Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
88/24.9T8ELV.E1
Relator: SUSANA COSTA CABRAL
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
INJUNÇÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: Não é inepto, por falta de causa de pedir, o requerimento executivo, em que o exequente alega que, no exercício da sua atividade bancária, celebrou com o executado, no dia 31-10-2019, o contrato de mútuo ao qual foi atribuído o n.º de operação PT (…), através do qual entregou ao executado, a título de empréstimo o valor de € 2.500,00 e mantendo o executado o não pagamento das prestações, não obstante ter sido interpelado para o efeito, o exequente comunicou-lhe a perda do benefício do prazo e apresentou requerimento de injunção, ao qual, por não ter sido deduzida oposição foi aposta fórmula executória, que é a base da presente execução.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1
Sumário: (…)
*
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
Caixa Geral de Depósitos, S.A instaurou contra (…), execução para pagamento de quantia certa, apresentando como título executivo requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, peticionando o pagamento da quantia de € 3.619,15 (três mil, seiscentos e dezanove euros e quinze cêntimos), correspondente ao valor inscrito no título executivo, acrescido de € 25,28 (vinte e cinco euros e vinte e oito cêntimos), a título de juros compulsórios vencidos.
Apresentados os autos à Mma. Juíza, foi proferido despacho que determinou a notificação do exequente para, querendo, se pronunciar, sobre a “(eventual) ineptidão do requerimento executivo, nos termos do disposto nos artigos 734.º, n.º 1, 726.º, n.º 2, alínea b) e 3.º, n.º 3, todos do Código do Processo Civil”, porquanto, explica-se no despacho: “Analisado o requerimento executivo, e, bem assim, o título dado à execução, verifica-se que não vem alegada qualquer factualidade quanto às concretas obrigações, quer do exequente quer do executado emergentes do invocado contrato ou geradora do incumprimento, sendo absolutamente omisso quanto à causa de pedir”.
A Caixa Geral de Depósitos, SA pronunciou-se defendendo que resulta de forma clara e inequívoca dos factos descritos no Requerimento Executivo e da documentação junta, nomeadamente das cláusulas contratuais e das cartas de interpelação remetidas ao Executado, que estava em causa o pagamento de prestações mensais e sucessivas do empréstimo efetuado ao executado que este não pagou. Que “os factos concretos invocados pela Exequente com vista a obter o pagamento integral dos valores em incumprimento, acrescidos dos montantes despendidos para cobrança do seu crédito, resultam da menção (na secção “factos” do Requerimento Executivo) ao contrato de mútuo celebrado, do qual resultou o empréstimo da quantia de € 2.500,00, e o posterior incumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo Executado, nomeadamente o pagamento das prestações mensais e sucessivas às quais o mesmo se encontrava obrigado”.
Mais refere que o valor de “outras quantias” diz respeito ao valor das comissões devidas pelo Executado, nos termos da Cláusula 14ª do Contrato junto como Doc. 1 com o Requerimento Executivo.
Concluiu, por isso, que se encontram alegados os factos que compõem a causa de pedir.
O Tribunal a quo por decisão de 13-04-2024, ao abrigo da disposição do artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC, julgou verificada a ineptidão do requerimento de execução, que indeferiu liminarmente e declarou extinta a execução.
Diz-se na decisão recorrida, que:
“No âmbito do processo executivo, o vício de nulidade do processado com fundamento na ineptidão do requerimento executivo ocorre quando a causa ou o fundamento da obrigação exequenda não consta do título dado à execução [cfr. artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil], vício que, por constituir exceção dilatória insuprível/insanável e, nessa medida, insuscetível de conduzir a qualquer convite ao aperfeiçoamento, nesta forma de processo, conduz ao indeferimento liminar do requerimento executivo ou à extinção da execução nos termos previstos nos artigos 726.º, n.º 2, alínea b) e 734.º, ambos do Código de Processo Civil. (…) analisado o requerimento injuntivo dado à execução (para o qual o requerimento executivo remete), verifica-se, pois, que nele não se mostram alegados os factos essenciais que fundamentam a obrigação exequenda e que, in casu, respeitam ao invocado contrato de mútuo celebrado entre a exequente e o executado.
Na verdade, do requerimento injuntivo consta apenas alegado o número do contrato, a data da sua celebração e no requerimento executivo vem completada aquela alegação, aduzindo a exequente que entregou ao executado, a título de empréstimo a quantia de € 2.500,00, sendo as demais asserções constantes quer do requerimento injuntivo quer do executivo puramente conclusivas, nada tendo sido alegado quanto às concretas obrigações emergentes do invocado contrato de mútuo para o aqui executado enquanto fonte da obrigação pecuniária exigida, nem quanto às concretas prestações que deixou de cumprir por referência à quantia reclamada, a data do respetivo vencimento. (…)
Analisado o requerimento injuntivo, a exequente apenas alega o tipo de contrato celebrado, a data da celebração, o seu número, a data da resolução e a quantia em dívida, tendo apenas complementado a sua alegação já no requerimento executivo, quanto à obrigação da exequente, não alegando, porém, as cláusulas essenciais do contrato, nem as circunstâncias da mora e do incumprimento definitivo, sendo certo que a junção de documentos e a sua remissão para os mesmo não supre o ónus da alegação, consagrado no artigo 5.º do CPC – [vide, neste sentido, entre muitos, o Ac. TRL de 10-11-2022, proc. n.º 119177/21.9YIPRT.L1-6; o Ac. TRE de 12-05-2022, proc. n.º 59047/21.5YIPRT.E1 e o Ac. TRE de 12-07-2023, proc. n.º 30531/22.5YIPRT-A.E1].
Face ao exposto, não se mostrando alegado o conteúdo do referido contrato (sendo que a obrigação pecuniária emergente de contrato tem por fonte o concreto acordo celebrado entre as partes, nos termos do disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil), e, bem assim, quaisquer factos geradores do incumprimento conclui-se que o requerimento de injunção é omisso relativamente aos factos essenciais que integram a causa de pedir. (….)
Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de absolvição da instância, por ineptidão do requerimento de injunção.
Tal matéria, porque acarreta exceção dilatória de conhecimento oficioso, pode ser conhecida em sede execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tenha sido atribuída força executiva por secretário judicial.
Em face do exposto, é forçoso concluir que o requerimento injuntivo e consequentemente o executivo está ferido de ineptidão, vício que, por insuscetível de ser sanado mediante a junção de documentos, conduz ao seu indeferimento liminar e subsequente extinção da execução ao abrigo das disposições legais citadas supra”.
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A exequente, inconformada com o assim decidido, interpôs o presente recurso, finalizando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
A. No exercício da sua atividade, a Apelante celebrou, em 31.10.2019, com o Executado (…), um Contrato de Mútuo, celebrado por documento particular, ao qual foi atribuído o n.º de operação PT (…);
B. O contrato mencionado não constitui título executivo per si nos termos do artigo 703.º, n.º 1, do CPC;
C. Pelo que, para dar cumprimento à alínea d) do referido artigo, veio a Apelante iniciar um procedimento de injunção nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 1.º e 7.º, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro;
D. Iniciado o mesmo, veio a secretaria dar cumprimento ao disposto no artigo 12.º, n. º 1, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, notificando o Requerido para em 15 dias pagar a quantia peticionada ou deduzir oposição;
E. Acontece que o Requerido, regularmente citado, não deduziu qualquer oposição pelo que resultam confessos os factos alegados no Requerimento injuntivo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC, que estabelece o seguinte: 1- ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. 2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito;
F. Foram alegados os factos que deram origem à injunção descritos no ponto 8 das presentes alegações;
G. Pelo que, em suma, a não dedução de oposição ao supra exposto resulta em confissão por parte do Requerido que: Celebrou com a Apelante, no dia 31.10.2019, um contrato de mútuo ao qual foi associado a operação PT (…), que se encontrava em situação de incumprimento perante a Apelante; que rececionou carta de interpelação a 16.08.2023 e carta de perda do benefício do prazo a 01.09.2023; que no dia 17.10.2023 se encontrava em dívida perante a Apelada no montante de € 3.542,65, acrescido da respetiva taxa de justiça, desdobrando-se nos seguintes termos: Capital: € 2.177,28, Juros de mora vencidos entre 30.06.2020 e 17.10.2023 à taxa contratual: € 909,37; Outras quantias: € 456,00, Taxa de justiça: € 76,50 e que se assume responsável por todas as despesas em que a Apelante incorra para efeitos da boa cobrança do seu crédito;
H. Assim, considera a Apelante que deu o devido cumprimento ao disposto no artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, tendo discriminado os valores peticionados e, de forma sucinta, os factos que originaram o respetivo procedimento, bem como os demais elementos presentes no mencionado artigo;
I. No seguimento normal do procedimento, e considerando a correta citação e ausência da oposição por parte do Requerido, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, conferindo à Apelada a posse de título executivo válido e suficiente para instaurar a presente ação executiva;
J. Determina o Tribunal da Relação de Lisboa que a causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo;
K. No mesmo sentido, veio o Tribunal da Relação de Coimbra afirmar que a causa de pedir é o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir (…) A figura da ineptidão da petição inicial implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objeto inteligível;
L. Ora, na mesma lógica do procedimento de injunção o artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC vem apenas exigir uma exposição sucinta dos factos que fundamentem o pedido, quanto não constem do título executivo;
M. Foram alegados os factos essenciais que motivaram o envio do requerimento de injunção, nomeadamente, a existência de uma relação contratual, em concreto um mútuo bancário, celebrado entre as partes, a existência de uma situação de incumprimento com as prestações contratadas, desde 30.06.2020, data em que se iniciou a contagem de juros de mora, bem como a menção ao conhecimento prévio da divida por parte do Requerido mediante cartas dirigidas ao mesmo;
N. No requerimento executivo foram novamente expostos os fundamentos da causa de pedir, melhor discriminados no ponto 17;
O. Factos esses que foram comprovados documentalmente com a junção dos documentos enumerados no ponto 18;
P. Ora, conforme evidenciado no primeiro ponto da petição inicial a Apelada veio dar por integralmente reproduzido todo o teor do contrato junto aos autos;
Q. Do contrato peticionado resulta evidente o seguinte: número da operação associada (cláusula 3), finalidade do mútuo (cláusula 4), tipo de crédito (cláusula 6), montante contratado (cláusula 7), prazo de amortização (cláusula 8), taxas de juro aplicáveis (cláusula 10), pagamento de juros e capital (cláusula 12), comissões (cláusula 14), capitalização de juros (cláusula 17), responsabilidade do mutuário pelas despesas em que a Apelante incorra (cláusula 18), consequência do incumprimento (cláusulas 19 e 22 ) e confissão de divida pelo mutuário (cláusula 25);
R. De acordo com o Professor Dr. António Abrantes Geraldes, se ao abrigo do disposto no CPC de 1961, caracterizado por um maior rigor formal, já era maioritária a tese que admitia a alegação de factos por referência a documentos simultaneamente apresentados com o respetivo articulado, a nova filosofia inerente aos princípios orientadores da reforma processual e a concretização normativa a que foram sujeitos toma ainda mais defensável a conclusão acerca da admissibilidade da alegação por remissão para documentos, desde que destes resulte qual o facto neles demonstrado que se procura invoca;
S. Por tudo o referido, o tribunal dispõe dos factos essenciais que originam e fundamento o pedido de pagamento de quantia certa;
T. Acresce ainda que os valores peticionados se encontram devidamente discriminados, tanto no requerimento de injunção, conforme demonstrado, como em sede de liquidação na petição inicial;
U. Ademais, sempre se refira, que faz parte integrante da carta dirigida ao mutuário, junta como doc. 2 à petição inicial, uma posição de divida datada de 16.08.2023 onde discrimina os valores devidos;
V. Conforme refere o Professor Dr. Lebre Freitas, na execução fundada em requerimento de injunção, a obrigação exequenda, que é a causa de pedir deve constar do título, embora não se circunscreva a esta, e é pelo título presumida. Daqui resulta que se o documento apresentado é um título executivo, o exequente só deve fazer uma exposição de factos que fundamentam o seu pedido quando seja necessário realçar a conformidade substantiva da obrigação exequenda com o título, já que sendo evidente a sua força executiva, o Juiz (e, o agente de execução de igual modo) não pode, em princípio, pretender analisar ex officio a causa de pedir da injunção (prévia à formação do título) para, concluindo pela sua falta (ineptidão) ou qualquer outra nulidade, estender esse vício à causa de pedir executiva;
W. Vem ainda o Tribunal da Relação de Coimbra assumir que numa ação executiva para pagamento de quantia certa, tendo como título uma injunção a que foi conferida força executiva, não é inepto o requerimento executivo que remete para o título executivo;
X. Efectivamente, o procedimento de injunção prosseguiu os seus normais trâmites, pelo que se presume que se encontra assente que este continha os requisitos elencados no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 269/98, nomeadamente uma exposição sucinta dos factos conforme também exigido em sede executiva;
Y. Pelo que o presente requerimento de injunção e requerimento executivo não padecem de qualquer nulidade, não sendo admissível a sua ineptidão.
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O executado foi citado para os termos do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 641.º, n.º 7, do Código do Processo Civil, mas não ofereceu contra–alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir:
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2. Âmbito do Recurso:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC), importa apreciar:
2.1. Se se verifica nos autos a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento executivo que conduziu à extinção da execução, conforme decidido pelo Tribunal a quo;
2.2. E, caso assim se não entenda, a também aflorada extinção da execução com fundamento na falta de causa de pedir do requerimento de injunção.
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3. Fundamentação de facto:
Resultam dos autos os seguintes factos, com relevância para apreciação do recurso:
1) No dia 01-02-2024, Caixa Geral de Depósitos apresentou requerimento executivo com a finalidade “Pagamento de Quantia Certa – Dívida Civil (Cível (local)).
2) Juntou como título executivo o requerimento de injunção n.º 120533/23.YIPRT com data de entrega de 26-10-2023, a que foi atribuída força executiva no dia 11-12-2023, e que contém a seguinte “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”:
"1. A Requerente dedica-se à atividade bancária.
2. No dia 31.10.2019, o Requerido, (…), na qualidade de mutuário, celebrou com a Requerente um Contrato de Mútuo, ao qual foi atribuído o n.º PT (…).
3. Sucede que, tendo sido verificado o incumprimento do contrato em apreço o Requerido foi devidamente interpelado para pagamento das prestações em dívida, por carta registada datada de 16.08.2023 e interpelada da perda do benefício do prazo, por carta registada datada de 01.09.2023.
4. As várias diligências realizadas pela Requerente resultaram infrutíferas, permanecendo, até à presente data, um valor em dívida.
5. Face ao exposto, o Requerido deverá ser condenado no pagamento à Requerente do montante total de € 3.542,65 (três mil, quinhentos e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida taxa de justiça e juros vincendos até ao efetivo e integral pagamento.
6. Nos termos do artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, serão devidos juros compulsórios à taxa prevista de 5%.
7. Acresce que, o Requerido será igualmente responsável por todas as despesas em que a Requerente incorra para efeitos da boa cobrança do seu crédito.”
3) No requerimento executivo, sob «Factos», alega a exequente que:
"1. A Exequente dedica-se à atividade bancária;
2. No exercício da sua atividade, a Exequente celebrou, em 31.10.2019, com o Executado (…), um Contrato de Mútuo, celebrado por documento particular, ao qual foi atribuído o n.º de operação PT … (Cfr. Doc. 1 que, tal como os restantes documentos juntos, se dá por integralmente reproduzido);
3. Na data da perfeição do contrato foi entregue ao Executado, a título de empréstimo, a quantia de € 2.500,00;
4. O Executado entrou em incumprimento do contrato supra identificado, tendo sido endereçada carta de interpelação a pagamento datada de 16.08.2023, que ora se juntam (Cfr. Doc. 2);
5. Nesta sequência, no dia 01.09.2023, através de carta enviada ao Executado, a Exequente informou da existência de € 3.550,74 em incumprimento, solicitando a sua regularização, sob pena da perda do benefício do prazo (Cfr. Docs. 3 e 4);
6. Atendendo à permanência da situação de incumprimento veio a Exequente dar início ao procedimento de injunção que é a base da presente execução;
7. O Executado regularmente citado em nada se veio opor pelo que os factos alegados em sede de requerimento de injunção devem ser considerados factos provados mediante confissão, nos termos e para os efeitos do artigo 574.º, n.º 2, do CPC;
8. Ora, o crédito do Executado encontra-se vencido;
9. Nos termos do artigo 829.º-A do CC venceram-se juros à taxa de 5%, desde 12.12.2023 até à presente data, no valor de 25,28€ pelo que aqui se peticiona a quantia de € 3.644,43, sendo que vencerão juros nos termos referidos até efetivo e integral pagamento; 10. Aos valores peticionados acrescerão ainda as despesas em que a Exequente incorra para a boa cobrança do seu crédito, incluindo despesas com Agente de Execução nos termos e para os efeitos dos artigos 721.º e 541.º do CPC.”.
4) A exequente juntou ao requerimento executivo, para além do requerimento de injunção:
- “Contrato de Empréstimo para consolidação de dívida resultante de operações de crédito pessoal ao consumo” datado de 31-10-2019, subscrito pela exequente e pelo executado, com um “plano financeiro”.
- Carta datada de 16-08-2023, comunicando que, encontrando-se 38 prestações em atraso, o valor do montante do incumprimento ascende a € 3.330,88.
- carta de 1 de setembro de 2023, comunicando que encontrando-se 39 prestações em atraso, a Caixa invoca a perda do benefício do prazo e considera antecipadamente vencida toda a dívida no valor de € 3.550,74.
- Aviso de receção.
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4. Fundamentação de direito:
4.1. Da ineptidão do requerimento executivo por omissão da causa de pedir
Como já se referiu a primeira questão a apreciar é a de saber se ocorre ineptidão do requerimento executivo que conduziu à extinção da instância executiva, ao abrigo do disposto no artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, conforme decido pelo Tribunal a quo.
O requerimento executivo é a petição dirigida ao Tribunal, com que se dá início ao processo executivo, ou seja, ao processo através do qual o exequente/credor satisfaz a prestação que o executado/devedor não cumpriu.
O artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC, citado na decisão recorrida, prevê que o juiz, em despacho liminar, indefira o requerimento executivo quando ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.
No caso concreto, a exceção dilatória insuprível que o Tribunal a quo verificou foi a ineptidão do requerimento executivo, que ocorre nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 2, ex vi do artigo 551.º, n.º 1, do CPC,
“a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.”
Embora a sentença recorrida não o mencione expressamente, está em causa a citada alínea a), porquanto diz-se na sentença que “a injunção é omissa relativamente aos factos essenciais que integram a causa de pedir” e “é forçoso concluir que o requerimento injuntivo e consequentemente o executivo está ferido de ineptidão (…)”.
Nos termos do disposto no artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, “No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constam do título executivo ….”
Conforme explica Abrantes Geraldes em Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., 2.ª edição, Almedina, pág. 207, “A causa de pedir nas ações executivas é constituída pelos factos que consubstanciam a relação de crédito onde o autor fundamenta o direito à prestação de quantia certa, de coisa certa ou de facto positivo ou negativo, necessariamente demonstrada pelo documento que constitui o título executivo e que determina o conteúdo (fins e limites) da ação executiva”.
E Joel Timóteo Pereira in “Execução de injunção: questões controvertidas na instauração e na oposição” – Revista Julgar, 2018, pág. 11, propugna que “Tratando-se de uma execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, a acção executiva funda-se precisamente nesse título, mas a causa de pedir é a obrigação de pagamento conforme esteja inscrita no requerimento de injunção. Estando, contudo, em sede de uma fase executiva, qualquer apreciação sobre a causa de pedir terá de circunscrever-se a esta obrigação de pagamento e não sobre os fundamentos que tenham sido invocados no procedimento de injunção, pois neste não chegou a existir qualquer fase declarativa. Assim sendo, na execução fundada em requerimento de injunção, a obrigação exequenda (causa de pedir) tem de constar do título (ainda que não se circunscreva a este stricto sensu) e é pelo título presumida. Daqui resulta que se o documento apresentado é um título executivo, o exequente só deve fazer uma exposição de factos que fundamentam o seu pedido quando seja necessário realçar a conformidade substantiva da obrigação exequenda com o título, já que sendo evidente a sua força executiva, o Juiz (e, o agente de execução de igual modo) não pode, em princípio, pretender analisar ex officio a causa de pedir da injunção (prévia à formação do título) para, concluindo pela sua falta (ineptidão) ou qualquer outra nulidade, estender esse vício à causa de pedir executiva.”
No acórdão do STJ de 20-02-2014, Proc. n.º 22577/09.5YYLSB-A-1.S1, publicado in www.dgsi.pt (página onde estão acessíveis todos os acórdãos que se citam no presente acórdão) concretiza-se que: “o título executivo é condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas a causa de pedir na acção, não é o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não [28].
Podendo também dizer-se que a causa de pedir é um elemento essencial de identificação da pretensão processual ao passo que o título executivo é um instrumento probatório especial da obrigação exequenda [29].”.
Finalmente, esclarece-se, ainda, no recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-05-2023, proferido no Processo n.º 22108/18.6T8LSB-A.L1.S1 que:
“A causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objectiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente a absolvição, não da instância, mas do pedido.”
Da análise do requerimento executivo, verificamos que:
Na descrição dos factos diz a exequente que:
- Dedica-se à atividade bancária;
- No exercício da sua atividade, celebrou, em 31-10-2019 com o executado um contrato de mútuo, por documento particular ao qual foi atribuído o n.º (…).
- Na data da perfeição do contrato foi entregue ao executado, a título de empréstimo a quantia de € 2.500,00.
- O executado entrou em incumprimento do contrato;
- A 16-08-2023 foi-lhe endereçada carta de interpelação para pagamento;
- No dia 01-09-2023 foi enviada nova carta informando-o da existência de € 3.550,74, em incumprimento, solicitando a sua regularização, sob pena de perda do benefício do prazo.
- Atendendo à permanência da situação de incumprimento deu início ao procedimento de injunção que é a base da execução.
Ao requerimento executivo foi junto o documento escrito que titula o contrato e ainda ambas as cartas remetidas (a de interpelação para pagamento das prestações em dívida e a da invocação da perda do benefício do prazo). Nestes documentos consta, além do mais, o valor entregue, a título de empréstimo, o valor do montante total imputado ao executado, que o valor do empréstimo seria reembolsado em prestações (48), o valor de cada uma destas (€ 64,02) e o número de prestações em atraso (já eram 38 quando foi enviada a primeira carta e 39 quando foi invocada a perda do benefício do prazo).
Foi também junto o título executivo: o requerimento de injunção, com a fórmula executória aposta, donde emana a imposição de pagamento da quantia de € 3.619,15.
Ora, desta exposição resulta que a causa de pedir da ação executiva foi invocada, pois está alegado o fundamento do pedido de pagamento do valor de € 3.644,43: os factos consubstanciadores de um contrato de mútuo devidamente identificado, cujo incumprimento levou o exequente a apresentar um requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e que faz presumir a existência do direito de crédito e do correlativo dever de prestação material.
Saber se efetivamente o invocado como causa de pedir no requerimento executivo corresponde ou não à causa de pedir constante do título já é outra questão, questão relacionada com a exigibilidade, suficiência e/ou inexistência do título.
Por conseguinte, porque foi invocada uma causa de pedir no requerimento executivo não se pode concluir, como se conclui na sentença, pela ineptidão do requerimento executivo, com fundamento na omissão de causa de pedir.
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2.2. Da extinção da execução com fundamento na falta de causa de pedir do requerimento de injunção.
Situação distinta e suscetível também de conduzir à extinção da execução é a invocada nulidade do título por ineptidão do requerimento de injunção.
Com efeito, diz-se na sentença recorrida, ainda que para fundamentar a ineptidão do requerimento executivo, que:
“Caso tivesse sido submetido a apreciação jurisdicional, deveria ter tido lugar um juízo de absolvição da instância, por ineptidão do requerimento de injunção.
Tal matéria, porque acarreta exceção dilatória de conhecimento oficioso pode ser conhecida em sede de execução cujo título executivo é o requerimento injuntivo.”.
Dispõe o artigo 857.º, n.º 3, do CPC, que prevê os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção que: “Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento na ocorrência de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.”. Também o artigo 14.º-A do Regime anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de setembro sobre o “Efeito cominatório da falta de dedução de oposição ao procedimento de injunção” prescreve no n.º 2 que a preclusão – dos meios de defesa – prevista no n.º 1 “não abrange: a) (…) a ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.
Do exposto resulta que ainda que o requerido/executado não deduza oposição no procedimento de injunção e seja, em virtude desse facto, aposta a fórmula executória ao requerimento de injunção o executado pode deduzir oposição à execução com fundamento nas exceções dilatórias de conhecimento oficioso, como sucede no caso da nulidade do procedimento de injunção com fundamento na ineptidão do requerimento injuntivo.
Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, À Luz do Código Revisto, 2ª ed., pág. 64, refere que a obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida, embora tal presunção possa ser ilidida, designadamente, através da oposição à execução.
Ou seja, a ineptidão do requerimento de injunção porque conduz à nulidade do processo que é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso consubstancia um vício em si que dá lugar à procedência da oposição e extinção da execução (e não como se refere na sentença à ineptidão do requerimento de injunção).
Aliás, assim se tem decidido em diversos acórdãos, que se pronunciam sobre a oposição à execução em que o embargado/executado invoca, precisamente em sede de oposição à execução, a exceção de ineptidão do requerimento de injunção:
- acórdão de 21-06-2022, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 3052/21.6T8MAI-A.P1:
“Nos presentes autos o Embargante invocou nos embargos a nulidade da injunção por falta de causa de pedir.
O n.º 3 do artigo 857.º do CPC na redação anterior aplicável, previa já como fundamento de oposição à execução, que podiam ser invocados fora da situação de justo impedimento a ocorrência de forma evidente, no procedimento de injunção, de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
O actual 857.º, n.º 1, ao remeter para o artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, nomeadamente para o n.º 2, alínea a), exclui a preclusão em caso de “ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso”, que não carecem já de ser de ocorrência de forma evidente. A lei não dispensa o requerente de invocar no requerimento de injunção os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, para que se compreenda o negócio que está na origem do litígio, apenas flexibilizando a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
III- Ocorre nulidade do processo de injunção, se o requerente, no requerimento de injunção se limita a invocar o incumprimento de um contrato de empreitada, remetendo os valores em dívida para os autos de medição que identifica. (…) com a consequente extinção da execução.”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-02-2024 – Processo n.º 2559/23.5T8VNF-A.G1 que considerou: “A ineptidão do requerimento de injunção configura fundamento específico de oposição à execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória – artigo 857.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil e artigo 14.º-A, n.º 2, alínea a), segunda parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, por ser exceção dilatória de conhecimento oficioso (artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 278.º, alínea b), 577.º, alínea b) e 578.º do Código de Processo Civil). Encontram-se já elencados elementos fácticos que não se resumem à alegação de um incumprimento do pagamento do preço do contrato de empreitada, remetendo para os autos de medição que identifica.
Não se verifica, desta forma, uma omissão de factos de tal modo vasta e gravosa que comprometesse o direito ao contraditório da executada, se o quisesse ter exercido na sede própria – no processo injuntivo.”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-02-2023 (Processo n.º 102/08.5TBMTL-B.E1) decidiu-se que: “A ineptidão do requerimento injuntivo invocada pelo recorrente constitui inclusivamente vício processual que seria do conhecimento oficioso do tribunal (cfr. artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 595.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil), e assim, podendo fundamentar a oposição à execução baseada em requerimento de injunção, como se explicou atrás, implica a consequente extinção da execução, nos termos do artigo 732.º, n.º 4, do CPC.”
No caso concreto, a exceção de nulidade do procedimento de injunção com fundamento na ineptidão do requerimento injuntivo, por omissão da causa de pedir, não foi deduzida pelo requerido/executado até porque o mesmo ainda não deduziu oposição à execução.
Ora, conforme se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2005 (Processo n.º 0531257): “O requerimento de injunção a que foi conferida força executiva constitui título bastante para fundamentar a execução, mesmo que dele não constem os fundamentos da pretensão, não se justificando que com base na sua falta, se indefira liminarmente o requerimento executivo, em apreciação não suscitada pelo executado. Constando do documento, a que foi conferida força executiva, a obrigação cuja prestação se quer ver cumprida coercivamente, o título faz presumir a existência dessa obrigação, não há motivo para indeferir liminarmente o requerimento executivo. O executado pode demonstrar em oposição á execução a inexistência da obrigação que o título demonstra com segurança mínima suficiente para se dar início à execução.”.
Porém, também se diz no recente acórdão do STJ de 09-07-2024 (Processo n.º 1591/17.2T8LOU-A.P1.S1) que “a ação executiva pressupõe a anterior definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto. Tal definição está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução por a sua formação reunir requisitos que a lei entende oferecerem a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.
O título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva (artigo 10.º, n.º 5, do CPC). Daí que a sua falta ou insuficiência constitua fundamento para o indeferimento liminar do requerimento executivo pelo juiz (artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC), para ulterior rejeição oficiosa da execução (artigo 734.º, n.º 1, do CPC) e para oposição à execução (artigo 729.º, alínea a), do CPC)”.
Por conseguinte, embora o Tribunal não tenha que apreciar oficiosamente da ineptidão do requerimento de injunção, neste processo executivo, importa que o Tribunal aprecie se a obrigação exequenda que se pretende executar é exequível por estar contida/prevista no título apresentado – artigo 729.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Ou seja, importa analisar se o próprio título executivo contém a obrigação exequenda, descrita no requerimento executivo.
Ora, analisado o requerimento de injunção verifica-se que o mesmo contém a obrigação de pagamento que foi levada ao requerimento executivo, discriminando os valores pedidos que se reportam a prestações não pagas no âmbito do contrato de mútuo que as partes celebraram no dia 31-10-2019 e que levaram a que o requerente/exequente invocasse a perda do benefício do prazo e peticionasse , por isso, todas as prestações em dívida no âmbito do contrato.
Sem prejuízo, sempre se dirá que, nos termos conjugados dos artigos 10.º, n.º 2, alínea d), do Regime Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de setembro e artigo 186.º, alínea a), do CPC, importa que o requerente, no requerimento de injunção, “exponha sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.
Salvador da Costa in A injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 8.ª edição, pág. 75, explica que: “não satisfaz a exigência legal de afirmação dos factos essenciais integrantes da causa de pedir a mera referência à celebração de contratos, certo que os factos em que eles se desenvolvem são as declarações negociais convergentes das partes.” E acrescenta na pág. 74 que “Os factos são acontecimentos que se identificam por via das respetivas circunstâncias de tempo, lugar, modo de ser e sentido jurídico. (…) Como a pretensão do requerente de injunção só é suscetível de derivar de contrato, a causa de pedir, embora sintética, tem de envolver o conteúdo das respetivas declarações negociais e os factos positivos e negativos reveladores do seu incumprimento.” (negrito e sublinhado nosso) e conclui o mesmo autor que não procedendo o requerente de injunção à descrição sucinta dos factos positivos e negativos em que baseia a sua pretensão “…. confrontar-se-á com a anulação de todo o processo, por causa da indefinição da obrigação contratual incumprida e, consequentemente, do objeto do caso julgado”.
Em suma, por força do preceituado no artigo 549.º do CPC será inepto, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do mesmo diploma, o requerimento de injunção em que falte ou seja ininteligível a causa de pedir, porquanto tal alegação é de manifesta importância para o réu se poder defender, para o juiz saber o que está em causa nos autos, isto é, o que as partes pretendem que seja dirimido na ação, e ainda para a definição da causa de pedir e do pedido, elementos estes de primordial importância à delimitação do âmbito do caso julgado e também à arguição de uma possível litispendência.
A nível da jurisprudência, com pertinência, importa citar:
- o Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, datado de 12-05-2022 , proc. n.º 59047/21.5YIPRT.E1, citado na decisão e publicado in www.dgsi.pt e que decidiu que:
“I - Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão não corresponde a uma simplificação ou incompletude na exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, mas sim ao resumo da sua essência.
II - É inepto por falta de causa de pedir, o requerimento de injunção em que (apenas) se alega, quanto ao facto jurídico concreto de que emerge o direito, que foi celebrado um contrato de crédito por escrito, que o pagamento devia ser feito em prestações e estas deixaram de ser pagas em determinada data e que ficou em dívida uma determinada quantia”.
- Por outro lado, o Acórdão do Tribunal da Relação do Évora de 20-04-2023 (Processo n.º 89278/22.4YIPRT.E1) que considerou que:
“Tendo a sociedade Autora invocado a celebração com a Ré de um contrato de transporte, cujo preço não foi pago, os elementos essenciais do negócio estão descritos no requerimento inicial. (…) Assim, não poderia aqui prevalecer uma visão redutora e formalista da falta de elementos da causa de pedir que conduzisse à ineptidão da petição inicial”.
Porque relevante para a distinção entre a deficiência que conduz à ineptidão e a deficiência que conduz à prolação de um despacho de aperfeiçoamento, importa ponderar o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-10-2013, proferido no Processo n.º 3464/22.8STR.E1, onde se explica que:
“ (…) ao demandante cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir – artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Temos, por um lado, os factos essenciais nucleares, aqueles que identificam ou individualizam o direito que se pretende exercer. Outros há que, “não desempenhando tal função, se revelam, contudo, imprescindíveis para que a ação proceda, por também serem constitutivos do direito invocado”[2] – são os factos essenciais complementares. “A falta destes últimos revelará uma petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas da exposição ou da concretização da matéria de facto.”[3]
A causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (artigo 581.º/4, do CPC), cumprindo ao autor que invoca a titularidade de um direito alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência desse direito. Acolhida que foi, no nosso ordenamento jurídico, a teoria da substanciação, cabe ao autor “articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa concreta causa de pedir. (…) A causa de pedir, servindo de suporte ao pedido, é integrada pelos factos (por todos os factos) de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão deduzida, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), (…).”[4]
Quando a narração fáctica inserta na petição inicial não permite alcançar qual é o fundamento de facto da pretensão de tutela jurisdicional formulada, não se identificando o tipo legal em que se alicerça o pedido por ter sido omitida a alegação de factos essenciais nucleares cuja função é a de individualizar a causa de pedir, ocorre ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir. Se a alegação, embora deficiente por ter sido omitida a alegação de factos complementares ou concretizadores que relevam para a procedência da ação, permite essa identificação, resultando dela a individualização da causa de pedir, a petição inicial não enferma de ineptidão, reclamando antes a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado, conforme previsto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC.”
Transpondo agora os ensinamentos mencionados para o caso dos autos, impõe-se averiguar se o requerimento de injunção em causa, no que se refere aos fundamentos da providência, nos termos em que foi preenchido pela requerente, integra “os factos essenciais nucleares cuja função é a de individualizar a causa de pedir”:
No que se refere às declarações negociais: diz-se que no dia 31-10-2019 foi celebrado entre a requerente, que é uma instituição bancária e o requerido, na qualidade de mutuário, um contrato de mútuo, ao qual foi atribuído o n.º (…).
Já no que se refere aos factos positivos e negativos reveladores do incumprimento: diz-se que “tendo sido verificado o incumprimento do contrato”, o requerido foi interpelado para pagar as prestações em dívida, por carta de 16-08-2023 e, que, em 01-09-2023 foi invocada a perda do benefício do prazo, também por carta registada.
Refere-se ainda que o requerido é responsável pelas despesas em que o recorrente incorra para efeitos de boa cobrança do seu crédito.
Do exposto é possível verificar uma deficiência na alegação de factos. Com efeito, como a pretensão do requerente de injunção só é suscetível de derivar de contrato, a mera referência ao nomen iuris do contrato – que aliás o cidadão comum desconhece – sem indicação das declarações negociais mostra-se insuficiente. Tal como para a verificação do incumprimento é insuficiente alegar que o requerido não pagou as prestações e que mantendo esse incumprimento foi invocada a perda do benefício do prazo.
No entanto, não se pode concluir que esta deficiência se reconduza à falta da causa de pedir. Com efeito, apesar de o invocado ser quase totalmente conclusivo ainda é possível ao tribunal compreender a razão do pedido: a celebração de um contrato de mútuo no dia 31-10-2019 com um número concreto, através do qual o exequente emprestou dinheiro e que o requerido se comprometeu a devolver em prestações, o que não fez.
Por outro lado e quanto ao executado, estando identificado o número do contrato e a data do contrato, o mesmo reconhece-o, ainda que possa não compreender exatamente o que é um mútuo e a razão exacta dos valores em causa. Por isso, não se encontrava o requerido impedido de se defender.
Aliás também não pode ser olvidado o facto de o contrato que foi junto aos autos e de onde consta a assinatura do requerido/executado resultar que o mesmo é denominado como “contrato de mútuo”.
Acresce que o invocado é suficiente para que sendo intentada outra ação peticionando os mesmos ou outros valores, o executado possa suscitar as exceções de caso julgado ou de litispendência, considerando que está individualizado o contrato através da indicação da data da sua celebração e do número do Contrato e está peticionado o cumprimento da totalidade das prestações em dívida, já que foi invocado a perda do benefício do prazo.
Ou seja, não há dúvida que o requerimento de injunção é deficiente quanto à alegação, mas essa deficiência não é de tal forma grave que comprometa o requerimento de injunção. E tanto assim é que o exequente, em sede de execução concretizou alguns factos e juntou documentos que precisaram o que está em causa no processo.
Em suma, inexiste omissão da causa de pedir que se reconduza à ineptidão do requerimento de injunção, suscetível de comprometer a execução.
Aliás, importa referir que o executado não deduziu oposição nem à injunção, nem à execução, nem mesmo contra-alegou, designadamente invocando falta de compreensão do alegado no requerimento de injunção ou desconhecendo qualquer empréstimo que lhe tivesse sido efetuado nos moldes descritos.
Concluímos, assim, que o requerimento de injunção embora deficiente não é inepto.
Por isso e, em suma, o invocado não obsta ao prosseguimento da execução.
*
4. Decisão
Por todo o exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se a sentença proferida.
Sem custas
Registe e notifique.
*
Évora, 21 de novembro de 2024
Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora)
Sónia Moura
Maria João Sousa e Faro (com voto de vencido)
Voto de vencido
Com todo o respeito pela solução que obteve vencimento, creio que a presente execução não poderia ter prosseguido porque o título executivo não se chegou a formar validamente.
Na verdade, exigindo a lei (artigo 10.º, n.º 1, d), do anexo do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro) que no requerimento injuntivo, o requerente exponha “sucintamente os factos que fundamentam a pretensão” isto terá necessariamente de significar que deverá alegar os fundamentos (de facto) que o levam a formular determinado pedido. Não preenche tal requisito um requerimento injuntivo que apenas faz alusão genérica a um contrato e ao seu incumprimento, não permitindo descortinar como foi alcançado em concreto o pedido formulado (de capital e juros).
Se foi aposta a fórmula executória, fora dos parâmetros legais, não se pode considerar ter ocorrido uma constituição válida do título executivo.
Por isso, na minha opinião, a execução não podia deixar de ter sido liminarmente indeferida (artigo 726.º, n.º 2, a), do CPC).
Maria João Sousa e Faro