Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
108/20.6T8FAR.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACIDENTE DESPORTIVO
CONFISSÃO
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - a carta enviada pela seguradora à Autora na qual assume a responsabilidade pelo sinistro configura uma confissão extrajudicial, que tem força probatória plena;
- a afirmação da Ré seguradora, em sede de contestação, de que assumiu a responsabilidade pelo sinistro e de que, por via disso, o que está em discussão no processo é o quantum indemnizatório a que a Autora tem direito, configura uma confissão judicial proferida por mandatário com poderes especiais para confessar, que tem força probatória plena contra o confitente;
- o conhecimento superveniente de algum facto poderá, eventualmente, ser relevante para a questão da invalidade da confissão; enquanto, porém, essa invalidade não estiver declarada, não pode a respetiva força probatória ser, sem mais, desconsiderada;
- o dano biológico, enquanto diminuição somático-psíquica do lesado, acarretando incapacidade sem repercussão direta ou indireta no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduzindo necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…) Seguros, SA
Recorrida / Autora: (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação proposta contra (…) Portugal, S.A. e (…) Seguros, S.A., com vista à condenação da R seguradora no pagamento de indemnização no montante de € 68.285,38 a título de danos patrimoniais e de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, no total de € 88.285,38, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, a Autora invocou ter sido atingida por bola de golfe proveniente do campo de golfe explorado pela Ré (…) Portugal, que dele é proprietária, entidade que transferiu a responsabilidade civil por danos decorrentes dessa atividade para a (…) Seguros. Esse evento provocou danos quer de natureza patrimonial quer de natureza não patrimonial que, na ótica da Autora, suportam o pedido deduzido contra a Ré seguradora, que declarou assumir a responsabilidade pelo sinistro.
A Autora juntou documento subscrito pela (…) Seguros, SA, com data de 12/10/2017 do qual consta, nomeadamente, o seguinte: «Após a devida instrução do presente processo de sinistro identificado em assunto, cumpre-nos informar que assumimos a responsabilidade pelo mesmo (…)».[1]
Em sede de contestação, a R seguradora afirmou ter assumido a responsabilidade pelo sinistro aqui em discussão, avançando que, «assim sendo, está em discussão neste processo o quantum indemnizatório a que a Autora tem direito»[2]. Impugnou a factualidade alegada pela A. Sustenta que a ação deve ser julgada parcialmente procedente, devendo a indemnização ser fixada em valor justo e razoável, inferior ao peticionado.
Mais deduziu incidente de intervenção de terceiros, pretendendo fazer intervir na ação (…), proprietário da moradia onde se encontrava a A. Invocou ter assumido a responsabilidade pelo sinistro que está em discussão nos autos (cfr. artigo 54º da contestação) mas que o responsável final pelas consequências resultantes do acidente é o proprietário da casa (cfr. art. 66º da contestação): são às dezenas as bolas que são recolhidas naquela propriedade, as árvores aí existentes são as únicas barreiras para evitar que as bolas de golfe atinjam a casa, as bolas passam por cima dos pinheiros entrando dentro da propriedade, pelo que se impunha que o proprietário tivesse edificado uma rede de proteção para assegurar condições de segurança na sua propriedade (cfr. artigos 57º a 64º da contestação).
O incidente de intervenção, a que se opôs a Autora, não foi admitido.
A Ré (…) Portugal apresentou-se a contestar, pugnando pela respetiva absolvição do pedido, impugnando a factualidade alegada na petição inicial.
A Autora apresentou-se a requerer a ampliação do pedido, pretendendo que o mesmo passe a incluir o seguinte:
- quanto à repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, a considerar no âmbito dos danos não patrimoniais, reclama quantia não inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros);
- no que se refere a ajuda medicamentosa, a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros);
- por tratamentos médicos regulares de fisioterapia, a quantia de € 12.600,00 (doze mil e seiscentos euros);
- por consultas médicas anuais de ORL, a quantia de € 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros);
- por tratamentos de fisioterapia postural, o montante de € 12.000,00 (doze mil euros).
A ampliação do pedido, embora impugnada, foi admitida.
A Ré (…) Seguros, SA apresentou articulado superveniente, pugnando pela total improcedência da ação. Invoca, para tanto, o seguinte:
- se bem que tenha assumido a responsabilidade pelo sinistro, só no decorrer da audiência final teve conhecimento de factos que desconhecia quando assumiu tal responsabilidade, e dos quais decorre que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada;
- por ordem do proprietário do lote onde se encontra implantada a moradia onde a Autora foi atingida teve lugar o corte de árvores de grande porte, com cerca de 15/20 metros de altura, que se encontravam quer no lote quer fora dele;
- o que teve lugar pela razão fútil de receber em casa mais luz solar;
- em face disso, os responsáveis da 1.ª Ré alertaram o proprietário daquele lote para os riscos do corte das árvores, que constituíam barreira natural de proteção das bolas de golfe;
- os responsáveis da 1.ª Ré exigiram ao proprietário daquele lote a adoção de medidas de minimização dos riscos, tais como a plantação de novas árvores e colocação de vedação com cerca de 1,80 metros de altura;
- factos que a 2.ª Ré desconhecia;
- as árvores plantadas levarão anos a atingir a altura de 15/20 metros;
- o proprietário do lote conhecia os riscos inerentes a ter a sua moradia na proximidade do campo de golfe, cabia-lhe adotar cuidados para cumprir as regras de segurança enquanto proprietário de moradia que fica junto a um campo de golfe;
- as árvores não podiam ter sido cortadas, muito menos sem autorização da 1.ª Ré;
- o proprietário do lote é o único responsável pelo acidente, cuja responsabilidade não pode ser imputada à 1.ª Ré.
A Autora sustentou que o articulado superveniente deve ser indeferido, impugnando, à cautela, a factualidade nele alegada.
O articulado superveniente foi admitido.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«a) condeno a ré (…) Seguros a pagar à autora (…) a quantia de € 1.565,94, a título de dano patrimonial, na vertente das despesas médicas, medicamentosas e transportes, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da citação até integral pagamento;
b) condeno a ré (…) Seguros a pagar à autora a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente de liquidação em execução de sentença, a título de dano patrimonial futuro, na vertente de despesas médicas, medicamentosas e com tratamentos que a autora venha a necessitar, com o limite do pedido de € 32.350,00;
c) condeno a ré (…) Seguros a pagar à autora a quantia de € 23.000,00, a título de dano patrimonial, na vertente de dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento;
d) condeno a ré (…) Seguros a pagar à autora a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até integral pagamento;
e) absolvo as rés do demais peticionado.»

Inconformada, a R Seguradora apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que a absolva do pedido. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«Impugnação da decisão de facto
Aditamento aos factos provados da matéria do artigo 11º do articulado superveniente
1. A R. propõe o aditamento aos factos provados (sob n.º 9.1) de um novo ponto com o seguinte teor:
“9.1. As novas árvores plantadas por (…) eram mais pequenas (1,5 – 2 metros) do que as que ele cortara e vão levar vários anos até atingir a altura destas, sendo que não era possível plantar árvores com a altura das que lá estavam.”
2. Essa matéria foi alegada no art. 11º do articulado superveniente e não é despicienda para a valoração da conduta da segurada da Ré., à luz da solução jurídica pugnada pela Ré.
3. A matéria cujo aditamento aos factos provados se reclama encontra suporte nos testemunhos prestados por … (ficheiro 20210518 141047_4091477_2870816.wma, passagem da gravação: 00:07:18 – 00:07:50) e … (ficheiro 20210518 143442_4091477_2870816.wma, passagem da gravação: 00:13:19 – 00:14:05).
4. A propõe que o n.º 45 dos factos provados assuma a seguinte redação, assim se restringindo a sua amplitude:
“45. A Autora passou a executar as tarefas diárias de forma pausada e sem pressa”.
5. Com efeito, não se vislumbra na prova testemunhal produzida qualquer referência à impossibilidade da A. de utilizar auscultadores (nem mesmo a A. o referiu nas suas declarações de parte – ficheiro 20210518 151020_4091477_2870816.wma – ou nas queixas que transmitiu ao INML, no âmbito da requerida perícia médico-legal – página 4 do relatório pericial de fls. 152 a 156).
6. A dificuldade no uso de telemóvel também não foi mencionada pela A. nas suas declarações de parte, nem nas referidas queixas ao INML (apenas o marido da A., …, aludiu, de forma visivelmente atrapalhada, à existência de dificuldades no uso do telemóvel no ouvido esquerdo, reconhecendo, depois, que a Autora é destra – ficheiro 20210518 110332_4091477_2870816.wma, passagens da gravação: 00:08:53 – 00:09:12 e 00:25:35 – 00:27:10), o que torna inverosímil aquela dificuldade.
7. Acresce que a expressão “utiliza o telemóvel com dificuldade” não tem cabimento numa decisão de facto, dado não ser factual, mas sim conclusiva.
8. Ainda que se optasse por incluir algo no n.º 45 dos factos provados quanto ao telemóvel, sempre se teria de restringir a dificuldade na sua utilização ao ouvido esquerdo, já que o marido da A. apenas referiu a existência de dificuldades desse lado.
 FP 46
9. Manda o rigor restringir a amplitude do n.º 46 dos factos provados, que deverá adotar a seguinte redação:
“46. A Autora evita conduzir à noite e em trajetos longos.”
10. Dizer que alguém “tem dificuldade” na realização de uma qualquer atividade é conclusivo, sendo que o que se espera encontrar numa decisão de facto são os factos concretos e objetivos reveladores dessa dificuldade.
11. Acresce que não se vislumbra nas declarações de parte da A. ou no testemunho do seu marido, (…), a menção à existência de dificuldades na condução quando está a chover.
 FP 47
12. Os testemunhos do marido e da tia da A. (este último de ouvir dizer), bem como as declarações de parte prestadas pela A., são manifestamente insuficientes para se julgar provado que a A. “Tem dificuldade … em viajar de avião”, sendo que fica a ideia que essas dificuldades se prendem, essencialmente, com a ansiedade e o nervosismo próprios de quem não se sente, nem nunca se sentiu (mesmo antes do sinistro) à vontade num avião (…, ficheiro 20210518 110332_4091477_2870816.wma, passagens da gravação: 00:11:52 – 00:12:21 e 00:19:24 – 00:21:53; …, ficheiro 20210518 120053_4091477_2870816.wma, passagem da gravação: 00:06:52 – 00:07:26; declarações de parte da Autora, ficheiro 20210518 151020_4091477_2870816.wma, passagem da gravação: 00:23:27 – 00:24:09).
13. O relatório do INML de fls. 152 a 156 não faz referência à necessidade da A. de se submeter a algum tratamento sempre que viajar de avião, sendo que a A. também não juntou aos autos qualquer relatório médico que aponte nesse sentido.
14. Acresce que o n.º 47 dos factos provados, na parte em que diz “…, toma medicação antes da viagem, utiliza tampões no ouvido e mastiga pastilha elástica, o que lhe causa náuseas e mau estar”, não encontra o mais pequeno suporte na prova produzida nos autos.
15. Assim, há que amputar o n.º 47 dos factos provados da parte desprovida de suporte probatório, ou seja, em que se diz que “Tem dificuldade … em viajar de avião, toma medicação antes da viagem, utiliza tampões no ouvido e mastiga pastilha elástica, o que lhe causa náuseas e mau estar.”
Da falta de preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos
16. A segurada da R. não praticou qualquer facto ilícito.
17. Com efeito, a segurada da Ré não perpetrou qualquer ação violadora do direito subjetivo da A. (à integridade física), pois não foi ela, nem ninguém por cujos atos respondesse, quem projetou a bola contra a A. (a bola mal direcionada que a atingiu proveio de uma tacada de um desconhecido praticante de golfe), ou criou as condições facilitadoras do sinistro ocorrido em 21.4.2017 (as árvores que formavam uma barreira natural entre o campo de golfe e o lote 29 foram cortadas pelo seu proprietário à data, …).
18. Também não há que falar de omissão (o tribunal a quo não aponta à R. a omissão de qualquer ato concreto que ela devesse ter praticado por força da lei).
19. A segurada da R. foi confrontada com um facto consumado, ou seja, a destruição da barreira física natural, formada por várias árvores de grande envergadura, entre o campo de golfe e o lote 29, a qual foi levada a cabo pelo já referido (…).
20. Os factos provados deixam perceber que a segurada da R. reagiu prontamente, no sentido de repor, na medida do possível, a situação anteriormente existente, obrigando o Sr. (…) a plantar novas árvores (ainda que, inevitavelmente, muito mais pequenas do que as que lá estavam) e colocando uma vedação com cerca de 1,80 metros de altura e plantando arbustos junto ao bloco de saída da bola destinada ao buraco 8 (FP 9, 9.1 e 13).
21. Além de não ter violado, por ação ou omissão, o direito da A. à integridade física, a segurada da R. também não violou qualquer disposição legal destinada à tutela de interesses alheios (note-se que o tribunal a quo não identifica os requisitos técnicos e de segurança, nem as normas que os contemplam, que, no seu entendimento, terão sido desrespeitados pela segurada da Ré).
22. Assim, também não parece ter havido ilicitude, por essa via.
23. À ausência de ilicitude alia-se a ausência de culpa.
24. O tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, pois a situação em causa nos autos não se enquadra na previsão do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil.
25. Com efeito o dano não foi causado pelo campo de golfe, ou seja, pela instalação desportiva propriedade da A., mas sim por um desconhecido praticante dessa modalidade, que nele jogava e cuja tacada dirigiu a bola contra a Autora.
26. Ainda que o tribunal a quo não haja (neste caso, bem) convocado a aplicação do n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil, sempre se dirá que a situação em causa também não tem enquadramento nessa disposição, pois a prática de golfe não configura uma atividade perigosa, para efeitos do ali disposto (assim se entendeu no Ac. do TRL de 16.4.2013 e no Ac. do STJ de 12.11.2013, ambos lavrados no Proc. 874/08.7TCSNT.L1.1).
27. Assim, a A. não beneficiava de qualquer presunção de culpa, pelo que lhe incumbia provar a culpa da segurada da R., nos termos do artigo 487.º/1, do Código Civil.
28. A decisão de facto revela que a A. não fez essa prova, já que é totalmente omissa sobre a possibilidade de implementação de medidas distintas e mais eficazes do que as implementadas pela segurada da Ré.
29. Face à impossibilidade de reconstituição natural (era impossível plantar árvores com a mesma altura das antigas), a reduzida altura das novas árvores não pode ser imputada à segurada da Ré.
30. Nem se diga que a omissão de diligência da segurada da Ré proveio do facto de esta, quando confrontada com a impossibilidade de reconstituição natural, não ter construído uma vedação com uma altura idêntica à das árvores cortadas, pois para tal seria necessário que a A. tivesse provado que a segurada da R. poderia ter procedido desse modo, ou seja, que lhe era, física e legalmente, possível construir entre o campo de golfe e o lote 29 uma vedação com 15 – 20 metros de altura (essa prova não só não foi produzida, como a prova testemunhal deixou sinais da inviabilidade dessa medida, pois a testemunha … aludiu à existência no alvará de loteamento de restrições de altura das vedações (ficheiro 20210518 141047_4091477_2870816.wma, passagem da gravação: 00:11:55 – 00:12:13), tendo, por sua vez, a testemunha … dado conta da impossibilidade de construção de vedações entre o campo de golfe e as moradias (ficheiro 20210518 143442_4091477_2870816.wma, passagem da gravação: 00:17:48 – 00:19:00).
31. As medidas mencionadas no n.º 13 dos factos provados – colocação de uma vedação de cerca de 1,80 metros de altura e plantação de arbustos junto ao bloco de saída da bola destinada ao buraco 8 – visavam travar logo à saída as bolas mal direcionadas (após a tacada, a bola vai ganhando altura progressivamente), pelo que estão longe de serem descabidas ou desprovidas de efeito útil.
32. A decisão de facto é manifestamente insuficiente para se concluir como tribunal a quo, ou seja, que a segurada da Ré, em face das circunstâncias do caso concreto, poderia e deveria ter agido de outro modo, adotando outras e melhores medidas; dito de outro modo, a decisão de facto não deixa perceber que medidas eram essas, que poderiam ter sido implementadas pela segurada da Ré para afastar o perigo criado pela conduta do proprietário do lote 29. Em coerência com a decisão de facto, também na parte da fundamentação jurídica, o tribunal a quo se abstém de identificar as medidas concretas que, no seu entender, poderiam ter sido adotadas e foram omitidas pela segurada da Ré.
33. Assim, os factos provados não permitem concluir que a segurada da Ré tivesse violado culposa e ilicitamente o direito da Autora, pelo que inexiste responsabilidade sua e, logo, da Ré.
 Quantum indemnizatório
34. Ainda que houvesse responsabilidade da segurada da Ré e, por via da apólice de responsabilidade civil, da Ré, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, os montantes indemnizatórios fixados a título de danos patrimoniais futuros (advindos do dano biológico) e não patrimoniais, nos valores de € 23.000,00 e € 20.000,00, respetivamente, num total de € 43.000,00, sempre pecariam por excesso.
35. É à luz da decisão de facto que deve ser determinado o modo de ressarcimento do dano biológico sofrido pela Autora.
36. A decisão de facto não deixa transparecer qualquer facto concreto do qual resulte que as sequelas da A. determinaram (ou poderão determinar) uma redução de rendimentos; pelo contrário, provou-se que a A. tinha 60 anos de idade à data do sinistro, era doméstica e que as suas sequelas não se repercutiram na (inexistente) atividade profissional (FP 1 e 57).
37. Assim, o tribunal a quo ficcionou os danos patrimoniais futuros.
38. Na absoluta ausência de prova da sua repercussão no património da A., as limitações sentidas pela A. na execução de algumas atividades quotidianas, fruto do seu dano biológico, não podem deixar de ser qualificados como danos não patrimoniais e assim compensados.
39. Não se ignora o objeto da Portaria n.º 377/2008, de 26.5, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.6, mas, dado o intuito uniformizador que lhe está subjacente e que os danos a indemnizar nestes autos têm a mesma natureza dos nela previstos, tal não impede o tribunal ad quem de, na fixação da compensação do dano biológico, olhar e ponderar os valores previstos no seu Anexo IV, sem renunciar, naturalmente, à faculdade de os adequar ao caso concreto, segundo um juízo de equidade tal como manda o artigo 496.º/4, do Código Civil.
40. Atento o disposto no artigo 8.º/3, do CC e as compensações que a jurisprudência das instâncias superiores tem vindo a fixar em casos análogos, e ainda que as sequelas da A. (consistentes em vertigens, cefaleias e ansiedade frequentes) não se repercutam no seu património, diferentemente no que se verifica na maioria dos casos sobre que incide aquela jurisprudência, a Ré admite que a equidade justifique um agravamento da compensação que resulta da aplicação dos critérios e valores orientadores da Portaria (€ 11.599,84) para o valor de € 13.000,00, que lhe parece bem mais ajustado à factualidade provada do que os € 23.000,00 atribuídos pela sentença recorrida a título de (ficcionados) danos patrimoniais futuros.
41. Quanto aos danos não patrimoniais complementares (isto é, que extravasam as consequências não patrimoniais do dano biológico), a quantia de € 20.000,00, em que a Ré foi condenada, é manifestamente exagerada, quando comparada com as compensações que a jurisprudência das instâncias superiores tem vindo a fixar a esse título em casos bem mais graves do que o da Autora, por envolverem fraturas, queixas álgicas mais intensas, défices funcionais temporários mais prolongados, cirurgias, dano estético, repercussões mais gravosas no quotidiano, dependência de terceiros, etc., sendo que, para se chegar a esta conclusão, basta atentar na jurisprudência convocada pelo tribunal a quo, a propósito da compensação do dano não patrimonial.
42. Ponderando o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, e refletido no artigo 8.º/3, do CC, que obsta a que sejam tratados distintamente sinistrados com lesões e sequelas idênticas, e os danos não patrimoniais complementares que transparecem dos factos provados, parece à Ré que se justifica uma redução do valor da condenação a esse título dos atuais € 20.000,00 para € 10.000,00.
43. Assim, a haver responsabilidade da Ré, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, os valores indicados nas alíneas c) e d) do dispositivo da sentença recorrida (€ 23.000,00 por danos patrimoniais futuros advindos do dano biológico e € 20.000,00 por danos não patrimoniais) deverão dar lugar a uma compensação única, no valor de € 23.000,00, a título de danos não patrimoniais, incluindo-se aqui as consequências não patrimoniais do dano biológico (€ 13.000,00) e os danos não patrimoniais complementares (€ 10.000,00).
44. Na sentença recorrida, o tribunal a quo aplicou erradamente o artigo 493.º/1, do CC e violou ou desconsiderou os artigos 483.º/1, 486.º, 487.º/1 e 2, 8.º/3, 494.º, 496.º/3 e 564.º/2, do CC, bem como o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.»

Em sede de contra-alegações, a Recorrida pugnou pela improcedência do recurso, devendo manter-se a sentença proferida. Invocou que inexiste fundamento para alterar a matéria de facto provada, que até se revelaria irrelevante, já que apenas está em discussão o quantum indemnizatório, e que a Recorrente não demonstrou serem excessivos os valores fixados em 1.ª Instância.
Recebido o processo neste Tribunal de 2.ª Instância, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre o regime inserto no artigo 358.º do CC e o impacto do mesmo nas questões suscitadas pela Recorrente, considerando o documento n.º 13 junto com a p.i. e o teor dos artigos 15.º e 16.º da contestação apresentada pela Ré seguradora (subscrita por ilustre mandatário munido de poderes especiais para confessar – cfr. fls. 67 verso).
A Recorrente apresentou-se a sustentar que, não obstante a carta que endereçou à A e o que fez constar na contestação, certo é que apresentou articulado superveniente onde afirmou que, em face dos factos apurados em sede de audiência de julgamento, de que não tinha conhecimento, não assume a responsabilidade pelo acidente. Afirma que a questão da responsabilidade é de direito, e não factual, que a responsabilidade da R. não pode advir do facto de, numa determinada fase do processo, ter assumido a responsabilidade, tanto mais que essa assunção de responsabilidade não foi acompanhada do reconhecimento das circunstâncias do sinistro, cuja desconhecimento a Ré declarou no artigo 4º da contestação, o que equivale à sua impugnação, nos termos do artigo 574.º/3, do Código de Processo Civil.

As questões suscitadas no presente recurso são as seguintes:
- da confissão da responsabilidade pela Ré seguradora;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da falta de fundamento para imputar responsabilidade à segurada da Ré seguradora;
- dos montantes indemnizatórios.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. A autora (…) nasceu no dia 23.03.1957 e é doméstica.
2. A ré (…) Portugal, S.A. é uma sociedade que tem por objeto, entre o mais, a exploração de atividades de animação turística, lúdicas, culturais, desportivas ou de lazer (cfr. doc. de fls.76 v.º/81, cujo teor se dá por reproduzido).
3. É proprietária, gestora e explora o campo de golfe denominado “(…)”, sito na Urbanização (…), Quinta do Lago, freguesia de Almancil, concelho de Loulé.
4. (…) era proprietário do Lote 29 da Urbanização (…), o qual faz estrema com o campo de golfe, cuja morada edificada se situa numa cota abaixo daquele campo, distando dessa estrema 10/15 metros.
5. O buraco 8 (anterior buraco 4) desse campo de golfe circunda esse Lote 29, dista mais de 30 metros da moradia, encontrando-se assinalado e com marcas de identificação “out of bounds”.
6. O campo de golfe encontra-se sinalizado e os respetivos limites são visíveis aos jogadores.
7. Em setembro de 2015 (…) procedeu ao corte de alguns pinheiros e um sobreiro, com cerca de 15/20 metros de altura, localizados no referido Lote 29 e no campo de golfe.
8. O que fez sem o conhecimento ou consentimento da ré (…) Portugal e para que a moradia obtivesse mais luz solar.
9. Os responsáveis da ré (…) ficaram surpreendidos e avisaram (…) dos riscos decorrentes do corte das árvores e exigiram que plantasse árvores junto à estrema.
10. As quais funcionavam como medida de proteção natural da moradia pois trata-se de um lote que, pela localização, se encontra sujeito a apanhar com bolas de golfe.
11. Sendo frequente recolher bolas de golfe no interior do Lote 29 provenientes do campo de golfe dos (…).
12. As quais, principalmente na tacada de saída, passam por cima dos pinheiros.
13. Após o corte das árvores os responsáveis da ré (…) colocaram uma vedação com cerca de 1,80 metros de altura e plantaram arbustos junto ao bloco de saída da bola destinada ao buraco 8 (antigo buraco 4) do campo de golfe.
14. No dia 21.04.2017, cerca das 16H30m, a autora encontrava-se no interior da moradia edificada Lote 29, a executar serviços domésticos.
15. Quando ao abrir uma janela localizada no primeiro andar da moradia foi atingida no sobrolho esquerdo por uma bola de golfe, proveniente do campo de golfe (…).
16. Em consequência do embate a autora sofreu um traumatismo direto da fronte/arcada supraorbitária esquerda, com hemorragia no olho esquerdo.
17. Recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Faro, onde foi examinada pelas 17h58m.
18. Após observação clínica foram colocadas gotas oftálmicas e efetuado tamponamento do olho esquerdo.
19. Foi diagnosticado traumatismo do olho esquerdo, com hemorragia conjuntival.
20. Teve alta no mesmo dia com recomendação de aplicar gotas que foram prescritas e manter tamponamento por 24 horas.
21. No dia 22.04.2017, por ter aumentado a dor e hemorragia, recorreu a consulta de oftalmologia do Hospital de Loulé.
22. Onde foi examinada e diagnosticada hemorragia intraocular esquerda e tensão ocular 9 mm Hg.
23. Foi medicada com gotas oftálmicas, sem tamponamento ocular, com indicação para manter tratamento durante 2 semanas.
24. Mantinha dores, sentia tonturas e pressão no ouvido e olho esquerdo.
25. Três semanas depois do embate dirigiu-se ao Centro de Saúde de Almancil, onde foi examinada pelo médico de família, o qual solicitou TC crânio.
26. Após resultado desta foi referenciada para consulta de neurologia.
27. No dia 20.05.2017 dirigiu-se ao Hospital de Loulé, onde foi examinada em consulta de neurologia.
28. O exame nada revelou de assinalável e foi-lhe recomendada a toma de medicação anti vertiginosa (betaserc).
29. Mantinha sintomas de pressão no ouvido, tonturas e vertigens.
30. Foi examinada em consulta de otorrinolaringologia no Hospital de Loulé em várias consultas.
31. No dia 08.07.2017, num dos exames complementares que realizou, foi observado síndrome vertiginoso recorrente tipo vertigem posicional paroxística benigna à esquerda na sequência de traumatismo craniano com bola de golfe.
32. Nessa ocasião ainda fez manobra de reposicionamento dos cristais otálitos, tipo manobra de Semont.
33. No dia 09.09.2017 foi solicitada a realização de exame de vídeonistagmografia porque mantinha quadro vertiginoso recorrentes apesar das múltiplas manobras.
34. No qual se apurou a existência no Parâmetro Unterberger ligeiro desvio para a esquerda; na Manobra de Hallpike positivo para a esquerda, ageotrópico com hiporreflexia esquerda; em Pr. de Perseguição movimentos oculares irregulares de baixo ganho; em Pr. Sacádica movimentos sacádicos irregulares; em Pr. Opto-Cinética resposta de baixo ganho; em Pr. Calórica realizadas a 30º e 44º, hiporreflexia esquerda, com síndrome vertiginosa recorrente com latero desvio esquerdo.
35. Por existir esta síndrome vertiginoso fez manobra de reabilitação embora com recidiva de vertigens.
36. No dia 23.01.2018 foi examinada em consulta de fisiatria e prescrita a realização de Exame de Ressonância Magnética Crânio-Encefálica, o qual realizou no dia 26.01.2018.
37. No dia 02.02.2018 foi examinada em consulta de Oftalmologia.
38. No dia 05.02.2018 foi submetida no Hospital CUF – Infante Santo, a um exame complementar de postumografia dinâmica, no qual foram detetadas “Equilíbrio – Valores baixos na prova 6 com queda; Análise Sensorial – componente visual baixo; Estratégia – Má estratégia de equilíbrio na prova 6; Centro de gravidade – Ligeiro desvio posterior”.
39. Concluindo o exame componente de preferência visual baixo a valorizar no quadro clínico da doente e com os dados da videonistagmografia.
40. Foram prescritos tratamentos com estimulações optocinéticas (5 sessões) e uma posturografia dinâmica de controle.
41. Nos dias 12, 13, 14, 15 e 16.11.2018 realizou os tratamentos no Hospital CUF – Infante Santo.
42. No dia 20.02.2018 fez consulta de fisiatria.
43. No dia 08.01.2019 deslocou-se a Lisboa para realizar posturografia dinâmica de controle.
44. No qual se concluiu melhoria na preferência visual após tratamento com estimulações optocineticas.
45. A autora passou a executar as tarefas diárias de forma pausada e sem pressa, utiliza o telemóvel com dificuldade e não consegue utilizar auscultadores.
46. Tem dificuldade na condução de veículos automóveis, evitando o período da noite ou quando chove, limitando-a a trajetos curtos.
47. Tem dificuldade a subir escadotes, em estender roupa, a baixar-se de repente e em viajar de avião, toma medicação antes da viagem, utiliza tampões no ouvido e mastiga pastilha elástica, o que lhe causa náuseas e mau estar.
48. Estas limitações deixam-na triste, deprimida, angustiada, afetam o seu humor, relacionamento social e descanso.
49. Na mudança da estação, sofre de dores no ouvido esquerdo e dores de cabeças mais fortes.
50. Tem necessidade de toma de mediação para controle de vertigens.
51. Antes do acidente era alegre e ativa.
52. Em consequência do embate a autora ficou a padecer de síndrome vertiginoso crónico, com latero desvio esquerdo, com perturbações de equilíbrio e cefaleias frequentes e de síndrome pós-traumático com ansiedade frequente.
53. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 20.11.2017.
54. O Período de Défice Funcional Temporário Total foi fixado em 30 dias.
55. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial foi fixado em 183 dias.
56. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica foi fixado em 14 pontos.
57. A Repercussão Permanente da Atividade Profissional não foi considerada.
58. O Dano Estético Permanente foi fixado no grau 0/7.
59. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer foi fixada no grau 3/7.
60. É considerada a necessidade de ajudas técnicas permanentes, designadamente ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajudas técnicas (Otorrinolaringologia / fisioterapia).
61. A ré (…) havia transferido a responsabilidade civil emergente da propriedade, exploração e manutenção do campo de golfe dos (…) e da prática de golfe efetuada pelos jogadores para a ré (…) Seguros, através da apólice n.º (…), cujo capital seguro é de € 1.500.000,00, com uma franquia de € 50,00 (cfr. apólice junta a fls. 59/60 e 82vº/91, cujo teor se dá por reproduzido).
62. A ré (…) participou à ré (…) o sinistro e esta abriu processo de averiguações.
63. Em 12.10.2017 a ré (…) Seguros comunicou à autora que assumia a responsabilidade pelo sinistro.
64. A ré (…) Seguros desconhecia os factos referidos em 7 quando assumiu a responsabilidade pelo sinistro.

B – O Direito
Da confissão da responsabilidade pela R seguradora
A Ré seguradora reconheceu, perante a Autora, que lhe incumbia responder pelos danos decorrentes do evento aqui versado, que fossem causados pelo embate da bola de golfe no sobrolho da Autora. Ao que procedeu no processo e fora dele, previamente a ele.
Ora, quem propõe uma ação judicial está adstrito a expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação – cfr. artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Ao que tem que proceder na petição inicial, sob pena de preclusão. “A petição inicial deve dar cumprimento ao ónus de alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, isto é, de todos os factos de cuja verificação dependa a procedência da pretensão deduzida, em conformidade com a previsão normativa aplicável”[3]. O ónus de alegação encontra-se expressamente consagrado no artigo 5.º do CPC.
Encontrando-se a Autora munida de declaração emanada da Ré seguradora na qual assumia a responsabilidade pelo sinistro, o que a Autora invocou em sede de petição inicial juntando o documento em causa, claro está que a Autora não cuidou de alegar os factos essenciais para demonstrar recair sobre a Ré seguradora a obrigação de indemnizar os danos sofridos.
Essa declaração configura uma confissão extrajudicial, que tem força probatória plena – cfr. artigos 352.º, 355.º, n.º 4 e 358.º, n.º 2, do Código Civil.
Em sede de contestação, a Ré seguradora afirmou assumir a responsabilidade pelo sinistro, afirmando que, por via disso, o que está em discussão no processo é o quantum indemnizatório a que a Autora tem direito – cfr. artigos 16.º e 16.º da contestação. Trata-se da confissão judicial, proferida por mandatário com poderes especiais para confessar (cfr. fls. 67 verso), que tem força probatória plena contra o confitente – cfr. artigos 352.º, 355.º, n.º 2 e 358.º, n.º 1, do Código Civil.
Atento o referido regime legal de natureza substantiva, regime esse que condicionou a atividade processual da A, é manifesto que a posterior declaração da R seguradora de que afinal, perante a aquisição de novos factos, não assume a responsabilidade pelo acidente não extingue, sem mais, as suas declarações confessórias, não reverte a impossibilidade de discussão no processo da responsabilidade pela indemnização dos danos decorrentes do sinistro. O conhecimento superveniente de algum facto poderá, eventualmente, ser relevante para a questão da invalidade da confissão; enquanto, porém, essa invalidade não estiver declarada, não pode a respetiva força probatória ser, sem mais, afastada.
Atente-se no sumário do Ac. TRP de 09/09/2013[4], ainda que circunscrito apenas à confissão extrajudicial:
I - Tendo a seguradora, em carta dirigida ao representante do lesado, assumido a culpa do condutor do veículo segurado e a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente, tal declaração tem a natureza de confissão extrajudicial, revestindo força probatória plena, nos termos do n.º 2 do artigo 358.º do Código Civil.
II. Na situação descrita torna-se irrelevante o facto de a confissão ter sido assumida numa fase negocial e de as partes não terem chegado a acordo quanto ao montante da indemnização, não podendo tal confissão ser ignorada ou esquecida pelo tribunal, que deverá recusar a (inútil) discussão da culpa, e passar diretamente à avaliação dos danos.
Veja-se ainda, no mesmo sentido, o Ac. do TRE de 29/04/2021[5] e Ac. TRL de 09/05/2019.[6]
Não se acompanha a posição da Recorrente ao sustentar que está em causa tão só uma questão de direito. Não obstante a apreciação da responsabilidade assumir, efetivamente, natureza jurídica, certo é que assenta na consideração de factualidade que retrate o circunstancialismo em que ocorreu o evento danoso. Ora, se desde logo a Ré seguradora assumiu a responsabilidade, o processo não foi instruído pela A com os elementos factuais relevantes para lançar essa discussão: da petição inicial consta a descrição do evento, a alegação de que a Ré seguradora comunicou assumir a responsabilidade (um único artigo integra o capítulo dedicado à “Responsabilidade da Ré … Seguros, SA”), passando a enunciar-se os danos sofridos; da contestação e em conformidade com a alegado nesta matéria pela Autora, consta a menção de que a questão submetida a juízo se reporta apenas ao montante indemnizatório.
Em face do exposto, a definição da responsabilidade pela eclosão do evento danoso não integra o objeto do presente processo, cabendo à Ré seguradora responder pelos danos dele decorrentes.

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A Recorrente pretende aditar ao rol dos factos provados a matéria do artigo 11.º do articulado superveniente, com a seguinte redação: As novas árvores plantadas por (…) eram mais pequenas (1,5-2 metros) do que as que ele cortara e vão levar vários anos até atingir a altura destas, sendo que não era possível plantar árvores com a altura das que lá estavam.
Trata-se de factualidade irrelevante em face do objeto do litígio, que se cinge ao apuramento do montante indemnizatório a cargo da Recorrente, pelo que se indefere a mencionada pretensão.
Relativamente ao n.º 45 dos factos provados, a Recorrente sustenta que deve passar a mencionar apenas que “A autora passou a executar as tarefas diárias de forma pausada e sem pressa”, excluindo-se que “utiliza o telemóvel com dificuldade e não consegue utilizar auscultadores.” Invoca a Recorrente que não foi afirmada por qualquer meio de prova a dificuldade de utilizar telemóvel e a impossibilidade de utilizar auscultadores. Já relativamente ao n.º 46, propugna a Recorrente que, em vez de se consignar que “tem dificuldade na condução de veículos automóveis, evitando o período da noite ou quando chove, limitando-a a trajetos curtos” deve passar a constar que “a A evita conduzir à noite e em trajetos longos.” E ainda relativamente ao n.º 47, onde se afirma que “tem dificuldade a subir escadotes, em estender roupa, a baixar-se de repente e em viajar de avião, toma medicação antes da viagem, utiliza tampões no ouvido e mastiga pastilha elástica, o que lhe causa náuseas e mau estar”, sustenta a Recorrente que deve antes dar-se como provado que “tem dificuldade a subir escadotes, em estender roupa, a baixar-se de repente.” Avança a Recorrente que, quer dos depoimentos que versaram estas matérias quer do relatório pericial e demais documentos que instruem os autos, não se alcança a afirmação dos referidos segmentos, que devem ser excluídos.
A Recorrida, por seu turno, sustenta que nesta matéria deve alcançar relevo a prova pericial.
Compulsado o relatório pericial, constata-se que nenhuma referência contempla quanto à dificuldade de utilização do telemóvel e à impossibilidade de utilização de auscultadores, nem sequer no âmbito das queixas apresentadas pela examinanda. Os demais meios de prova, a saber, as declarações prestadas pela Autora e os depoimentos testemunhas que versaram as sequelas de que a Autora ficou a padecer não revelam, de forma precisa e segura, que tais circunstâncias se verifiquem.
O que vale para as limitações que a Autora regista na condução e nas viagens aéreas dado que, efetivamente, não se alcança a afirmação segura e convicta da factualidade que a Recorrente aponta para excluir.
Assim, acolhe-se a pretensão da Recorrente, restringindo-se o teor dos n.ºs 45, 46 e 47 em conformidade com o alegado.

Da falta de fundamento para imputar responsabilidade à segurada da Ré seguradora
A Recorrente invoca, em sede de motivação de direito, que ocorre a falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, não teve lugar a prática de facto ilícito, não se afirmou a culpa, nem a Autora não tinha a seu favor qualquer presunção legal de culpa. Pugna, pois, pela sua absolvição do pedido.
Decorre, no entanto, do que se deixou exposto que, por via da confissão extrajudicial e da confissão judicial prestada pela Ré seguradora, a questão atinente à responsabilidade da Ré seguradora não admite discussão neste processo.
Assente está, portanto, que a Recorrente está adstrita a indemnizar a Recorrida pelos danos sofridos em consequência de ter sido atingida pela bola de golfe no sobrolho.

Dos montantes indemnizatórios
Na ótica da Recorrente, pecam por excesso os montantes arbitrados em 1.ª Instância relativamente aos danos patrimoniais, na vertente de dano biológico (€ 23.000,00) e aos danos não patrimoniais (€ 20.000,00).
Alega a Recorrente que o dano biológico só deve ser indemnizado como dano patrimonial se as sequelas determinarem perda efetiva da capacidade de ganho; de outro modo, ainda que implique um aumento de penosidade do trabalho, deve ser indemnizado como dano não patrimonial. Em face do quadro apurado (a idade da Recorrida à data do evento e as sequelas do mesmo – síndrome vertiginoso crónico, cefaleias e ansiedade frequentes sem repercussão nos rendimentos laborais) e dos critérios decorrentes da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, devidamente justados aos contornos do caso concreto, a Recorrente pugna pela fixação dessa indemnização no montante de € 13.000,00.
Ora vejamos.
Quer na doutrina quer na jurisprudência, vem sendo entendido que o dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social ou sentimental, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. E que esse dano é indemnizável de per se, como dano patrimonial futuro, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Tendo o lesado ficado com incapacidade permanente mas sem sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, deve aquela incapacidade relevar em termos de prejuízo funcional, ou seja, do chamado dano biológico.
No Ac. STJ de 27 de outubro de 2009[7], o dano biológico vem caracterizado como a diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida, ressarcível como dano patrimonial ou compensável a título de dano moral, tudo dependendo de apreciação casuística, em termos de verificação se a lesão lhe originou, no futuro, durante o período ativo da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. A mera necessidade de um maior dispêndio e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial, porque o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade – paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos – e da saúde, implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. Ora, tal agravamento, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade, nos termos do artigo 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.
No Ac. RC de 12/04/2011[8], pode ler-se que a incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial com reflexo na atividade em geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto “dano biológico” mas como dano patrimonial.
Do Ac. STJ de 21/03/2013[9] alcança-se que o dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.
O que decorre, desde logo, da circunstância de que “o estado de saúde normal é a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal.”[10]
No que respeita aos critérios a adotar para fixação do quantum indemnizatório, tem-se entendido que assentam na equidade, à luz do regime inserto no artigo 566.º, n.º 3, do CC. Porém, «a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, cuja prossecução implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial, e se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil»[11].
Ora, no caso em apreço apurou-se que a Recorrida não exercia atividade remunerada e que as sequelas registadas não têm expressão ao nível da quebra de rendimentos futuros. Assim, à luz de tais premissas, atenta a idade que registava, as lesões que sofreu, o quadro com que se confronta, padecendo de síndrome vertiginoso crónico com perturbações de equilíbrio e cefaleias frequentes e de síndrome pós-traumático com ansiedade frequente, que lhe acarretam um défice funcional permanente da integridade física de 14 pontos, com repercussão no seu bem-estar, nas atividades da vida diária, desportivas e de lazer e, bem assim, os critérios que vêm sendo adotados pela jurisprudência, afigura-se adequado fixar a indemnização pelo dano corporal / biológico sofrido na quantia de € 17.000,00 (dezassete mil euros).
Relativamente aos danos de natureza não patrimonial, a Recorrente sustenta que o quadro factual apurado implica em indemnização de valor não superior a € 10.000,00.
Ora vejamos.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - artigo 496.º do Código Civil. O montante adequado a indemnizá-los, nos termos do disposto no artigo 496.º, n.º 3, 1.ª parte e 494.º do CC, resultará de um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, bem como o grau de culpa daquele, sem esquecer os padrões geralmente adotados pela jurisprudência.
Estão em causa prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, importa atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização por tais danos, «sem embargo da função punitiva que, outrossim, reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indiretamente, esses danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar a havido sofrimento moral»[12]. Abrange, «nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de atividades agradáveis».[13] O valor da indemnização deve ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista[14], apurado segundo um juízo de equidade (artigo 496.º, n.º 3, do CC), efetivando a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem olvido do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), iluminador da uniformização de critérios, tendo em atenção os padrões de indemnização normalmente adaptados na jurisprudência em casos similares.[15]
Considerando toda a factualidade elencada que contende com tal questão, que traduz os padecimentos sofridos pela Autora, as consultas, exames e terapias a que se submeteu, as limitações com que passou a viver e as repercussões delas no seu estado anímico, nos períodos de descanso e nos relacionamentos sociais, o nulo grau estético que regista, as dores que continua a sentir, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior[16], afigura-se adequado fixar em € 10.000,00 (dez mil euros) a compensação a atribuir à Recorrida a tal propósito.

Procedem, assim, parcialmente as conclusões da alegação do presente recurso.

As custas recaem sobre a Recorrente e a Recorrida na proporção do decaimento – artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que vai alterada a decisão relativa à matéria de facto nos moldes supra enunciados, mais se revogando a decisão recorrida no que respeita aos montantes indemnizatórios fixados ao dano biológico, passando a cifrar-se em € 17.000,00 (dezassete mil euros), e aos danos de natureza não patrimonial, passando a cifrar-se em € 10.000,00 (dez mil euros).

As custas recaem sobre a Recorrente e a Recorrida na proporção do decaimento.

*

Évora, 27 de janeiro de 2022
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Cfr. fls. 24 vs.
[2] Cfr. artigos 15.º e 16.º da contestação.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 629.
[4] Relatado por Carlos Querido.
[5] Relatado por Tomé Ramião.
[6] Relatado por Arlindo Crua.
[7] Relatado por Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt
[8] Relatado por Fonte Ramos.
[9] Relatado por Salazar Casanova.
[10] Álvaro Dias, in Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, 2001, página 133.
[11] Cfr. Ac. STJ de 04/06/2015 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e demais acórdãos aí citados.
[12] Ac. do STJ de 17/01/2008.
[13] Ac. STJ de 26/01/2012.
[14] Cfr. Ac. STJ de 25/06/2002.
[15] Cfr. Acórdãos STJ de 22/10/2009, de 24/04/2013.
[16] Cfr. montantes das indemnizações arbitradas nomeadamente nos Acórdãos do STJ de 27/10/2009 (Sebastião Póvoas), de 29/02/2012 (Sampaio Gomes), de 24/04/2013 (Pereira da Silva), de 17/03/2016 (Mário Belo Morgado), de 22/02/2017 (Lopes do Rego).