.6SGPRT.P1, “constitui mera irregularidade a notificação da acusação, por via postal, endereçada para a morada da arguida mas que não corresponde à que indicou como morada para notificações, aquando da prestação do TIR. A ser reparada, oficiosamente, pelo tribunal do julgamento, par aonde fora remetido o processo. Seguindo-se, posteriormente, os regulares termos do processo, em função do que vier, ou não, a ser requerido, na sequência da efectivação da notificação em falta” ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/06/2014, Relator Pedro Vaz Pinto, Processo 35/13.3IDPRT-A.P1, “as sociedades arguidas num processo devem prestar termo de identidade e residência nessa qualidade, não podendo considerar-se que esse termo é implicitamente prestado quando os legais representantes dessas sociedades, que são também arguidos no processo, prestam esse termo a título pessoal. A ausência dessa prestação e da subsequente notificação da acusação a tais sociedades configura uma irregularidade de conhecimento oficioso. Essa irregularidade deve ser suprida pela secção judicial”.

Na verdade, recebida que foi a acusação, foi a arguida pessoa coletiva notificada da mesma, como acima referido, tendo o depósito da missiva sido datado de 29/10/2021, e nada – até ao dia 08/12/2020 – tendo sido invocado ou requerido quanto à mesma, nos três dias subsequentes à notificação daquele despacho, e portanto, tendo-se a mesma por sanada, nos termos do disposto no artigo 123.º, do CPP.

Em face do exposto, indefere-se o requerido, por inadmissibilidade legal.

Notifique.


*

Por outro lado, pese embora assim não a apelidando, no requerimento junto aos autos, vem o arguido contestar a factualidade trazida a juízo em sede de acusação.

Ora, por intempestivos, não admito a Contestação e o Rol de Testemunhas, nos termos do disposto nos artigos 315.º, n.º 1, 2 e 4 e 283.º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal.

De facto, e em particular, quanto às testemunhas ora arroladas pelos arguidos, diga-se que, os Arguidos não apresentaram o rol de testemunhas no prazo legal previsto no 315.º, do CPP. Por sua vez o artigo 340.º n.º 1, do CPP, não pode ter o alcance de na prática, derrogar o referido 315.º, e como tal, permitir a apresentação de rol de testemunhas a todo o tempo. A ser essa a intenção o legislador, seria certamente desnecessária uma disposição como a do artigo 315.º, do CPP.

O artigo 340.º, do CPP, apenas permite a audição de testemunhas que, pelo decurso da audiência, se considere terem um conhecimento relevante sobre a matéria em discussão nos autos.

Uma vez que ainda não se deu inicio à produção de prova, é prematuro concluir que as testemunhas indicadas possam ter conhecimentos dessa natureza.

Assim, e sem prejuízo de, no decurso da audiência, se vir a concluir pela necessidade de ouvir algumas dessas testemunhas, indefere-se, igualmente por via do referido e, pelo menos, por ora, o requerido.

Notifique.


*

Por fim, vêm os arguidos requerer a suspensão do procedimento criminal que corre termos contra os mesmos, considerando o disposto no artigo 47.º, do RGIT.

Referem, para tanto, que intentaram, junto da AT, procedimento de revisão oficiosa da liquidação de IRC, para o ano de 2017, e pretendendo fazê-lo, para o ano de 2018.

Juntam, para o efeito, cópia do referido requerimento, e ainda, o comprovativo de registo do envio do mesmo, para a AT, datado, desta feita, de 07/12/2021 – a saber, um dia antes da apresentação do requerimento em análise e, 6 dias antes da data designada para a realização da audiência de julgamento.

Ora, nos termos do disposto no artigo 47.º, do RGIT, “1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Como é bom de ver, não se encontra a correr termos, atualmente, qualquer processo de impugnação judicial da situação tributária em análise nos autos, em que se encontra a discutir a situação tributária em crise. De facto, nem o requerimento enviado à AT foi ainda, atendendo à data em que foi endereçado, instruído junto daqueles serviços, na presente data, nem, e mais importante, tal se podendo confundir com a impugnação judicial a que faz referência o artigo 47.º, do RGIT, a qual corre termos, ademais, junto do TAF.

De facto, não tem qualquer aplicação nos autos o invocado artigo 47.º, do RGIT.

Por outro lado, e por fim, invocando ainda os arguidos o disposto no artigo 7.º, do CPP, para, e por essa via, verem suspensos os presentes autos, desde logo se diga que, nos termos do referido artigo, n.º 2 e 3, “2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. 3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova”.

Ora, desde logo se diga que a suspensão ali referida não é um ónus e antes, uma possibilidade, considerando a expressão, “pode”.

Por outro lado, a verdade é que, falece a questão em duas vertentes, a saber, desde logo, considerando o n.º 3, sendo extemporâneo o requerido, reitere-se, a 5 dias da data para a realização da audiência de julgamento, cuja acusação foi deduzida em 19/02/2021, e o despacho de recebimento, datado de 18/10/2021, foi notificado aos arguidos e Il. Defensores, no mês de outubro.

E, por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, mais relevante, o referido artigo refere, igualmente, que a suspensão vigorará até que o tribunal competente decida a decisão não penal que colida com a decisão aqui em análise.

Ora, mais uma vez, reiterando-se o acima referido, sem necessidade de considerações de maior, novamente, o requerimento apresentado junto da AT não configura qualquer questão a ser decidida por Tribunal, não tendo qualquer aplicação aos autos, o referido artigo, considerando o requerido, em igual medida com o disposto no artigo 47.º, do RGIT.

Em face do exposto, indefere-se igualmente o requerido.

Notifique.”


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Inconformado com a decisão, os arguidos P..., S.A., e AA interpuseram recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

i) O presente recurso tem por objecto o despacho de 10-12-2021, notificado aos Recorrentes pelo ofício de 13-12-2021, que indeferiu suspensão dos presentes autos quer por aplicação do disposto no art. 47.º do RGIT, quer por aplicação do art. 7.º do CPP, na sequência dos requerimentos, apresentados pelos Recorrentes, em 07-12-2021 e 10-12-2021, pelos quais requereram, pela aplicação conjugada dos arts. 42.º e 47.º do RGIT ou, quando muito, e a título subsidiário, ao menos por aplicação do disposto no art. 7.º n.º 2 do CPP, que fosse determinada a suspensão dos presentes autos até que se tornasse definitiva a decisão a proferir nos procedimentos de revisão das liquidações de IRC relativas aos anos de 2017 e 2018, e em que juntam cópias, e comprovativos de apresentação, desses requerimento de revisão da liquidação e em que declararam expressamente que a Recorrente reagiria judicialmente contra as decisões que forem proferidas nesses procedimentos de revisão caso sejam indeferidos.

ii) Está em causa IRC, liquidado oficiosamente à sociedade Recorrente pela AT, para os anos de 2017 e 2018, respectivamente, nos valores de €23.946,41 e €50.458,26, a que acresceram juros compensatórios, na sequência de um conjunto de procedimentos inspectivos a que a sociedade Arguida foi sujeita, com especial relevância aqui para um procedimento inspectivo tendo por âmbito e extensão o IRC dos anos de 2017 e 2018, aberto na sequência de falta de apresentação atempada de declarações de rendimentos, Modelo 22 de IRC

iii) Independentemente das razões que levaram àquela falta de apresentação de declarações de rendimentos (do que, oportunamente, haverá oportunidade de esclarecer), certo é que a AT, para a o cálculo do imposto a pagar, entendeu considerar para a sociedade Arguida uma matéria tributável, para cada um daqueles anos, que não corresponde à que resulta da sua efectiva actividade, nomeadamente, que não corresponde à que resulta da respectiva contabilidade que está hoje elaborada em termos que refletem essa realidade.

iv) Como a AT considerou como sendo sujeitas a tributações autónomas despesas que, contrariamente ao que entendeu a AT, não são sujeitas a tal tributação, desde logo, tendo em conta a realidade factual em que se traduziu a actividade da sociedade Arguida naqueles anos de 2017 e 2018, como não considerou gastos suportados pela Recorrente de que, no entretanto, lhe foi possível obter segundas vias das respectivas faturas, como não considera correcções determinadas pela AT naqueloutros procedimentos inspectivos que correram em paralelo com aquele de que resultaram as liquidações oficiosas de IRC e que têm indelével influência na determinação deste imposto.

v) Daí que, uma vez reunida toda a documentação necessária, preparadas e apresentadas declarações de rendimento Modelo 22 em IRC para aqueles espelhando a efectiva realidade económica e patrimonial da Recorrente, porque essa apresentação das modelo 22 em falta, por si só, não determinava a substituição das liquidações oficiosas (porque estas já haviam sido emitidas), a sociedade Arguida, em 07-12-2021, apresentou junto da AT requerimento de revisão oficiosa da liquidação oficiosa de IRC para o ano de 2017, e, em 10-12-2021, apresentou requerimento de revisão oficiosa da liquidação oficiosa de IRC para o ano de 2018.

vi) Pelas razões de facto e de direito que ficaram detalhadamente expostas naqueles pedidos de revisão oficiosa das liquidações oficiosas de IRC para o ano de 2017 e 2018, não é exigível à sociedade Arguida o valor de imposto que lhe foi oficiosamente liquidado para qualquer daqueles anos, mas antes sempre valores substancialmente inferiores, porquanto, para a determinação do IRC a pagar para aqueles anos de 2017 e 2018, não podem, nem podiam deixar de ser considerados os factos invocados naqueles procedimentos de revisão, nomeadamente:

a. A AT não considerou todos os gastos efectivamente suportados pela sociedade Arguida, que são também fiscalmente relevantes, e de que a sociedade Arguida obteve, no entretanto, segundas vias de documentos de factura comprovativos,

b. A AT não considerou como gastos relevantes para efeitos de IRC outras correcções determinadas pela própria AT na esfera da sociedade Arguida em sede de IVA e IMT;

c. A AT não considerou outros factos que determinam que parte das despesas sujeitas a tributação autónoma pela AT não o devam ser nos termos legalmente estabelecidos – por constituírem rendimentos em espécie sujeitos a IRS comprovadamente pago;

do que decorre que a matéria tributável sujeita a IRC e tributações autónomas da Recorrente para os anos de 2017 e 2018 e que está subjacente às liquidações revidendas, além do mais, padece de erro nos respectivos pressupostos de facto.

Isto posto:

vii) Os factos que se encontravam sob investigação no inquérito que deu origem aos presentes autos resultam do procedimento inspectivo efectuado à sociedade Arguida em sede de IRC supra referido, e/ou, pelo menos, pressupõem as liquidações adicionais de IRC quanto aos anos de 2017 e 2018 que assentaram nas conclusões daquele procedimento inspectivo e, portanto, está também em causa no presente processo parte da factualidade alegada pelos SIT no RIT que é subjacente àquelas liquidações de IRC.

Por outro lado:

viii) Naqueles procedimentos de revisão das liquidações referente aos anos de 2017 e 2018 discute-se o enquadramento factual subjacente às conclusões alcançadas no procedimento inspectivo que lhes precedeu e, bem assim, outra factualidade que não poderia deixar de ser considerada na concretização dessa liquidação revidenda – o que resulta logo da leitura desses pedidos de revisão e, comprovadamente, dos respectivos anexo – e, assim, naqueles procedimentos de revisão das liquidações oficiosas de IRC, de 2017 e 2018, sem qualquer margem para dúvida, encontra-se em discussão o enquadramento factual e jurídico que levou a AT a promover a instauração do processo de inquérito que precedeu os presentes autos no âmbito do qual o Ministério Publico terá decidido formular acusação contra a sociedade Arguida e o seu legal representante.

ix) Os Recorrentes estão convictos de que de tais procedimentos de revisão oficiosa de liquidações resultará a anulação/revogação desse actos de liquidação e a eventual emissão de outros que considerarão a factualidade que ali invocou a sociedade Arguida, daí resultando substancialmente inferior valor de imposto a pagar do que aquele que resulta das liquidações oficiosas revidendas e que estão também em causa nos presentes autos.

x) A sociedade Arguida teve o cuidado de logo esclarecer naqueles seus requerimentos que está disposta a solicitar intervenção judicial para atacar as decisões que forem proferidas nesses procedimentos de revisão, caso não lhe sejam reconhecidos os direitos por esta invocados, por meio de impugnação judicial dessas decisões – nessa eventualidade - pelo que logo invocaram que continuarão a pugnar (mesmo por via judicial, se necessário) pela ………………………..ilegalidade das liquidações oficiosas que foram efectuadas pela AT com base nas conclusões alcançadas naquele procedimento inspectivo supra referido e que estão na base dos presentes autos.

Neste enquadramento:

xi) Nos seus requerimentos de 07-12-2021 e 10-12-2021, que estiveram na base do despacho recorrido, o que os Recorrentes invocaram foi que, o artigo 47.º n.º 1 do RGIT estabelece que, nos caso como o dos autos, o processo de crime deverá ser suspenso até se verificar o trânsito em julgado da decisão proferida no processo de impugnação ou oposição, dado que a concreta situação tributária que se impõe analisar ainda não se encontra plenamente definida, e que, por isso, por maioria de razão, tem igualmente de entender-se ser devida aquela suspensão na pendência de procedimento de revisão dessas liquidações, até porque, do eventual indeferimento desses pedidos de revisão caberá impugnação judicial, não se tendo ainda sequer iniciado o prazo para esse efeito, e, também assim, a concreta situação tributária que se impõe analisar nos presentes autos, na sua eventual vertente penal, ainda não se encontra plenamente definida.

xii) Naqueles seus requerimentos, os Recorrentes invocaram ainda que mesmo o art. 42.º n.º 2 do RGIT prevê expressamente que o próprio processo de inquérito não pode ser encerrado «[…] enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária […]» no âmbito de «[…] procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos […]» - o que determina até a suspensão do prazo para inquérito – e que, se o processo de inquérito não pode ser encerrado enquanto estivem pendente procedimento em que se discuta a factualidade sujeita a processo penal, também por maioria de razão, não pode correr o processo penal enquanto não for proferida decisão definitiva no procedimento de revisão, ou na eventual impugnação que lhe suceder.

xiii) Naqueles seus requerimentos, os Recorrentes invocaram ainda que, independentemente do entendimento que se tenha do previsto nos arts. 42.º e 47.º do RGIT, aquela suspensão sempre será devida no presente momento, ao abrigo do disposto no art. 7.º n.º 2 do CPP, pois que sempre se terá de entender que a factualidade que está em apreciação nos rocedimentos de revisão referidos (bem como na reacção judicial a encetar se aqueles forem indeferidos), constituiu questão não penal, que o legislador determinou expressamente deverá ser sujeita a apreciação judicial cometida à jurisdição Administrativa e Fiscal e, por isso, cuja resolução constitui questão prejudicial ao que se discute nestes autos de inquérito, razão pela qual, por cautela, subsidiariamente, requereram também a suspensão dos autos ao abrigo da citada norma do CPP.

xiv) Não obstante o que foi invocado pelos Recorrentes, o despacho que constituiu objecto do presente recurso o Tribunal a quo decidiu, em suma, que não era devida a suspensão nem ao abrigo do art. 47.º do RGIT, nem ao abrigo do art. 7.º n.º 2, por os requerimentos de revisão das liquidações oficiosas não constituírem causas judiciais, mormente, por não constituírem impugnações judiciais, e, quanto à aplicação do art. 7.º n.º 2 do CPP, entendeu ainda que o requerimento seria extemporâneo, por não ter sido requerida no prazo previsto no art. 7.º n.º 3 do CPP quando por iniciativa das partes.

xv) Isso é, o Tribunal a quo entendeu que o art. 47.º do RGIT apenas determina a suspensão do processo penal quando esteja pendente causa judicial, e já não quando essa causa judicial não esteja ainda pendente, (i) abstraindo-se da circunstância concretamente verificada de ainda não se ter sequer iniciado a contagem do prazo de impugnação, (ii) abstraindo-se da circunstância dessa via judicial ainda poder vir ser instaurada, por estar pendente procedimento gracioso em que se discute a legalidade das liquidações que ainda não foi objecto de decisões que serão, essas sim, impugnáveis com as próprias liquidações, portanto iii) abstraindo-se até de que o prazo para impugnar ainda não se iniciou, porque ainda não foram decididos os pedidos de revisão de tais liquidações.

Isto posto:

xvi) Pode assentar-se que, não há dúvida de que nos procedimentos de revisão apresentados pela sociedade Arguida das liquidações oficiosas de IRC, efectuadas para os anos de 2017 e 2018, encontra-se em discussão o enquadramento factual e jurídico-tributário que levou a AT a promover a abertura do processo de inquérito que precedeu os presentes autos, no âmbito do qual o Ministério Público terá decidido formular acusação contra a sociedade Arguida e o seu legal representante, portanto, pode assentar-se que naqueles procedimentos de revisão se discute o enquadramento factual e jurídico-tributário de cuja definição depende a qualificação criminal dos factos concretos que são imputados aos Arguidos nos presentes autos – e até estão em discussão os próprios factos, mais não seja quanto ao valor de imposto a pagar.

xvii) Pode e deve assentar-se ainda que, face à pendência daqueles procedimentos, ainda não se consolidou definitivamente a situação tributária (factual e/ou jurídica) subjacente àquelas liquidações, sendo esta fundamental ao juízo de natureza penal que se pretende venha a ser proferido nestes autos - aliás, nem isso é posto em dúvida pelo Tribunal a quo no despacho recorrido.

xviii) Estando a AT obrigada a proferir decisão quanto à revisão daquelas liquidações ao abrigo do disposto nos art.s 56.º e 78.º da LGT, aquela definição jurídico tributária subjacente ao julgamento dos presentes autos ainda não se consolidou, do que resulta também manifesto que o que vier a ser decidido naqueles procedimentos de revisão prejudica a apreciação jurídico-penal a fazer nestes autos.

xix) Há que assentar ainda que, como expressamente invocado pela sociedade Recorrente nos requerimentos de 07-12-2021 e 10-12-2021, o eventual indeferimento de qualquer daqueles procedimentos de revisão das liquidações oficiosas dará lugar ao termo inicial de impugnação daquelas decisões, que terão como objecto os despachos e indeferimento e as próprias liquidações revidendas, por ser isso que resulta expressamente do disposto no art. 95.º, nºs 1 e 2, al. d), da LGT e, bem assim, do art. 97.º n.º 1 d) do CPPT.

Com base naquelas premissas, vejamos:

xx) Para a interpretação do disposto no art. 47.º do RIGT, não pode deixar de considerar-se o que prevê também o art. 42.º n.º 2 do mesmo regime, que dispõe que «2- No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior.».

xxi) Aquela norma do art. 42.º está claramente prevista para a circunstância em que, ainda na pendência do inquérito, tenha sido intentado processo ou procedimento em que se discuta a situação tributária em apreço no processo de inquérito (ali se determinando que o inquérito não deverá ser encerrado enquanto esse procedimento ou o processo não tiver visto ser proferida decisão final e esta se ter consolidado na ordem jurídica), e o art. 47.º do RGIT prevê a suspensão do processo penal quando, já depois de encerrado o inquérito, se encontrar pendente processo de impugnação ou de oposição em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, portanto, sendo claro que qualquer daquelas normas tem ínsita a regra de competência especializada, constitucionalmente consagrada, segundo a qual deverão ser sujeitas a apreciação judicial cometida à jurisdição Administrativa e Fiscal as matérias que tenham natureza tributária.

xxii) Não pode, pois, olvidar-se que aquelas normas do art. 42.º n.º 2 e 47.º do RGIT visam permitir o cumprimento da regra estabelecida pelo legislador constitucional que determinou expressamente competência especializada para o conhecimento das matérias tributárias a favor da jurisdição Administrativa e Fiscal (art. 212.º n.º 3 da CRP), como visou igualmente, como adiante melhor se verá, afastar a possibilidade de se obterem decisões judiciais contraditórias de natureza tributária e natureza penal entre jurisdições diversas – pelo que qualquer daquelas normas não pode ser convenientemente interpretada desacompanhada daqueloutra norma constitucional.

xxiii) No caso dos autos, à data do encerramento do inquérito, com a prolação da acusação, não estava ainda pendente qualquer procedimento ou processo em que se discutisse a situação tributária de cuja definição depende a apreciação da questão penal que constituiu objecto dos presentes autos – pelo que a suspensão não era devida, nem poderia ser determinada naquela fase processual – e, até ao passado dia 07-12-2021 e 10-12-2021, não estava ainda pendente procedimento ou processo em que aquela situação tributária estivesse sob apreciação.

xxiv) A pendência de reacção às liquidações oficiosas em apreço apenas veio a surgir naquelas datas (07-12-2021 e 10-12-2021), por aí terem sido instaurados os procedimentos de revisão daquelas liquidações oficiosas, por iniciativa da sociedade aqui Recorrente, pelo que só a partir dessa data é que a requerida suspensão é devida ao abrigo daquele art. 47.º do RGIT, interpretado conjugadamente com aquele art. 42.º do RGIT e 212.º n.º3 da CRP.

xxv) Assim, em nenhuma circunstância se pode dizer que aqueles requerimentos de suspensão foram intempestivos, pois que os factos que lhes serviram de base (instauração de procedimento destinado à discussão da legalidade das liquidações e determinação da matéria tributável subjacente) surgiram apenas exactamente na data em que a suspensão foi requerida, portanto, no caso dos autos, não se verifica uma circunstância em que estivesse já pendente um procedimento de revisão ou reclamação graciosa na fase de inquérito, e em que isso não tivesse sido dado a conhecer no âmbito desse inquérito ou na fase subsequente.

xxvi) Porque ainda não foi proferida decisão nos procedimentos de revisão, e porque estes apenas foram instaurados num momento em que o processo penal já se encontrava em fase de julgamento, a Recorrente não podia ter requerido a suspensão antes, nomeadamente na fase de inquérito (por falta de fundamento factual), nem se iniciou sequer ainda o prazo para impugnação das liquidações revidendas (caso as revisões venham a ser indeferidas), pois que os requerimentos de revisão ainda estão pendentes e não foi proferida decisão naqueles (decisão esta que, com as liquidações, constituirá objecto das impugnações).

xxvii) Tendo o legislador previsto a suspensão do próprio inquérito enquanto pender processo ou procedimento em que se discuta a situação tributária (art. 42.º do RGIT), e, posteriormente, prevendo no art. 47.º que o processo é suspenso na pendência de impugnação, haverá de entender-se que esta suspensão é devida quando ainda nem sequer se iniciou o prazo de impugnar, pois que, se a suspensão é devida na pendência de impugnação judicial, por maioria de razão, essa suspensão tem também de ser devida na pendência do prazo para impugnar, como é o caso dos presentes autos.

xxviii) Se quando ainda não está definitivamente fixada a situação tributária que será apreciada do ponto de vista penal, nem sequer se pode encerrar o inquérito, por maioria de razão também não poderá julgar-se o processo (encerrando-o) quando se constate nessa fase processual que a situação tributária em apreço não está ainda definida na ordem jurídica.

xxix) Note-se que, como ainda não está definitivamente fixada a situação tributária que será apreciada nestes autos do ponto de vista penal, no presente momento ainda nem sequer é possível aferir da efectiva verificação de factos, mesmo do ponto de vista abstrato e/ou puramente objectivo, passíveis de ser subsumidos à prática criminal imputada à Arguida, tanto que o crime imputado à arguida depende do concreto valor de imposto liquidado nas liquidações revidendas – seja como elemento do tipo que é, ou como condição de punibilidade – e, ao mesmo tempo, mesmo uma eventual pena que se pretendesse aplicar, na determinação da respectiva medida, tem necessariamente de se ter em consideração o valor concreto daquelas liquidações revidendas – art. 13.º do RGIT.

xxx) Daí que, neste enquadramento, não possa deixar de se concluir que é devida a suspensão do processo penal ao abrigo do art. 47.º do RGIT, enquanto esteja pendente procedimento de revisão em que se discuta a legalidade das liquidações subjacentes à questão sob apreciação, porque requeridas as revisões apenas em momento em que o processo penal se encontrava em fase de julgamento, mais ainda quando, como na situação dos presentes autos, aqueles procedimentos de revisão correspondem ao primeiro meio usado pela Recorrente para pôr em causa a legalidade das liquidações em apreço e para a discussão da situação tributária subjacente àquelas e à matéria penal em discussão nos presentes autos.

xxxi) Destarte, na circunstância factual concreta dos presentes autos, sempre a suspensão é devida por aplicação directa do art. 47.º do RGIT – com o que o despacho recorrido viola aquela disposição legal, incorrendo em erro de julgamento.

xxxii) Ademais, só interpretado naquele sentido (de que a suspensão é devida quando ainda não se tenha iniciado o prazo para impugnar, por estar pendente procedimento em que se discute a situação tributária em causa nos autos) é que se cumpre a regra interpretativa prevista no art. 9.º do CC., desde logo a consideração do elemento sistemático, nomeadamente a conjugação daquela norma do art. 47.º do RGIT com o art. 42.º do mesmo regime e o comando constitucional ínsito no art. 212.º n.º 3 da CRP em que aquelas se inserem – com idênticas consequências para o despacho recorrido.

xxxiii) No presente momento, mesmo pretendendo recorrer à via judicial, a Recorrente está impedida de o fazer, estando obrigada a esperar que sejam decididos os procedimentos de revisão para reagir contra a decisão final que naqueles for proferida e contra as próprias liquidações, na eventualidade dos pedidos de revisão não lhe serem deferidos, pelo que, pretender que a Recorrente impugne para determinar a suspensão dos presentes autos, no presente momento é uma impossibilidade formal para a Recorrente, por ainda não se ter iniciado prazo para esse efeito.

xxxiv) Com aquela norma do art. 47.º do RGIT, e com o princípio constitucional em que aquela se insere (previsto no art. 212.º n.º 3 da CRP), o que o legislador manifestamente pretendeu ainda evitar situações de contradição entre decisões jurisdicionais e, não suspender os presentes autos na circunstância concretamente verificada no presente processo, determina a possibilidade de que venhamos a ter um julgamento penal com base em factos e enquadramento jurídico tributários que, posteriormente, sejam afastados por decisão de outro Tribunal, concretamente de um Tribunal Administrativo e Fiscal que, no todo ou em parte, anule as liquidações cuja legalidade está em discussão nos procedimentos de revisão, pelo que também face à racio legis daquela norma do art. 47.º do RGIT não possa deixar de se entender que é devida a suspensão dos presentes autos conforme requerido pelos Recorrentes – com o que o despacho recorrido não se pode manter.

xxxv) A circunstância de ser possível que venham a ser proferidas decisões judicias contraditórias, entre a jurisdição penal e tributária, vendo-se os Recorrentes julgados com base uma situação tributária que pode vir a ser alterada por outra decisão judicial, manifestamente atenta contra os direitos de defesa dos Recorrentes, bem como o direito a terem um processo justo e equitativo, conforme prescrevem os arts. 20.º n.ºs 1 e 4.º e 32.º n.º 1 da CRP, porquanto julgar desde já os Recorrentes do ponto de vista penal pressupõe obrigações tributárias e situação jurídico-tributária que ainda não se consolidaram, portanto, seria colocar os Recorrentes na situação de terem de se defender de factos tidos como pressupostos da acusação que ainda não se consolidaram, que ainda estão sob apreciação administrativa e ainda são passíveis de apreciação judicial que o legislador, nomeadamente o constitucional, determinou que apenas pode ser da competência da jurisdição Administrativa e Tributária.

xxxvi) Os Recorrentes poderiam até ver-se na circunstância de serem julgados criminalmente por fraude fiscal com base numa situação tributária que, depois, por decisão judicial de outro Tribunal, seja apagada da ordem jurídica e, ao assim não entender, o despacho recorrido viola também aquelas princípios e normas constitucionais,

SEM PRESCINDIR

xxxvii) O art. 7.º n.º 2 do CPP prevê que «Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.», estando em causa uma excepção ao princípio da suficiência do processo penal previsto no n.º 1 daquela norma.

xxxviii) Tem-se entendido que «I. Em matéria de devolução de questões prejudiciais para processo não penal, o legislador optou por um regime de discricionariedade juridicamente vinculada.» (4) e que «II. O critério legal que vincula esse poder discricionário assenta cumulativamente nos requisitos da «necessidade» e na «conveniência», exigindo ainda a autonomia e a anterioridade da questão prejudicial relativamente à questão prejudicada.» (5) (sublinhado e destaque nossos).

xxxix) Aqueles requisitos cumulativos traduzem-se nos termos seguintes: «a) A «necessidade» reporta-se aos elementos do tipo legal de crime e pressupõe a indispensabilidade de conhecimento da questão dita prejudicial em termos tais que a questão penal não poderá sequer ser decidida sem a prévia decisão da questão prejudicial;

b) A «conveniência» deverá resultar de razões de natureza subjectiva ou processual, como seja a decisão por um tribunal de competência específica ou a utilização de uma determinada tramitação ou forma processual dificilmente compatível com a prevista para o processo penal;

c) A «autonomia» relativamente à questão prejudicada traduz-se em a questão prejudicial poder ser tratada como questão juridicamente autónoma, susceptível de constituir objecto de um processo específico;

d) A sua «anterioridade» relativamente à questão prejudicada significa que a questão prejudicial deve ser pré-existente relativamente ao evento hipoteticamente consubstanciador da responsabilidade criminal (pré-existente do ponto de vista fáctico; a natureza prévia do ponto de vista jurídico, aquilo a que a doutrina chama a antecedência lógico-jurídica, está abrangida na necessidade do conhecimento da questão prévia).» (6).

xl) Face ao que se assentou nas conclusões xvi. a xix. supra, resulta evidente que os próprios factos subjacentes às liquidações e, portanto, a própria factualidade jurídico-tributária essencial à apreciação penal daqueles ainda não se consolidou, e, assim, é desde logo evidente a verificação do requisito da “necessidade”, por ser manifestamente indispensável o conhecimento da questão dita prejudicial, para a apreciação penal devida nos presentes autos.

xli) Também é evidente no caso dos autos a verificação do requisito da “autonomia”, tanto que é exactamente essa autonomia que leva à previsão do art. 42.º e 47.º do RGIT (e de que é também manifestação o art. 55.º do RGIT quanto às contra-ordenações), uma vez que o legislador constitucional determinou expressamente competência especializada para o conhecimento das matérias tributárias a favor da jurisdição Administrativa e Fiscal (art. 212.º n.º 3 da CRP).

xlii) Assim, é manifesto que a questão tributária em apreciação naqueles procedimentos de revisão e impugnações que haverão de lhes sucederem (se tanto se mostrar necessário) constituem questão juridicamente autónoma, susceptível de constituir objecto de um processo específico, para que o legislador estabeleceu competência especializada exclusiva a favor de outros Tribunais que não o Tribunal Criminal.

xliii) Está também cumprido o requisito da “anterioridade” necessária da questão prejudicial relativamente à questão prejudicada, o que, como se viu, significa que a questão prejudicial deva ser pré-existente relativamente ao evento hipoteticamente consubstanciador da responsabilidade criminal, tanto que, muito simplistamente, determinada a revisão das liquidações revidendas, anulando-se as mesmas no todo ou em parte, ou anuladas aquelas no processo de impugnação que lhes suceder, desaparece um dos elementos do tipo, pelo que sem aquelas, nunca, mesmo em abstrato, pode procurar-se aferir se houve conduta de natureza criminal como aquela a que os Recorrentes serão submetidos a julgamento nos presentes autos.

xliv) Ora, verificados que estão todos os requisitos que vinculam os poderes discricionais atribuídos pelo legislador na norma do art. 7.º n.º 2 do CPP, não podia o Tribunal a quo ter deixado de determinar a suspensão ao abrigo daquela norma, tal como requerido pelos Recorrentes, com o que incorreu em erro de julgamento por violação da mesma.

xlv) Quanto à tempestividade da requerida suspensão, há ainda que ter em conta que, contrariamente ao que refere o Tribunal a quo no despacho recorrido, não pode pretender-se que o requerimento de suspensão seria intempestivo por não se integrar nas fases processuais previstas no n.º 3 do art. 7.º do CPP, porque no caso concreto dos autos aquela limitação temporal não pode ter aplicação, uma vez que, para que aquela norma fosse aplicável ao caso dos autos era necessário que a causa prejudicial já se encontrasse pendente na pendência do inquérito ou da instrução, o que não ocorre nos presentes autos em que os procedimentos de revisão apenas foram instaurados em 07-12-2021 e 10-12-2021 (datas em que foi requerida a suspensão também ao abrigo do art. 7.º n.º 2 do CPP) e em que o processo já se encontrava em fase de julgamento, portanto, quando ainda não se iniciou o prazo para a instauração da impugnação que suceder àqueles procedimentos na eventualidade de serem indeferidos pela AT.

xlvi) Veja-se que a definição de um prazo para a prática de um acto ou exercício de um direito não pode levar a que esse direito se extinga antes de verificados os factos que lhe constituíssem fundamento ou pressuposto, face ao que não pode, no caso concreto, pretender aplicar-se aquela limitação de prazo prevista no n.º 3 do art. 7.º do CPP, porque naquelas fases processuais ali previstas ainda não existiam factos que devessem determinar a suspensão, o que apenas surgiu posteriormente, agora, quanto os presentes autos se encontram em fase de julgamento.

xlvii) De todo o modo, mesmo que assim não se entendesse, sempre o Tribunal a quo estava obrigado a determinar oficiosamente aquela suspensão, sem dependência de prazo, tal como se prevê também no mesmo n.º 3 do art. 7.º, porquanto tomou conhecimento da pendência dos procedimentos de revisão das liquidações em causa e da pretensão da Recorrente recorrer do seu indeferimento, se a AT assim vier a decidir., uma vez que estão verificados também, como se viu, os requisitos a que aquele poder discricionário está vinculado.

xlviii) O despacho recorrido indefere o requerimento apresentado pelos Recorrentes em que requereram a suspensão dos presentes autos pela aplicação conjugada dos arts. 42.º e 47.º do RGIT ou, quando muito, e a título subsidiário, por aplicação do disposto no art. 7.º n.º 2 do CPP, e a subida diferida do presente recurso tornaria o mesmo absolutamente inútil, pois que não teria utilidade para a requerida suspensão, aferir se a mesma é devida apenas quando já estivesse julgado o processo por sentença – com o que este não teria qualquer efeito útil possível na marcha do processo e essa inutilidade seria causada pela sua retenção.

xlix) Nestes termos, não pode deixar de se entender que o presente recurso tem subida imediata nos termos do disposto no art. 407.º n.º 1 do CPP e, assim sendo, na medida em que a validade dos actos processuais subsequentes dependem na respectiva validade e eficácia do presente recurso, o mesmo não pode também deixar de ter efeito suspensivo do processo nos termos previstos no art. 408.º n.º 3 do CPP.

l) Tanto mais que, como é bom de ver, se no entretanto os autos forem tramitados e se concretizar o julgamento que corresponde ao acto processual que se segue, ficaria esvaziada a utilidade do recurso, além de que julgado o mesmo procedente teria necessariamente de julgar-se nulos, ou determinar-se a anulação, dos actos praticados na sua pendência.

Termos em que, e nos melhores de Direito com o douto suprimento de V.Exas., julgando procedente o presente recurso, revogando o despacho recorrido e substituindo-se aquele por outro que não padecendo dos apontados vícios determine a suspensão do presente processo quanto não se consolidar na ordem jurídica a decisão que for proferida nos procedimentos de revisão e/ou das decisões judiciais que lhes sucederem, farão V.Exas cumprir a LEI e JUSTIÇA.


*

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos: “

“ (…)

Compulsados os autos, constata-se que a 10 de Dezembro de 2021 foi proferido o seguinte despacho judicial:

“Por fim, vêm os arguidos requerer a suspensão do procedimento criminal quecorre termos contra os mesmos, considerando o disposto no artigo 47.º, do RGIT.

Referem, para tanto, que intentaram, junto da AT, procedimento de revisão oficiosa da liquidação de IRC, para o ano de 2017, e pretendendo fazê-lo, para o ano de 2018.

Juntam para o efeito, cópia do referido requerimento, e ainda, o comprovativo de registo do envio do mesmo, para a AT, datado, desta feita, de 07/12/2021 – a saber, um dia antes da apresentação do requerimento em análise e, 6 dias antes da data designada para a realização da audiência de julgamento.

Ora, nos termos do disposto no artigo 47.º, do RGIT, “1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária decuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Como é bom de ver, não se encontra a correr termos, atualmente, qualquer processo de impugnação judicial da situação tributária em análise nos autos, em que se encontra a discutir a situação tributária em crise. De facto, nem o requerimento enviado à AT foi ainda, atendendo à data em que foi endereçado, instruído junto daqueles serviços, na presente data, nem, e mais importante, tal se podendo confundir com a impugnação judicial a que faz referência o artigo 47.º, do RGIT, a qual corre termos, ademais, junto do TAF.

De facto, não tem qualquer aplicação nos autos o invocado artigo 47.º, do RGIT.

Por outro lado, e por fim, invocando ainda os arguidos o disposto no artigo 7.º, do CPP, para, e por essa via, verem suspensos os presentes autos, desde logo se diga que, nos termos do referido artigo, n.º 2 e 3, “2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. 3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova”.

Ora, desde logo se diga que a suspensão ali referida não é um ónus e antes, uma possibilidade, considerando a expressão, “pode”.

Por outro lado, a verdade é que, falece a questão em duas vertentes, a saber, desde logo, considerando o n.º 3, sendo extemporâneo o requerido, reitere-se, a 5 dias da data para a realização da audiência de julgamento, cuja acusação foi deduzida em 19/02/2021, e o despacho de recebimento, datado de 18/10/2021, foi notificado aos arguidos e Il. Defensores, no mês de outubro.

E, por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, mais relevante, o referido artigo refere, igualmente, que a suspensão vigorará até que o tribunal competente decida a decisão não penal que colida com a decisão aqui em análise.

Ora, mais uma vez, reiterando-se o acima referido, sem necessidade de considerações de maior, novamente, o requerimento apresentado junto da AT não configura qualquer questão a ser decidida por Tribunal, não tendo qualquer aplicação aos autos, o referido artigo, considerando o requerido, em igual medida com o disposto no artigo 47.º, do RGIT.

Em face do exposto, indefere-se igualmente o requerido.

Notifique.”

É deste despacho judicial que os Recorrentes ora recorrem.

Os recorrentes alegam que que deveria ter sido determinada a suspensão dos presentes autos, tal como requereram nos autos, até que se tornasse definitiva a decisão a proferir nos procedimentos de revisão das liquidações de IRC relativas aos anos de 2017 e 2018, com os fundamentos aí constantes.

Ora, salvo melhor entendimento, não acompanhamos o entendimento dos recorrentes.

Com efeito, entendemos que nos presentes autos não é aplicável o invocado artigo 47.º, do RGIT uma vez que como bem se refere no douto despacho recorrido, não se encontrava à data a correr termos qualquer processo de impugnação judicial da situação tributária em análise nos autos, em que se encontra a discutir a situação tributária em causa. Acresce que tal suspensão não é um ónus e antes sim, uma mera possibilidade, atendendo a que como se pode ler a expressão é “pode”.

Com efeito e salvo melhor entendimento acompanhamos o entendimento do tribunal, bem como concordamos na integra com os fundamentos aludidos no despacho ora recorrido, ao considerar que o requerimento apresentado junto da AT não configura qualquer questão a ser decidida pelo Tribunal, pelo que não tem qualquer aplicação nos presentes autos, o referido artigo, em igual medida com o disposto no artigo 47.º, do RGIT.

Pelo que o despacho recorrido não padece de qualquer invalidade.

Termos em que deve o recurso interposto pelo ora recorrente não merecer provimento, mantendo-se integralmente o douto despacho recorrido.”


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No Tribunal da Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, emitiu Parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta ao Parecer.

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Em 20 de julho de 2022 os recorrentes enviaram expediente aos autos, expediente que apelidaram de “informação” e requereram a respetiva junção aos mesmos.

*

Em 20 de janeiro de 2023 foram os autos redistribuídos à ora relatora.

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Face ao expediente remetido aos autos pelos recorrentes em 20 de julho de 2022, por despacho de 24 de janeiro de 2023 foi determinado que os autos fossem com vista ao Ministério Público, que, em 26 de janeiro de 2023, consignou: “Fls.178. Nos autos físicos não encontrei esta referência”.

Por despacho de 27 de janeiro de 2023 renovou-se o despacho de 24 de janeiro de 2023, tendo o Ministério Público, em 8 de fevereiro de 2023, consignado: “O MP já apresentou Parecer dia 30-0322”.


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Realizado o exame preliminar, por despacho de 10 de fevereiro de 2023 determinou-se que fossem os autos aos vistos e à conferência.

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Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal “ad quem” apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar

No presente recurso, a questão colocada à apreciação deste tribunal consiste em saber se se verificam os pressupostos para a suspensão dos presentes autos, nos termos do disposto nos artigos 47º, n.º 1, do RGIT e/ou 7º, nº2, do CPP.


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Apreciando

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Questão prévia.

Em 20 de julho de 2022 os recorrentes enviaram expediente aos autos, expediente que apelidaram de “informação” e requerem a respetiva junção aos mesmos.

Ora, nos termos do disposto no artigo 165º, nº1, do CPP “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou de instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”.

A junção de documentos apenas pode, pois, ser feita até ao final da audiência de julgamento e apenas se antes não tiver sido possível, isto é, enquanto decorre a fase de investigação e julgamento e não em qualquer fase de recurso (cfr. Ac. do STJ de 30/10/2001, Proc. 1645/01, in M.MGonçalves, CPP Anot. Pág.392).

Assim, o expediente remetido aos autos em 20 de julho de 2022 é manifestamente extemporâneo.

Pelo exposto, não se admite a junção do referido expediente, ordenando-se o seu oportuno desentranhamento e devolução aos apresentantes.


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O artº 7º, do Cód. Processo Penal, consagra o princípio da suficiência do processo penal, segundo o qual nele devem ser resolvidas todas as questões relevantes para o conhecimento do seu objeto.

Dispõe o n.º 1 do artigo 47º do RGIT ( na redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12). que «Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.».

E o que do texto desta disposição resulta é que tal suspensão não é automática, na medida em que não basta a pendência de impugnação judicial tributária ou oposição à execução fiscal para a determinar, sendo concomitantemente necessário que, naquelas lides, “se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”, sendo que este segmento do preceito, que não constava da sua redação original, foi nele introduzido pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, precisamente com intenção de o clarificar definitivamente nesse aspeto.

Com efeito, com a redacção do artigo 47º, n.º 1, do RGIT (introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dez.) a suspensão do processo penal tributário, em caso de impugnação judicial tributária ou oposição à execução, não é automática, tornando-se necessário analisar se na impugnação judicial apresentada está em causa matéria em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.

A suspensão do processo penal tributário só será pois obrigatória quando a questão em discussão na impugnação judicial/oposição à execução se apresente como uma verdadeira questão prejudicial no processo penal em curso, nos termos do preceituado pelo n.º 2, do artigo 7º, do Código de Processo Penal, ou seja, quando a decisão dessa questão (prejudicial) seja absolutamente indispensável para a decisão do crime fiscal ou tributário (questão prejudicada), relativamente à qual se assume como um verdadeiro “antecedente jurídico-concreto”, de caráter autónomo.

“ (…) neste artigo 47.º do RGIT tem-se por assente que as questões que são objecto de apreciação no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução, nos termos do CPPT, constituem questões não penais que não podem ser convenientemente resolvidas no processo penal. Naturalmente que a suspensão só se justificará nos casos em que a existência de infracção criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal … Infere-se do regime previsto neste artigo que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.” Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos explicam que In Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 3.ª edição, Áreas Editora, 2008, pág. 400 e segs..

“É manifesto que o direito fiscal constitui um ramo de direito público, imbuído de princípios e normas próprios, do ponto de vista quer substantivo, quer adjectivo. Uma tal peculiaridade do direito fiscal justificou a criação de uma ordem jurisdicional própria - os Tribunais Administrativos e Fiscais.

Dadas as apontadas especialidades do direito fiscal, a impugnação judicial tributária constitui objecto próprio de apreciação e decisão em sede da jurisdição administrativa-fiscal.

Mais, constitui objecto exclusivo de tal jurisdição, assim se postergando o princípio da suficiência do processo penal.

Nestes termos, se o conhecimento de matéria penal fiscal depender da prévia apreciação de impugnação judicial tributária, esta constitui uma questão incidental op legis ao conhecimento penal e, por isso, suspende o procedimento penal fiscal até que transite em julgado a decisão proferida em sede fiscal quanto à respectiva impugnação, sem necessidade, pois, de despacho judicial nesse sentido.” – Ac. STJ n.º 3/2007, proferido em 12-10-2006, e publicado no DR, I Série, 37, de 21-2-2007, pág. 1294.

Na verdade, a impugnação judicial tributária e a oposição à execução são dois meios judiciais de defesa dos sujeitos passivos contra a Autoridade Tributária (AT), sendo que os fundamentos da impugnação estão enumerados no artigo 99º e, os fundamentos da oposição à execução constam do artigo 204º, ambos do Código de Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

O certo é que, uma vez verificados os pressupostos do artigo 47.º, n.º 1 do RGIT, a suspensão do processo penal é decretada ope legis e até ao trânsito em julgado da decisão da questão prejudicial pela jurisdição tributária, o que consubstancia um regime especial relativamente ao que, em geral, a lei processual penal prevê para os casos de prejudicialidade de questões não penais em processo penal, em que a suspensão é sempre decretada ope judice e por um prazo, ainda que prorrogável, findo o qual a questão será decidida no processo penal.

Impondo-se assim o regime decorrente daquele artigo 47.º do RGIT como verdadeira regra especial e obrigatória, relativamente ao princípio geral da suficiência do processo penal, do artigo 7.º, do Código de Processo Penal – Cfr. Acórdão Tribunal Relação do Porto de 23/09/2015, cuja orientação transcrevemos, in www.dgsi.pt.

Ora, no caso vertente, inexistindo impugnação judicial tributária ou oposição à execução, não se verificam os pressupostos para a suspensão do processo penal tributário previsto no n.º 1 do artigo 47º do RGIT.

Com efeito, como bem se refere no despacho recorrido, “ Por fim, vêm os arguidos requerer a suspensão do procedimento criminal que corre termos contra os mesmos, considerando o disposto no artigo 47.º, do RGIT.

Referem, para tanto, que intentaram, junto da AT, procedimento de revisão oficiosa da liquidação de IRC, para o ano de 2017, e pretendendo fazê-lo, para o ano de 2018.

Juntam, para o efeito, cópia do referido requerimento, e ainda, o comprovativo de registo do envio do mesmo, para a AT, datado, desta feita, de 07/12/2021 – a saber, um dia antes da apresentação do requerimento em análise e, 6 dias antes da data designada para a realização da audiência de julgamento.

Ora, nos termos do disposto no artigo 47.º, do RGIT, “1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Como é bom de ver, não se encontra a correr termos, atualmente, qualquer processo de impugnação judicial da situação tributária em análise nos autos, em que se encontra a discutir a situação tributária em crise. De facto, nem o requerimento enviado à AT foi ainda, atendendo à data em que foi endereçado, instruído junto daqueles serviços, na presente data, nem, e mais importante, tal se podendo confundir com a impugnação judicial a que faz referência o artigo 47.º, do RGIT, a qual corre termos, ademais, junto do TAF.

De facto, não tem qualquer aplicação nos autos o invocado artigo 47.º, do RGIT.

Por outro lado, e por fim, invocando ainda os arguidos o disposto no artigo 7.º, do CPP, para, e por essa via, verem suspensos os presentes autos, desde logo se diga que, nos termos do referido artigo, n.º 2 e 3, “2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. 3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova”.

Ora, desde logo se diga que a suspensão ali referida não é um ónus e antes, uma possibilidade, considerando a expressão, “pode”.

Por outro lado, a verdade é que, falece a questão em duas vertentes, a saber, desde logo, considerando o n.º 3, sendo extemporâneo o requerido, reitere-se, a 5 dias da data para a realização da audiência de julgamento, cuja acusação foi deduzida em 19/02/2021, e o despacho de recebimento, datado de 18/10/2021, foi notificado aos arguidos e Il. Defensores, no mês de outubro.

E, por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, mais relevante, o referido artigo refere, igualmente, que a suspensão vigorará até que o tribunal competente decida a decisão não penal que colida com a decisão aqui em análise.

Ora, mais uma vez, reiterando-se o acima referido, sem necessidade de considerações de maior, novamente, o requerimento apresentado junto da AT não configura qualquer questão a ser decidida por Tribunal, não tendo qualquer aplicação aos autos, o referido artigo, considerando o requerido, em igual medida com o disposto no artigo 47.º, do RGIT.”

Deveremos, assim, concluir que a questão suscitada junto da Autoridade Tributária não é prejudicial relativamente ao objeto deste processo, no sentido de se apresentar como um antecedente lógico-jurídico, condicionante do conhecimento da questão principal.

Por conseguinte, não se verificando os pressupostos dos artigos 47º, n.º 1, do RGIT e/ou 7º, nº2, do CPP, nenhum reparo merece o despacho recorrido que indeferiu a requerida suspensão do processo.


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Decisão

Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

- Custas pelos recorrentes, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça.


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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 28 de fevereiro de 2023
Laura Goulart Maurício

J. F. Moreira das Neves

Maria Clara Figueiredo