Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
23/09.4GBNLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: RECURSO
PRAZOS
DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
VALOR PROBATÓRIO
DIREITO AO SILÊNCIO
CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 10/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA/REVOGADA/ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125º, 411º NºS 1 E 4, 412º CPP E 86.º, N.º 1, DA LEI N.º 5/2006
Sumário: 1.- O prazo para interposição de recurso é de 20 dias e se este incidir sobre a reapreciação da prova gravada, é alargado para 30 dias.
2.- Pese embora o recorrente não impugne a matéria de facto com a observância do ónus de especificação imposto pelo artº 412º nºs 3 e 4 CPP, nem havendo lugar a convite para aperfeiçoamento da motivação, sempre beneficiará do prazo mais longo de 30 dias, e daí que se não haja o recurso como extemporâneo.
3.- Consequentemente o não conhecimento da impugnação da matéria de facto não prejudica o conhecimento da matéria de direito, ainda que o recurso seja interposto ao 30.º dia.
4.- A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada.
5.- Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.
6.- Assim o depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova.
7.- Nos casos em que o elemento típico em que se consume o crime pela criação do perigo se projecta em variadas e plurais (tanto no plano da conformação típica como no plano da execução) acções ou dimensões típicas, mesmo com autonomia material, a consumação do crime revela-se, logo no momento de integração de qualquer uma das projecções de tipicidade.
8.- O crime de detenção, como crime exaurido, consuma-se imediatamente no momento da ocorrência de um qualquer dos vários momentos ou das condutas implicados/as na ampla descrição típica do artigo 86.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. O arguido A..., entretanto mais identificado e actualmente na situação de prisão preventiva à ordem dos presentes autos, no EPR de Viseu [cfr. fls. 2.477], foi submetido a julgamento, conjuntamente com outros demais arguidos, ora não recorrentes e/ou recorridos, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusado pelo Ministério Público de agente indiciário de factos que o instituiriam na prática:

- Em co-autoria com o arguido B..., e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal [factos descritos em II), XII -ii) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com o arguido C..., e na forma consumada, de um crime tráfico de armas, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro [factos descritos em III), XII -iii) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com os arguidos B..., D..., E... e F..., e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea d), do Código Penal [factos descritos em IV), XII -iv) e XII -xii) da acusação].

- Em autoria material, e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 3.º, n.º 6, alínea c), e 2.º, n.º 1, alíneas p), q), s), aj) e ar), do mesmo diploma [factos descritos em IV), XII -iv) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com o arguido B..., e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea d), do Código Penal [factos descritos em V), XII -v) e XII -xii) da acusação].

- Em autoria material, e na forma tentada, de dois crimes de coacção, previstos e punidos pelo artigo 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal [factos descritos em VI), XII -vi) e XII -xii) da acusação].

- Em co-autoria com os arguidos B..., F... e G..., e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea f), iii), todos do Código Penal [factos descritos em VII), XII -vii) e XII -xii) da acusação].

No decurso da audiência de julgamento, foi declarado extinto o procedimento criminal relativo ao mencionado crime de furto simples, p. e p. pelo citado art.º 203.º, n.º 1.

Findo o contraditório, por acórdão adrede proferido, e ao ora mais relevante, decidiu-se no que concerne ao dito arguido A...:

- Condená-lo pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, na pena de um (1) ano e 2 (dois) meses de prisão.

- Condená-lo pela prática de um crime de tráfico de armas, p. e p. pelo art.º 87.º, n.ºs 1 e 3, da mesma Lei n.º 5/2006, na pena de dez (10) meses de prisão.

- Condená-lo pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, nas penas de três (3) anos de prisão e de três (3) anos e dois (2) meses de prisão, respectivamente.

- Mais o condenar pela prática de um crime de coacção, sob a forma tentada, p. e p. pelo art.º 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

- Por fim, nos termos do art.º 77.º do último diploma mencionado, e em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2. O mesmo arguido A..., porque desavindo com o teor do assim sentenciado, interpôs recurso, extraindo do requerimento com que minutou a sua discordância, a seguinte ordem de conclusões:

1. A matéria dada como provada nos pontos II; III; IV e V do aresto recorrido, resulta da violação clara das garantias de defesa do arguido recorrente plasmadas no processo criminal, nomeadamente nos art.ºs 6.º, § da CEDH e no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, os quais consagram o princípio da presunção de inocência, daí decorrendo a proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido e o princípio in dúbio pro reo.

2. Porque assim, mantendo o arguido em audiência o silêncio a que tem direito, desse silêncio não se pode retirar um sentido conducente à sua participação em quaisquer factos ilícitos, incumbindo sobre o mesmo, em determinadas circunstâncias, um dever de prestar esclarecimentos, logo, um dever de não usar o direito ao silêncio.

3. A fundamentação da factualidade dada como provada é reveladora da constante inversão do ónus da prova a que procedeu o tribunal recorrido, redundando o silêncio do arguido em seu total desfavor em termos de convicção do tribunal.

4. Desfavor esse agravado pela circunstância de o tribunal ter fundamentado os factos constantes nos números 8 a 12 dos factos provados em declarações de co-arguido e em exclusivo, violando o determinado no art.º 345.º, do Código de Processo Penal, na interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça dele vem mantendo.

5. Inexiste qualquer prova segundo a qual o recorrente haja participado nos factos indicados em 1 supra, pelo que a matéria dos números 13 a 19; 20 a 23 e, 24 a 28 do acórdão sob censura, devem ser considerados como não provados no que a si diz respeito.

6. Não existe qualquer prova da participação em qualquer tráfico de armas, qualquer detenção de arma, que aliás nem sequer ocorreu ainda que se mantivesse a matéria dada como provada.

7. E não existe qualquer prova segura – para além da apreensão de objectos na posse do recorrente –, de que o mesmo os tivesse furtado ou houvesse participado juntamente com outros em qualquer furto.

8. Isto é, nenhuma prova permitia que o arguido acabasse condenado como foi, mostrando-se consequentemente violados os art.ºs 81.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006; 154.º, n.º 1; 22.º; 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.

9. Mesmo concedendo qualquer participação do recorrente nos factos ajuizados, sempre a aplicação de uma pena de prisão superior a 3 anos não poderia deixar de se considerar exagerada, à luz dos critérios inscritos nos art.ºs 10.º e 11.º, do Código Penal.

10. Pena essa que, por sua vez, nenhuma circunstância obstava a que fosse declarada suspensa na respectiva execução, atento o regime consignado pelo art.º 50.º, do Código Penal.

11. Decidindo pela forma em que o fez, o tribunal a quo preteriu os normativos vindos de elencar.

Terminou pedindo que no provimento do recurso, seja revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que declare o eximir da responsabilidade criminal imposta, ou, concedendo a manutenção da sua condenação, o sancione em pena de prisão não superior a três anos de prisão, suspensa na respectiva execução.

1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso interposto.

1.4. Admitido, após reclamação deferida do arguido, ut art.º 405.º, do Código de Processo Penal [fls. 2.405/2.467], foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º do mencionado diploma adjectivo, a Ex.mo Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer: a) conducente à sua rejeição por extemporaneidade, uma vez não poder beneficiar o arguido, atentos os termos em que faz uma pretensa impugnação da matéria de facto, do prazo de 30 dias facultado pelo art.º 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal; b) concedendo todavia a possibilidade da sua apreciação, pugnando pelo respectivo improvimento.

Após cumprimento do estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2, do último diploma citado, seguiu-se resposta do arguido, manifestando a tempestividade da impugnação, e, com ela, do seu provimento atentas as razões oportunamente expendidas.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância impôr a apreciação sumária do recurso, mormente a sua intempestividade, cuja fundamentação se relegou para final, atentas razões de economia e de celeridade processuais, bem como nada obstar ao seu conhecimento de meritis, e, daí que a dever prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos, e submissão à presente conferência.

Cabe, então e agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. O acórdão sob sindicância, no que ao ora recorrente diz respeito, acolheu por provada a seguinte factualidade:

“ (…)

II)

8. No dia 28 de Junho de 2009, o arguido C... decidiu vender uma arma com as características a seguir enunciadas, que este tinha na sua posse: um sabre com cabo em madeira e uma lâmina com 15 centímetros de comprimento, com o número G17257 inscrito, destinada a equipar uma arma de fogo “Mauser”, de 1937, em razoável estado de conservação e sem valor comercial.

9. Encontrou-se com o arguido A..., a quem deu conta do seu propósito, e deslocaram-se ambos, transportando a arma no veículo do arguido A..., ao “ZZ...”, em Nelas, tendo na madrugada do dia 29 de Julho de 2009 decidido regressar a casa do mesmo arguido A....

10. Às 02:15 horas, quando circulavam no veículo do arguido A...e por este conduzido, na E.N. 231 – Mata das Alminhas, no sentido Nelas – Canas de Senhorim, levando consigo a referida arma, que, previamente, o arguido A...havia colocado na bagageira, por baixo da pneu suplente, foram interceptados pela GNR, que procedeu à apreensão do objecto.

11. Nenhum dos arguidos era titular de licença de uso e porte de arma ou de autorização para proceder à sua venda, e a arma referida não se encontrava registada ou manifestada.

12. Ao actuar do modo descrito, os arguidos A...e (…) agiram de forma voluntária, livre e consciente, (…), e o arguido A...concordando em transportar a arma, sabendo a que se destinava, bem sabendo que não tinha licença para a ter na sua posse, nem autorização para a vender, e que a arma não se encontrava registada ou manifestada.

III)

13. Na noite do dia 13 para 14 de Setembro de 2009, os arguidos B..., A..., D..., E... e F... decidiram assaltar a residência de H..., sita no Bairro …, Nelas.

14. Aí chegados, de forma não apurada, partiram a fechadura de uma das portas do rés-do-chão e do primeiro piso, entraram no seu interior, e levaram consigo pelo menos os seguintes objectos (a maior parte dos quais apreendidos nos presentes autos):

- Uma arma de caça, marca “Franchi – Brescia”, calibre 12 milímetros, com dois canos sobrepostos, com alma lisa, sistema de percussão central, sistema de carregamento culatra, sistema de culatra fixa, com coronha e fuste em madeira de cor castanha, com as inscrições “411443” e made in Itália, com o comprimento total de 113 centímetros e o cano com 70 centímetros, em bom estado de conservação e funcionamento, no valor de € 200,00;

- Uma rebarbadora, marca “Bosh”, com o n.º de série 0601342903, no valor aproximado de € 100,00;

- Um martelo eléctrico, marca “hilti”, modelo 21 C-26, sem número de série, no valor aproximado de € 150,00;

- Um conjunto de tarrachas de marca “roller”, no valor aproximado de € 200,00;

- Um rádio CB de marca “kurier 5000”, com micro de marca “phernz”, no valor aproximado de € 150,00;

- Um comando de aparelho receptor satélite, marca “technisat”, no valor aproximado de € 10,00;

- Um comando de aparelho receptor satélite marca “golden intertar”, no valor aproximado de € 10,00;

- 10 frascos de aftershave marca “axe”, no valor aproximado de € 70,00;

- Uns binóculos marca “leica” e respectivo estojo, com o n.º de série 0601342903, no valor aproximado de € 120,00;

- Um gel de barbear, marca “willians”, no valor aproximado de € 7,00;

- 5 DVD´s virgem, marca “phillips”, no valor aproximado de € 5,00;

- 7 CD´s virgem, marca “phillips”, no valor aproximado de € 6,00;

- Um ferro de engomar, com caldeira, marca “laurastar”, no valor aproximado de € 120,00;

- Uma garrafa de whisky “JB”, de valor concretamente não apurado;

- Um relógio de parede, no valor aproximado de € 10,00;

- Um relógio de mesa, de valor concretamente não apurada;

- Um par de auscultadores, no valor aproximado de € 10,00;

- Uma lanterna florescente, no valor aproximado de € 5,00;

- Uma caixa com 38 esferográficas, de valor concretamente não apurado; e,

- Cerca de 150 cartuchos marca “rotweil” de valor concretamente não apurado.

15. Em acto contínuo, os arguidos carregaram os objectos para um veículo e levaram-nos, distribuindo-os entre eles.

16. A arma acima referida foi entregue pelo arguido A...a pessoa não determinada, tendo-a este ido buscar no dia 24 desse mês e voluntariamente entregue à GNR.

17. O arguido A...não detinha licença de uso e porte de arma.

18. Ao agir do modo descrito, os arguidos identificados agiram de forma voluntária, livre e consciente, mediante acordo prévio, em conjugação de esforços, e com o objectivo alcançado de, do modo acima descrito, entrarem na residência do ofendido H…, retirarem do seu interior e fazerem seus os objectos supra indicados, no valor global não inferior a € 1.173,00, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem a autorização e contra a vontade do seu legítimo dono.

19. O arguido A...agiu ainda com o propósito almejado de trazer e ter na sua posse a referida arma, bem sabendo que não tinha licença para o efeito.

IV)

20. Na tarde do dia  …de 2009, o arguido A... dirigiu-se ao estabelecimento comercial “XX..”, em Canas de Senhorim, onde ocorrera um furto nessa madrugada, e onde se encontrava a sua proprietária, J..., e a sua empregada K..., por constar que tinha sido ele, arguido A..., o autor do furto.

21. Aí chegado, dirigiu-se à ofendida J... e, na sequência de uma troca de palavras relacionada com os factos ocorridos nessa madrugada, esta ficou com receio de que o arguido lhe fizesse mal.

22. Acto contínuo, o arguido dirigiu-se a K... e disse-lhe que se o acusasse da prática do furto tinha os dias contados.

23. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o objectivo de, através da expressão por si proferida, atemorizar a ofendida K..., de modo a que esta não testemunhasse contra ele.

V)

24. No dia  …de 2009, após as 19 horas, pelo menos os arguidos B... e A... dirigiram-se a casa do L..., sita na Rua …, Nelas.

25. Aí chegados, destrancaram a porta com recurso a um objecto não apurado, e abriram-na.

26. Do interior da residência, os arguidos levaram um televisor LCD, marca “Samsung”, modelo “LE 32 A451 C1XXC”, no valor de € 539,10, propriedade do ofendido, e que lhe havia sido oferecido pela sua mãe.

27. Dias mais tarde, pelo menos o arguido A...vendeu o referido LCD a ....

28. Ao agir do modo descrito, os arguidos (…) e A...agiram voluntária, livre e conscientemente, mediante acordo prévio, em conjugação de esforços, com o objectivo alcançado de, do modo acima descrito, entrarem e retirarem do interior da residência do ofendido L...Gonçalves, e fazerem seu, o televisor LCD referenciado, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que agiam sem a autorização e contra a vontade do seu legítimo dono.

(…)

55. O arguido A... foi julgado e condenado nos seguintes processos:

a) Por acórdão de 16.6.1998, proferido no processo comum colectivo n.º 5/97, da comarca de Nelas, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 300 dias de multa, pena que foi convertida em prisão, perdoada ao abrigo da Lei de Amnistia de 1999;

b) Por acórdão de 10.7.2000, proferido no processo comum colectivo n.º 566/99, do 1.º Juízo Criminal de Viseu, pela prática de crimes de furto e furto qualificado, na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos;

c) Por acórdão de 2.12.2002, proferido no processo comum colectivo n.º 446/99, do 1.º Juízo Criminal de Viseu, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;

d) Por acórdão de 28.2.2003, proferido no processo comum colectivo n.º 25/99.7 GANLS, da comarca de nelas, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, sujeita a condição.

(…)

60. O arguido A...ajudou o pai nas feiras até há cerca de 2 ou 3 anos, sendo nessa altura pessoa trabalhadora e pacata.

(…).”

2.2. Por seu turno, relativamente a factos não provados (e dito recorrente), consideraram-se enquanto tais que:

(…)

• Os arguidos A...e C...dirigiram-se ao estabelecimento denominado “ZZ...”, em Nelas, na posse da arma, onde contactaram diversas pessoas para venda do referido objecto, sendo que ninguém se mostrou interessado.

• Os referidos arguidos não venderam a arma porque não conseguiram.

• Os arguidos C...e A...combinaram ambos previamente ir vender a arma.

• Os arguidos referidos em 13 conheciam o ofendido por este ter vendido um veículo ao arguido A....

• Os arguidos B..., A..., D..., E... e F..., deslocaram-se à residência do ofendido num veículo pertencente ao arguido A....

• Aí chegados, o arguido B... ficou no carro em que se deslocaram de vigia, de modo a avisar os demais arguidos, caso aparecesse alguém para além deles, enquanto os outros arguidos se dirigiram à residência.

• A fechadura da porta foi partida com recurso a um pé de cabra.

• A arma ficou no período temporal entre o furto e a sua entrega à GNR com o arguido A....

• No dia 14 de Setembro de 2009, os arguidos B... e A... decidiram assaltar o estabelecimento comercial denominado “XX..”, sito em Canas de Senhorim, pertencente a J..., tendo, nessa tarde, questionado a funcionária do mesmo, de nome K…, de modo a perceber o modo de abertura do depósito de moedas da máquina de setas existente nesse estabelecimento.

• Assim, em execução do plano delineado por ambos, na madrugada do dia 15 de Setembro de 2009, os arguidos B... e A...dirigiram-se ao referido estabelecimento.

• Aí chegados, partiram o vidro do lado esquerdo da porta principal, após o que entraram por essa abertura para o interior do estabelecimento.

• Já no interior, e com o recurso e um instrumento concretamente não apurado, partiram a fechadura do depósito de moedas da máquina de setas e retiraram do mesmo diversas moedas, no montante global de € 145,00.

• Em acto contínuo, agarraram em duas garrafas de whisky, marca “J&B”, no valor de € 9,76 cada.

• Após, abandonaram o local referido, saindo pelo mesmo sítio por onde entraram, levando consigo o dinheiro e as garrafas mencionadas.

• Ao agir do modo descrito, os arguidos agiram de modo voluntário, livre e consciente, mediante acordo prévio, em conjugação de esforços, e com o propósito de, do modo descrito, entrarem e retirarem do interior do estabelecimento identificado, e fazerem seus, o dinheiro e objectos acima indicados, o que conseguiram, não obstante saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam sem a autorização e contra a vontade da sua legítima dona.

• Na tarde do dia 15 de Setembro de 2009, o arguido A..., ciente de que M... o tinha indicado à ofendida J... como possível autor do furto ocorrido na madrugada desse dia ao estabelecimento desta, dirigiu-se ao mesmo acompanhado pelo arguido B....

• No decurso da conversa tida com o arguido A..., J... imputou a autoria do furto ocorrido no seu estabelecimento aos arguidos, tendo-lhe o arguido A...dito que podia por um processo em cima dele, mas por falar no nome deles podiam partir as vitrinas e que quando assaltam não é ao pé de casa e que quando assaltam levam tudo.

• O arguido A...disse a K... que ele podia ir para a prisão, mas depois de sair cá estava ele.

• O arguido actuou com o objectivo de, através das expressões por si proferidas, atemorizar a ofendida J..., de modo a que esta não apresentasse queixa.

• No dia 18 de Setembro de 2009, os arguidos F... e G... decidiram assaltar a casa do L... juntamente com os arguidos B... e A....

• Assim, e conforme haviam combinado entre si, entre as 19:00 horas do dia 19 de Setembro de 2009 e as 01:00 horas do dia seguinte, os arguidos B..., F... e G...deslocaram-se no veículo com a matrícula ..., pertencente ao arguido A..., àquela residência.

• Os arguidos sabiam que o ofendido apenas fechava a porta principal com o trinco, e o arguido F... destrancou-a e abriu-a com o recurso a uma chave de fendas.

• Foram os arguidos B... e F... quem entrou no interior da residência.

• Enquanto isso, a arguida G... ficou a vigiar a rua, de modo a avisar os outros arguidos caso aparecesse alguém para além deles.

• Uma vez colocado o televisor no veículo, os três arguidos abandonaram o local, indo ao encontro do arguido A..., a quem entregaram o LCD.

• O arguido A...dividiu o dinheiro obtido com a venda do LCD entre ele e os arguidos B..., F... e N....

(…).”

2.3. Por fim, tem o teor que segue a motivação probatória constante do acórdão recorrido (ainda no que ao ora recorrente contende):

Toda a documentação junta aos autos foi cuidadosamente analisada e ponderada, em conjugação com os depoimentos das testemunhas inquiridas, tendo dessa ponderação crítica resultado a prova e não prova dos factos acima declarados. O benefício de compreensão, passamos a enumerar os principais meios de prova a que este tribunal colectivo recorreu relativamente a cada um dos crimes que constavam da acusação, da seguinte forma:

Factos provados em (…)

II)

Os autos de apreensão e de exame da arma encontram-se a fls. 1.259 e 1.300 dos autos. O arguido C..., nas declarações que prestou em audiência de julgamento, confessou ter saído com o arguido A...e transportado consigo a arma com intenção de a vender, o que era do conhecimento do arguido A..., negando no entanto ter abordado pessoas para o efeito. As condições em que era transportada a arma no veículo conduzido pelo arguido A...foram confirmadas pelas testemunhas O... e P..., cabos da GNR de Nelas que interceptaram os arguidos e apreenderam a arma em questão.

Nenhuma outra prova incidiu sobre os factos declarados como não provados.

III)

Assentou a prova do modo de cometimento do furto e bens furtados da conjugação dos depoimentos do ofendido H... (que confirmou o teor de fls. 474, 506-507, 570-571 e 618-619 dos autos), e dos agentes da GNR  …(cabo-chefe actualmente na reserva), que se deslocou ao local e observou a forma como os autores terão entrado na residência, e confirmando terem os bens furtados sido apreendidos aos arguidos acusados da prática deste crime.

Na verdade, conjugando as relações de bens furtados apresentadas (e aqui confirmadas) pelo ofendido, e os autos de busca e apreensão de fls. 462, 467, 478-482, 488-491 e 497-499, conclui-se que a maioria dos bens furtados se encontravam na posse destes arguidos.

Estes usaram, legitimamente, o direito que têm de não prestar declarações sobre os factos de que foram acusados, daí se não podendo extrair, naturalmente, qualquer conclusão em seu desfavor. Porém, desse seu silêncio não poderemos retirar, de igual forma, uma qualquer interpretação do silêncio favorável aos arguidos sem qualquer outro meio de prova que o sustente. É que, se os arguidos têm o direito de não prestar declarações, poderemos sempre afirmar que, em determinadas circunstâncias, em que tal silêncio lhes seja desfavorável – v.g. em virtude da existência de meios de prova que conduzem à sua participação nos factos criminosos –, caso se pretendam defender, os arguidos têm um autêntico dever de prestar esclarecimentos. O que não sucedeu no caso de que nos ocupamos.

Na verdade, os bens furtados foram apreendidos aos arguidos B..., A..., D..., E... e F..., pouco tempo após ocorrerem os furtos, conforme consta dos autos de busca e apreensão acima mencionados (impondo-se esclarecer que eventuais declarações então prestadas pelos arguidos não podem ser valoradas como meio de prova, atento o silêncio a que recorreram na audiência de julgamento). Na ausência de qualquer explicação para a posse, por parte de cada um dos arguidos, dos bens provenientes dos furtos (que foram reconhecidos pelo proprietário), concluiu-se, de forma natural, pela sua participação no furto.

Quanto à arma, a fls. 462 refere-se ter a mesma sido apreendida ao arguido A....

Porém, em audiência de julgamento, o cabo-chefe da GNR  …declarou ter-lhe o arguido dito que lhe ia trazer a arma (que não estava em sua casa), afirmando que a terá ido buscar a Oliveira do Hospital. …, agente da GNR, declarou que a arma estava na posse de um ucraniano em OHP, a quem o arguido A...os terá conduzido para a apreenderem. Face a estas declarações, não se deu como provado que o arguido tinha a arma na sua posse. Mas certo é que a arma foi subtraída, naquela noite, da casa do ofendido, e só poderá ter sido o arguido A...a retirá-la ao proprietário e entregá-la a terceiro, uma vez que era este arguido que sabia onde a arma se encontrava.

Nenhum facto se provou da participação de qualquer dos arguidos no furto ocorrido na XX.., em Canas de Senhorim, razão pela qual se deram todos os factos descritos na acusação a propósito como não provados.

IV)

No depoimento que prestaram, denotaram as ofendidas J... e K… que se sentiam condicionadas, tendo um permanente cuidado em nada afirmar que colocasse em causa o arguido A..., presente durante o seu depoimento. As referidas testemunhas manifestamente não estavam à vontade, e apenas no final dos seus depoimentos referiram o que ficou a constar dos factos provados: J..., após referir que não se sentiu ameaçada com a forma exaltada com que lhe falou o arguido (não referindo quaisquer expressões), acabou por admitir ter ficado com receio, mas que “com o tempo, cheguei à conclusão que ele não me fazia nada”; K...chegou a afirmar que para si o arguido A...era como um irmão, mas no final do seu depoimento, a instância do mandatário do arguido, acabou por admitir ter-lhe o arguido dirigido a expressão dada como provada, apressando-se a acrescentar que “não foi por mal”. O condicionamento nos depoimentos prestados foi, pois, manifesto.

Resulta destes depoimentos a prova dos factos assim declarados, sendo que a deslocação do arguido ao estabelecimento que havia sido objecto de um furto (cuja autoria se não provou) se prendia com o mesmo, e com o facto de constar ter sido ele o seu autor. Assim, o objectivo do arguido ao dirigira K...aquela expressão provada não pode ter tido outro objectivo senão o de a intimidar para não prestar contra si qualquer depoimento.

V)

O cabo-chefe da GNR descreveu a forma de entrada na habitação, bem como a recuperação do LCD, através do número de série constante da factura e crédito de fls. 263-264, apreendido a .... O ofendido L... referiu que a porta se encontrava fechada, havendo pedaços de madeira no chão, e confirmou o teor de fls. 263-264 e 294, mais afirmando que o LCD lhe havia sido ofertado pela mãe. Finalmente, a testemunha ..., vizinho do arguido A..., admitiu que este, juntamente com o arguido B..., se dirigiu a sua casa para lhe vender o LCD. A presença do arguido B..., juntamente com o arguido A..., só se compreende por ter igualmente interesse naquele negócio, designadamente numa distribuição do produto da venda, pelo que dúvidas não subsistiram da participação de ambos estes arguidos no furto.

Nenhuma prova se produziu sobre a participação dos restantes arguidos, nem sobre os demais factos dados como não provados.

Nenhum meio de prova incidiu sobre a eventual autoria do furto do auto-rádio que se deu como não provado, nada sabendo a testemunha …, da …, sobre autoria do crime, ou a localização do bem furtado.

(…)

- Restantes factos:

Os certificados de registo criminal dos arguidos estão nos autos, tendo-se ainda considerado o depoimento das testemunhas de defesa inquiridas, (…) quanto à sua situação pessoal.”


*

III – Fundamentação de direito.

3.1. Como constitui jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal –, é através das conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, e nas quais deve sintetizar as razões do pedido [artigo 412.º, n.º 1, do mesmo diploma], que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal ad quem.

Nessa perspectiva, porque não ocorre qualquer circunstância conducente àquela intervenção oficiosa, nem, como diremos, de imediato, extemporaneidade do recurso, questões a dirimir serão, pois:

- Mostra-se incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos itens provados n.ºs II, III; IV e V do acórdão recorrido?

- Acaso assim não se entenda, é excessivo o quantum da pena única aplicado que deve antes cingir-se a um máximo de três anos de prisão?

- Ademais suspensa na sua execução?

3.2. De acordo com o art.º 411.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, “Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 são elevados para 30 dias.”

Por outro lado, determina o subsequente art.º 414.º, n.º 2, que “O recurso não é admitido (…), quando for interposto fora de tempo, (…) ou quando faltar a motivação.”   

Estas duas normas têm colocado, como sucede, in casu, a seguinte questão:

Como decidir o recurso, seja sobre a matéria de direito, seja sobre impugnação da matéria de facto, quando o recorrente, utilizando o prazo de 30 dias, para além de impugnar matéria de direito, impugna a decisão sobre a matéria de facto, como enuncia, mas não dá o cumprimento devido ao disposto no artigo 412.º, n.º 3 e respectivas alíneas e n.º 4, do Código de Processo Penal?

Ressalvando o devido respeito, afigura-se-nos, desde logo, que se mostra vedado:

a) Não admitir o recurso relativamente à impugnação da matéria de facto porque há falta de motivação, e sobre a matéria de direito porque interposto fora de prazo – o recurso não foi interposto no prazo de 20 dias.  

b) Não conhecer sequer de direito por se ter decidido não conhecer da impugnação da matéria de facto, argumentando-se que este recurso foi interposto fora de prazo – o recurso não foi interposto no prazo de 20 dias. 

No nosso modesto entendimento, a questão deve colocar-se nestes termos, então:

a) O recurso deve ser admitido – pese embora recaia sobre diferentes matérias (naquilo que é possível autonomizá-las), o recurso é único. 

De acordo com a norma, só a absoluta falta de motivação legitima a não admissão do recurso.

b) Se o recorrente não cumpre o normativo acerca da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ultrapassada a questão de um eventual convite ao aperfeiçoamento [art.º 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal], deve decidir-se não conhecer o recurso nesta parte – impugnação da matéria de facto (pressupondo que as deficiências não permitem mesmo a reapreciação da matéria de facto). 

c) O não conhecimento da impugnação da matéria de facto não prejudica o conhecimento da matéria de direito, ainda que o recurso seja interposto ao 30.º dia.

Isto porquanto:

Do regime legal não resulta um prazo para a impugnação da matéria de facto e outro para a matéria de direito: há um prazo de 20 dias que no caso previsto na norma é elevado para 30 dias.

Ainda que o recorrente expresse a sua intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto de forma inapropriada ou manifestamente insuficiente, o recurso não pode deixar de ser admitido, isto sem prejuízo de não vir a ser conhecido, ou acaso conhecido, ser julgado improcedente. 

Embora se possa conjecturar que se trata de um expediente (a impugnação da matéria de facto) que o recorrente utiliza para ganhar prazo para melhor discutir o direito, será sempre uma conjectura e o tribunal não pode deixar de aplicar a lei, sendo verdade que a não admissão ou o não conhecimento do recurso constituem decisões graves que exigem apoio inequívoco na lei.

Nesta perspectiva, e embora como demonstraremos infra, o recorrente não haja impugnado a matéria de facto em moldes adequados, nem caiba convidá-lo a aperfeiçoar a motivação, sempre beneficiará do prazo mais longo de 30 dias, e daí que se não haja o recurso como impetrado extemporaneamente. 

3.3. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no citado art.º 410.º, n.º 2, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou, através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o subsequente artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos aludidos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do Código de Processo Penal).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do mencionado art.º 412.º).

Aliás, é nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º 4.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;

- A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;

- A que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412.º].

Ora, tanto da leitura da motivação quanto das conclusões resulta cristalinamente que o recorrente não acatou com os ónus aludidos, limitando-se essencialmente a controverter da inadmissibilidade de um dos meios de prova coligidos pelo tribunal a quodas declarações de co-arguido –, bem como da preterição do princípio do in dúbio pro reo, para questionar a convicção formada por esse mesmo tribunal. Concretamente: subtraindo-se aquelas declarações à prova produzida, e não olvidando/menosprezando este princípio, nenhuma outra subsiste capaz de alicerçar, segundo regras da experiência comum, o juízo conclusivo dessa instância.

Por isto também, como já consignado, o não se justificar um convite para que aperfeiçoe as conclusões: não podendo estas inovar relativamente à motivação inicialmente ofertada, de forma alguma poderia agora o arguido vislumbrar nela os elementos indispensáveis, como mister. O que redundará na apreciação da impugnação tal como posta nos autos.

3.3.1. Sobre a validade e alcance das declarações do co-arguido, assumiu a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça uma sintonia de que nos dá nota um seu aresto[1] que acompanharemos, de perto.

Nele começa por relembrar-se o entendimento daqueles para os quais o silêncio do arguido não poderia, em circunstância alguma, desfavorecê-lo.

Todavia, o mesmo silêncio acabaria por prejudicar tal sujeito processual de forma efectiva, caso se aceitassem, como meio de prova as declarações do co-arguido, porquanto se o mesmo estivesse disposto a declarar, bem poderia ter abalado a eficácia da convicção atribuída a quem, com verdade, ou contra a verdade, concordou em prestar declarações. Na mesma lógica argumentativa se referia que o silêncio nunca podia desfavorecer o arguido sendo o exercício do direito ao silêncio a concretização do princípio da presunção de inocência ligado agora directamente ao princípio da preservação da dignidade pessoal.

A culminar tal raciocínio afirmava-se que, atribuindo a lei a faculdade do arguido não estar presente em julgamento, a prestação de declarações por parte dos co-arguidos presentes não poderia ser contraditada pelos ausentes.

Assim, concluíam os defensores de tal posição, impunha-se reconhecer a validade das seguintes regras processuais relativamente aos depoimentos dos arguidos:

1- Os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º, do Código de Processo Penal;

2- Não estão, todavia, impedidos de produzir prova – a chamada prova «por declarações do arguido» – mesmo no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos artigos 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos artigos 343.º e 345.º, todos do Código de Processo Penal. Porém,

3- As declarações assim prestadas, maxime as que o forem em audiência de julgamento, por um ou mais dos co-arguidos – na recorrência, repete-se, de co-arguição – não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros,

4- Servindo tais declarações, no âmbito da co-arguição, única e exclusivamente, como meio de defesa pessoal do arguido ou arguidos que as tiverem prestado – artigo 343.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Logo,

5- Se da motivação da sentença, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, in fine, do referido diploma, constar que as declarações dos co-arguidos – em caso de co-arguição – contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, por violação do disposto nos artigos 323.º, alínea j) e 327.º, n.º 2, entre outros, todos do Código de Processo Penal[2].

Numa outra linha de orientação, menos assertiva, relembram-se aqueles outros que integram as declarações do arguido num tertium genus, admitindo a sua valoração, desde que acompanhada por distintos meios de prova.

Assim, sufraga Teresa Beleza[3] que o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida no Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação.

E, outros autores[4], que as declarações do co-réu deviam ser corroboradas, isto é, o julgador teria de se socorrer de outros meios de prova que lhe permitam confirmar a credibilidade das mesmas concluindo, também, que, quando as declarações dos réus, referentes a co-réus não se encontravam corroboradas por qualquer outra prova o tribunal deveria ser entendido que não constituíam prova suficiente dos factos relatados, dando-os como não provados[5].

O eixo do posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça radica na ideia de que, fundamentalmente, o que está em causa é a posição interessada do arguido, que, assumido o seu impedimento para depor como testemunha, não obsta a que preste declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal cuja admissibilidade se inscreve no artigo 125.º do Código de Processo Penal as declarações do co-arguido podem, e devem, ser valoradas no processo.

Como referem Leal Henriques e Simas Santos, “Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, construir no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho.

É assim a especial posição do arguido que dita o impedimento do mesmo a depor como testemunha dado o seu estatuto especial, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade.”[6]

Continuando na senda do aresto em causa, diremos que importa precisar alguma confusão que está subjacente à cruzada empreendida contra o arguido que produz depoimento incriminatório. Na verdade, uma coisa são proibições de prova que são verdadeiros limites à descoberta da verdade, barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta, a valoração da prova. Nesta última está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais.

Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes co-arguidos.

A resposta deve ser frontalmente afirmativa, dimanando, desde logo, da regra do artigo 125.º do Código de Processo Penal, segundo a qual “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, bem como porque se não antolha qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de uma tal conclusão.

Bem ao invés, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido. Credibilidade que apenas pode ser apreciada em concreto face ás circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.

Na verdade, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade. O que é tanto mais evidente quanto se recorde que por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção.

Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas, A protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas surge, assim, também ela, como finalidade do processo penal. Afirmá-lo é também proteger o interesse da comunidade de que o processo penal decorra segundo as regras do Estado de Direito. São precisamente estas regras do Estado de Direito – que se prendem com os direitos fundamentais das pessoas e que exigem que a decisão final tenha sido lograda de um modo processualmente válido – que vão impedir, em certas situações, a obtenção da verdade material. Isto pode ocorrer, em concreto e p. ex., com a proibição da valoração das provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

Se isto é assim, também é, no entanto, verdade que aquela que foi historicamente a arma do Estado de Direito – a persistência na convicção de que, em todas as circunstancias, os direitos de cada pessoa devem ser defendidos e a sua liberdade salvaguardada – tem vindo a ser relativizada: o Estado de Direito não exige apenas a tutela dos interesses das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução do interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos. Ele exige também a protecção das suas instituições e a viabilização de uma eficaz administração da justiça penal, já que pretende ir ao encontro da verdade material.

Assim, e vendo agora as coisas sob um outro prisma, em certas circunstâncias, para que os interesses assinalados se concretizem, necessário se torna pôr em causa direitos fundamentais das pessoas. O remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, adianta o referido Mestre, estará numa tarefa – infinitamente penosa e delicada – de operar a concordância prática das finalidades em conflito. Tal tarefa implica, relativamente a cada problema concreto uma mútua compressão das finalidades em conflito, de forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível: de cada finalidade há-de salvar-se, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando-se os ganhos e minimizando-se as perdas axiológicas e funcionais.

Se o critério geral reside assim, não na validação da finalidade preponderante à custa da de menor hierarquia ao estilo da teoria do direito de necessidade jurídico-penal – mas sim numa optimização das finalidades em conflito, situações há no entanto em que se torna necessário eleger uma só das finalidades, por nelas estar em causa a intocável dignidade da pessoa humana.

Do que se trata então é do princípio axiológico que preside à ordem jurídica de um Estado de Direito material: o princípio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigação de a respeitar e proteger.

Mas será que tal núcleo fundamental estará por alguma forma violado quando se admite como válido o depoimento incriminatório do arguido e em relação aos restantes arguidos? Será que os direitos de defesa dos seus companheiros no banco dos arguidos são minimamente atingidos se forem observadas as regras processuais de produção de prova? Será que o arguido que opta pelo direito ao silêncio adquire ope legis um direito de veto à produção de outra prova que não aquela que lhe convém? O direito de não se auto incriminar do arguido é conflitual como a colaboração do co-arguido na procura da verdade material?
Responde o acórdão mencionado:

A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada.

Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o principio do nemo tenetur se ipsum accusare que deriva desde logo da tutela jurídico constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico constitucional do principio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio nemo tenetur. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio [art.º 61.º, n.º 1, alínea c)]. Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valoração contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art.º 343.º, n.º 1) como em se tratando de silêncio parcial (art.º 345.º, n.º 1). Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele principio [v. g., art.ºs. 58.º, n.º 2; 61.º, n.º 1, alínea a); 141.º, n.º 4 e 343.º, n.º 1].

A eficácia de tais normas é contrafacticamente assegurada através da sanção da proibição de valoração. Porém, a proibição de valoração incide sobre o silêncio que o arguido adoptou como a melhor estratégia processual e, como é evidente, não poderá repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilizar criminalmente o arguido.
Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.

É evidente que tal argumentação não é aceite para quem, nos processos de grande criminalidade organizada, aposta a defesa dos arguidos no seu silêncio conjunto por uma questão de estratégia processual. Porém, não são tais visões parcelares e parciais que irão contribuir para elucidar a questão em apreço.

Bem ao contrário daquela perspectiva, estamos em crer que o eixo fundamental da mesma questão reside no facto de o depoimento incriminatório estar sujeito ás mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, a sua sujeição à regra da investigação; da livre apreciação e do princípio in dúbio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32.º da Constituição nenhum argumento subsiste à validade de tal meio de prova.
Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação, sendo emergentes de um inviolável direito de defesa, elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova. Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais.

Um dos eixos argumentativos aduzidos em favor da inadmissibilidade do referido depoimento situa-se num eventual direito à mentira que constaria da colectânea de direitos dos arguidos. Assim, argumenta-se, como credibilizar um depoimento produzido por alguém que tem o direito de mentir?

A respeito de tal argumentação é importante esclarecer que uma mentira não é verdade pelo facto de ser repetida até á exaustão e que tal pressuposto é agora, como sempre foi, falso. Nenhum Estado de Direito digno desse nome outorga aos seus cidadãos o direito de mentir em qualquer circunstância e muito menos num processo penal.

Já em 1974 Figueiredo Dias se pronunciava sobre um invocado direito a mentir repudiando-o decididamente. Afirmava o mesmo Professor que nada existe na lei, com efeito, que possa fazer supor o reconhecimento de um tal direito. As soluções legais em matéria de silêncio e de cessação do dever de colaboração explicam-se perfeitamente pela oposição que assim, se quer fazer à velha e odiosa ideia inquisitória, segundo a qual o arguido, enquanto meio de prova, poderia ser obrigado, inclusivamente através de meios de coacção física e psíquica, sem excluir a própria tortura, à prestação de declarações que o incriminassem. E sabe-se como todo o processo penal reformado fez de uma tal oposição um dos seus propósitos mais salientes.

Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade, ou como mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico. A verdade, porém, é que do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais daquele.
Conclui-se, então, que não existe, por certo, um direito a mentir que sirva como causa justificativa da falsidade. O que sucede simplesmente é ter a lei entendido, ser inexigível do arguido o cumprimento do dever de verdade, razão por que renunciou nestes casos a impô-lo.

Porém, uma coisa é a inexigibilidade do cumprimento do dever de verdade pelo arguido, reconduzindo-o a uma mero dever moral, e outra, totalmente distinta, é a inscrição de um direito a mentir do arguido que é inadmissível num Estado de Direito. Mas sendo assim não existe fundamento legal para a menorização do depoimento do arguido a qual, na realidade, não é mais do que uma intolerável presunção de não cidadania ou seja de que colocado perante a possibilidade de escolha o arguido mente.

É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do co-arguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o animo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.

Para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal e se converte numa declaração objectivada e superadora de uma eventual suspeita inicial que pesa contra a mesma. Assim, estamos em crer que é importante, em sede de credibilização do depoimento que o mesmo seja corroborado objectivamente.

Não se trata de criar à partida, em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido incriminatório dos restantes arguidos em termos de admissibilidade como meio de prova, entrando, como já se afirmou, num zona de uma inadmissível prova tarifada, mas sim de uma questão de credibilidade daquele depoimento em concreto. Não se pode deixar de referir que numa posição de menor exigência se situa Viegas Torres quando, em relação ao sistema judicial espanhol, refere que o valor probatório da declaração incriminatória de um coimputado tem sido discutido alegando-se que estes testemunhos são, em geral interessados e pouco ou nada objectivos. Frente a tais afirmações, afirma, a jurisprudência afirmou, com carácter geral a validade probatória das declarações de coimputados. A jurisprudência parece considerar que não é regra geral a presença de factores que tirem a necessária objectividade ao testemunho do coimputado pelo que não há razões para negar valor probatório ao dito testemunho. A excepcional concorrência de circunstâncias que podem afectar a fiabilidade da declaração incriminatória de um coimputado terá de apreciar-se caso por caso O depoimento do co-arguido pode destruir a presunção de inocência dos restantes desde que o tribunal se convença de que o mesmo é credível.

Será, pois, a nível de valoração em concreto do depoimento produzido que se coloca a questão da relevância do depoimento do arguido. Como refere Carlos Clement Duran a imputação que um co-acusado realiza contra outro co-acusado tem o grande atractivo de que a faz quem aparece como um directo conhecedor do facto em juízo e incluso nada perde ou ganha ao incriminar o co-acusado porque, assim, está a assumir a sua própria responsabilidade penal.

Porém pelo seu próprio peso específico já que as possibilidades defensivas do incriminado são reduzidas importa um juízo crítico rigoroso sobre o valor de tal imputação e que permita concluir que a incriminação que a mesma contem não corresponde a um interesse espúrio. Compreende-se, assim, a importância que se atribui ao facto de tais manifestações incriminatórias estarem acompanhadas de algum dado ou elemento de carácter objectivo que lhes dê credibilidade e devam ser uniformes e reiteradas, evidenciando a credibilidade do acusado que as realiza.

Na esteira do Autor citado entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação.

Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.

3.3.2. Segundo argumento aduzido pelo recorrente no intuito de lograr obter a reclamada alteração à matéria de facto, o de que se verificaria uma preterição ao princípio in dúbio pro reo que, sabemos, é um dos princípios estruturantes do processo penal, ao qual a regra da livre apreciação da prova está sujeita.

Com efeito, o artigo 32.º da Lei Fundamental inclui entre as garantias do processo criminal, no seu n.º 2, a de que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…).”

O princípio da presunção de inocência, ali consagrado, “integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (art.º 18.º, n.º 1 da CRP.)”[7].

“A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dúbio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade. Se a final da produção de prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória.”[8]

O princípio in dúbio pro reo é, pois, uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal.
Pressupondo a violação deste princípio um estado de dúvida no espírito do julgador, deve a mesma ser tratada, nesta perspectiva, como erro notório na apreciação da prova.

Assim sendo, para que se possa afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dúbio pro reo, terá de resultar de forma evidente do texto da sentença recorrida – por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou então dos juízos lógicos que possam ser efectuados sobre a factualidade em apreço, ou a prova documental plena que não haja sido atendida – que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

O que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.

3.3.3. Na posse destes considerandos, é já possível avançar para o caso sub judicio.

Começa o recorrente por controverter a circunstância de a materialidade inserta nos itens n.ºs 8 a 12 dos factos provados apenas ter tido como motivação as declarações prestadas em audiência pelo co-arguido C....

A motivação probatória correspondente dá-nos nota, com efeito, da importância atribuída a estas declarações, pois, exarou-se [O arguido C..., nas declarações que prestou em audiência de julgamento, confessou ter saído com o arguido A...e transportado consigo a arma com intenção de a vender, o que era do conhecimento do arguido A..., negando no entanto ter abordado pessoas para o efeito.]

Sucede, porém, que não foram elas o arrimo exclusivo da convicção formada pelo tribunal a quo, no que concerne. Na verdade, como também resulta da motivação em causa, relevaram ademais os autos de apreensão e de exame da arma constantes de fls. 1.259 e 1.300, bem como as declarações prestadas na mesma audiência pelos agentes policiais O... e P..., os quais surpreenderam o recorrente e o co-arguido C... fazendo-se transportar num veículo daquele, sendo que aí foi encontrada a arma em causa, debaixo de um pneu suplente, conforme colocação feita pelo primeiro deles.

Como assim, não colhe tal oposição do recorrente.

Recorrente que ainda alega sequer poder preencher a matéria assente a prova de qualquer participação em crime de detenção de arma, como concluiu o aresto sindicado.

Sem razão, contudo, pois que, nos crimes de perigo, como é classificado o crime de detenção de armas, a protecção é recuada a momentos iniciais da acção, independentemente da produção de qualquer resultado. Por isso, a acção do agente não se destina à produção de um resultado, mas tem de ser apenas determinada à execução de um facto que por si só constitui o elemento gerador do perigo típico para os bens jurídicos tutelados.

Aliás, como se anotou em aresto do STJ[9], escrevendo-se, embora estando em causa um crime de tráfico de estupefacientes:

“O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, designação que significa, que aquele ilícito criminal fica consumado com a prática do primeiro acto de execução, independentemente de se vir a praticar na sua totalidade o acto pretendido pelo agente.

O crime exaurido constitui uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados é, ou pode ser, imputada a uma realização única. É desta forma, aquele em que o resultado típico se obtém logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a continuação da mesma, mesmo com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal.

Cada actuação do agente, no crime exaurido, traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é normalmente tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime.”

Acto contínuo, questiona o arguido A...da bondade da consideração como provada da factualidade inserta nos pontos 13 a 28 da mesma decisão.

Em rigor, tal discordância do recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal a quo.

A propósito, vem-se sustentando que “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”

No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores:

“Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.”

Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso quando se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.

Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.”

Regras que sobrelevam sobremaneira nos casos em que a prova produzida não assente em meios directos de percepção dos factos.

Como se anotou num aresto do STJ[10], a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade processual não é mais, nem pode ser diversa, da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos.

Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos.

Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras de experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.

A observação e verificação do homem médio constituem o modelo referencial.

Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.

Relevantes, pois, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.

A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349.º, do Código Civil: “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um tacto desconhecido.”

Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência.”
[11]

Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». “São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar.”[12]

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre a base e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção[13].

Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.

A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.

O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta da certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada.

Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui inclusive um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da existência dos vícios do citado artigo 410.º, n.º 2[14].

A prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis in natura, no plano da observação imediata, física e sensorial, só pode ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos individuais, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações.

Estes elementos de construção e apreciação permitirão o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), como resultado de uma conclusão sustentada, e por isso afastando uma apreciação dominada pelas impressões.

Nesta perspectiva metodológica, as regras da experiência são a base e o limite do resultado, positivo ou negativo, de uma presunção natural, como critério, ou no rigor, regra normativa de prova.

Com uma de duas possíveis consequências.

Pode verificar-se um afastamento entre a base da presunção (o facto conhecido, preciso e determinado) e o facto desconhecido (objecto de prova), de tal modo que a relação se situa apenas no simples domínio das possibilidades físicas e materiais, sem proximidade que caiba nos limites razoáveis do id quod; neste caso, o facto desconhecido não poderá considerar-se como assente. Mas, ao invés, as regras da experiência podem determinar que, segundo a normalidade das coisas, dos comportamentos e da apreciação externa comum e referencial sobre a causalidade e a sequência, um facto ou uma série de factos conhecidos não se compreende, nem por si tem relevante significado autónomo e não apresenta qualquer sentido, razão ou explicação, se não for pelas consequências normais e típicas que a experiência das coisas e da vida lhe associa; neste caso, a presunção deve ser estabelecida: os factos serão precisos e concordantes.

In casu, e relativamente aos itens n.ºs 13 a 19 e 24 a 28 os factos conhecidos são claros e precisos: a detenção na posse do recorrente e outros dos co-arguidos de bens subtraídos aos seus legítimos proprietários e a sua deslocação, conjuntamente com o co-arguido B..., a casa da testemunha H… no intuito de lhe venderem o LCD subtraído ao ofendido L.... 

Em tais circunstâncias, as regras da experiência comum apontam para que, salvo anormalidade de comportamento, ninguém dispõe de bens alheios, sem que justifique a sua detenção, a sua proveniência; segundo a normalidade das coisas tal detenção ou é ou não é justificada.

Nestes dois particulares, a fundamentação da decisão recorrida baseou-se, relembramos, no seguinte:

“III

Assentou a prova do modo de cometimento do furto e bens furtados da conjugação dos depoimentos do ofendido H... (que confirmou o teor de fls. 474, 506-507, 570-571 e 618-619 dos autos), e dos agentes da GNR (cabo-chefe actualmente na reserva), que se deslocou ao local e observou a forma como os autores terão entrado na residência, e confirmando terem os bens furtados sido apreendidos aos arguidos acusados da prática deste crime.

Na verdade, conjugando as relações de bens furtados apresentadas (e aqui confirmadas) pelo ofendido, e os autos de busca e apreensão de fls. 462, 467, 478-482, 488-491 e 497-499, conclui-se que a maioria dos bens furtados se encontravam na posse destes arguidos.

Estes usaram, legitimamente, o direito que têm de não prestar declarações sobre os factos de que foram acusados, daí se não podendo extrair, naturalmente, qualquer conclusão em seu desfavor. Porém, desse seu silêncio não poderemos retirar, de igual forma, uma qualquer interpretação do silêncio favorável aos arguidos sem qualquer outro meio de prova que o sustente. É que, se os arguidos têm o direito de não prestar declarações, poderemos sempre afirmar que, em determinadas circunstâncias, em que tal silêncio lhes seja desfavorável – v.g. em virtude da existência de meios de prova que conduzem à sua participação nos factos criminosos –, caso se pretendam defender, os arguidos têm um autêntico dever de prestar esclarecimentos. O que não sucedeu no caso de que nos ocupamos.

Na verdade, os bens furtados foram apreendidos aos arguidos B..., A..., D..., E... e F..., pouco tempo após ocorrerem os furtos, conforme consta dos autos de busca e apreensão acima mencionados (impondo-se esclarecer que eventuais declarações então prestadas pelos arguidos não podem ser valoradas como meio de prova, atento o silêncio a que recorreram na audiência de julgamento). Na ausência de qualquer explicação para a posse, por parte de cada um dos arguidos, dos bens provenientes dos furtos (que foram reconhecidos pelo proprietário), concluiu-se, de forma natural, pela sua participação no furto.

Quanto à arma, a fls. 462 refere-se ter a mesma sido apreendida ao arguido A....

Porém, em audiência de julgamento, o cabo-chefe da GNR  …declarou ter-lhe o arguido dito que lhe ia trazer a arma (que não estava em sua casa), afirmando que a terá ido buscar a Oliveira do Hospital. …, agente da GNR, declarou que a arma estava na posse de um ucraniano em OHP, a quem o arguido A...os terá conduzido para a apreenderem. Face a estas declarações, não se deu como provado que o arguido tinha a arma na sua posse. Mas certo é que a arma foi subtraída, naquela noite, da casa do ofendido, e só poderá ter sido o arguido A...a retirá-la ao proprietário e entregá-la a terceiro, uma vez que era este arguido que sabia onde a arma se encontrava.

Nenhum facto se provou da participação de qualquer dos arguidos no furto ocorrido na XX.., em Canas de Senhorim, razão pela qual se deram todos os factos descritos na acusação a propósito como não provados.

(…)

V)

O cabo-chefe da GNR  …descreveu a forma de entrada na habitação, bem como a recuperação do LCD, através do número de série constante da factura e crédito de fls. 263-264, apreendido a .... O ofendido L... referiu que a porta se encontrava fechada, havendo pedaços de madeira no chão, e confirmou o teor de fls. 263-264 e 294, mais afirmando que o LCD lhe havia sido ofertado pela mãe. Finalmente, a testemunha ..., vizinho do arguido A..., admitiu que este, juntamente com o arguido B..., se dirigiu a sua casa para lhe vender o LCD. A presença do arguido B..., juntamente com o arguido A..., só se compreende por ter igualmente interesse naquele negócio, designadamente numa distribuição do produto da venda, pelo que dúvidas não subsistiram da participação de ambos estes arguidos no furto.”

Tal fundamentação mostra-se a coberto de qualquer censura.

O tribunal não pode, é certo, extrair consequências negativas para o acusado do exercício por este do direito ao silêncio.

Porém, se do dito, ou do não dito pelo arguido não podem ser directamente retirados elementos de convicção, o que disser, ou sobretudo o que não disser, não pode impedir que se retirem as inferências que as regras da experiência permitam ou imponham.

O direito ao silêncio e de não contribuir para a própria incriminação constituem normas internacionais geralmente reconhecidas e que estão no núcleo da noção de processo equitativo.

O princípio nemo tenetur previne uma «coerção abusiva» sobre o acusado, impedindo que se retirem efeitos directos do silêncio, em aproximação a um qualquer tipo de ónus de prova formal, fundando uma condenação essencialmente no silêncio do acusado ou na recusa deste a responder a questões que o tribunal lhe coloque.

Mas o princípio e seu conteúdo material não podem impedir o tribunal de tomar em consideração um silêncio parcial do interessado nos casos e situações demonstrados e evidentes e que exigiriam certamente, pelo seu próprio contexto e natureza, um explicação razoável para permitir a compreensão de outros factos suficientemente demonstrados imputados ao acusado[15].

Nos casos em que o tribunal pode e deve efectuar deduções de factos conhecidos (usar as regras das presunções naturais como instrumento de prova), o silêncio parcial do acusado, que poderia certamente acrescentar alguma explicação para enfraquecer uma presunção, não pode impedir a formulação do juízo probatório de acordo com as regras da experiência, deduzindo um facto desconhecido de uma série de factos conhecidos e efectivamente demonstrados.

Surpreendido na posse de parte dos bens subtraídos e confrontado com o depoimento da testemunha H… nos termos sobreditos, impunha-se a conclusão extraída pelo tribunal a quo da comparticipação do recorrente nos dois ilícitos em questão.

Por fim, e quanto à factualidade de IV, significativa a argumentação aduzida também na 1.ª instância para fundamentar o seu acolhimento:

“IV)

No depoimento que prestaram, denotaram as ofendidas J... e K… que se sentiam condicionadas, tendo um permanente cuidado em nada afirmar que colocasse em causa o arguido A..., presente durante o seu depoimento. As referidas testemunhas manifestamente não estavam à vontade, e apenas no final dos seus depoimentos referiram o que ficou a constar dos factos provados: J..., após referir que não se sentiu ameaçada com a forma exaltada com que lhe falou o arguido (não referindo quaisquer expressões), acabou por admitir ter ficado com receio, mas que “com o tempo, cheguei à conclusão que ele não me fazia nada”; K...chegou a afirmar que para si o arguido A...era como um irmão, mas no final do seu depoimento, a instância do mandatário do arguido, acabou por admitir ter-lhe o arguido dirigido a expressão dada como provada, apressando-se a acrescentar que “não foi por mal”. O condicionamento nos depoimentos prestados foi, pois, manifesto.

Resulta destes depoimentos a prova dos factos assim declarados, sendo que a deslocação do arguido ao estabelecimento que havia sido objecto de um furto (cuja autoria se não provou) se prendia com o mesmo, e com o facto de constar ter sido ele o seu autor. Assim, o objectivo do arguido ao dirigira K...aquela expressão provada não pode ter tido outro objectivo senão o de a intimidar para não prestar contra si qualquer depoimento.”

Aliás, aqui é bem ténue o esforço do recorrente em descredibilisar o juízo assumido.

O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1.ª instância.

É que, a credibilidade das provas (o seu mérito ou demérito) e a convicção criada pelo julgador da 1.ª instância “tem de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores”, fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento, “onde para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam.”[16]

Posto isto, não esquecendo que o princípio da livre apreciação da prova [art.º 127.º, do Código de Processo Penal] também se aplica ao tribunal da 2.ª instância, importa “saber se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta.”[17]

E, claro, há que ter presente que, com as provas “pretende-se comprovar a realidade dos factos”, ou seja, pretende-se “comprovar a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica”[18], criar no juiz um determinado convencimento.

Produzidas as provas em audiência de julgamento, o julgador terá de as apreciar, com vista à sua valoração.

Para esse efeito vai desencadear dois tipos de juízos ou operações que estão intimamente relacionados entre si: o primeiro tem a ver com a interpretação das provas e, o segundo com a valoração propriamente dita dessas mesmas provas[19].

O que implica um exercício de comparação (entre, por um lado, os factos alegados pela acusação e pela defesa e, por outro, as afirmações instrumentais, decorrentes das provas produzidas, que se reputaram como certas e reais) que irá conduzir a uma necessária dedução de factos (dedução de um facto a partir de outro ou outros factos que se deram previamente como provados através do referido exercício de comparação)[20].

Quando procede à apreciação das provas, o julgador está sujeito a determinados limites que tem de respeitar, nomeadamente, decorrentes da vinculação temática e do funcionamento do princípio da livre apreciação da prova [aludido art.º 127.º], bem como das respectivas “excepções” ou limitações.

A decisão sobre a matéria de facto há-de ser, assim, “o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz.”[21]

Pois bem, auditando-se as declarações das ofendidas, o que se descortina é haverem elas deposto no sentido mencionado na decisão recorrida. E, tais depoimentos, apreciados nos termos vindos de elencar, apenas conduzem ao juízo acolhido, como dito. Limita-se o recorrente a tentar sobrepor a sua convicção àquela que foi a do tribunal a quo, tarefa arredia a uma impugnação adequada da matéria de facto.

Por último de referir não se descortinar qualquer atropelo ao princípio do in dúbio por reo cujo conteúdo e alcance acima se explanou.

Em verdade, no texto do acórdão em crise, não se vislumbra que as M.mas julgadoras tenham tido dúvidas sobre a prova dos factos impugnados pelo recorrente. Ao invés, a decisão recorrida procedeu à indicação dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção, destrinçando aqueles que lhe mereceram e os que não lhe mereceram credibilidade em conjugação com as regras da experiência comum, evidenciando, de forma pormenorizada, perfeitamente perceptível e lógica, as razões pelas quais concluiu considerou como provados (parte) dos factos que vinham imputados ao recorrente e dos quais se extrai a sua culpa.

Sendo, pois, evidente que os julgadores conseguiram dirimir a dúvida inicial, após a produção de prova, alicerçando a sua convicção, entre as opções possíveis, naquela que, segundo as regras da vida, se apresentava como a mais lógica e racional, não se verificou qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.

Em suma, devemos ter por definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto, acima transcrita, a qual se mostra devidamente sustentada e fundamentada.

3.4. Devendo, pois, subsistir a condenação do recorrente pelos ilícitos elencados na decisão recorrida, tarefa subsequentemente imposta a de verificarmos se o quantum da pena única aplicado deve cingir-se a um máximo de três anos de prisão.

O recorrente não precisa, com rigor, se a sua irresignação vai contra as penas parcelares aplicadas, ou contra a pena única resultante do cúmulo jurídico logo operado.

Em todo o caso, diremos não colher nenhuma destas oposições.

3.4.1. Dispõe o artigo 40.º do Código Penal, que “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – n.º 1, e que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – n.º 2.

Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador defi­nir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.

A norma do artigo 40.º condensa, assim, em três proposi­ções fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.

Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «anta­gonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.

O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40.º determina, por isso, que os critérios do subsequente artigo 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre a culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.

O modelo de prevenção – porque de protecção de bens jurídicos – acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na ma­nutenção (e reforço) da validade da norma violada[22].

A medida de prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (pro­tecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do aludido artigo 71.º têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de preven­ção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circuns­tâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependi­mento), ao mesmo tempo que também transmitem indica­ções externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

No caso, a decisão recorrida ponderou com critério e de acordo com o vindo de explanar, as circunstâncias relevantes à tarefa de determinação das medidas concretas das penas relativas aos crimes cometidos pelo recorrente.
Com efeito, ponderou quanto ao crime de tráfico de armas – e, uma vez assente que os arguidos (recorrente e C...) transportaram um sabre (arma branca sem valor) com a finalidade inicial de tal arma ser vendida; que tal venda não se operou, nem consta que o tenham tentado fazer, ao invés do que constava da acusação; e que foram interceptados pela GNR, que apreendeu a arma, já no regresso a casa, podendo-se extrair terem desistido dos seus intentos –, a possibilidade, que utilizou, de recurso ao estatuído pelo n.º 3 do art.º 87.º da Lei n.º 5/2006 [“A pena pode ser especialmente atenuada ou não ter lugar a sua punição se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela provocado, impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique ou auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.”]”; quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de coacção na forma tentada, cometido pelo recorrente, correspondendo-lhe, em alternativa, pena de prisão ou de multa, vistos os critérios do art.º 70.º, do Código Penal [“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”], atentando ao facto de já ter antecedentes criminais e nos presentes autos estar ainda a responder pelo indicado de tráfico de armas, optou pela detentiva que depois graduou, como as restantes, considerando as necessidades de prevenção geral, bem como:

• O elevado grau de culpa com que foram praticados todos os crimes, pois que sempre com dolo directo;

• O elevado grau de ilicitude demonstrado pelos arguidos no modo de cometimento do assalto à residência de H…;

• A colaboração do recorrente na recuperação da arma furtada;

• O curto espaço de tempo (dias) que mediou a prática de alguns dos crimes – v.g., a prática, pelo arguido recorrente e pelo arguido B..., dos crimes provados em III) e V), a saber, 5 dias, sendo que nesse período foi ainda praticado pelo arguido A...o crime de coacção na forma tentada;

• O passado criminoso do arguido recorrente, anteriormente condenado, por 4 vezes distintas, pela prática de crimes de furto, em penas não privativas da liberdade, extraindo-se com segurança que tais penas não serviram de advertência para o afastar do crime, demonstrando elevadas necessidades de prevenção especial.

Seja, sem reparo que caiba fazer-se.

3.4.2. Maia Gonçalves[23], salienta que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário.”

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever-ser jurídico-penal.

Como acentua Figueiredo Dias[24], “ (…) o substrato da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-jurídicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-jurídicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal.

A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.”

Perante concurso de crimes e de penas há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo condenado é a expressão de uma tendência criminosa ou se a repetição emerge antes de factores meramente ocasionais[25].

No que concerne à determinação da pena única deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso[26], e cuja inobservância determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, alínea a) e/ou c), do Código de Processo Penal.

Mais acentua o mesmo Autor[27] que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”

Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004[28], a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso[29].

Na expressão de arestos do mesmo STJ[30], na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

Como refere Cristina Líbano Monteiro[31], o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

O acórdão da 1.ª instância, embora se mostre parcimonioso no que concerne (fls. 2.136), contém todavia os elementos que dos autos resultavam como necessários à operação em causa. Isto é, aqueles que apontavam no sentido de o recorrente ter uma personalidade atreita à prática de delitos contra o património e que as anteriores condenações em nada contribuíram para minorar. Atentando sobremaneira nesse aspecto, aquilatou da pena conjunta em moldes que também não cabe censurar.

3.5. Atento o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal [18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa], sempre a determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade, deverá restringir-se aos casos de manifesta necessidade, adequação ou idoneidade e proporcionalidade, respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão [27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 da mesma Lei Fundamental], bem como as finalidades da punição.

Por sua vez, atento o disposto no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, “O tribunal apenas suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

A actual redacção deste preceito, resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, alterou de 3 para 5 anos de prisão aquele primeiro pressuposto objectivo ou formal, muito embora sujeite obrigatoriamente a regime de prova os períodos de suspensão superiores a 3 anos ou quando o condenado não tiver ainda completado 21 anos, à data do cometimento do correspondente crime [53.º, n.º 3].

A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado[32].

Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.

Daí que a suspensão da execução surja como um nítido factor de inclusão social, optando-se, ao fim e ao cabo, por manter o condenado em liberdade, ainda que limitada por certos deveres ou condições ou mesmo sujeito a regime de prova, possibilitando que se mantenham ou incrementem as condições de sociabilidade e evitando-se os riscos de fractura familiar, social ou laboral.

Assim, essa suspensão é uma nítida opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se.

Aliás, o facto do condenado já ter anteriormente sofrido outras condenações poderá nem ser um obstáculo à suspensão da execução da pena de prisão, principalmente quando os crimes foram todos praticados anteriormente à primeira condenação[33].

Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).

Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados (função de prevenção geral) e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica[34].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Será pois na dupla perspectiva de ressocialização do condenado e de tutela do ordenamento jurídico, na vertente de obtenção da paz jurídica, que deverá ser perspectivado e efectuado aquele juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão.

No entanto o ponto de partida será sempre o momento da decisão condenatória e não da prática do crime, podendo circunstâncias posteriores à prática criminosa influenciar positiva ou negativamente esse juízo de prognose[35].

E isto porque é no momento em que se procede a julgamento que se poderá antever se a suspensão poderá ou não favorecer a integração do arguido na sociedade, sem pôr em causa as finalidades político-criminais de aplicação das penas.

Ora, no caso vertente, falece desde logo o exigível pressuposto formal ou objectivo de condenação do recorrente a pena de prisão não superior a cinco anos.

O que tudo redunda na impossibilidade de convocação do regime disciplinado pelo art.º 50.º em causa.


*

IV – Decisão.

São termos em que pelos fundamentos expostos, negamos provimento ao recurso interposto, e, consequentemente, mantemos o aresto recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 6 UCs.

Notifique.


*

Brízida Martins (Relator)

Orlando Gonçalves


[1] Datado de 3 de Setembro de 2008, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Santos Cabral, no processo n.º 08P2044, acessível em www.dgsi.pt, relembrando o que, a propósito, se escrevera, por sua vez, em anterior aresto desse mesmo Tribunal, de 27 de Novembro de 2007.
[2] Confrontar, por todos, Rodrigo Santiago, in “Reflexões sobre as declarações do arguido como meio de prova no código de processo penal de 1987”, Revista Portuguesa de Ciências Criminais, 1994, pág. 27.
[3] «Tão amigos que nós éramos …», in Revista do Ministério Público, n.º 74, pág. 39.
[4] Mormente Medina de Seiça, in O conhecimento probatório do co-arguido, págs. 212 e segs.
[5]  Cfr. A...Vasquez Sotelo, in Presuncion de Inocencia del Imputado e Intima Conviccion del Tribunal, pág. 134.
[6] Código de Processo Penal, Anotado, I, pág. 847.

[7] Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, t. II, pág. 108.
[8] Cfr. Constituição Portuguesa Anotada de Jorge Miranda e Rui Medeiros, t. I, pág. 356.
[9] Datado de 16 de Junho de 2010, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Pires da Graça, no âmbito do processo n.º 273/08.0 JELSB-B.E1-A.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[10] Prolatado a 6 de Outubro de 2010, sendo relator o Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar, no processo n.º 936/08-3.ª JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Cfr, v. g., Vaz Serra, in Direito Probatório Material, BMJ, n.º 112 pág. 190.
[12] Cfr. Carlos Maluf, em “As Presunções na Teoria da Prova”, Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São B..., volume LXXIX, pág. 207.


[13] Cfr. Vaz Serra, ibidem.

[14] Cfr, a propósito, o acórdão do mesmo STJ, de 7 de Janeiro de 2004, in pr
ocesso n.º 3213/03.

[15] Cfr., v.g., o acórdão do TEDH, de 8 de Fevereiro de 1996, caso John Murray v. United Kingdom. Par. 46 e 47, mencionado no elencado aresto do STJ, de 6 de Outubro de 2010.


[16] Ac. do STJ de 9/7/2003, proferido no processo n.º 3100/02, relatado por Leal-Henriques (consultado no mesmo site do ITIJ).
[17] Assim, Ac. do TRG proferido no recurso n.º 1016/2005, relatado pela Ex.ma Desembargadora Nazaré Saraiva.
[18] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2.ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”. No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra: Coimbra Editora, Limitada, 1985, pp. 435-436, quando afirmam que “a prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto. (…) É o juiz da causa ou o tribunal colectivo, consoante as circunstâncias, que há-de convencer-se da realidade do facto, para que este se considere provado e se lhe possa aplicar a estatuição da norma que o tem como pressuposto”. Também Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales (obra compilada dos manuscritos do Autor por E. Dumont, trad. de Manuel Ossorio Florit), Granada: Comares, 2001, p. 22, refere que a prova é «um meio que se utiliza para estabelecer a verdade de um facto, meio que pode ser bom ou mau, completo ou incompleto».
[19] Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 91. Citando Jiménez Conde, F. (La apreciación de la prueba legal, cit., p. 122), refere, na nota 81, que este Autor, a propósito da apreciação das provas, observa que não se podem confundir os dois tipos de juízos que lhe estão subjacentes: «1.º a averiguação dos dados fácticos ou juízos de facto particulares que são trazidos pelas provas produzidas, independentemente da sua verdade ou falsidade; 2.º a fixação do concreto valor que se há-de conceder a esses mesmos meios de prova, ou, o que é igual, a decisão quanto à credibilidade dos resultados fácticos por eles produzidos, ou juízo sobre o grau de correspondência desses resultados fácticos com a realidade histórica objectiva do facto questionado. A primeira dessas operações constitui, como alguns autores lhe chamam, a interpretação das provas, enquanto a segunda se refere mais propriamente à sua valoração. E ambas se integram no conceito de apreciação das provas, como actividade complexa que as abarca».
[20] Neste sentido, Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 94.
[21] Assim, Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no processo n.º 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), chamando à atenção para o que se escreveu em Ac. de 8/2/99, em recurso de apelação do processo n.º 1/99 do Tribunal de Círculo de Chaves.
[22] Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e segs.
[23] In Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277.
[24] Em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185.
[25] Cfr., v.g., acórdão do STJ, datado de 20 de Janeiro de 2010, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Raul Borges, no âmbito do processo n.º 392/02.7 PFLRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[26] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1.
[27] No § 421, págs. 291/2, da ob. cit.
[28] In Colectânea de Jurisprudência (STJ), 2004, Tomo 2, pág. 191.
[29] Cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª, de 18-04-2007, processo n.º 1032/07-3.ª; de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07-5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3.ª.
[30] Acórdãos de 20-02-2008, processo n.º 4733/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª, e de 8-10-2008, processo n.º 2858/08-3.ª.
[31] A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166.
[32] Acórdãos do STJ de 9 de Janeiro de 2002, in recurso n.º 3026/01-3.ª, e, de 18 de Outubro de 2007, in recurso n.º 3185/07.

[33]  Cfr. Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2008, in CJ (S), Tomo I.

[34]  Acórdão do STJ de 26 de Setembro de 2007, in recurso n.º 2579/07.
[35]  Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2001, in CJ (S), II, pág. 201.