Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/21.3PECTB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: REENVIO DO PROCESSO PARA NOVO JULGAMENTO RESTRITO A QUESTÕES CONCRETAS
NULIDADE DA DECISÃO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - Incorre em nulidade por excesso de pronúncia, do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P., o acórdão que, em obediência a decisão tomada em recurso, reformula aquele acórdão e se pronuncia, também, sobre questão que estava fora do âmbito do reenvio determinado pelo tribunal de recurso.

II - Quando os autos contêm todos os elementos a nulidade pode ser suprida pelo tribunal da relação.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.


A – Relatório

3. Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão, a 21.12.2022, decidindo-se nos seguintes termos:

Em conformidade com tudo o que fica exposto, este Tribunal Colectivo:

3.1- Absolve …

3.5- Condena, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01:

a) AA …, como reincidente, na pena 7 anos e 3 meses de prisão;

b) BB … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

c) CC … na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

d) DD … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

3.6- Condena, pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01:

EE … na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

3.7- Condena AA … pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, … na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão ;

3.8- Condena AA …, em cúmulo jurídico das penas referidas em 3.5 al. a) e em 3.7, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.

3.9- Condena DD …, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, cometeu um crime de detenção de arma proibida, …, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros);

3.10- Condena DD …, em cúmulo jurídico das penas referidas em 3.5 al. d) e em 3.9, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros).

3.4- Condenam-se os arguidos nas custas do processo, fixando em 3 Uc a título de taxa de justiça.

             ***

4. Na sequência de recursos interpostos pelo arguido … e pelo Ministério Público, foi proferido acórdão, a 7.6.2023, no qual os juízes desta Relação acordaram em:

- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA … e, em consequência, nessa parte, decidem manter o acórdão recorrido;

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência,

▪ decidem revogar o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena aplicada ao arguido BB …

▪ decidem condenar o arguido BB … na pena de 5 anos de prisão efectiva;

- determinar o reenvio do processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 410º, nº 2, alínea b), e 426º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, restrito ao julgamento da factualidade vertida nos pontos 40 dos factos provados e 32 dos não provados, a efectuar de acordo com o disposto no artigo 426º-A do mesmo diploma legal.

5. Os autos baixaram, então, à 1.ª instância tendo em vista a realização de novo julgamento nos termos ordenados.

6. Após realização de nova audiência de julgamento, o Tribunal a quo, a 23.4.2024, proferiu novo acórdão, decidindo-se, nos mesmos termos:

Em conformidade com tudo o que fica exposto, este Tribunal Colectivo:

3.1- Absolve AA … da prática, em concurso efetivo:

- em coautoria (… e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, como reincidente, …

- em coautoria … um crime de tráfico de estupefacientes agravado, como reincidente, …

3.2- Absolve BB … a prática, em concurso efetivo:

a) em coautoria … e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, …

b) em autoria material, na forma consumada, um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, …

3.3- Absolve a prática, em coautoria …, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, …

3.4- Absolve CC …, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de detenção de arma proibida, …

3.5- Condena, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01:

a) AA …, como reincidente, na pena 7 anos e 3 meses de prisão;

b) BB … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

c) CC … na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

d) DD … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

3.6- Condena, pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25, do Dec.-Lei nº 15/93, de 22-01:

EE … na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova;

3.7- Condena AA … pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, … na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão ;

3.8- Condena AA …, em cúmulo jurídico das penas referidas em 3.5 al. a) e em 3.7, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.

3.9- Condena DD …, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, cometeu um crime de detenção de arma proibida, …, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros);

3.10- Condena DD …, em cúmulo jurídico das penas referidas em 3.5 al. d) e em 3.9, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros).

3.4- Condenam-se os arguidos nas custas do processo, fixando em 3 Uc a título de taxa de justiça.

                 *

7. Inconformado, novamente, com o douto acórdão, veio o Ministério Público interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“a) o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo, em 23-04-2024 (ref. citius 37139211) condena o arguido BB … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, devido a lapso de escrita, passível de correcção;

b) o acórdão da primeira instância proferido deveria ter mantido a condenação do arguido BB … na pena de 5 cinco de prisão efectiva, conforme já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sob pena de se verificar a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal, também ela sanável;

c) a pena aplicada à arguida CC … foi suspensa na sua execução por período de tempo igual ao da pena, com regime de prova, quando as exigências de prevenção geral e especial exigem, no caso concreto, a aplicação de uma pena de prisão efectiva, no caso de 4 anos e 6 meses;

d) a pena aplicada ao arguido DD … foi suspensa na sua execução por período de tempo igual ao da pena, com regime de prova, quando as exigências de prevenção geral e especial exigem, no caso concreto, a aplicação de uma pena de prisão efectiva, no caso de 5 anos”.

8. A arguida … respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, …

9. O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer …

10. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentadas respostas ao douto parecer.

11. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

12. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

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        B – Fundamentação

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- se existe lapso de escrita no Dispositivo do acórdão recorrido na parte em que condena o arguido BB … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova (3.5, b));

- se a pena de prisão aplicada à arguida CC … não deve ser suspensa na sua execução;

- se a pena de prisão aplicada ao arguido DD … não deve ser suspensa na sua execução.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade provada do acórdão recorrido.

“2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

Começa-se por apreciar se existe lapso de escrita no Dispositivo do acórdão recorrido na parte em que condena o arguido BB … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova (3.5, b)).

Alega o Ministério Público que existe lapso de escrita no acórdão recorrido, por ter suspendido a execução da pena de 5 anos de prisão ao arguido BB …, depois do anterior acórdão desta Relação já ter concedido provimento ao recurso do Ministério Público nessa parte e, consequentemente, ter condenado o arguido na pena de 5 anos de prisão efectiva.

Vejamos.

No acórdão proferido por esta Relação a 7.6.2023, decidiu-se revogar o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena aplicada ao arguido BB … (5 anos de prisão), por igual período de tempo, com regime de prova.

Mais se decidiu condenar o arguido BB na pena de 5 anos de prisão efectiva.

Nesse mesmo acórdão determinou-se o reenvio do processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 410º, nº 2, alínea b), e 426º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, restrito ao julgamento da factualidade vertida nos pontos 40 dos factos provados e 32 dos não provados, a efectuar de acordo com o disposto no artigo 426º-A do mesmo diploma legal.

Reenvio esse que nada tinha a ver com a pena aplicada ao arguido …. Quanto a esta a questão ficou apreciada.

Os autos baixaram à 1ª instância, foi realizada audiência de julgamento com o objecto fixado por esta Relação e proferido novo acórdão, a 2.4.2024, no qual se decidiu condenar o arguido BB … na pena de 5 (cinco) de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

Na fundamentação de direito, mais precisamente na parte relativa à suspensão da execução da pena, pode ler-se que:

“…

Arguido BB …:

- À data da alegada prática dos factos subjacentes ao presente processo, … vivia com a sua progenitora e respetivo companheiro, em casa destes, ….

- O arguido refere que se encontrava a exercer a atividade laboral …

- … mantinha o acompanhamento à problemática de toxicodependência …

- O suporte familiar de que … dispõe é propiciado pela sua mãe, companheiro desta e avó materna …, bem como pela irmã … e namorada …

- Em termos de vida futura, o arguido perspetiva voltar a viver com sua progenitora e respetivo companheiro, com quem mantém relacionamento que parece ser positivo, existindo coesão e inter-ajuda, bem como disponibilidade para o acolher e apoiar no processo de reinserção social.

- A nível laboral, … refere que é sua pretensão retomar a atividade …

- A situação económica do arguido será salvaguarda pela sua mãe …, bem como pelo companheiro desta …, pelo que consideram que a situação económica permitirá assegurar os encargos relativos às suas necessidades básicas.

- Relativamente à problemática de toxicodependência, o arguido encontra-se abstinente, pelo que neste Estabelecimento Prisional não beneficia de qualquer intervenção psico-terapêutica.

- Quanto a características pessoais, … revela empatia e capacidade para reconhecer os seus erros.

- … encontra-se preso preventivamente … desde o …

- … já recebeu visitas …

- Durante a presente prisão preventiva, o arguido tem mantido uma conduta adequada às regras institucionais.

- O arguido apresenta como fatores positivos no seu enquadramento vivencial o vínculo afetivo que mantém com os seus familiares, bem como o suporte que estes lhe continuam a disponibilizar.

É manifesto que todos os arguidos ora mencionados beneficiam de forte apoio familiar, factor de primordial importância para a sua reinserção social.

Nos termos do disposto pelo art. 50º, nº 5 do Código Penal, fixa-se o período de suspensão em duração igual à de cada uma das penas de prisão determinadas”.

Ora, do que fica dito, facilmente se conclui que não se trata de mero lapso de escrita.

Nos termos do artigo 380º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, com a epígrafe Correcção da sentença:

1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:

a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

Como refere Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar e outros, pág. 1188, “A correcção da sentença é um instituto que, grosso modo, abarca os institutos da rectificação, esclarecimento e reforma da sentença de direito adjectivo civil. Visa este instituto, por um lado, a rectificação de erros, lapsos e algumas omissões dos actos decisórios, por outro lado, a aclaração desses actos, quando obscuros ou ambíguos.

Na alínea a) do nº 1 prevê-se a correcção da sentença sempre que a mesma enferme de qualquer anomia, por inobservância do disposto no artigo 374º, não consubstanciadora de nulidade.

Na alínea b) prevê-se a correcção da sentença quando a mesma enferme de lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

Consabido que após a prolação do acto decisório fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, princípio elementar de direito adjectivo (nº 1 do artigo 666º do CPC), certo é que a correcção da sentença só é admissível, como expressamente resulta da letra da lei, quando não importe modificação essencial, modificação esta absolutamente vedada, quer no que tange à decisão quer no que concerne à fundamentação. Assim, como se refere no Ac. do STJ de 5 de Julho de 2007, proferido no Processo nº 1398/07, está vedado ao juiz, a pretexto da correcção do acto decisório, qualquer intromissão no conteúdo do julgado, estando pois substraído ao acto de correcção os erros e as omissões de julgamento”.

Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o Ac. da RP de 29.1.2014, in www.dgsi.pt, onde se lê que:

“No Código de Processo Penal, a correção de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades só pode ocorrer se dela não resultar uma modificação essencial da decisão [art. 380.º, n.º 1, al. b)]. … O que o recorrente efetivamente pretende não é uma “aclaração” da decisão, mas antes uma verdadeira alteração do decidido, ou seja, pretende uma modificação essencial do conteúdo da decisão, o que, como vimos, não é admissível, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional do juiz e por se tratar de hipótese não enquadrável no artigo 380º do Código de Processo Penal”.

Veja-se igualmente o Ac. da RP de 20.1.2021, onde se afirma que “através da aclaração apenas pode ser corrigida a forma de expressão que consta da decisão e não pode modificar-se o seu alcance ou conteúdo, não permitindo a parte final da alínea b), do nº 1, do art.º 380º, do C. Processo Penal, a correcção quando esta importe uma modificação essencial da decisão”.

Reafirma-se, pois, que a situação dos autos não se enquadra no disposto no artigo 380º do Código de Processo Penal.

Por sua vez, dispõe o artigo 379º do mesmo diploma legal que:

1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º

Como se refere no Ac. do STJ de 27.10.2010, in www.dgsi.pt, “A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar. Por sua vez, o excesso de pronúncia significa que o Tribunal conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objecto do recurso.

Essas nulidades não são insanáveis, porque não englobadas nas nulidades previstas no art. 119º do CPP. Englobam-se as mesmas no disposto na al. c) do n.º 1 do art. 379º do CPP, que dispõe que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Porém, mesmo não alegadas essas nulidades, sempre seriam oficiosamente cognoscíveis em recurso, visto que as nulidades de sentença enumeradas no art. 379.º, n.º 1, do CPP, têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no art. 414.º, n.º 4”.

Mais recentemente afirmou o STJ no seu Ac. de 7.12.2023, in www.dgsi.pt, que “a nulidade por excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal se pronuncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento, conforme art. 379.º, n. º 1, al) c), 2.ª parte, ex vi do art. 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal”.

É precisamente este o caso dos autos – excesso de pronúncia.

O Tribunal a quo, no acórdão recorrido, não podia pronunciar-se sobre a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB … uma vez que essa questão já tinha sido decidida no anterior acórdão proferido por esta Relação.

Verifica-se, pois, a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Como esclarece Oliveira Mendes, cfr. obra supra citada, págs. 1183-1184, “por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela Lei nº 20/2013, de 21.2, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei “as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las …”), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria dos casos o suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição”.

No caso concreto, a verificada nulidade pode ser suprida por esta Relação, já que os autos contêm todos os elementos para o efeito, e não irá conduzir à supressão de nenhum grau de jurisdição. Apenas está em causa uma decisão já tomada em sede de recurso.

Assim sendo, suprindo a nulidade de excesso de pronúncia, deve ser revogado o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido BB …, reafirmando-se, nessa parte, o já decidido no acórdão desta Relação de 7.6.2023, ou seja, a condenação do arguido … na pena de 5 anos de prisão efectiva.

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        C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decidem:

- Suprir a nulidade de excesso de pronúncia, revogando o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada …, reafirmando-se, nessa parte, o já decidido no acórdão desta Relação de 7.6.2023, …

- Revogar o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena aplicada à arguida …

- Condenar a arguida … na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva;

- Revogar o acórdão recorrido na parte em que suspendeu a execução da pena aplicada ao arguido DD …

- Condenar o arguido DD … na pena de 5 anos de prisão efectiva.

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Sem custas.

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Notifique.

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             Coimbra, 9 de Outubro de 2024.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

                Rosa Pinto – Relatora

                João Abrunhosa – 1º Adjunto

               Cândida Martinho – 2º Adjunto