Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1129/10.2TBSSB-B.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Tendo a Executada sido declarada insolvente deve ser decretada a suspensão da execução que, contra a mesma, corra os seus termos, conforme nº 1 do art. 88 do CIRE (DL n.º 53/2004, de 18-03).

II - A suspensão assim decretada perdura até que seja encerrado o processo de insolvência.

III - E, uma vez declarado encerrado o processo de insolvência ao abrigo das alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230º do CIRE, os processos de execução até aí suspensos, extinguem-se, conforme a norma do nº 3 do mesmo art. 88º, aditado pela Lei nº 16/2012, de 20-04.

IV - O encerramento do processo que se segue ao termo da liquidação [art. 230º, nº1, al. a)], não obsta a que os credores que não tenham obtido o ressarcimento integral no processo de insolvência, venham posteriormente a atacar o novo património adquirido pelo devedor, suscetível de penhora, se tal aquisição vier a ocorrer.

V - Devendo fazê-lo nos termos gerais (artigo 233º, nº1, al. c), CIRE), ou seja, através de nova execução para cobrança do passivo não satisfeito.

VI - O nº 3 do artigo 88 do CIRE não oferece dúvidas quanto ao destino das ações suspensas quando o processo de insolvência seja encerrado após o rateio final, ou por insuficiência do ativo da massa para satisfazer as dívidas próprias dela. Por regras as ações extinguem-se, ressalvando-se, todavia, o caso de exercício do direito de reversão legalmente previsto.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I

Os presentes autos de recurso em separado correm por apenso ao P. 1129/10.2TBSSB de execução a correr termos na Secção de Execução de Setúbal, em que são Exequente: Caixa Geral de Depósitos, S.A. e Executados: L… e M….

- No Juízo de Comércio de Setúbal correram termos uns autos de insolvência, autuado como P. 1.../1… (Insolvência de pessoa singular), em que figura como insolvente M…, e credor Caixa Geral de Depósitos, S.A..

- A executada veio a ser declarada insolvente em 02-10-2012.

- Na sequência do que, a ora exequente, em 07-05-2014, requereu nestes autos de execução que, em razão da insolvência, fosse decretada a suspensão da execução quanto à executada, M…, ordenando-se o prosseguimento dos presentes autos, para venda da outra metade do imóvel penhorado, pertencente ao executado L….

- Em 10-03-2015, face a insistências do Sr. agente de execução no sentido de “serem apreciados os pressupostos para a suspensão da instância executiva quanto à executada M…, face à sua insolvência” e, no sentido de “ser tomada decisão quanto ao prosseguimento da execução respeitante ao bem imóvel penhorado, em virtude de a penhora ter sido realizada na totalidade, uma vez que ambos os executados são proprietários do mesmo (imóvel) nomeadamente, se poderá ser vendido o direito do executado L…, (…)”, foi proferido o seguinte despacho:

“Ponderando a redação dada - pela Lei 16/2012 de 20-04 – ao nº 3 do art. 88 do CIRE, decide-se declarar suspensa a execução contra M…, prosseguindo o processo apenas contra o executado L….”

- Nesses mesmos autos de insolvência nº 1…/1…, a meação da executada, M…, foi vendida pelo valor de 32.250,00 €, tendo sido adjudicada à Caixa Geral de Depósitos.

- Nesses autos de insolvência foi proferido o seguinte despacho datado de 03-03-2016:

“Nos presentes autos em que é insolvente M…, mostra-se finda a liquidação e mostra-se realizado o rateio final nos termos do art. 182 do CIRE.

Ora, tendo em consideração que:

- se mostra finda a liquidação;

- foi elaborado mapa de rateio final;

- não está pendente recurso do despacho inicial de exoneração do passivo restante;

- o disposto no art. 230º alª a) do CIRE, declaro o encerramento dos presentes autos ao abrigo de tal disposição legal, com os efeitos elencados no art. 233º do citado código.

Cessam todos os efeitos da declaração da insolvência pelo que a insolvente recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, salvo o que seja incompatível com o deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

(…)”

- Em 14-07-2021 foi nos mesmos autos de insolvência proferido despacho final de recusa de exoneração de passivo restante, por violação dolosa dos deveres previstos no art. 239, 4 alªs a) e c), em conformidade com o disposto no art. 243, 1 alª a) e nº 3 do CIRE.

- Nos presentes autos de execução, o Mmº Juiz proferiu a seguinte sentença datada de 01-02-2022:

“Resulta dos autos que foi declarada a insolvência de M…, em data posterior à instauração da presente execução.

Resulta também dos autos que foi declarado o encerramento do processo de insolvência, após realização do rateio final – art. 230º nº 1 alª a) do CIRE.

Nos termos do disposto no art. 88 º nº 1 alª do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL 53/2004 de 18/03 “a declaração da insolvência (…) obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém se houver outros executados a execução corre contra estes”.

A Lei 16/2012, de 20/04, aditou dois números ao art. 88º, prevendo o nº 3 que as ações executivas se extinguem quanto ao executado insolvente logo que o processo de insolvência seja encerrado após realização do rateio final.

De tudo isto flui, portanto que, a presente execução terá de ser declarada extinta relativamente à executada M…, dado que o processo de insolvência foi encerrado após a realização do rateio final, nos termos do art. 230º nº 1 a) do CIRE.

É o que se irá decidir, com custas em partes iguais pela exequente e pela massa insolvente, incidindo sobre a proporção de ½ (art. 536º nº 1 e 2, e) do CPC).

Pelo exposto, declaro extinta a execução relativamente à executada M….

Custas em partes iguais pela exequente e pela massa insolvente, incidindo sobre a proporção de ½.

Notifique.”

Inconformada com esta decisão veio a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A, recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso:

I) A executada M… foi declarada insolvente no âmbito do processo que correu termos no Juízo de Comércio de Setúbal - Juiz 2 – sob o nº 1…/1… tendo sido decretada a suspensão dos presentes autos por despacho proferido em 10-03-2015, sob a referência 78063572, ao abrigo do disposto no art. 88º nº 1 do CIRE.

II) Por despacho judicial proferido em 14-07-2021 no âmbito daquele processo de insolvência, foi recusada a concessão da exoneração do passivo restante à executada M…, pelo que a contrario do estipulado no art. 245 nº 1 do CIRE, os créditos sobre a insolvente não se extinguiram.

III) Foi requerido pela exequente o levantamento da suspensão da instância através de requerimento submetido aos autos em 14-09-2021, ref. 39837483, com fundamento na acima decisão de recusa de concessão da exoneração.

IV) Subsequentemente em 01-02-2022 sob a ref. 93989872, foi proferido o despacho recorrido em que se concluiu que “(…) a presente execução terá de ser declarada extinta relativamente à executada M…, dado que o processo de insolvência foi encerrado após a realização do rateio final, nos termos do art. 230º, n.º 1, a) do CIRE. (…)”.

V. Tal decisão viola o preceituado nos artigos 88º, nº 1, 239º, 242º, nº 1 e 245º, nº 1 (a contrario) do CIRE.

VI. Ao ter sido proferido naqueles autos de insolvência o despacho inicial de exoneração do passivo restante, impossibilitou-se o prosseguimento ou instauração de execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência durante o período da cessão, nos termos do disposto no artigo 242º, nº 1 do CIRE.

VII. O disposto no artigo 88º, nº 1 do CIRE, conjugado com o disposto nos artigos 239º e 242º impõe uma decisão diversa da ora recorrida, porquanto ao ter sido proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, a extinção da presente instância não deve e/ou não pode ser decretada até que seja proferida a decisão final de concessão nos termos do disposto nos artigos 244º, nº 1 e 245, nº 1 do CIRE (caso em que se extinguiria a instância) ou de recusa de concessão desse benefício (caso em que deve prosseguir a instância executiva) nos termos do disposto no artigo 243º, nº 1, e a contrario do disposto no artigo 245º, nº 1, ambos do CIRE.

VIII. A douta sentença recorrida padece de falta de fundamento legal, mostrando-se contrária ao disposto na legislação em vigor.

IX. Constam do processo meios de prova plena que, só por si, implicariam decisão diversa da proferida.

X. A sentença deve assim ser revogada por outra que ordene o prosseguimento da execução suspensa quanto à Executada M…, face ao proferimento de despacho final de recusa de concessão da exoneração do passivo restante.

Em face do acima exposto e com o douto suprimento de V. Exas., a douta sentença proferida deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da instância quanto à Executada M….

Não foram apresentadas contra-alegações.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artºs. 635º, 3 e 639, 1 e 2 CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.608º in fine), a questão a decidir é só uma:

- Extinção da execução na sequência do encerramento do processo de insolvência após realização do rateio final.

Deixando-se desde já esclarecido um pressuposto fáctico que nas conclusões das alegações é afirmado pela positiva e depois pela negativa, o que resulta ambíguo: - nos autos de insolvência foi proferida decisão final quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, decisão essa de 14-07-2021 e, que foi de recusa.


III

A factualidade a considerar consta do relatório supra.


IV

Fundamentação jurídica:

Tendo a Executada M… sido declarada insolvente no âmbito do processo judicial que correu termos no Juízo de Comércio de Setúbal, foi decretada a suspensão dos presentes autos por despacho proferido em 10-03-2015.

O que se conforma com o disposto no art. 88 do CIRE (DL n.º 53/2004, de 18 de Março na versão da Lei 16/2012, de 20/04), artigo esse respeitante às ações executivas, cujo nº 1 dita:

«1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.»

A suspensão assim decretada perdura até ao encerramento do processo de insolvência.

Dispõe a esse propósito o nº 3 do mesmo art. 88º, aditado pela Lei nº 16/2012, de 20 de abril:

«3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.»

E, uma vez declarado encerrado o processo de insolvência ao abrigo das alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230º do CIRE, os processos de execução até aí suspensos, extinguem-se.

Importa assim determinar nessas alíneas, quais os atos ou momentos processuais que, determinando o encerramento do processo de insolvência, são aptos a determinar a extinção da execução outrora suspensa, nos termos do nº 1 do art. 88º do CIRE.

Dispõe o artigo 230.ºdo CIRE intitulado «Quando se encerra o processo» que:

«1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:

a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º[1];

(…)

d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.»

O nº 1 delimita o campo de aplicação do próprio artigo aos casos em que a insolvência prosseguiu após a declaração de insolvência.

Importa lembrar o disposto no art. 46º nº 1 do CIRE: «A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo», que não sejam isentos de penhora (cfr. nº 2).

O que tem subjacente a possibilidade, se não mesmo a obrigação para o insolvente de, dentro do possível, tentar obter meios de subsistência para si e rendimentos para a massa. Sendo, por essa via, de admitir que à data do rateio e distribuição final, o insolvente apresente uma posição patrimonial superior à do momento inicial.

Assim, prosseguindo o processo de insolvência, ao longo do mesmo e à custa da massa insolvente, vão sendo feitos reembolsos parciais aos credores, na proporção do que couber e à medida que se for gerando liquidez por virtude das operações liquidatárias (cfr. artºs 174º, 175º e 178º).

O rateio final representa a última distribuição pelos credores do que remanesce do produto da liquidação (sobras) e não se mostre necessário para suportar as custas apuradas na conta, que são pagas com prioridade.

O rateio final tem também lugar na eventualidade de não terem havido pagamentos intermédios.

O encerramento do processo, como regra, depois de realizado o rateio final [alª a) do art. 230º, nº 1], explica-se pelo facto de o legislador pretender evitar eternizar o processo de insolvência numa altura em que o património do devedor, até então apreendido para a massa insolvente, se encontra totalmente liquidado.

Ainda que o devedor possa continuar a obter rendimentos.

Assim, o projeta o artigo 182º nº 1 do CIRE alusivo ao «Rateio final»:

«1 - Encerrada a liquidação da massa insolvente, é elaborada a conta pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias, não sendo o encerramento da liquidação prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa

O encerramento do processo não poderá ocorrer, contudo, se ocorrer a situação prevista no art. 239 nº 6 [cfr. art. 230º nº 1 alª a)], ou seja, se, sendo o insolvente uma pessoa singular, o juiz tenha indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante mas tal decisão esteja pendente de recurso.

Na mesma lógica, se tiver sido proferido despacho final de exoneração do passivo restante, cessado o processo de insolvência e durante o período da cessão, não são permitidas quaisquer execuções sobre os bens do devedor, por força do nº1 do art. 242º do CIRE.

Explicada a razão do encerramento do processo de insolvência, depois de realizado o rateio final [artº 230 nº1 alª a)], passemos à causa de encerramento do processo de insolvência previsto na alª d) do nº 1 do art. 230º, a qual afigura-se óbvia: não havendo bens, o processo de insolvência não faz qualquer sentido.

Assim, encerrado o processo de insolvência após a realização do rateio final, ou quando o administrador constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e restantes dívidas, a ação executiva que estava suspensa nos termos do art. 88º nº 1, deve ser declarada extinta, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.

Importa não confundir extinção da execução com extinção do crédito do exequente, se total ou parcialmente não satisfeito pelo rateio final.

O encerramento do processo que se segue ao termo da liquidação [art. 230º, nº1, al. a)], não obsta a que os credores que não tenham obtido o ressarcimento integral no processo de insolvência, venham posteriormente a atacar o novo património adquirido pelo devedor, suscetível de penhora, se tal aquisição vier a ocorrer.

O que no presente caso surge desimpedido pelo facto de, tendo sido recusada à devedora M…, em decisão final, a exoneração do passivo restante, não estão os credores atingidos pelo efeito extintivo dos créditos que a concessão da exoneração acarretaria.

De que modo podem os credores ressarcir-se?

Não na ação executiva suspensa, cuja suspensão termina (art. 233º) e que deve ser declarada extinta por força do nº 3 do artº 88 do CIRE (redação da Lei nº 16/2012, de 20 de abril, que veio aditar tal número), sendo essa uma extinção ope legis.

O credor que não tenha obtido satisfação integral do seu crédito no processo de insolvência poderá fazê-lo nos termos gerais (artigo 233º, nº1, al. c), CIRE).

Ou seja, através de nova execução para cobrança do passivo não satisfeito.

Compreendemos a dificuldade de aceitação dessa solução para os credores, que se verão perante novos encargos.

Podemos até melhor compreender a sua reação no caso de insolvência de pessoa singular, uma vez que a declaração da insolvência nunca terá como efeito “a extinção” da pessoa singular e, com o encerramento do processo de insolvência o devedor recupera o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios (art. 230º, nº1, al. a), CIRE).

Parecendo não fazer muito sentido que se decrete, sem mais, a extinção da execução pendente quando, no momento seguinte, é facultado ao exequente a instauração de uma execução para cobrança do crédito não satisfeito, cremos que a intenção do legislador foi a de tornar o processo de insolvência mais ativo na satisfação dos credores, desincentivando o ressuscitar das execuções pendentes.

A letra da lei é muito clara.

O novo nº 3 do artigo 88 do CIRE não oferece dúvidas quanto ao destino das ações suspensas quando o processo de insolvência seja encerrado após o rateio final, ou por insuficiência do ativo da massa para satisfazer as dívidas próprias dela. Por regras as ações extinguem-se, ressalvando-se, todavia, o caso de exercício do direito de reversão legalmente previsto.

A exequente Caixa Geral de Depósitos viu o seu crédito parcialmente satisfeito no processo de insolvência, com a venda e liquidação da meação da executada e nenhum bem desta se mostra conhecido.

Logo, querendo exercer o seu eventual direito de credito residual quanto à devedora, deverá com base em novo título, a extrair dos autos de insolvência, instaurar nova execução.

O crédito sobre a insolvente (caso se comprove subsistir) não se extinguiu, uma vez recusada a exoneração do passivo restante, apenas se extinguiu a execução, por força da lei.

Neste mesmo sentido se vem afirmando a jurisprudência dos tribunais superiores.

Assim, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, P. 6931/06.7TBGMR.G1 (25-02-2021) in www.dgsi.pt, assim sumariado:

«I- A norma do n.º 3 do art.º 88º do CIRE foi introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, para resolver dúvidas que se suscitavam quanto à extinção das execuções na sequência do processo de insolvência e resolveu-as no sentido de que o encerramento do processo de insolvência, nos casos previstos nas alíneas a) e d) do art.º 230º do CIRE, extingue a execução.

II- Trata-se de uma extinção ope legis, logo que verificado o facto extintivo, que para o efeito é comunicado ao processo executivo (cfr. n.º 4 do art.º 88º do CIRE).

III- Não há incompatibilidade entre o disposto no citado normativo (extinção da execução) e a previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 233º do CIRE (possibilidade de os credores insatisfeitos, no caso de encerramento do processo de insolvência, exercerem os seus direitos contra o devedor), pois, como a norma refere, será com base num novo título executivo (a sentença homologatória do plano de pagamentos ou a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior).

IV- Contudo, trata-se de um novo título executivo, no caso, a sentença de verificação de créditos, e uma nova execução a propor.

V- Nem razões de economia processual podem ser invocadas para justificar o prosseguimento da execução extinta, não só por contrariarem frontalmente a letra da lei, mas porque estamos perante um novo título executivo.

VI- Sendo que, mesmo as normas do processo executivo que radicam nesse princípio de economia processual, concretamente o art.º 711º do CPC (cumulação sucessiva) e o art.º 850º do CPC (renovação da execução extinta), não o consentem, pois, o primeiro pressupõe que a execução não se tenha extinguido – e neste caso extingue-se ope legis (logo que verificado o facto extintivo) – e, no segundo, exige-se que o título seja o mesmo (trato sucessivo).»

No mesmo sentido também, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, P. 8462/08.1TBVNG.P1, (11-01-2022) no mesmo site:

«Decretada, por sentença transitada em julgado, a extinção de uma execução na sequência do encerramento do processo de insolvência do executado e não podendo ignorar-se ou alterar-se esse pressuposto, não pode renovar-se esse processo executivo extinto, a requerimento do exequente, após a recusa da exoneração do passivo restante do devedor.»

Havendo, sim, alguma divergência jurisprudencial mas em situações “peculiares” nomeadamente quando, na execução se mantém penhorado um bem que não foi contemplado na massa insolvente.

Como no acórdão que segue do Tribunal da Relação do Porto, P.31/09.5TBVCD.P2 (26-10-2017), que sumaria:

I - Se, encerrado o processo de insolvência do devedor por insuficiência da massa insolvente, os credores da insolvência podem instaurar execuções contra o devedor nos termos do art.º 233º, nº 1, al. c), do CIRE, não deve ter-se por extinta nos termos do nº 3 do art.º 88º do mesmo código, antes deve prosseguir a execução que, por razões peculiares, não foi suspensa ao abrigo do art.º 88º, nº 1, do CIRE e manteve o seu curso até ao conhecimento daquele encerramento, e onde chegou a ser penhorado um bem imóvel que não integrou a massa insolvente, mas que supostamente pertence ao executado.

II - A extinção da execução ao abrigo do referido nº 3 do art.º 88º pressupõe a inutilidade superveniente da lide executiva, normalmente resultante da realização do rateio final ou da insuficiência de bens determinante do encerramento da insolvência, mas pode não ocorrer se estiver penhorado ou puder vir a ser penhorado um bem do executado que não foi considerado na (insuficiência da) massa insolvente.

Ou, como no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, P. 92/12.0TBMGL-A.C1 (07-03-2017), sendo que neste caso, no processo de insolvência o Administrador da Insolvência não optou pelo cumprimento do contrato de mútuo com reserva de propriedade e, na execução, o financiador havia dado à penhora o bem objeto da reserva de propriedade, subsistindo tal penhora.

Assim, no sumário:

«1. Apesar de o atual nº3 art. 88º CIRE prever a extinção das execuções no caso de encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens, se neste não tiver sido decretada a exoneração do passivo restante, tal encerramento não implica a inutilidade do prosseguimento das execuções instauradas contra o insolvente/pessoa singular.

2. No caso de insolvência de sociedade comercial, o encerramento do processo após o rateio final ou por insuficiência de bens acarretará, em norma, a inutilidade das execuções pendentes, uma vez que o registo do encerramento da liquidação importa a extinção da sociedade.

3. Se no processo de insolvência o A.I. não optou pelo cumprimento do contrato de mútuo com reserva de propriedade, a execução na qual o financiador tenha dado à penhora o bem objeto da reserva de propriedade poderá prosseguir para se cobrar pelo respetivo produto.»

Situações peculiares que se distinguem da situação comum dos presentes autos e que não fundamentam a posição maioritária que propugnamos.

Assim, a sentença sob recurso, estando conforme com a lei, não merece qualquer censura, devendo ser confirmada.


IV

Termos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Évora, 15 de setembro de 2022
Anabela Luna de Carvalho (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1ª Adjunta)
José António Penetra Lúcio (2º Adjunto)

__________________________________________________

[1] Art. 239º - Cessão do rendimento disponível

(…)

“6 - Sendo interposto recurso do despacho inicial, a realização do rateio final só determina o encerramento do processo depois de transitada em julgado a decisão.”