Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO RENOVAÇÃO CARÁCTER SUPLETIVO DO PREVISTO NO ARTIGO 1096.º N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENICHE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 9.º, 1; 12.º; 1095.º, 2; 1096.º, 1 E 1097, 1, B) E 3, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I - O artº 1096º nº1 do CC não se reporta ao conteúdo da relação jurídica - qual seja ao direito, em si mesmo, à renovação do contrato - , mas antes rege sobre o facto que define e consubstancia tal direito à renovação e é condição da sua atribuição, qual seja: o período de tempo –prazo – pelo qual a renovação se estenderá; pelo que não se aplica retroativamente aos contratos já celebrados à data da sua entrada em vigor – artº 12º nº2 , 1ª parte do CC.
II - Tal preceito tem cariz supletivo, pelo que o contrato de arrendamento para habitação com prazo certo pode renovar-se por períodos inferiores a três anos; sem prejuízo, nos casos em que as partes prevejam tal renovação, de o contrato dever durar pelo menos três anos, não tendo assim a oposição à renovação por banda do senhorio efeitos antes de decorrido este lapso de tempo – artº 1097º nº3 do CC. | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: Fernando Monteiro Luís Cravo
ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. A..., S.A., apresentou contra AA, e BB, todos com os sinais dos autos, procedimento especial de despejo junto do Balcão Nacional de Arrendamento.
Pediu: A desocupação do imóvel situado na Rua ..., ..., .... Alegou, em suma: - em 01/12/2016, a Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliários Fechado para Arrendamento Habitacional, com o NIPC ...45, celebrou com os requeridos um contrato de arrendamento para habitação permanente, com prazo certo, tendo por objeto a referida fração autónoma, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes; - o imóvel locado foi vendido à requerente, por escritura pública de compra e venda e transmissão do imóvel inclui a transferência da posição de locador, mantendo-se o contrato com todos os seus deveres e obrigações; - por cartas registadas com aviso de receção remetidas em 17/07/2023 e 11/08/2023 a cada um dos requeridos e recebidas em 20/07/2023 e 14/08/2023, a requerente opôs-se à renovação do contrato; - não obstante, os requeridos não procederam à entrega voluntária do imóvel locado, devoluto de pessoas e bens, no término do contrato de arrendamento a 30 de novembro de 2023.
Os requeridos deduziram oposição, bem assim pedido de diferimento de desocupação do locado, pelo que os autos foram distribuídos a tribunal. Peticionam: Que a oposição seja julgada totalmente procedente e os requeridos absolvidos do pedido, atento o facto de não se ter verificado a cessação do arrendamento, ou, caso assim não se entenda, requerem o diferimento da desocupação do imóvel locado por prazo não inferior a cinco meses. Invocaram, para tanto e em síntese, que: - o locado constitui a sua casa de morada de família, são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos, aí residindo também a sua filha e o seu neto menor de idade; - a requerente procedeu ao envio de cartas registadas com aviso de receção, através das quais deu nota da respetiva intenção de se opor à renovação do contrato de arrendamento, que foram efetivamente recebidas pelos requeridos, em 20 de julho e 14 de agosto de 2023, porém a oposição à renovação é ineficaz, não podendo produzir qualquer efeito; - de acordo com a cláusula 2.1. do contrato de arrendamento, o mesmo foi celebrado por prazo certo, com a “duração de 5 (cinco) anos, com início em 1 de dezembro de 2016 e termo em 30 de novembro de 2021”, e será automaticamente renovado por “iguais e sucessivos períodos de 1 (um) ano”, não obstante, a parte final de tal cláusula encontra-se ferida de nulidade por violação do preceituado no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12/02; - assim, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado por 5 anos, findo tal prazo – o que ocorreu a 30 de novembro de 2021, dado que não foi deduzida oposição à renovação – o mesmo renovou-se por igual período de 5 anos, ou seja, até 30 de novembro de 2026, ou, caso assim não se entenda, terá de se considerar renovado pelo período mínimo legalmente estipulado de 3 anos, mantendo-se pois em vigor até 30 de novembro de 2024; - ainda sem prescindir, a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento deveria ter ocorrido com uma antecedência mínima de 240 dias que não foi cumprida, o que necessariamente tem como efeito a ineficácia da oposição à renovação; - têm, respetivamente, 72 e 78 anos de idade e encontram-se ambos reformados, auferindo o montante mensal de € 418,75 e € 629,14, seu único rendimento, o requerido tem graves problemas de saúde e limitações a nível da mobilidade, a que acresce a doença de alzheimer, prestando-lhes auxílio a requerida e a sua filha, que se encontra a residir com os mesmos e está desempregada, também aí residindo o filho desta de 11 anos, portador de uma grave deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 96%.
A requerente pronunciou-se. Impugnou os factos atinentes ao diferimento da desocupação. E mais defendeu entendimento jurídico diverso do adotado pelos requeridos, pugnando que seja declarada a caducidade do contrato de arrendamento em 30/11/2023 por oposição eficaz à sua renovação do senhorio e, consequentemente, a condenação dos requeridos a entregar o imóvel locado livre de pessoas e bens.
2. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Pelo exposto, o Tribunal decide julgar procedente a oposição deduzida pelos requeridos AA e BB ao requerimento de despejo apresentado pela requerente A..., S.A. e, em consequência, absolvem-se os requeridos do pedido contra si formulado.»
3. Inconformada recorreu a requerente. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. A Recorrente apresentou um requerimento de despejo, no Balcão do Arrendatário e Senhorio, correndo a ação o sob forma de procedimento especial de despejo. B. No decorrer da fase administrativa não se verificou nenhum fundamento para a recusa do requerimento de despejo, nos termos do Artigo 15.º-C do NRAU. C. N„o se verificando motivos para a recusa do requerimento, o BAS procedeu à notificaÁ„o dos Recorridos para estes (i) desocuparem o locado e, sendo caso disso, pagar à requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada ou (ii) deduzir oposição à pretensão e/ou requerer o diferimento da desocupaÁ„o do locado, nos termos do disposto nos Artigos 15.º-N e 15.º-O (n.º1 do Artigo 15.º-D). D. Os Recorridos depois de notificaÁ„o pelo Balc„o do Arrendat·rio e Senhorio apresentaram OposiÁ„o. G. O Tribunal de 1™ Inst‚ncia fez errada apreciaÁ„o e interpretaÁ„o do Artigo 1096º do CÛdigo Civil, ao decidir absolver os Recorridos do pedido. H. Mal andou tambÈm ao decidir pela improcedÍncia do pedido da Recorrente e ao declarar o contrato como v·lido e em vigor atÈ 30/11/2024! I. Foi livremente estipulado pelas partes contratantes, que o contrato era renov·vel por perÌodos de um ano e a Recorrente, a quem foi transmitida a posiÁ„o de senhoria (cfr. artigo 1057.º do CÛdigo Civil), remeteu aos Recorridos em 17/07/2023 e 11/08/2023, cartas registadas com aviso de receÁ„o, por via das quais comunicou a sua oposiÁ„o à renovaÁ„o do contrato em crise e que o mesmo cessaria em 30 de novembro de 2023, as quais foram recebidas pelos Recorridos em 20/07/2023 e 14/08/2023. J.Tendo produzido efeitos a comunicaÁ„o de oposiÁ„o à renovaÁ„o do Contrato de Arrendamento, deveria ter sido declarado procedente o processo especial de despejo, por cessaÁ„o do Contrato em 30/11/2023. K. A comunicaÁ„o da oposiÁ„o à renovaÁ„o do contrato È v·lida, eficaz e tempestiva, produziu os seus efeitos, pelo que os Recorridos deveriam terem entregue o imÛvel livre de pessoas e bens, na data de 30/11/2023. L. A Recorrente e atual propriet·ria sempre manifestou o interesse na recuperaÁ„o da posse do ImÛvel, tendo lanÁado m„o do procedimento especial de despejo. M. A letra do Artigo 1096º do C.C., alterado pela Lei 13/2019 foi mal interpretado pelo Tribunal a quo, que se limitou a fazer interpretaÁ„o da norma como se o contrato se renovasse por perÌodo de três anos e abstraindo-se de tudo o mais, inclusive da vontade das partes e da liberdade contratual das mesmas quando da celebraÁ„o do contrato de arrendamento. N. A norma assume caracter supletivo e nos termos do Artigo 12º do C.C., quanto à aplicaÁ„o da Lei no tempo, a Lei nova apenas dispõe para o futuro. O. Permitindo o legislador que qualquer Contrato de Arrendamento tenha a duraÁ„o mÌnima de 1 ano – esse prazo sim, de caracter imperativo – ou a possibilidade de contratos n„o renov·veis no seu termo, n„o pretendeu a Lei estabelecer prazos de renovaÁ„o obrigatÛrios, por hipÛtese, mais extensos que os iniciais e diferentes do acordado pelas Partes ab initio e tendo por referÍncia a lei vigente na data. P. N„o sendo imperativa, as Partes s„o livres de estabelecer o conte˙do da relaÁ„o contratual ao abrigo do princÌpio da liberdade contratual. Q. A decis„o recorrida È ilegal, violando o Artigo 9, Artigo 12º e, consequentemente, os Artigos 1080°, 1096° n°1 e 3 todos do CÛdigo Civil. R. A norma do Artigo 1096º - quando interpretada no sentido literal, como fez o tribunal a quo – enferma de inconstitucionalidade por violar princÌpios basilares do Estado de Direito como o princÌpio da liberdade contratual, seguranÁa jurÌdica e boa-fÈ e no limite a propriedade privada. S.O Tribunal Constitucional vem apreciando situaÁıes potencialmente lesivas do princÌpio da seguranÁa jurÌdica com base no pressuposto de que o princÌpio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica “um mínimo de certeza e de seguranÁa no direito das pessoas e nas expetativas que a elas s„o juridicamente criadas” T.InterpretaÁıes literais da letra da norma levantam questıes quanto à limitaÁ„o da liberdade contratual das Partes, princÌpio basilar do Estado de Direito. U.E parecem impor às Partes prazos que n„o anteviram ou pretenderam – derrogando assim a liberdade contratual – com fundamentaÁıes que alegadamente pretendem proteger a parte mais desprotegida na relaÁ„o arrendatÌcia, pondo assim em causa tambÈm a igualdade das Partes. V.Conforme Acord„o do Tribunal Constitucional de 8.04.1992 (Cons. Messias Bento), processo n.º 151/92– “A esta luz devem avaliar-se as normas que subtraem o contrato de arrendamento para habitaÁ„o ao princÌpio da liberdade contratual e o submetem a renovação automática e obrigatória”. X.“Os princÌpios gerais da tutela da confianÁa, da seguranÁa jurÌdica e da boa-fé (…) impedem, a compressão retroativa dos direitos do propriet·rio, que se revele gravosa, desequilibrada, imponderada, descriteriosa e intoler·vel.” – Ac. do Tribunal Constitucional de 8 de Julho de 2009 (relator VÌtor Gomes). Z“O princÌpio geral da seguranÁa jurÌdica em sentido amplo (abrangendo a ideia de proteÁ„o de confianÁa) pode formular-se do seguinte modo: o indivÌduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões p˙blicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relaçõees jurÌdicas alicerçadas em normas jurÌdicas vigentes e v·lidas se ligam os efeitos jurÌdicos previstos e prescritos no ordenamento jurÌdico.” Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequÍncia, ser revogada a decis„o que julgou totalmente improcedente o processo especial de despejo e, condenou a Recorrente nas custas do processo, sendo a mesma substituÌda por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposiÁ„o ‡ sua renovaÁ„o do senhorio) e, consequentemente condene os Recorridos nos pedidos formulados, designadamente a entrega do locado livre de pessoas e bens e, bem assim, nas custas do processo. Contra alegaram os réus, pugnando pela improcedência do recurso e a consequente manutenção da sentença. 4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Caducidade do contrato de arrendamento por válida e eficaz oposição à sua renovação por parte do senhorio, pois que: i) Sendo o contrato anterior à redação do artº 1096 nº1 introduzida pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, esta, perante o artº 12º do CC, não se lhe aplica. ii) O aludido segmento normativo não tem cariz imperativo, mas antes supletivo.
5. Foram dados como provados os seguintes factos que urge considerar. 1. No dia 1 de dezembro de 2016, por acordo escrito designado “contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo”, “Arrendamento Mais - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional” declarou ceder aos requeridos que declararam aceitar o uso e gozo da fração autónoma designada pela letra E, correspondente ao rés-do-chão Direito Norte, com entrada pelo n.º ...6 da Praceta ..., sito em ..., destinado a habitação, com prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, renovável por 1 (um) ano, salvo denúncia das partes, com início em 1 de dezembro de 2016 e termo em 30 de novembro de 2021. 2. “Arrendamento Mais - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional” e os requeridos acordaram que a renda inicial mensal ascendia a € 180,00 (cento e oitenta euros). 3. Encontra-se registado a favor da requerente, pela apresentação n.º ...33 de 19/10/2021, da Conservatória de Registo Predial ..., a aquisição por compra do prédio identificado em 1.. 4. Por cartas registadas com aviso de receção enviadas a 17/07/2023 para a Praceta ..., rés-do-chão direito norte, ..., a cada um dos requeridos, recebidas em 20/07/2023, por BB, a requerente comunicou-lhes opor-se à renovação. 5. Por cartas registadas com aviso de receção enviadas a 11/08/2023 enviadas para a Praceta ..., rés-do-chão direito norte, ..., a cada um dos requeridos, recebidas em 14/08/2023, por terceiro, a requerente comunicou-lhes opor-se à renovação do mencionado acordo. 6. Os requeridos têm 72 e 78 anos de idade, respetivamente. 7. Os requeridos são ambos reformados e auferem respetivamente o montante mensal total de € 418,75 (quatrocentos e dezoito euros e setenta e cinco euros) e € 629,14 (seiscentos e vinte e nove euros e catorze cêntimos), a título de pensão. 8. O requerido apresenta sequelas de AVC em 2000 de hemiparesia esquerda, episódios de agitação e quadro demencial, necessitando de acompanhamento de terceira pessoa para as suas atividades da vida diária. 9. No imóvel identificado em 1., residem os requeridos, a sua filha CC, desempregada, e o seu neto, DD, com 96% de incapacidade permanente global.
6. Apreciando. 6.1. A julgadora decidiu aduzindo o seguinte, discurso argumentativo: «A oposição à renovação consiste numa declaração de desvinculação no termo do prazo do contrato, inicial ou anteriormente prorrogado, sendo uma forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos a prazo, a qual opera por comunicação à contraparte nos termos do artigo 9.º da Lei n.º 6/2007, de 27 de fevereiro (NRAU). …a comunicação de oposição produz efeitos a partir do momento em que chega ao poder do arrendatário ou é conhecida por ele, uma vez que se trata de uma declaração recetícia, nos termos do artigo 224.º do Código Civil . Volvendo ao caso dos autos, verifica-se que foi estipulado que o contrato era renovável por períodos de um ano e a requerente, a quem foi transmitida a posição de senhoria (cfr. artigo 1057.º do Código Civil), remeteu aos requeridos, em 17/07/2023 e 11/08/2023, cartas registadas com aviso de receção, por via das quais comunicou a sua oposição à renovação do contrato em crise e que o mesmo cessaria em 30 de novembro de 2023, as quais foram recebidas pelos requeridos em 20/07/2023 e 14/08/2023. Os requeridos…invocam a nulidade da cláusula constante do contrato celebrado que prevê a renovação por “iguais e sucessivos períodos de 1 (um) ano”, porquanto do disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil fica vedada às partes a estipulação de um prazo de renovação inferior a três anos. Assim, no entendimento perfilhado pelos requeridos, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado por 5 anos, findo tal prazo – o que ocorreu a 30 de novembro de 2021, dado que então não foi deduzida oposição à renovação –, o mesmo renovou-se por igual período de 5 anos, ou seja, até 30 de novembro de 2026, ou, caso assim não se entenda terá de se considerar renovado pelo período mínimo legal estipulado de 3 anos, mantendo-se assim em vigor até 30 de novembro de 2024. A requerente refuta tal entendimento, pugnado pela eficácia das comunicações de oposição à renovação do contrato de arrendamento. A propósito do prazo de renovação dos arrendamentos habitacionais com prazo certo é de assinalar as seguintes posições na doutrina e jurisprudência: i) a que propugna pela integral supletividade das previsões normativas contidas no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, sem prejuízo das limitações impostas pelo artigo 1097.º, n.º 3, do mesmo Código; ii) outra corrente que entende que a lei impõe um limite mínimo, de três anos, à renovação do contrato, reduzindo-se a autonomia contratual das partes à possibilidade de arredamento da renovabilidade do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos. Muito embora se reconheça a existência da sobredita divergência jurisprudencial e doutrinal, com o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se-nos como sendo mais acertada a posição de que, na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos. Seguindo muito de perto Maria Olinda Garcia (“Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, páginas 11 e 12): Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos. Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário)…”. Pese embora este regime legal consagre a possibilidade de exclusão da renovação, em prol da liberdade contratual das partes, cremos ter sido intenção do legislador, não cessando o contrato no fim do prazo acordado, garantir a maior estabilidade possível dos arrendamentos habitacionais e dos agregados familiares, tendo este sido indubitavelmente sido o espírito vertido na Lei n.º 13/2019, tanto assim que o seu artigo 1.º enuncia que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. No sentido vindo de defender, na jurisprudência, vide acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1 (com um voto de vencido) e de 20/09/2023, processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, do Tribunal da Relação do Porto, de 23/03/2023, processo 1824/22.3T8VCT.G1; de 04/05/2023, processo 1598/22.8YLPRT.P1 e de 12/10/2023, processo n.º 328/23.1YLPRT.P1, 25/01/2024, processo n.º 8357/23.9T8PRT.P1 (com um voto de vencido) e do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/11/2023 e acórdão da Relação de Évora, de 25/01/2023, processo 3934/21.5T8STB.E1 (com um voto de vencido), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Considerando o preceituado no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, as regras imperativas da Lei n.º 13/2019 aplicar-se-ão aos contratos já celebrados ao tempo da sua entrada em vigor, com ressalva, salvo exceção legal (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil) dos efeitos já produzidos pelos factos que a lei visa regular (v.g., veja-se Maria Olinda Garcia, citado artigo publicado na Julgar Online, março de 2019, pág. 8). Tendo o contrato sub judice a duração inicial de cinco anos, com início em 01/12/2016 e termo em 30/11/2021, com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, que ocorreu em 13/02/2019 (artigo 16.º da Lei), o prazo de renovação aplicável passou a ser o determinado pela nova redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa, não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.» 6.2. Da inaplicabilidade da atual redação do artº 1096º nº1 do CC. Estatui o artº 12º do CC. (Aplicação das leis no tempo. Princípio geral) 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. O nº1 fixa a regra genérica da não retroatividade da lei. O nº2 pretende precisar este princípio plasmado no nº1 e não tem qualquer precedente legislativo, assumindo como fonte inspiradora a doutrina de Enneccerus-Nipperday, a qual distingue entre «regulamentações de factos» e «regulamentações de direitos». Devendo presumir-se, quanto a estas últimas leis, que elas abrangem também as próprias situações jurídicas já existentes, podendo modificar-lhes o conteúdo ou até suprimi-lo. Por outras palavras, quando uma lei nova vem dispor sobre um tipo de situação jurídica já regulado, há que distinguir conforme tenha em vista: i) atingir o conteúdo ou efeitos da mesma; ou apenas ii) regular o modo ou meio de chegar a essa situação. Na primeira hipótese tem de entender-se que se aplica imediatamente às situações pré-existentes daquele tipo ainda vigentes. É que, neste caso - considerando, vg. a relevante índole e magnitude dos direitos regulados, máxime se de interesse geral - são as próprias conceções do legislador, a ratio e teleologia da lei nova, que se pretendem ver imediatamente implementadas e substitutivas do regime jurídico anterior. Pelo que os direitos e deveres que constituem o conteúdo típico deste regime jurídico devem ceder e serem substituídos por aqueloutros dimanantes da lei nova. Efetivamente, nestes casos, ao interesse dos indivíduos na estabilidade da ordem jurídica, deve sobrepor-se o interesse público na transformação desta ordem com vista à sua adaptação às novas necessidades e conceções sociais – cfr. Parecer da PGR de 21.12.1977, DR, II de 30.03.1978, p.1804, apud Abilio Neto, CC Anotado, 13ª ed. p.29. No segundo caso, porque não abarca tal conteúdo, e visa apenas disciplinar a forma do iter para o atingir, entende-se que rege só para as novas situações ocorridas após a sua entrada em vigor. 6.2. No caso vertente. Estatui o artº 1096º nº1 do CC. Artigo 1096.º Renovação automática 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. Vemos assim que este segmento normativo não se reporta ao conteúdo da relação jurídica - qual seja ao direito, em si mesmo, à renovação do contrato. Mas antes rege sobre o facto que define e consubstancia tal direito à renovação e é condição da sua atribuição, qual seja: o período de tempo –prazo – pelo qual a renovação se estenderá. Por outras palavras, e nos próprios dizeres do referido artº 12º nº2, 1ª parte, o artigo 1096º, não se abstrai do facto – período de tempo - que dá origem ao direito à renovação. Antes rege sobre tal facto e sobre a sua ineficácia ou eficácia, conforme não atinja, ou atinja o período mínimo nela previsto, a saber: o período do prazo inicial se for superior a três anos, ou, no mínimo, e se tal período inicial for inferior, este lapso de tempo de três anos. Destarte, dissentimos do entendimento vertido na sentença e acompanhamos alguma jurisprudência neste sentido, a saber: «1. A Lei n.º 13/2019, na parte em que introduziu uma nova redacção ao art. 1096.º n.º 1 do Código Civil, não tem eficácia retroactiva, pelo que não impôs o alargamento dos prazos de renovação acordados pelas partes ao abrigo da lei antiga. 2. A Lei n.º 13/2019 não se abstrai do facto que dá origem à relação jurídica, pois continua a permitir, nos novos contratos de arrendamento para habitação, que as partes estipulem a não renovação do contrato, não ocorrendo assim a excepção prevista no art. 12.º n.º 2, segunda parte, do Código Civil.» - Ac. RE de 07.03.2024, p. 780/23.5YLPRT.E1, in dgsi.pt. Bem como alguma doutrina, aliás citada neste Aresto. Assim: «quer a regra sobre o prazo mínimo de renovação dos contratos de arrendamento (art. 1096.º n.º 1 do CC), quer a regra da dilação da eficácia da primeira oposição à renovação (art. 1097.º n.º 3 do CC), só deverão ser aplicadas a contratos novos visto que não se pode considerar que abstraem do facto jurídico contratual que lhes deu origem, do qual o senhorio poderia ter feito constar a extinção do contrato por caducidade no fim do respectivo prazo de duração, conforme então era, e continua a ser, permitido pelo sistema legal» - Ana Isabel Afonso– in Cadernos de Direito Privado, n.º 78, Abril-Junho 2022, pág. 70. Nesta conformidade, urge respeitar o princípio geral da não retroatividade da lei e, inerentemente, proteger os valores, outrossim, relevantes, da certeza, segurança e proteção das expetativas dos interessados, que tal princípio visa tutelar. – cfr. neste sentido, o Ac. RC de 10.12.2019, p. 7779/18.1T8CBR.C1 in dgsi.pt. Na verdade, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue, assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama. E ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento, progresso económico e paz social, se impõe a prevalência da segurança. Sendo certo que, se por um lado, o favorecimento tendencialmente absoluto da segurança pode acarretar uma ordem eventualmente propícia à abertura de caminho a formas de opressão ou repressão, por outro, o fito da obtenção da justiça - numa concetualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas. Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, exceto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau, que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs (citando Radbruch); Oliveira Ascensão, in O Direito, ed. Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs e Ac. da RP de 12.02.2008, p.0726212, in dgsi.pt. A iníqua consecução desta injustiça não se vislumbra no caso sub judice, pelo que esta exceção não colhe respaldo no seu seio.
Por conseguinte, tendo o contrato sido celebrado em 2016, é aplicável a redação então vigente, introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, a saber: Artigo 1096.º Renovação automática 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes. Sendo que a diferença entre a redação de 2012 e a de 2019 reside apenas na fixação de um período mínimo de três anos para a renovação, no caso de o período inicial anuído no contrato ter sido inferior. Sendo que, no caso sub judice, e se se considerar que a estatuição do artº 1096º nº1 do CC é imperativa, tanto no domínio da lei antiga como no da lei atual, a oposição à renovação não pode proceder, pois que o contrato tem de ser renovado pelo período de cinco anos. A causa decide-se, pois, em função da posição que se tomar quanto ao jaez de tal preceito: supletivo ou imperativo. 6.3. Da imperatividade ou supletividade do artº 1096º nº1. 6.3.1. A interpretação de uma norma, da cláusula de uma declaração negocial ou de um contrato, visa que dos mesmos, e de entre os vários sentidos possíveis que podem encerrar, se retire o sentido real, verdadeiro, prevalente ou decisivo. Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica, alcançar a real essência do pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt. Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para alcançar o melhor sentido, o dever ser que nela está ínsito. Porém, certo é que a letra da lei é o elemento matricial, liminar e tendencialmente determinante da interpretação. Tanto assim que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da um mínimo de correspondência verbal – artº 9º nº2 do CC. Se deste elemento restarem dúvidas quanto ao pensamento do legislador, então o intérprete tem de socorrer-se de outros elementos da hermenêutica jurídica, como sejam o histórico, sistemático, lógico e teleológico – artº 9º nº1 do CC. O elemento histórico da interpretação atem-se, vg. à occasio legis, a qual se reporta a todo o circunstancialismo que rodeou o aparecimento da letra, o texto, da lei ou do contrato. Já o elemento sistemático reclama e exige uma conexão da letra, do texto, com o texto que o precede ou lhe sucede, isto é, com o seu contexto. Ou seja, a norma ou cláusula não devem ser interpretadas isoladamente, mas em consideração ao quadro circunstancial – fáctico ou legal - em que se inserem – Finalmente o elemento teleológico reporta-se e clama pela finalidade última e essencial, pelo fito primordial, da lei ou da clausula negocial. Por outras palavras, consiste na sua justificação, social da lei. Efetivamente: «todo o direito é finalista. Toda a fonte (norma) existe para atingir fins ou objetivos. Por isso enquanto não se atingir o para quê duma lei, não se detém ainda a chave da sua interpretação» - Cfr. Oliveira Ascensão in O Direito, ed. Gulbenkian, 2ª ed. p.354 e sgs. Sendo ainda de considerar e ter presente que com a interpretação visa-se fazer emergir o sentido e alcance do texto que melhor e mais adequadamente possa dar resposta a uma real e concreta situação vivencial. Na verdade, a interpretação deve efetivar-se de modo a ajustar-se o mais possível às exigências e ao desenvolvimento da vida em sociedade. Uma boa interpretação não é aquela que, numa perspetiva hermenêutico - exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto – cfr. Ac. do STJ de 30-05-2006, p. 06A1219, citando Castanheira Neves in Metodologia Jurídica e Ac. da RP de 31.03.2009, p. 2665/07.3TBPRD in dgsi.pt. 6.3.2. Como se expende na sentença, neste domínio a jurisprudência e a doutrina encontram-se divididas quanto ao jaez do aludido segmento normativo. No sentido de que ele é imperativo e se sobrepõe à vontade das partes, pugnam alguns, como os constantes nos arestos citados na sentença, boa parte deles com votos de vencido. No sentido de que ele é supletivo esgrimem outros . -cfr. vg., Ac. RP de 14.09.2023, p. 1394/22.2YLPRT.P1, e Ac. RL de 18.04.22024, p. 2197/23.2YLPRT.L1-6, todos in dgsi.pt. e votos de vencido, vg. no aludido Acordão do STJ de 20/09/2023, p. 3966/21.3T8GDM.P1.S1 .
Para aqueles este segmento normativo pretende atingir um maior equilíbrio contratual, protegendo adicionalmente o inquilino com maior duração do contrato e consequente estabilidade vivencial. Assim, as partes podem não prever a renovação do contrato, mas, se a preverem, o prazo de renovação, se o contratualmente anuído for inferior, é obrigatoriamente de três anos. Para estes, os elementos supra referidos da hermenêutica jurídica não dão sustentação a tal tese. Incluímo-nos nesta última corrente. Efetivamente, e perante os elementos da hermenêutica jurídica supra aludidos, a posição contrária, sdr, não tem cabimento. Perscrutemos. Desde logo devemos atentar nos elementos literal, lógico, teleológico e histórico. O literal. À expressão, «salvo estipulação em contrário» segue-se uma vírgula. Após a qual vem a restante estatuição, em bloco e continuamente. Logo, e desde logo pelas regras da sintaxe, é meridianamente evidente que aquela expressão inicial abrange todo o restante texto. É assim claro que o legislador não distinguiu, no sentido de, por um lado, permitir às partes que não previssem a renovação ou, expressamente, a proibissem; mas, por outro lado, se a previssem, obrigá-las a um período mínimo de três anos. Pelo que, atento o estatuído no artº 9º nº2 do CCivil e pelo brocardo "Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus", tal interpretação é tolhida. O lógico. Ademais, esta exegese é vedada pelas regras da lógica jurídica. Pois que violava o princípio jurídico interpretativo de que quem pode o mais pode o menos. Ou seja: se as partes têm a liberdade de acordar pela não renovação do contrato (o mais) também se deve concluir, que, se a estipularem, podem fixar o período que bem entenderem (o menos). O teleológico. Estava encontrada a fórmula mágica para os senhorios firmarem contratos de arrendamento para habitação de curta duração. Bastava estipularem o prazo mínimo legal de um ano – artº 1095º nº2 do CC - e estabelecerem expressamente a sua não renovação. Note-se que o disposto no artº 1097 nº3 do CC, a saber: «3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.», não impede esta consequência. É que, como se vê do seu texto, ele apenas rege nos casos em que haja renovação do contrato, reportando-se à primeira. E esta renovação, na própria tese da imperatividade, pode ser excluída pelas partes. Decorrentemente, contrato de um ano com renovação excluída, cessaria, se o senhorio assim o desejasse, no fim do ano. E assim se verificando que a tese da imperatividade acabava por não ter respaldo no elemento teleológico, pois que descambava no seu desvirtuamento. Já que acarretava resultados contraproducentes no que tange à pretendida maior duração e estabilidade do arrendamento. Pois que descambaria num maior encurtamento do arrendamento com a consequente maior instabilidade vivencial. – neste sentido, se bem interpretamos, cfr. voto de vencida no Ac. RE de 25.01.2023, p. 3934/21.5T8STB.E1. O histórico. Eram as seguintes as redações deste preceito, anteriores à atual: «1 - Excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos. 2 - Qualquer das partes se pode opor à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» Redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro. «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» Redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto. Vemos assim que o legislador, mesmo de vários quadrantes políticos, sempre fez depender o prazo legal de três anos para a renovação da vontade das partes, ou seja, apenas este era aplicado, se outro não fosse contratualmente previsto, ou, o que tem o mesmo significado e alcance, salvo estipulação em contrário. Ora no domínio da redação de 2006 e de 2012, que se saiba, nunca se levantou polémica, ao menos com dimensão relevante, sobre a natureza da norma: supletiva ou imperativa, sendo unívoco que assumia aquele jaez. A discussão surgiu apenas com a redação introduzida pela reforma de 2019. Esta limitou-se a acrescentar à frase “períodos sucessivos de igual duração” a expressão “ou de três anos se esta for inferior”. O efeito que a tese da imperatividade pretende evitar: renovações inferiores a três anos, já podia verificar-se nas anteriores redações da norma se o prazo inicial fosse inferior a tal período de tempo. Destarte, se o legislador pretendesse atribuir imperatividade ao segmento, bastaria eliminar a expressão «Salvo estipulação em contrário». Como sucede noutras normas, como é o caso da do nº 3 do artº 1097º. Mantendo tal expressão, é óbvio que, também por razões históricas, a supletividade é patente.
Esta tese tem um limite quanto à duração do contrato. É o imposto pelo citado nº3 do artº 1097º. Perante este preceito e nos casos em que as partes nada digam quanto à renovação ou a prevejam – e não naqueles em que a proíbam – o senhorio só pode opor-se à primeira renovação se o contrato já tiver durado três anos. Assim, vg., se foi estabelecido um período inicial de um ano com renovação por igual período, o senhorio pode opor-se à primeira renovação antes que sejam recorridos três anos na duração do contrato. Mas os efeitos da mesma apenas se produzem quando estiver decorrido este lapso de tempo. Nos casos em que a renovação esteja vedada no contrato, este limite inexiste, valendo o limite mínimo legal de um ano previsto no artº 1095º nº2 do CC. Estes dois segmentos normativos demonstram alguma incongruência do legislador. Pois que se ele entende, como dimana do nº3 do artº 1097º, que o prazo de três anos é o mínimo para conferir alguma estabilidade vivencial ao inquilino, deveria desde logo estatuí-lo no nº2 do artº 1095º. A justificação desta disparidade parece ser ainda a vontade das partes. Se elas expressamente anuem a não renovação, então o inquilino sujeita-se ao prazo legal geral de um ano. Se nada dizem, ou adrede aceitam a renovação, então o senhorio tem de arcar com a duração mínima de três anos. No caso sub judice. Tendo o artº 1096º nº1 cariz supletivo, não é, pois, imposta uma obrigatória renovação por mais três anos. Por outro lado verifica-se que o período inicial de cinco anos do contrato já decorreu. Destarte, queda inverificada a limitação imposta pelo artº 1097º nº 3. A oposição à renovação alcança-se, assim, legal. Por outro lado, sendo o período de antecedência da notificação respetiva, pré aviso legal, de 120 dias – artº 1097º nº1 al. b) do CC – , ele mostra-se cumprido pois que os réus foram, confessadamente e por prova – factos 4 e 5 – notificados com tal antecedência. A oposição apresenta-se tempestiva. Ela é, pois, válida e eficaz.
O recurso, atento o seu thema decidendum, merece provimento. Porém, como os réus invocaram o diferimento de desocupação do locado, e o conhecimento desta questão foi dado por prejudicado na 1ª instância, deve ela, após a baixa dos autos, efetivar tal apreciação.
(…)
8. Deliberação. Termos em que se julga o recurso procedente, revoga-se a sentença, declara-se a oposição válida e eficaz, com as legais consequências; e devendo a primeira instância conhecer do pedido de diferimento da desocupação.
Custas pelos réus.
Coimbra, 2024.10.08.
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