Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO CONCORRÊNCIA DE CULPAS INDEMNIZAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 02/27/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I- O agravamento culposo dos prejuízos de que outrem seja responsável pode constituir fundamento para a redução da indemnização. II – Embatendo o lesado num veículo que, desrespeitando um sinal de STOP, se atravessou à sua frente, a cerca de 7,40 metros, tornando inevitável o embate entre os dois veículos, mas circulando o lesado a uma velocidade de 78,37Km/h, num local onde a velocidade máxima permitida é de 40km/h, afigura-se adequado reduzir a indemnização em 20%. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 8508/18.5T8STB.E1 Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório. 1. (…), casado, técnico operacional de segurança, residente na Rua da (…), nº 23, Bairro do (…), (…), instaurou contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Av. (…), nº 14, em Lisboa, ação declarativa com processo comum. Alegou, em resumo, que no dia 6/1/2017, na via de acesso à ZAL 2 Norte, em Sines, conduzia o veículo de passageiros, com a matrícula 30-(…)-03 e ao aproximar-se do cruzamento para a Repsol, viu a sua via de circulação cortada pelo veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula 88-44-(…), o qual provinha da sua esquerda e desrespeitando o sinal STOP, se atravessou à sua frente tornando inevitável o embate, batendo em seguida num poste, ocasionando o falecimento da respetiva condutora. Em consequência do acidente sofreu ferimentos e outros danos patrimoniais e não patrimoniais, os quais incumbe à R. indemnizar enquanto responsável civil pelos danos ocasionados pela circulação do veículo (…). Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 59.693,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros. Contestou a R. aceitando a responsabilidade de indemnizar e a culpa da condutora do veículo (…) mas, enjeitando a culpa exclusiva desta, defende uma repartição de culpas na proporção de metade, uma vez que o A., por circulava em excesso de velocidade, também deu causa ao acidente. Impugna os danos e os respetivos montantes, considera que é responsável (apenas) pelo pagamento de € 5.100,00 (correspondente a metade do valor atribuído ao veículo) e, ainda assim, conclui a final pela improcedência da ação. 2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou: a) Condenar a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor (…) a quantia de € 16.664,70, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde a data da citação até integral pagamento. b) Condenar a Ré (…) – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor (…) a quantia de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a partir do dia subsequente à data desta decisão até integral pagamento. 2. Na Sentença recorrida, o Tribunal “a quo” chega a tal conclusão, em virtude da imputação à Ré, ora Recorrente, da totalidade (100%) da responsabilidade, da culpa, da condutora (falecida) do veículo automóvel por si seguro, no acidente de viação objeto dos presentes autos. 3. Ao proferir tal decisão, o Tribunal “a quo” ERROU TOTALMENTE! 4. A Ré, ora Recorrente, não pode, de forma alguma, concordar com a Sentença proferida pelo mesmo. 5. O Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova produzida, bem como errou na aplicação do direito. 6. Tal Sentença deve, pois, ser alvo de censura. 7. O acidente de viação objeto dos presentes autos não tem, apenas, 1 (um) único culpado – a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente –, como o Tribunal “a quo” defende na Sentença recorrida, mas, sim, 2 (dois) culpados – o Autor, ora Recorrido, e aquela condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente. 8. Não se conformando com a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, vem a Ré, ora Recorrente, da mesma recorrer, pugnando pela sua revogação e, consequente, modificação e/ou alteração em conformidade. 9. O objeto do presente Recurso de Apelação incide, assim, na questão de saber se o acidente de viação objeto dos presentes autos é, também, imputável ou não a ato de condução censurável do Autor, ora Recorrido. 10. A essa questão, respondeu negativamente o Tribunal “a quo”, na Sentença que proferiu, defendendo aí, perentoriamente, que o Autor, ora Recorrido, não teve qualquer quota-parte de responsabilidade na produção do sinistro automóvel objeto dos presentes autos, pois, na sua ótica, a culpa da ocorrência do mesmo resulta da condução censurável da condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente. 11. Não é verdade! 12. Na parte dos “Factos Provados” da “Fundamentação” da Sentença recorrida, o Tribunal “a quo”, dá como provados, de entre outros, os seguintes factos – página 3 (três) da mesma: “10 – O condutor do veículo de matrícula 30-(…)-03 seguia no local a uma velocidade de 78,37 Km/hora.” e “11 – A velocidade máxima permitida no local é de 40 Km/hora.”. 13. Dando como provados tais factos, o Tribunal “a quo” jamais poderia ter concluído da forma como concluiu na Sentença recorrida, ou seja, jamais poderia ter atribuído a totalidade da culpa, da responsabilidade, na produção do acidente de viação objeto dos presentes autos, à condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente. 14. Mas sim a ambos os condutores! 15. O Tribunal “a quo”, através da Sentença recorrida, dá como provado tais factos (Pontos 10 e 11 dos Factos Provados da referida) porque fez uma cuidada e correta análise da prova – documental, testemunhal e pericial – existente nos presentes autos. 16. No entanto, o Tribunal “a quo”, depois, salvo o devido respeito, perde-se em opiniões, suposições, valorações e “estados de espírito” que não são, de forma alguma, coincidentes com aquilo que deu como provado (Pontos 10 e 11 dos Factos Provados da Sentença recorrida). 17. O Tribunal “a quo” deveria, pois, ter tomado outra decisão bem diferente daquela que tomou na Sentença recorrida, atento o que considerou como provado (Pontos 10 e 11 dos Factos Provados da Sentença recorrida). 18. Se, na data, no local e no momento do acidente de viação objeto dos presentes autos, a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, não observou a obrigatoriedade de paragem antes de entrar no cruzamento onde ocorreu tal sinistro, em virtude de sinal vertical aí existente (STOP), o Autor, ora Recorrido, também não respeitou o limite de velocidade aí existente (40 Km/h). 19. Assim, quando ambos os condutores – o Autor, ora Recorrido, e a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente – chegaram à zona de intersecção das vias onde circulavam (cruzamento) deu-se o violento embate entre os 2 (dois) veículos automóveis que conduziam. 20. Não se percebe, pois, porque é que o Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, desculpabilizou a conduta do Autor, ora Recorrido, naquele dia, naquele local e naquele momento. 21. Dúvidas não há – até porque está, totalmente, provado na Sentença recorrida (Factos 10 e 11 dos Factos Provados da Sentença recorrida) – que o Autor, ora Recorrido, circulava em excesso de velocidade. 22. A velocidade máxima permitida no local sinistro em questão é de 40 (quarenta) Km/h (Facto 11 dos Factos Provados da Sentença recorrida), imposta em ambas as artérias que vão dar àquele cruzamento. 23. E o Autor, ora Recorrido, conforme consta do Facto 10 dos Factos Provados da Sentença recorrida, circulava à velocidade de 78,37 Km/h. 24. O Autor, ora Recorrido, excedeu, assim, naquele dia, naquela hora e naquele local, o limite de velocidade previsto para o local (40 Km/h) em 28,37 Km/h. 25. Ora, se a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, naquele dia, naquele momento e naquele local, prosseguiu a sua marcha, entrando em tal cruzamento, desrespeitando a sinalização vertical do tipo B2 (sinal de STOP) do artigo 21.º do Regulamento da Sinalização de Trânsito e, consequentemente, violou o disposto no n.º 1 do artigo 29.º do Código da Estrada, o Autor, ora Recorrido, incumprindo os limites de velocidade aí existentes (40 Km/h) violou o disposto no n.º 1 do artigo 24.º e no n.º 1 do artigo 27.º, ambos do Código da Estrada. 26. Bem como violou, também, e da mesma forma, o disposto nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 25.º de tal diploma legal, o qual dispõe que, sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade nas localidades ou vias marginadas por edificações e nos cruzamentos (como é, aqui, o caso) e entroncamentos. 27. Não podem, assim, restar quaisquer dúvidas que, naquele dia, naquele local e naquele momento, ambos os condutores intervenientes no acidente de viação objeto dos presentes autos – o Autor, ora Recorrido, e a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente – cometeram ilícitos contra-ordenacionais (e até criminais). 28. E contribuíram, assim, de igual forma, para a ocorrência do mesmo. 29. Houve, pois, 1 (uma) clara e inequívoca concorrência de culpas de ambos os condutores na produção de tal sinistro. 30. Se o Autor, ora Recorrido, tivesse cumprido tal limite de velocidade (40 Km/h) lá existente, com toda a certeza que o embate não sucedia e não teriam existido os danos e as consequências que resultaram do mesmo. 31. 1 (uma) viatura animada de uma velocidade de 40 (quarenta) Km/h percorre, apenas, 11 (onze) metros por segundo, permitindo, assim, que o condutor, perante um estímulo, reaja e acione os órgãos de travagem, em média em cerca de 0,80 (oitenta) segundos, conseguindo, dessa forma imobilizar o veículo automóvel que conduz, num pavimento de asfalto, em bom estado e seco, num espaço de 17 (dezassete) metros. 32. Este raciocínio resulta do Quadro simulador com as distâncias de recção, travagem e paragem, elaborado pelos serviços técnicos da Ré – (…) –, disponível em www.velocidade.prp.pt, que se juntou como Documento n.º 6 da Contestação, a fls. dos presentes autos. 33. Documento esse que não foi impugnado pelo Autor, ora Recorrido, mas que não foi, como deveria ter sido, valorado e analisado pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida. 34. Pelo que, aqui e desde já, a Ré, ora Recorrente, requer essa devida e necessária análise e essa respetiva valoração a V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, e a esse Venerando Tribunal da Relação de Évora. 35. Pela leitura e pela respetiva análise de tal documento, junto a fls. dos presentes autos, verifica-se que, se o Autor, ora Recorrido, tivesse cumprido o limite de velocidade aí imposto (40 Km/h), teria a possibilidade de, atempadamente, reagir à entrada do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, no referido cruzamento e, assim, conseguido evitar o referido embate, a mencionada colisão. 36. Com tal conduta, o Autor, ora Recorrido, contribuiu, também, decisivamente, para a produção do acidente de viação objeto dos presentes autos, sendo co-responsável pela produção do mesmo, dos seus danos e das suas consequências. 37. E em igual proporção, ou seja, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada 1 (um) deles. 38. E era, isso, claramente, que o Tribunal “a quo” deveria ter, de forma clara e inequívoca, concluído na Sentença recorrida, atenta a factualidade que aí deu como provada (Factos 10 e 11 dos Factos Provados da mesma). 39. Mas não, pois o tribunal a quo, na sentença recorrida, surpreendentemente, concluiu, precisamente, o contrário! 40. Ao dar como provados tais factos na Sentença recorrida (Factos 10 e 11 dos Factos Provados da mesma), outra decisão não poderia ter tido o Tribunal “a quo” senão a de julgar ambos os condutores – o Autor, ora Recorrido, e a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente – culpados, de igual forma – 50% (cinquenta por cento) para cada 1 (um) deles –, no acidente de viação objeto dos presentes autos. 41. O que, como já se viu não, sucedeu, pois, contrariando, frontalmente, o que se diz e se menciona nos Factos Provados da Sentença recorrida (Factos 10 e 11), o Tribunal “a quo”, depois, absolve, desculpabiliza, totalmente, a conduta ilícita do Autor, ora Recorrido, na produção de tal sinistro automóvel. 42. Defendendo, na Sentença recorrida, essencialmente, que, não obstante o excesso de velocidade do Autor, ora Recorrido, a conduta da condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente, foi determinante, foi decisiva, foi crucial, para a eclosão do acidente de viação objeto dos presentes autos. 43. Nessa parte (“Aplicando aos Factos o Direito”) da Sentença recorrida (páginas 10 a 14 da mesma), o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, perde-se num raciocínio que “choca”, frontalmente, com aqueles factos que deu como provados (Factos 10 e 11 dos Factos Provados da sua decisão). 44. Em súmula, o que o Tribunal “a quo” ali diz, refere e defende, surpreendentemente, é que não obstante o Autor, ora Recorrido, ter praticado 1 (um) ilícito contra-ordenacional, violando as regras estradais, não teve qualquer influência no sinistro em questão. 45. Não tem o Tribunal “a quo” razão para concluir da forma como concluiu, a este propósito, na decisão que proferiu e que é, agora, objeto do presente Recurso de Apelação. 46. Perante tal factualidade dada como provada (Factos 10 e 11 dos Factos Provados da Sentença recorrida), o Tribunal “a quo” deveria ter imputado a ambos os condutores – o Autor, ora Recorrido, e a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente –, de igual forma – 50% (cinquenta por cento) para cada 1 (um) deles –, a responsabilidade na produção do acidente de viação objeto dos presentes autos. 47. A responsabilidade da ocorrência de tal sinistro automóvel deve ser assacada a ambos os condutores nele intervenientes. 48. De acordo com a prova produzida, é forçoso concluir que o facto (acidente de viação em questão) produziu-se com intervenção humana. 49. Se o facto (positivo ou negativo) relevante para efeitos de responsabilidade civil tem de ser voluntário – no sentido que tem de depender da vontade, de ser controlável ou dominável por ela –, não restam dúvidas que, no caso aqui em discussão, está-se perante 1 (um) facto ou 1 (um) comportamento humano desse género. 50. Para que ao lesante seja imputada a responsabilidade pelos efeitos danosos do facto voluntariamente praticado, necessário se torna que a respetiva conduta se traduza numa atuação desconforme com o ordenamento jurídico e, neste sentido, reprovada pelo Direito. 51. Nos termos do artigo 486.º, n.º 1, do Código Civil, o carácter antijurídico do facto praticado é revelado pela violação, quer dos direitos subjetivos de outrem, como de disposições destinadas a proteger interesses alheios, exigindo-se, neste caso, que a norma violada tutele, direta e claramente, interesses particulares e que o dano verificado se situe no círculo daqueles que a norma visa ao tutelar os respetivos interesses privados. 52. Ora, é entendimento, absolutamente, pacífico (unânime) na doutrina e jurisprudência, que as infrações ao Código da Estrada que não se mostrem devidamente legitimadas, violam disposições legais destinadas a proteger interesses alheios. 53. Dispõe, também, o artigo 3.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, do Código de Estrada, que as pessoas devem abster-se de atos que comprometam a segurança dos utentes da via. 54. No dia, no momento e no local onde ocorreu o acidente de viação objeto dos presentes autos, a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, prosseguiu a sua marcha, entrando naquele cruzamento, desrespeitando a sinalização vertical do tipo B2 (sinal de STOP) do artigo 21.º do Regulamento da Sinalização de Trânsito e, consequentemente, violou o disposto no n.º 1 do artigo 29.º do Código da Estrada. 55. Por seu turno, o Autor, ora Recorrido, incumprindo, naquele local, os limites de velocidade ali existentes (40 Km/h) violou, também, o disposto no n.º 1 do artigo 24.º e no n.º 1 do artigo 27.º, ambos do mesmo diploma legal, bem como violou, também, o disposto nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 25.º de tal diploma legal, o qual dispõe que, sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade nas localidades ou vias marginadas por edificações e nos cruzamentos (como é aqui o caso) e entroncamentos. 56. O Autor, ora Recorrido, não regulou, não moderou, pois, a sua velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, que pudesse, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo automóvel no espaço livre e visível à sua frente. 57. Atenta a entrada (ilícita) da condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junto da Ré, ora Recorrente, naquele cruzamento (local da ocorrência do sinistro automóvel aqui em discussão), o Autor, ora Recorrido, em virtude do seu excesso de velocidade (em 28,37 Km/h!), não conseguiu parar, imobilizar, ou, pelo menos, abrandar, no espaço livre e visível à sua frente, de modo a evitar a colisão, a evitar o embate em questão. 58. O que não sucedia se o mesmo cumprisse o limite de velocidade ali existente (40 Km/h) a colisão aqui em questão. 59. São, aliás, as próprias regras de experiência comum que leva a essa conclusão. 60. É, efetivamente, por aquele cruzamento onde ocorreu o sinistro em questão ser perigoso que lá existe aquela limitação de velocidade (40 Km/h), para que os condutores que lá circulam possam, prudentemente, ultrapassar aquele local sem qualquer problema ou dificuldade, atenta a sua perigosidade. 61. Não podem, pois restar quaisquer dúvidas que a produção do acidente de viação em questão ficou a dever-se à conduta de ambos os condutores, uma vez que os mesmos desrespeitaram, de igual forma, as mais elementares regras estradais. 62. Sendo que tais condutas ilícitas foram a causa da ocorrência do sinistro automóvel, aqui, em discussão. 63. De igual forma e em igual proporção (50%) para cada 1 (um) dos condutores. 64. É, pois, manifestamente, incompreensível a decisão do Tribunal “a quo” plasmada na Sentença recorrida. 65. O que, salvo o devido respeito, o mesmo, verdadeiramente, fez, naquela sua decisão, foi, pura e simplesmente, “passar por cima”, não só dos factos que deu como provados na mesma (Factos 10 e 11 dos Factos Provados), mas, sobretudo, da legislação em vigor (Código da Estrada). 66. O Tribunal “a quo” validou, assim, 1 (uma) ilicitude, desculpou, desse modo, 1 (uma) infração estradal, praticada pelo Autor, ora Recorrido. 67. O Autor, ora Recorrido, apesar do seu comportamento ilícito, não é, não foi, sujeito a nenhuma consequência ou pena. 68. O Autor, ora Recorrido, passa “incólume” nestes autos, embora tenha praticado 1 (um) clara e inequívoca violação às regras estradais, previstas e punidas pelo Código da Estrada, tendo, ainda, recebido 1 (um) “prémio” pela prática do seu ilícito comportamento aquando da ocorrência do sinistro automóvel em questão, ou seja, 1 (uma) avultada indemnização, conforme resulta da Sentença recorrida. 69. Com aquilo que se expos neste Recurso de Apelação, com a factualidade dada como provada (Factos 10 e 11 dos Factos Provados), a este propósito, pelo Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, e pelas regras da experiência comum, deve, desde logo, o Facto L) dos “Factos Não Provados” da “Fundamentação” de tal decisão (página 6 da mesma) – “L) Se o Autor seguisse no local a velocidade de 40 km/hora o acidente a colisão não teria ocorrido, uma vez que teria conseguido imobilizar o veículo” – ser considerado como provado. 70. Nesses termos, a qualificação de tal facto – Facto L) dos Factos Não Provados da Sentença recorrida – deve ser, devidamente, alterada, ficando o mesmo a constar dos Factos Provados da Sentença recorrida. 71. Assim, desse modo, e em razão do expandido nesta peça processual, deve a Sentença recorrida ser revogada e, em consequência, deve ser modificada/substituída/alterada por outra que conclua pela repartição de responsabilidades, na produção do acidente de viação objeto dos presentes autos, entre os 2 (dois) condutores nele intervenientes – o Autor, ora Recorrido, e a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente –, em igual proporção, ou seja, em 50% (cinquenta por cento) para cada 1 (um) deles. 72. E, dessa forma, deverá, pois, a Ré, ora Recorrente, ser condenada ao pagamento ao Autor, ora Recorrido, de indemnização correspondente a esta repartição de responsabilidades, concretamente, ao pagamento ao mesmo da percentagem de 50% (cinquenta por cento) da indemnização global já fixada, a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, na Sentença recorrida – € 18.664,70 (dezoito mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4% (quatro por cento), vencidos desde a data da citação até integral pagamento, sendo € 16.664,70 (dezasseis mil seiscentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), referente a danos patrimoniais, e € 2.000,00 (dois mil euros), referentes a danos não patrimoniais. 73. O que dá, assim, dessa forma, a quantia, a indemnização global, devida ao Autor, ora Recorrido, de € 9.332,35 (nove mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% (quatro por cento), vencidos desde a data da citação até integral pagamento, sendo € 8.332,35 (oito mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e cinco cêntimos), referente a danos patrimoniais, e € 1.000,00 (mil euros), referentes a danos não patrimoniais. 74. Caso não for esse, assim, o entendimento de V. Excelências, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, e desse Venerando Tribunal da Relação de Évora, e sem conceder, o que só por mero dever de patrocínio jurídico se admite, deve a Sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser modificada/substituída/alterada por outra que conclua pela repartição de responsabilidades, na produção do referido acidente de viação objeto dos presentes autos, entre os 2 (dois) condutores nele intervenientes – o Autor, ora Recorrido, e a condutora (falecida) do veículo automóvel seguro junta da Ré, ora Recorrente –, em proporção a fixar de acordo com o que se considere justo e adequado ao caso em concreto. 75. E, dessa mesma forma, que condene a Ré, ora Recorrente, ao pagamento ao Autor, ora Recorrido, de indemnização correspondente a essa proporção, de acordo com aqueles valores já fixados na Sentença recorrida pelo Tribunal “a quo” – valor global de € 18.664,70 (dezoito mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4% (quatro por cento), vencidos desde a data da citação até integral pagamento, sendo € 16.664,70 (dezasseis mil, seiscentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), referente a danos patrimoniais, e € 2.000,00 (dois mil euros), referentes a danos não patrimoniais. 76. Nesses termos, deve ser julgado, totalmente, procedente, o presente Recurso de Apelação, nos termos e com os fundamentos ora invocados e peticionados pela Ré, ora Recorrente, em sede de Alegações, e, em consequência, deve a Sentença recorrida ser revogada e modificada/substituída/alterada em conformidade. Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação, revogando-se a Sentença recorrida, como é de Lei e de Justiça!” Não houve lugar a resposta. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2 – Na referida colisão foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula 30-(…)-03, marca Ford, modelo Focus, conduzido pelo Autor, e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula 88-44-(…), marca Seat, modelo Ibiza, conduzido por (…). 3 – O veículo automóvel de matrícula 30-(…)-03, marca Ford, seguia em direção à refinaria de Sines e, por seu lado, o veículo automóvel de matrícula 88-44-(…) seguia em direção ao cruzamento de acesso à Repsol. 4 - À entrada desse cruzamento, atento o sentido seguido pelo veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 88-44-(…), estava colocado um sinal de paragem obrigatória – STOP. 5 – Ao aproximar-se do cruzamento a condutora do veículo de matrícula 88-44-(…), não deteve a marcha do veículo junto do sinal Stop, aí existente. 6 – Assim, a condutora do veículo de matrícula 88-44-(…) entrou, repentinamente, no cruzamento e ocupou a hemi-faixa por onde circulava o veículo de matrícula 30-(…)-03. 7 – O condutor do veículo de matrícula 30-(…)-03 foi surpreendido pela manobra de veículo matrícula 88-44-(…), no momento em que se aproximava do cruzamento e deste se encontrava a uma distância de 7,40 metros. 8 - Nas circunstâncias referidas o condutor do veículo de matrícula 30-(…)-03 não conseguiu evitar o embate do seu veículo no veículo de matrícula 88-44-(…). 9 - O embate ocorreu entre a parte frontal do veículo de matrícula 30-(…)-03 e a parte lateral direita do veículo de matrícula 88-44-(…). 10 – O condutor do veículo de matrícula 30-(…)-03 seguia no local a uma velocidade de 78,37hm/hora. 11 – A velocidade máxima permitida no local é de 40 Km/hora. 12 - A estrada no local apresenta uma reta, com intersecção nivelada em forma de cruz, com visibilidade. 13 - As condições ambientais meteorológicas eram de bom tempo. 14 - No âmbito do inquérito criminal instaurado devido à morte da condutora do veículo de matrícula 88-44-(…), em que figurou o ora Autor como arguido, foi proferido despacho de arquivamento, conforme teor da certidão constante de fls. 20 a 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 15 - Após o acidente, o Autor foi conduzido ao serviço de urgência do Hospital Litoral Alentejano onde lhe foi prestada assistência médica e medicamentosa. 16 – Obteve alta hospitalar no mesmo dia. 17- Em consequência direta e necessária do acidente o Autor apresentava subdução hemorrágica no Flanco e FIDS e dor moderada na região abdominal. 18 – O Autor sofreu dores, incómodo, angústia, tristeza e desgosto. 19 - O Autor continuou a sentir dores e recorreu a consultas no Hospitalar da Luz e na Clínica CUF Belém, em Lisboa, a fim de avaliar a sua situação clínica. 20- Foi submetido a exames radiológicos e complementares de diagnóstico. 21 - Foram-lhe ministrados medicamentos. 22 - Nas consultas, exames e medicamentos gastou a quantia de € 114,79. 23 – Nas 4 deslocações, em viatura, entre Santo André e Lisboa, que distam cerca de 150 km despendeu quantia que não se logrou concretamente apurar. 24 - Em portagens e parqueamento gastou quantia não concretamente apurada. 25 - Do acidente resultaram estragos no veículo automóvel de matrícula 30-(…)-03. 26 - A (…)-Companhia de Seguros, SA., apurou o valor venal do veículo automóvel de matrícula 30-(…)-03 em € 10.000,00. 27 - O valor da reparação do veículo foi orçamentado em € 19.375,75. 28– Os salvados foram avaliados em € 750,00. 29 - A (…)-Companhia de Seguros, S.A., considerou a reparação do veículo de matrícula 30-(…)-03, com o ano de fabrico de 2011, economicamente inviável. 30 - A Ré (…)-Companhia de Seguros, S.A., por carta datada de 17.01.2017, junta a fls. 25v cujo teor se dá por integralmente reproduzido, comunicou ao Autor que “(…) propõe-se esta seguradora indemnizar Vª. Exa. (…) contando que seja atribuída alguma percentagem de responsabilidade – e apenas na proporção, em que eventualmente tal resultado se venha a verificar – ao condutor da viatura que garantimos (…)”. 31 – A Ré remeteu ao Autor, na pessoa da sua mandatária, o e-mail junto a fls. 39v, que se dá por integralmente reproduzido, comunicando a sua disponibilidade para viabilizar um acordo que tenha por base uma divisão da responsabilidade a imputar, em percentagens iguais a ambos os condutores, colocando à disposição a quantia € 5.100,00, percentagem da responsabilidade atribuída a condutora do veículo segurado. 32 - A Ré (…)-Companhia de Seguros, S.A., não colocou qualquer veículo de substituição à disposição do Autor. 33 - O Autor utilizava o veículo nas suas deslocações do quotidiano, nomeadamente para transportar as filhas para a Escola. 34 - O agregado familiar do Autor ficou limitado nas deslocações do seu dia a dia, nos fins de semana e nas férias, por ter uma só viatura e de dois lugares. 35 – O Autor e a mulher trabalham em empresas distintas, afastadas do local de residência e das escolas das filhas. 36 - Para o efeito, o agregado familiar teve necessidade de recorrer ao seu suporte familiar, designadamente os pais do Autor, para levar as filhas à escola. 37 – Também um familiar disponibilizou uma viatura ao casal, porém, de classe 2 em auto-estrada e com elevado consumo de combustível o que acarretava acréscimo de despesas. 38 - O Autor utilizava ainda o veículo nas deslocações para as competições de cães. 39 -O Autor e a mulher faziam criação de cães, de raça Perdigueiro Português, e participavam em competições e, por se ver privado do uso de viatura, deixou de participar nesses eventos. 40- No ano de 2017 e 2018, do autor procedeu ao pagamento de imposto de circulação do veículo no valor total de € 289,97. 41- À data do acidente, encontrava-se transferida para a Ré seguradora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação provocados pelo veículo ligeiro de passageiros, de matrícula 88-44-(…), através de contrato de seguro titulado pela apólice nº (…). Não provado: a) O Autor imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade de 40,02 km/hora. b) Em consequência do acidente desapareceram os seguintes bens que se encontravam no interior do veículo: cadeira de criança da Chico; óculos de sol de criança marca Polaroid, óculos de sol de adulto marca Oakley, Telemóvel Samsung S4 mini, tudo no valor total de € 350,00. c) A Ré, na avaliação do veículo, não teve em conta as reais características da viatura do Autor, nomeadamente, o modelo, e os extras, Pack Tittanux, Baras Tejadilho, Jante 17, Bluetooth+voice, Pack Multimedia, entre outros), que custa cerca de € 6.000,00 sobre a versão base. d) A Ré teve por base na sua avaliação um Ford Focus Station 1.6 TDCi Trend. e) O valor do veículo do Autor, à data dos factos, tinha o valor comercial de € 18.900,00. f) O Autor, para se deslocar a Lisboa, para realização dos descritos exames e consultas médicas teve perdas salariais em montante não inferior a € 1.513,20 (calculados da seguinte forma: Valor hora dia descanso - € 37,83 - horas perdidas - 40h - € 37,83/h x 40h = € 1.513,20). g) Também a esposa do Autor, sofreu perdas salariais, no montante de € 225,00 nos dias em que acompanhou o seu marido a Lisboa, em consultas e exames médicos e lhe prestou assistência em casa. h) Após o acidente, o Autor perdeu a alegria de viver e ficou afetado irreversivelmente no plano emocional e psicológico. i) O agregado familiar alterou a sua rotina para gerir as atividades extra escolares. j) Por um período de 24 meses o Autor sentiu dores, estado nervoso, ansiedade, angústia, mau dormir. k) O Autor faz turnos, trabalhando, inclusive aos fins de semana, conforme escala, pré-definida anualmente, fazendo por vezes horas extraordinárias, integrando por vezes as equipas de “paragem”, obrigando-se a fazer 12 horas, diversos dias seguidos. l) Se o Autor seguisse no local a velocidade de 40 km/hora o acidente a colisão não teria ocorrido, uma vez que teria conseguido imobilizar o veículo.
1.2. Impugnação da decisão de facto Com fundamento na exposição do recurso, nos factos discriminados sob os pontos 10 e 11 dos factos provados e nas regras da experiência, considera a Apelante que deve ser julgado provado o facto discriminado sob a alínea L) dos factos não provados [cclºs. 69ª e 70ª]. Segundo número 1 do artº 640º, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. A Apelante não indica os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a sua interpretação do direito, subsunção dos factos ao direito e leitura dos factos, resultantes da exposição do recurso, não são meios de prova, como o não são as regras da experiência ou os factos provados. Por ausência de especificação dos meios de prova que fundamentam a impugnação esta deverá ser rejeitada. Porém, no rigor dos princípios, a matéria julgada não provada sob a alínea l) – se o Autor seguisse no local a velocidade de 40 km/hora o acidente a colisão não teria ocorrido, uma vez que teria conseguido imobilizar o veículo – não é um facto, é uma conclusão a extrair de factos que constituem os seus pressupostos, v.g. a velocidade, as condições do veículo, as condições da via, o estado do tempo, o espaço livre e visível para deter a marcha quando a via surge intersetada por um qualquer obstáculo. Na decisão de facto, fundamento da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (artº 607º, nº 4, do CPC), as ilações a extrair dos factos com vista à integração da espécie concreta dos autos nas espécies abstratas ou típicas da lei [juízos classificatórias, na lição de Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 297], têm natureza diversa dos factos e, como tal, não são (não podem ser) objeto de prova, o que significa que não estão, por natureza, incluídos na decisão de facto da sentença. Assim, rejeita-se a impugnação e por se tratar de uma ilação e não de um facto elimina-se a matéria constante na alínea l) dos factos não provados.
2. Direito 2.1 Se o acidente é (também) imputável ao A. A decisão recorrida considerou a condutora do veículo seguro na Apelante exclusivamente responsável pelo acidente, não obstante se haver provado que o A. circulava a uma velocidade de 78,37 Km/h num local em que a velocidade máxima permitida é de 40 Km/h. Consignou designadamente o seguinte: “O Autor foi confrontado com o repentino aparecimento do veículo de matricula 84-44-(…), que se atravessou na via à frente do veículo de matrícula 30-(…)-03 quando este se encontrava a cerca de 7,40 metros do cruzamento, cortando-lhe a passagem e, por isso, nele embateu. (…) Flui do exposto que não há fundamento para formular um juízo de censura relativamente ao Autor. Perante a invasão súbita e repentina da faixa de rodagem por parte da condutora do veículo de matrícula 84-44-(…), que não imobilizou o veículo como se lhe impunha, em absoluto, face à existência do sinal de Stop aí existente, tem de atribuir-se a esta a culpa exclusiva na eclosão do acidente.” A Apelante diverge argumentando essencialmente que o excesso de velocidade que o Apelado imprimia ao seu veículo também foi causa do acidente, que as culpas de ambos os condutores são iguais e, assim, a responsabilidade pela reparação dos prejuízos deve ser repartida em partes iguais. Resulta dos factos provados que o acidente ocorreu num cruzamento, à entrada do qual se encontrava um sinal de STOP, atento o sentido de marcha do veículo … (seguro na Apelante), que a condutora deste veículo entrou no cruzamento sem parar no sinal de STOP e ocupou a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o veículo … (conduzido pelo Apelado), a uma velocidade de 78,37K/h, num local em que a via configura uma reta, com visibilidade e onde a velocidade máxima permitida é de 40km/h, numa altura em que estava tempo seco, eclodindo o embate este a parte frontal do … e a parte lateral direita do veículo … (pontos 1 a 6 e 9 a 13 dos factos provados. Ambos os condutores violaram regras do Código da Estrada; a condutora do veículo seguro na Apelante, porquanto perante o sinal de stop (sinal B2 previsto no artigo 21º do Regulamento de Sinalização do Trânsito) tinha a obrigação de parar antes de entrar na intersecção junto do qual o sinal se encontrava colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitassem na via para a qual ia entrar e não parou, a que corresponde a uma contraordenação muito grave (artº 146º, al. n), do Código da Estrada); o Apelado, ao circular a 78,37 Km/h num local em que a velocidade máxima permitida é de 40 km/h (excesso de velocidade de 38,37 Km/h) infringiu o artigo 27.º, n.º 2, alínea a), 2º, do Código da Estrada, a que corresponde uma contraordenação grave (artº 145º, nº 1, al. c), do mesmo Código). Apesar disto a decisão recorrida considerou que só a contraordenação preenchida pela condutora do veículo seguro na Apelante foi causal do acidente e justificou: “o Autor foi confrontado com o repentino aparecimento do veículo de matrícula 84-44-(…), que se atravessou na via à frente do veículo de matrícula 30-(…)-03 quando este se encontrava a cerca de 7,40 metros do cruzamento, cortando-lhe a passagem e, por isso, nele embateu”. Solução que nos parece certa. Atravessando-se o veículo (…) à frente do veículo (…), cortando-lhe a passagem, quando este se encontrava a cerca de 7,40 metros do cruzamento, o excesso de velocidade que animava este veículo não contribuiu – não foi causal – para a eclosão do acidente, porquanto este seria inevitável – dar-se-ia na mesma – ainda que o (…) circulasse dentro do limite de velocidade que regula o trânsito no local, ou seja, a 40 Km/h e isto porque à velocidade de 40 Km/h e nas circunstâncias de tempo que se provam, o espaço mínimo necessário para o Apelado imobilizar o veículo (tempo de reação e distância de travagem) seria de cerca de 16 metros [Oliveira Matos, Código da Estrada anotado, 1988, pág. 55] ou de 20,6 metros [Júlio Serras, Código da Estrada, 1995, pág. 38] e o Apelado apenas dispunha de 7,40 metros quando a condutora do (…) interrompeu a sua linha de circulação. Ainda que o Apelado circulasse a 40 Km/h (ou mesmo a 30 Km/h, de acordo com as tabelas indicadas pelos mesmos Autores) o acidente ter-se-ia verificado o que revela que o excesso de velocidade não foi causa do acidente. Esta razão, estruturante no juízo recorrido, não é, aliás, posto em causa (ou sequer enunciado) pela Apelante crente, como parece, na ideia que, em caso de acidente de viação, havendo concorrência de infrações há (sempre) concorrência de culpas como se todas as infrações ao Código da Estrada, ou cada uma delas, fossem sempre causais do acidente independentemente de interferirem ou não com a sua dinâmica. Mas não é assim. “As infrações estradais praticadas pelos intervenientes em acidente de viação podem nada ter a ver com a ocorrência do mesmo. O que há a considerar, em todos os casos, é a gravidade das infrações e a forma determinante, num juízo de causalidade, que as mesmas tiveram na produção do sinistro. A violação cumulativa de duas regras de trânsito não implica a culpa na produção do acidente, como se esta se pudesse apurar em função de uma mera soma aritmética de infrações” [Ac. STJ de 6/5/2008 (proc. 08A1279), em www.dgsi.pt]. Não se demonstra que o excesso de velocidade do veículo (…) haja sido causal do acidente e, neste sentido, estamos de acordo com a decisão recorrida. Mas importa, a nosso ver, acrescentar algo mais; pois se é verdade, como cremos, que ainda que o Apelado circulasse dentro do limite de velocidade, permitido no local, não teria evitado o acidente, também estamos em crer que o excesso de velocidade agravou necessariamente os danos, não se afigurando adequado, face aos princípios de direito que regem a obrigação de indemnizar, que a Apelada responda pelo excesso. Durante uma colisão, a energia cinética dum veículo é transmitida ao obstáculo e convertida em calor, durante a deformação da sua estrutura física. Quanto maior for a velocidade e, por conseguinte, maior a quantidade de energia cinética, maior será também a deformação no veículo e/ou no obstáculo com o qual ele colide. [http://www.imtiip.pt/sites/IMTT/Portugues/EnsinoConducao/ManuaisEnsinoConducao/Documents/Fichas/FT_Travagem.pdf]. Segundo o nº 1, do artº 570º, do Código Civil, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. A posição do lesado quanto à verificação do dano não é indiferente à obrigação de indemnizar. “Pode acontecer que o lesado tenha contribuído culposamente para a produção ou o simples agravamento dos prejuízos por ele sofridos e de que outrem seja responsável. Haverá então conculpabilidade ou co-responsabilidade entre a pessoa obrigada a reparar um dano e a que tem direito a essa reparação” [Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edª, pág 782]. “A culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como diretamente aos danos provenientes desse facto” [P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, Vol. 1º, 4ª edª, pág. 588]. É esta, a nosso ver, a situação posta nos autos; o excesso de velocidade não foi causa do acidente, mas foi causa de agravamento dos danos. Concorrendo o ato culposo do lesado para o agravamento dos danos cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. O juízo sobre a concessão total, redução ou exclusão da indemnização assenta na dimensão da culpabilidade – na gravidade das culpas – e, assim, ponderando que o Apelado, nos momentos que precederam o embate circulava a uma velocidade de 78,37Km/h, num local onde a velocidade máxima permitida é de 40km/h e que, nestas circunstância a condutora do veículo seguro pela Apelante, desrespeitando um sinal de STOP, se atravessou à sua frente quando aquele se encontrava a cerca de a cerca de 7,40 metros, tornando inevitável o embate entre os dois veículos, afigura-se adequado reduzir a indemnização em 20%. Nesta medida, procede o recurso.
2.2. Custas Vencidos no recurso, incumbe à Apelante e ao Apelado o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC), na proporção de 80% e 20% respetivamente.
Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº 7, do CPC): (…) |