Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
128/23.9GCRMZ.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA POR PRESTAÇÃO DE TRABALHO
REQUERIMENTO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Data do Acordão: 11/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O prazo de 15 dias estabelecido nos artigos 489º, nº 2, e 490º, nº 1, ambos do C. P. Penal, para o condenado poder requerer a substituição da multa por dias de trabalho, nos termos previstos no artigo 48º, nº 1, do Código Penal, é perentório, pelo que, ultrapassado esse prazo e não sendo invocado o justo impedimento, fica precludido o direito de requerer tal substituição (não podendo o respetivo requerimento ser deferido).
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (2.ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos presentes autos foi o arguido J, nascido a (…..), melhor identificado nos autos, por sentença proferida em 11/10/2023, transitada em julgado em 10/11/2023, condenado pela prática de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348º-A, n.º 1, do CP; um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do CP, em cúmulo jurídico, na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de € 1.155,00 (mil cento e cinquenta e cinco euros).
1.2. O arguido/condenado foi notificado para proceder ao pagamento da multa em 17/11/2023, constando da respetiva guia que o prazo de que dispunha para esse efeito, terminava a 05/12/2023.
1.3. Não tendo procedido ao pagamento da multa naquele prazo, o arguido/condenado foi uma vez mais, notificado, em 15/02/2024, para no prazo de 10 dias, proceder a tal pagamento, sob pena de não o fazendo e não sendo viável a cobrança coerciva, se proceder à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 do Código Penal.
1.4. Por requerimento apresentado em 16/04/2024, o arguido/condenado requereu a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, tendo o tribunal, por despacho proferido em 06/05/2024, indeferido tal requerimento, com fundamento na extemporaneidade do mesmo.

1.5. Inconformado com o assim decidido, o arguido/condenado interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões:
«1 - O Arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em cúmulo na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (Cinco Euros e Cinquenta Cêntimos).
2 - O Arguido, já após a prolação da presente sentença, ficou com sérios problemas económicos, numa situação de praticamente desemprego, pelo que não conseguiu pagar a pena de multa a que foi condenado, e mesmo que o fizesse a prestações não iria também conseguir cumprir.
3 - O arguido devido a essas dificuldades económicas que não permitem conseguir pagar a multa a que foi condenado veio requerer a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade por não ter meios económicos para o fazer em face da sua situação de desemprego parcial.
4 - É verdade que apenas o fez já bastante tempo depois do trânsito em julgado.
5 - No entanto, não podemos deixar de ter em conta que esta situação de debilidade económica já aconteceu após o trânsito em julgado, ou seja foi uma situação nova que ocorreu posteriormente e que à data do trânsito em julgado não ocorria.
6 - Pelo que, não poderá o Venerando Tribunal deixar de ter em conta esses factos.
7 - Devendo por isso em nossa modesta opinião, e com o devido respeito, ser mais condescendente com o pedido de trabalho a favor da comunidade agora requerido.
8 - O Tribunal entendeu que o arguido não procedeu ao pagamento da multa a que estava obrigado, e que não requereu a sua substituição por trabalho a favor da comunidade nos devidos limites temporais estipulados por lei.
9 - Entende o aqui recorrente, no entanto, que não foi devidamente aplicado o direito à situação concreta do arguido, porquanto se é certo que o arguido não requereu a substituição da pena de multa por trabalho em favor da comunidade em tempo útil, também é verdade que o direito prefere sempre as penas privativas de liberdade às não privativas.
10 - Nesse sentido dispõe o art. 70.º, n.º 1 do C.P., que quando sejam aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa ou não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
11 - Veja-se o Acórdão Do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 2325/13.6PBBRG-A.P1, de 24-03-2021, cuja relatora Élia São Pedro:
“(…) II - Para além da apontada coerência sistemática, o entendimento da decisão recorrida - permitindo que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho seja apresentado para além do prazo de 15 dias - é o mais adequado e justo às finalidades, hoje dominantes, de flexibilização do cumprimento das sanções penais. Na verdade, o que efetivamente importa ao legislador penal é que a pena produza o (i) seu efeito dissuasor na evolução do comportamento do agente e (ii) na consequente defesa dos bens jurídicos (art. 40º, do CP).
Estas finalidades são plenamente alcançadas com o efetivo cumprimento da pena, ainda que “fora de prazo”
12 - Daí que, tendo em conta o princípio da necessidade da pena, julguemos ser preferível o entendimento seguido na decisão recorrida, ou seja, aquele que considera que o prazo reportado nos artigos 489º, 2 e 490º, 1 do CPP, não tem natureza perentória, permitindo assim que a substituição da pena de multa por dias de trabalho seja requerida para além desse prazo.”
13 - Razão pela qual, entende o arguido, que deverá o preceito do artigo 48.º do C.P. ter uma interpretação mais abrangente ou extensiva, e por isso deverá o Tribunal por respeito ao artigo 70.º, n.º 1 do C.P., mesmo já tendo sido ultrapassado o prazo normal para requerer a substituição da pena de multa por trabalho em favor da comunidade, o admitir, em respeito a tal preceito.
14 - Entende desta forma o arguido que o Douto tribunal ao não permitir a substituição de pena de multa por trabalho a favor da comunidade, viola o Tribunal de 1ª Instância o preceituado no art.º 70.º, n.º 1, do Código Penal.
É, POIS, EM SUMA O QUE NOS PARECE!
MELHOR DECIDIRÃO V. EXAS E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!»

1.6. O recurso foi regularmente admitido.

1.7. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta ao recurso, pugnando pela respetiva improcedência e manutenção da decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. O arguido foi condenado na pena única de 210 (duzentos e dez) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
2. A douta sentença transitou em julgado a 10.11.2023, tendo o condenado sido notificado para proceder ao pagamento da multa em 17.11.2023, cujo prazo para pagamento, constante da respetiva guia, terminava a 05.12.2023.
3. O condenado foi ainda notificado a 15.02.2024 para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa da sua responsabilidade, sob pena de não o fazendo e não sendo viável a sua cobrança coerciva, proceder-se à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º, nº 1 do Código Penal.
4. O condenado não pagou e nada requereu no prazo e pagamento voluntário da pena de multa, ou posteriormente.
5. Por requerimento de 16.04.2024 o condenado requereu-se a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
6. Entendemos, s.m.o., que não está em causa no presente recurso nada que tenha a ver com eventual conversão da multa não paga, pelo que a situação em análise nada tem que ver com os fins das penas e/ou com a intenção do legislador em evitar penas curtas de prisão, nos termos do artigo 70.º do CP como alegado pelo recorrente, mas tão só se o requerimento apresentado pelo condenado depois de decorrido o prazo de 15 dias previsto no artigo 489º, nº 2, do C.P.P. é tempestivo.
7. Os fins das penas foram considerados aquando da fixação da pena e a pena de prisão subsidiária, caso viesse a ser determinada, poderia ser evitada caso o condenado não tivesse possibilidade de a pagar.
8. In casu, o requerimento foi indeferido por extemporaneidade dor despacho de 6 de maio de 2024 e com fundamento no disposto nos artigos 489.° e 490.° do Código de Processo Penal.
9. A lei não prevê que a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade possa ser feita a todo o tempo, ao invés, estabelece um prazo em que se impõe que pague ou revele a sua impossibilidade de o fazer.
10. O prazo de 15 dias para pagamento da pena de multa e para requerer a substituição da pena por prestação de trabalho visa afastar a insegurança no sistema punitivo bem como afastar a contingência no andamento do processo após o trânsito em julgado traduzida na possibilidade de vir o condenado a qualquer momento requerer a substituição da pena de multa.
11. O prazo de 15 dias fixa o momento a partir do qual tem aplicação o regime legal do artigo 49.°, n.º 1, do Código Penal, e preclude o direito de requerer a substituição, é prazo perentório.
12. Pelo exposto, deve manter-se o despacho recorrido.
Termos em que deverá o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, integralmente e nos seus precisos termos o douto despacho recorrido, fazendo-se, assim, a tão costumada JUSTIÇA.»

1.8. Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:
«(…)
O arguido / recorrente clama, a nosso ver, sem qualquer razão, no ponto 14 das suas doutas conclusões que: “…14 - Entende desta forma o arguido que ao Douto tribunal não permitir a substituição de pena de multa por trabalho a favor da comunidade, viola o Tribunal de 1ª Instância o preceituado no art.º 70.º, n.º 1, do Código Penal.
Salvo sempre melhor entendimento, o arguido pretende colocar em crise o despacho formulado pela Mme Juiz “a quo”, em 06.05.2024, referência “citius” nº 34039254 que foi do seguinte teor: “… Nos termos conjugados dos artigos 489.º do código de Processo Penal e 490.º n.º 1 do Código de Processo Penal, o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho deverá ser apresentando no prazo perentório de 15 dias após a notificação efetuada para pagamento daquela…”.
A (verdadeira) questão que importa equacionar reside na natureza do prazo previsto no artº 490 nº 1 e 489 nº 2 ambos do CPP, para pagamento voluntário da multa.
Adianta-se, desde já, que aderimos à tese que entende que o referido prazo tem natureza peremptória.
Procurando expor, de forma necessariamente breve e concisa, o nosso pensamento sobre matéria diremos que o legislador estabeleceu nos termos das disposições conjugadas dos artºs 48 e 49 do CP e dos artºs 489 e 490 do CPP, um sistema de “degraus” ou “fases”.
Assim:
A) Pagamento voluntário através de uma única entrega da quantia monetária em apreço;
B) Pagamento (voluntário) diferido ou em prestações da multa, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;
C) Substituição da pena de multa por dias de trabalho, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;
D) Pagamento coercivo;
E) Conversão da pena de multa em pena de prisão (subsidiária);
Resulta, desta forma, que o condenado deve assumir uma atitude proactiva pagando, no prazo que lhe estava estabelecido, ou requerendo o seu pagamento diferido ou em prestações, ou antes de entrar em mora ou de expirar o prazo para pagamento de qualquer uma das prestações, se a situação económica do condenado se tiver alterado de forma a impossibilitar o cumprimento da pena pela modalidade requerida, poderá requerer então a substituição da pena de multa (ou da parte não paga) por prestação de trabalho a favor da comunidade.
No caso em apreço e respigando das conclusões formuladas pela Ex.ma Colega resulta que:
A douta sentença transitou em julgado a 10.11.2023, tendo o condenado sido notificado para proceder ao pagamento da multa em 17.11.2023, cujo prazo para pagamento, constante da respetiva guia, terminava a 05.12.2023.
O condenado foi ainda notificado a 15.02.2024 para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa da sua responsabilidade, sob pena de não o fazendo e não sendo viável a sua cobrança coerciva, proceder-se à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º, nº 1 do Código Penal.
O condenado não pagou e nada requereu no prazo e pagamento voluntário da pena de multa, ou posteriormente. Por requerimento de 16.04.2024, o condenado requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Resulta, desta forma e à saciedade, que o arguido / condenado assumiu uma postura de total e absoluto desinteresse face à condenação sofrida.
Nestes termos é certeira a tese da Desembargadora Eduarda Lobo (no voto de vencido do Ac. Relação do Porto de 27.06.2018 – relator Pedro Vaz Pato) quando refere: “…Por outro lado, a multa como pena criminal só poderá satisfazer eficazmente as finalidades de reprovação e de prevenção do crime se puder ser executada num prazo temporalmente próximo da respetiva decisão condenatória (antes que se perca a memória do ilícito).
A natureza perentória dos prazos estabelecidos nos arts. 489.º, n.ºs 2 e 3, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal necessariamente conduz à resposta de que o seu decurso implica a preclusão dos respetivos direitos. Se assim não fosse, a execução da pena multa ficaria na direta dependência da vontade e disponibilidade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal. (negrito da nossa responsabilidade).
Isto entronca, em absoluto, com a nossa tese de que os prazos estabelecidos nos artºs 489 nºs 2 e 3 e 490 nº 1 ambos do CPP, são de natureza peremptória – (1) Única tese que, em nosso entendimento, obsta a condutas como as espelhadas nos autos em que o condenado se acha no direito de cumprir quando (bem) entende cumprir, não respeitando prazos e / ou notificações em evidente e manifesto prejuízo da sua eficácia penal –, o que significa que após o seu decurso, sem que tenha sido invocado e comprovado justo impedimento, fica o condenado impedido de requerer o pagamento da pena de multa em prestações ou o seu cumprimento em dias de trabalho a favor da comunidade. – (2) cfr. neste sentido Acórdãos do TRPorto de 09.11.2011, Proc. n.º 31/10.2PEMTS.AP1, de 23.06.2010, Proc. n.º 95/06.3GAMUR-B.PI, de 10.09.2008, Proc. n.º 0843469, de 11.07.2010, Proc. n.º 0712537, de 02.05.2012, Proc. nº 524/08.1TAPVZ-A.P1; de 05.03.2014, Proc. nº 1062/07.5TAGDM-A.P1, de 12.11.2014, Proc. nº 662/09.3GCVNF-A.P1, de 19.11.2014, Proc. nº 1068/11.0TAMTS-A.P1, de 11.03.2015, Proc. nº 208/12.6GAVPA-A.P1 e de 11.05.2016, Proc. nº 53/06.8PCPRT.P1; Acórdãos do TRCoimbra de 10.02.2010, Proc. nº 104/06.6PTCBR.C1, de 13.06.2012, Proc. nº 202/10.1.GBOBR.C1, 18/03/2013, Proc. n.º 368/11.3GBLSA-A.C1, 18/09/2013, Proc. n.º 145/11.1TALSA-A.C1, de 22.01.2014, Proc. nº 247/08.1GTLRA-A.C1, de 11/02/2015, Proc. n.º 12/12.1GECTB-A.C1, de 15.04.2015, proc. nº 531/09.7GBAND.C2, e de 29.06.2016, Proc. nº 158/14.1GATBU-A.C1; Acórdãos do TRGuimarães de 12.11.2007, Proc. n.º 1995/07, de 22.10.2012, Proc. nº 171/09.0TAAVV.G1, de 04.11.2013, Proc. nº 331/10.1GCGMR-B.G1; Acórdão do TRLisboa de 17.10.2013, Proc. nº 3/11.0PFSCR-A.L1-9, todos disponíveis em www.dgsi.pt) –.
Finalmente, importa ainda salientar os seguintes acórdãos:
A) Ac. Relação de Évora de 10.11.2020, relator Nuno Garcia onde consta (sumário): O prazo de 15 dias previsto no artº 489º, nº 2, do C.P.P., aplicável ao requerimento para substituição da multa por trabalho por força do nº 1 do artº 490º do mesmo Código, é um prazo peremptório, ficando, assim, precludida a apreciação de requerimento nesse sentido se o mesmo for apresentado para além desse prazo.
B) Ac. Relação de Coimbra de 13.06.2012, relator Orlando Gonçalves onde consta (sumário):
1.- O prazo para requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade é peremptório;
2.- Essa substituição deve ser requerida no prazo para pagamento voluntário da pena de multa.
C) Ac. Relação do Porto de 28.02.2024, relatora Cláudia Rodrigues, onde consta (na parte que aqui releva): III- Será mais defensável a posição que defende tratar-se de um prazo peremptório, na medida em que é a mais consentânea com a letra da lei e não colide com o espírito do legislador…”.
Nessa conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido João Cabeças Martins e manter o douto despacho recorrido».

1.9. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP, sem resposta do recorrente.
1.10. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigo 412º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
No caso vertente, considerando os fundamentos do recurso interposto pelo arguido, a única questão suscitada é a de saber qual a natureza do prazo de 15 dias estabelecido nos artigos 489º, n.º 2, e 490º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para o condenado requerer a substituição da multa, por dias de trabalho, nos termos previstos no artigo 48º, n.º 1, do CP.

2.2. Para que possamos apreciar a questão suscitada, importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:
«Nos termos conjugados dos artigos 489.º do Código de Processo Penal e 490.º n.º 1 do Código de Processo Penal, o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho deverá ser apresentando no prazo perentório de 15 dias após a notificação efetuada para pagamento daquela.
Compulsados os autos constata-se que o referido prazo se encontra há muito ultrapassado, pelo que se indefere o requerido por ser manifestamente extemporâneo.
Notifique o arguido para proceder ao pagamento da multa no prazo de 15 dias – cfr. n.º 4 do artigo 490.º do Código de Processo Penal – com a advertência de que se procederá à conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária.
Notifique.»

2.3. Conhecimento do mérito do recurso
Como já referimos, a questão suscitada no recurso e que importa apreciar e decidir é a de saber qual a natureza do prazo de 15 dias estabelecido nos artigos 489º, n.º 2 e 490º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, para o condenado requerer a substituição da multa, por dias de trabalho, nos termos previstos no artigo 48º, n.º 1, do CP.
Concretamente, está em causa saber se se trata de um prazo perentório, que uma vez decorrido, não sendo invocado o justo impedimento, acarreta a preclusão do direito de o condenado poder requerer a substituição da multa por dias de trabalho, ou se estamos perante um prazo meramente ordenador, podendo tal substituição ser requerida e deferida mesmo que se mostre ultrapassado.
No despacho recorrido entendeu-se que o aludido prazo é perentório e, por conseguinte, estando excedido, foi indeferido, por extemporaneidade, o requerimento do arguido/condenado, para a substituição da multa por dias de trabalho.
No recurso em apreciação, pugna o arguido/condenado/recorrente pela revogação do despacho recorrido, defendendo não se tratar aquele de um prazo perentório, podendo a substituição da multa por dias de trabalho ser requerida ainda que haja decorrido o aludido prazo de 15 dias, tendo-se presente que o legislador prefere sempre as penas privativas de liberdade às não privativas, conforme decorre do disposto no artigo 70º do Código Penal.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, pronuncia-se no sentido de ser perentório o prazo de 15 dias estabelecido nos artigos 489º, n.ºs 2 e 3 e 490º, n.º 1, ambos do CPP e, uma vez decorrido esse prazo, sem que tenha sido invocado e comprovado justo impedimento, fica o condenado impedido de requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho, pugnando, nessa conformidade, para que seja negado provimento ao recurso e mantido o despacho recorrido.
Vejamos:
Relativamente ao prazo de pagamento da multa, dispõe o artigo 489º do CPP:
«1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2. O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3. O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações
E no tocante à substituição da multa por dias de trabalho, estatui o artigo 490º, n.º 1, do CPP, que: «O requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior (…).»
Conforme decorre das enunciadas disposições legais, não tendo sido o pagamento da multa diferido ou autorizado em prestações, ao abrigo do disposto no artigo 47º, n.º 3, do CP, o prazo para o pagamento voluntário da multa é de 15 dias, a contar da notificação do condenado para o efeito, sendo também esse o prazo para o condenado requerer a substituição da multa por dias de trabalho, nos termos previstos no artigo 48º, n.º 1, do CP..
Relativamente à questão suscitada no recurso e submetida à nossa apreciação, sendo controvertida – como emerge da argumentação aduzida pelo recorrente e pelo Ministério Público, em sustentação do entendimento divergente que, respetivamente, defendem –, salvo o devido respeito pela posição contrária, perfilhamos a orientação jurisprudencial – que se crê ser atualmente maioritária[1] – acolhida no despacho recorrido, no sentido de ser perentório o prazo de 15 dias estabelecido nos artigos 489º, n.º 2 e 490º, n.º 1, ambos do CPP, para o condenado poder requerer a substituição da pena de multa por trabalho.
Nessa conformidade, acompanhamos inteiramente a fundamentação expendida no enunciado Acórdão do TRG de 13/07/2020, em sustentação do entendimento que sufragamos e que aqui se reproduz:
«(…) compulsados os arts.º 47º/49º C.P. com os arts.º 489º/491º - A, C.P.P. – estes, tratam da execução da pena de multa - verifica-se que:
- primeiro decorre o prazo de pagamento voluntário da multa, no prazo de 15 (quinze) dias ou em prestações, se deferido – arts.º 47º/3 C.P. e art.º 489º C.P.P.;
- se não paga naquele prazo, pede-se informação sobre bens para ver se é possível a execução patrimonial da mesma – art.º 491º/1 e 2), C.P.P.;
- não sendo esta possível, segue-se a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, sendo que a respetiva suspensão da execução pode ser determinada, se o arguido demonstrar que o pagamento lhe foi economicamente inviável – art.º 49º/1 e 3), C.P.;
- de qualquer modo, pode o arguido a todo o tempo, inclusive no momento da sua prisão, evitar a mesma, pagando total ou parcialmente a pena de multa, inclusive a terceiros como a autoridade policial ou no Estabelecimento Prisional – arts.º 49º/2 C.P. e 491º-A, C.P.P.
Como se referiu, o prazo de pagamento voluntário da multa é porém de 15 (quinze) dias, contados desde a respetiva notificação para pagar – art.º 489º/2 C.P.P.
Ora, o art.º 490º/1 C.P.P., cuja epígrafe é justamente sobre a “substituição da multa por dias de trabalho”, refere expressamente que o requerimento para prestação de trabalho deve ser feito nos termos dos citados ns.º 2) e 3), do art.º 489º C.P.P., que trata dos prazos de pagamento.
O que quer dizer que daqui decorre expressamente que o requerimento deva ser feito ainda no prazo de pagamento voluntário – normal ou de pagamento das prestações.
Aqui começa o dissídio Jurisprudencial.
Diz a primeira corrente[2] que, permitindo o disposto no art.º 49º/2 C.P. a possibilidade de pagar a multa a todo o tempo, assim se evitando a prisão, então o requerimento para a referida substituição pode também ser feito a todo o tempo.
Com o que não concordamos.
É que a remissão é feita apenas para o art.º 489º/2 e 3, C.P.P. e não para o citado art.º 49º/2 C.P. É que este art.º não trata propriamente do prazo normal de pagamento da multa, mas da possibilidade de se evitar a todo o tempo a prisão, pagando a multa. É como que um último recurso e não uma extensão de qualquer prazo, já antes fixado. Tem pois em conta já uma realidade e objetivo diversos.
Aliás, é de presumir que o legislador exprimiu a sua intenção de uma forma correta, quando redigiu a lei – art.º 9º/3 C.C. Assim, se quisesse também referir que o citado requerimento de substituição poderia ser feito a todo o tempo, bastar-lhe-ia também fazer remissão para o disposto no citado art.º 49º/2 C.P.
Mais: não o fazendo, faz todo o sentido a utilização do argumento lógico “a contrario sensu”, pensando-se assim que o citado requerimento pode apenas ser feito no citado prazo de 15 (quinze) dias da notificação para pagamento ou enquanto perdurar o pagamento em prestações.
Este prazo só pode ser perentório, pois não está em causa qualquer prazo que difira para momento ulterior a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo, único caso em que seria dilatório (cfr. art.º 139º C.P.C., aplicável via art.º 4º C.P.P.).
O que só pode querer dizer que uma vez decorrido o referido prazo, se esgota o poder de fazer o citado requerimento e de o mesmo ser deferido.
Contra, nem se argumente com o facto de o nosso legislador dar preferência às penas não privativas da liberdade[3]. É que, a imposição de regras e de prazos não contrariam tal desígnio, apenas o disciplinam. Esse princípio ou propósito não é sempre válido, em qualquer situação. Com efeito, há uma ordem lógica até à conversão da pena de multa em prisão e com prazos, como faz sentido, sendo que o arguido para obstar à prisão pode requerer o pagamento da multa em prestações, a sua substituição por prestação de trabalho, demonstrar que não pôde pagar o que determinará a suspensão da execução da pena de prisão e até pagar a todo o tempo a pena de multa, de modo a obstar à prisão.
O princípio de preferência pelas penas não privativas da liberdade, não equivale à ausência de regras para que esse desiderato seja conseguido.
As regras processuais servem para isso mesmo, para disciplinar o andamento de um processo. E não há nenhum princípio, no sentido de as normas processuais deverem ser interpretadas de acordo com tal princípio. O mesmo só existe para o julgador o ter em conta, no momento da aplicação da pena.
Ora e como se referiu, a remissão do art.º 490º/1 C.P.P. para o art.º 489º/2 e 3), C.P.P., só pode dizer que são esses os prazos aplicáveis, não havendo qualquer dúvida na referida interpretação.
Interpretação que aliás foi acolhida no A.U.J. n.º 7/16, publicado no D.R. de 21/3/2016, 1ª Série. Neste Acórdão de Fixação de Jurisprudência não era esta a matéria discutida, mas a de saber se a pena de multa substitutiva da de prisão, podia ela própria ser substituída pela pena de prestação de trabalho ou de trabalho comunitário. Concluiu-se por maioria que sim, referindo-se que o requerimento para tal deve ser feito no prazo previsto nos arts.º 489º e 490º C.P.P., não se fazendo também qualquer referência ao art.º 49º/2 C.P., no sentido de que o requerimento poderia ser feito a todo o tempo. Aí se disse até expressamente que o aludido requerimento deve ser feito nos 15 (quinze) dias do pagamento voluntário ou antes de o arguido entrar em incumprimento, no caso de ter sido deferido o pagamento da multa em prestações[4].
Certo que a jurisprudência fixada tem a ver com a possibilidade de ser requerida e deferida a substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, nos casos em que foi fixada uma pena de multa substitutiva da pena de prisão, o que não é o caso dos autos. Mas, se se entendeu fixar jurisprudência pela positiva, a verdade é que no citado Acórdão – que é de 2016, altura em que já era bem conhecida a dissidência jurisprudencial em causa nos autos – se entendeu também que o requerimento para tal deveria ser feito no prazo fixado nos arts.º 490º/1 e 489º/2 e 3), C.P.P. e não a todo o tempo.
E, tratando-se de Acórdão recente não pode deixar-se de ter em conta o ali decidido para caso nesta parte análogo ao dos autos, entendimento aliás com que se concorda, pelos motivos já expostos.
(…).»
Pelo exposto, em conformidade com a posição que perfilhamos – no sentido de que o prazo de 15 dias estabelecido nos artigos 489º, n.º 2 e 490º, n.º 1, ambos do CPP, para o condenado poder requerer a substituição da multa por dias de trabalho, nos termos previstos no artigo 48º, n.º 1, do Código Penal, é perentório, pelo que, ultrapassado esse prazo e não sendo invocado o justo impedimento, fica precludido o direito de requerer tal substituição e não podendo o respetivo requerimento ser deferido –, impõe-se concluir pelo acerto da decisão recorrida, que rejeitou o requerimento apresentado pelo arguido/condenado, ora recorrente, por ser manifestamente extemporâneo.
Deve, pois, o recurso improceder e, consequentemente, ser mantido/confirmado o despacho recorrido.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal (2.ª Subseção) deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido/condenado J e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (cf. artigos 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

Notifique.

Évora, 05 de novembro de 2024

Fátima Bernardes

Beatriz Marques Borges

Fernando Pina

_____________________________

[1] Neste sentido, cf., entre outros, os Acórdãos enunciados pelo Exmo. PGA, no seu parecer e, ainda, Ac. da RG de 13/07/2020, proc. n.º 33/17.8GBPRG-B.G1 e Ac. da RP de 28/02/2024, proc. n.º 157/22.0GAVCD.P1, in www.dgsi.pt.

[2] Aquela que defende que mesmo esgotado o prazo de 15 dias para o pagamento voluntário da multa, o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho, pode ainda ser feito e deferido.

[3] Cf. artigo 70º do Código Penal.

[4] O excerto da fundamentação explanada no referenciado AUJ, na parte referenciada, é do seguinte teor: «Admitindo, pois, o pagamento da multa de substituição em dias de trabalho, esta modalidade de pagamento apenas pode ocorrer quando haja requerimento do condenado (cf. artigo 48.º, do CP). Deve, então, o condenado requerer, no prazo de 15 dias após a notificação para o pagamento, aquela específica modalidade de execução antes de entrar em incumprimento (cf. artigo 490.º, do CPP e artigo 489.º, n.ºs 2, do CPP (…); caso tenha sido autorizado anteriormente o pagamento em prestações poderá requerer o pagamento em dias de trabalho antes de expirar o prazo para o pagamento da prestação, ou enquanto não ocorrer uma situação de mora (…).»