Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
370/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 483º, 562º E SS, ARTº. 566º Nº 3 E Nº 1 DO ARTº. 1268º DO CC
Sumário: As servidões aparentes podem ser constituídas por usucapião se verificados os demais requisitos: publicidade e pacificidade.
Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO

1. A... e B... e mulher C... intentaram, no Tribunal Judicial de Penacova, a presente acção declarativa sob a forma ordinária, contra D.... e mulher, E...., pedindo a condenação destes últimos a reconhecerem a propriedade dos prédios descritos na P.I., a existência de uma servidão de passagem a favor do prédio dos A.A. sobre o prédio dos R.R. e, ainda, ao pagamento de uma indemnização por danos materiais e morais a liquidar em execução de sentença.

A fundamentar o peticionado, fizeram-no alegando a propriedade, pela 1ª A. e pelos 2ºs AA., respectivamente, de dois prédios rústicos descritos na matriz da freguesia de ... sob o nºs. 0000 e 1111, prédios estes que são encravados, tendo como único acesso à via pública um caminho que atravessa o prédio dos R.R., descrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo 2222, e pelo qual se servem há mais de 30 anos, de pé e carro.

Contestaram os R.R., alegando a ilegitimidade da 1ª A. por estar desacompanhada do outro comproprietário e ainda que o seu prédio e o do outro A. confinam com a estrada que corre pelo sul.

Replicaram os A.A. contrariando a versão dos R.R. e confirmando a posição tomada na P.I.

Por douto despacho proferido a fls. 121 e 122 foram convidados os A.A. a corrigir as deficiências da P.I. relativamente ao pedido formulado e aos factos em concreto evidenciadores da existência da servidão nas suas características físicas, o que os A.A. vieram a fazer juntando nova P.I. a fls.140 a 146. Nesta, observando as prescrições em tal despacho vertidas, terminam com o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, reconhecimento da servidão, sua desocupação e pagamento de indemnização de danos a liquidar em execução de sentença.

Seguiu-se nova contestação, na mesma linha da anterior, após o que foi proferido despacho saneador no qual se decidiu pela improcedência da excepção da ilegitimidade invocada.

Agendado e realizado o julgamento, foi por fim proferida douta sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os RR. de todos os pedidos contra eles formulados.


2. Irresignados com o assim decidido, os AA. interpuseram o vertente recurso de apelação em que pedem a revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra conforme aos termos das conclusões com que findam a respectiva alegação.
É o seguinte o teor de tais conclusões:

1ª- A douta sentença em recurso faz apologia de uma errada apreciação da prova testemunhal.

2ª - Pois que a mesma impunha decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida.

Efectivamente demonstrado ficou que:

3ª - Os A.A. são proprietários dos prédios descritos na p.i., inscritos na matriz rústica da freguesia de ..., sob os artigos n.ºs 1111 e 3333.

4ª - Os R.R. são proprietários do prédio inscrito na matriz da freguesia do ... sob o artigo n.º 2222.

5ª - Os prédios inscritos na matriz rústica da freguesia de ..., sob os artigos n.ºs 1111 e 3333 têm acesso à via pública apenas através do prédio inscrito na matriz da freguesia do ... sob o artigo n.º 2222.

6ª - O prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de ..., sob o artigo nº 3333 confronta a Sul com o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia do ... sob o artigo n.º 1111.

7ª - O prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de ..., sob o artigo nº 1111 confronta a Sul com o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia do ... sob o artigo n.º 2222.

8ª - Os A.A. e os seus antepossuidores sempre utilizaram tractores, máquinas e alfaias agrícolas necessários à preparação e aproveitamento daqueles terrenos.

9ª- Para se deslocarem para os seus prédios (artigos n.ºs 1111 e 3333 da matriz rústica da freguesia do ... ), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os A.A. e seus antepossuidores sempre utilizaram um caminho sobre o prédio dos R.R. (o prédio inscrito na matriz rústica da freguesia do ... sob o artigo n.º 2222), há mais de trinta anos, de forma ininterrupta, pública e pacífica.

10ª - Tal caminho situa-se ao longo da estrema do lado poente do prédio dos R.R. e tem uma extensão de cerca de quarenta metros.

11ª - O prédio dos R.R. está, assim, onerado com uma servidão de passagem.

12ª - Uma vez que os prédios são contíguos, este comprimento é o resultado da soma das parcelas correspondentes à distância que vai da via pública até ao portão que os R.R. colocaram à entrada do seu prédio (cerca de 10 metros) e da distância que vai desse portão, até ao prédio dos A.A. B... e mulher, C... (cerca de 30 metros).

13ª - Esta servidão de passagem tem uma largura de cerca de três metros Junto ao portão e de cerca de dois metros (a largura necessária, pelo menos, para permitir a passagem de um tractor de média dimensão) a partir da esquina da casa que os R.R. construíram no prédio onerado com a servidão.

14ª - A colocação do portão (referido em "F" dos factos assentes) impede os A.A. desde a data da sua colocação (Agosto de 2000), de aceder aos seus prédios.

15ª - O referido portão foi colocado pelos R.R. sem lhes dar conhecimento e aproveitando a ausência da A. A.... que se encontrava ausente do local ( ...) em gozo de férias.

16ª - Impedidos de retirar dos prédios os seus naturais benefícios, os A.A. têm tido um prejuízo patrimonial anual (cada um deles) de cerca de € 100,00 (cem Euros), para além dos danos não patrimoniais decorrentes da impossibilidade de usufruir livremente destes seus bens.

17ª - A douta sentença julgou, assim, incorrectamente, os factos quesitados sob os números 1 a 3 e 5 a 20 da base instrutória,

18ª - demonstrada que está, assim, factualidade passível de condenar integralmente os R.R., aqui apelados.


                3. Os RR. apresentaram, por sua vez, contra-alegações, terçando pelo improvimento do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

                II – FACTOS
A matéria fáctica relevante para a decisão foi vertida na douta sentença do modo que segue:
Da matéria Assente

A - Por escritura de doação de partilha de 27.8.82, F...... declarou doar aos seus filhos, entre os quais a A. A..., a sua meação nos bens que foram comuns com o seu marido, tendo os donatários aceite esta doação.

B - Mais declararam os donatários que do resultado desta doação e do facto de terem sido eles os únicos e universais herdeiros do seu pai, são agora proprietários dos bens que integraram o casal comum dos seus pais, entre os quais do que constitui a verba vigésima primeira: pinhal e mato, terra de cultura e oliveiras, sito na Eira de Cima, a confrontar do norte com G... , nascente com Estrada, sul e poente com H.... , inscrito na matriz sob o art° 3333.

C - Mais se acordou em tal acto que metade da verba n° 21 ficava adjudicada à aqui A. A....

D - Na matriz predial rústica de ..., freguesia de ..., lugar de ..., sob o art° 1111, acha-se inscrita em nome de B..., uma terra de cultura com oliveira, a confrontar do Norte com I..... , do nascente

com L...., do sul com M.... e do poente com J..... .

E - Na matriz predial rústica de ..., freguesia de ..., lugar de ..., sob o artº. 2222°, acha-se inscrita em nome de N...., uma terra de cultura com oliveiras, a confrontar do Norte com G..., do nascente com L..., do sul com estrada, e do poente com J... e outro.

F - Em Agosto de 2000, no limite do prédio referido em E), os RR. colocaram um portão de ferro que fecharam à chave.

Da matéria da Base Instrutória
1 - Os A.A. e antepossuidores destinaram desde sempre os prédios referidos em B) e D) ao cultivo de produtos agrícolas, plantando e semeando ininterruptamente diferentes produtos agrícolas.

2 - Os prédios referidos em B) e D) da matéria Assente confrontam com a estrada antiga de Paradela.

IIII – DIREITO

1. Como é sabido, e emerge do disposto nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil (ao qual pertencem os demais preceitos a citar sem menção de origem), o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões das alegações dos Recorrentes, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas.
Nessa medida, e tendo em mente o quadro de sintéticas proposições acima transcrito, curemos das questões em tal sede suscitadas.

2. Em ordem a obter a revogação da douta sentença, os AA./Recorrentes começam, antes de mais, por impugnar a decisão da matéria de facto, no que tange aos quesitos 1º a 3º e 5º a 20º da Base Instrutória.
Ainda que não cumprindo rigorosamente o estatuído no artº. 690º-A, nº 1, als. a) e b), do Cód. Proc. Civil[1], mas apelando aos depoimentos das respectivas testemunhas ‑que nas partes tidas por relevantes transcrevem‑, sustentam, ao fim e ao resto, que tais depoimentos, em nada infirmados pelos das testemunhas dos RR., estes ‑segundo eles‑ claramente não merecedores de qualquer crédito, impunham que à totalidade desses quesitos fossem conferidos pronunciamentos opostos aos que tiveram lugar em tal decisão, ou seja, respostas de sentido afirmativo quanto a todos, à excepção do último a que ‑de novo ao invés desse judicial veredicto‑, deveria ser deferida resposta negativa.
Na medida em que, apesar de tudo, os Recorrentes não deixam de referenciar, por um lado, os pontos na sua óptica objecto de indevido julgamento e, por outro, os elementos justificativos de tal manifestada discordância, privilegiando a substância à forma, prosseguiremos, sem mais, na apreciação da douta impugnação em apreço.
Assim, e atentando na motivação à douta decisão ora em crise, nela se pode ler:

“As respostas e a consequente convicção do tribunal tiveram por fundamento as provas produzidas, que de forma crítica o tribunal apreciou e fundamenta, nomeadamente:

Os documentos juntos a fls. 8 a 22, 100 e 101, 167 a 174, 318, 319, 334. Os depoimentos das testemunhas, como vem sendo habitual neste tipo de acções, pouco ou nada esclareceram, na medida em que há sempre uma parte a corroborar a tese dos A.A. e outra a oposta. Concretizando no caso, as testemunhas O... , P... e C..., afirmam a existência de uma servidão a onerar o prédio dos R.R. e a servir os dos autores; as testemunhas Q...., R... . e S.... afirmam a inexistência de qualquer serventia, referindo que, mesmo no acesso ao prédio dos R.R. existia junto à estrada uma cancela de madeira, para impedir a entrada de estranhos e que a serventia dos prédios dos A.A. era feita pela estrada de Paradela, actualmente desactivada (doc. fls. 318 e 319). De referir que uma posição é comum às testemunhas que referem a existência da passagem através do terreno dos R.R.- o seu conhecimento desta passagem de pessoas é reportado há 30 anos atrás. Desde essa altura até agora, não fazem referências concretas a qualquer passagem.

Com a inspecção do local, o Tribunal constatou não existirem sinais objectivos da passagem, nomeadamente, leito de terra batido ou ausência de vegetação.

Os depoimentos em consonância com os documentos juntos e supra referenciados, e sobre os quais não foi levantada qualquer questão, e também nenhuma outra em desabono da idoneidade das respectivas testemunhas.”

Frente a todos estes elementos, que dizer, pois, a respeito da bondade da pretensão recursória a que nos vimos atendo?
Vejamos.

2.1. Começando, naturalmente, pelo quesito 1º, neste perguntava-se se “os prédios descritos em B) e D) [os prédios da 1ª A. e dos 2ºs AA.] têm acesso à via pública apenas através do prédio referido em E) [o prédio dos RR.].”
A Mmª. Juíza a este quesito deu resposta integralmente negativa.
E salvo o muito respeito, afigura-se-nos de manter este veredicto.
Com efeito, dos depoimentos de todas as testemunhas resulta que o prédio descrito em B), após a abertura ou “rampa” que o sobrinho da 1ª A. e comproprietário com a mesma desse prédio ‑T...‑, fez para o leito da estrada antiga de Paradela, resulta ‑dizíamos‑, que tal prédio passou a ter acesso a essa estrada e, portanto, à via pública. É certo que, tendo esse prédio sido verbal ou consensualmente dividido entre tais contitulares, apenas a parte cultivada pelo dito sobrinho ficou a dispor de tal acesso, o mesmo não se verificando com aquela outra detida pela A. A....
Todavia, mantendo-se o prédio, pese essa divisão (apenas) material, como um único, uma só e intocada unidade predial, obviamente que a abertura de tal acesso não pode deixar de se considerar como respeitante ou extensiva a todo o terreno, e daí, necessariamente, esse pronunciamento negativo quanto a ele.
Quanto ao prédio aludido em D), também da generalidade dos depoimentos, mormente do já referido T..., bem como do irmão deste, U...., e ainda de V... ‑filho da 1ª A.‑ e de S..., todos conhecedores e frequentadores do local, dimana que o proprietário daquele prédio, o A. B..., vem fazendo o trânsito entre ele a dita antiga estrada de Paradela através de um terreno confinante, pertencente a um cunhado. Por isso, também quanto a este prédio o veredicto não pode deixar de ser negativo.

2.2. Nos quesitos 2º e 3º perguntava-se, respectivamente, se “o prédio referido em B) confronta a sul com o referido em D)” e se “o prédio referido em D) confronta a sul com o prédio referido em E)”.

Com o referimos, a ambos estes quesitos a Mmª. Juíza, uma vez mais, outorgou-lhes respostas negativas.

Salvo sempre o muito respeito, de novo não podemos concordar.

Dos depoimentos de todas as testemunhas que a respeito da matéria em presença se pronunciaram ‑saliente-se as três primeiras antes indicadas ‑, deflui ser tal matéria consonante com a realidade, ou seja, sucederem-se os prédios em referência segundo a ordem e confrontações em tal sede mencionadas.

Assim sendo, as respostas aos aludidos quesitos têm de ser, ambas, alteradas para “Provado.”

2.3. No quesito 5º ‑ e depois de no quesito anterior se indagar se “os AA. e antepossuidores destinaram desde sempre os prédios referidos em B) e D) ao cultivo de produtos agrícolas, plantando e semeando ininterruptamente diferentes produtos agrícolas”,  o que mereceu a resposta de “Provado”‑, perguntava-se:

“ para tal fim os AA. e antepossuidores sempre utilizaram tractores, máquinas e alfaias agrícolas, necessários à preparação e aproveitamento daqueles terrenos?”

Por sua vez nos subsequentes quesitos 6º, 7º e 8º, perguntava-se:

“Para se deslocarem para os terrenos referidos em B) e D), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os AA. e antepossuidores sempre utilizaram caminho sob o prédio referido em E)?”

‑ “O que fazem há mais de 30 anos?”

‑ “Ininterruptamente?”
A todos estes quesitos, de novo a resposta de “Não Provado.”
Sempre sem quebra do muito respeito, uma vez mais temos de dissentir.
Sem embargo é certo que ‑como se consigna na douta motivação ao julgamento ora sob censura‑, enquanto os depoimentos das testemunhas dos AA. ‑e não só aqueles referenciados na aludida peça, mas os das outras doze ouvidas ‑, apontam, terminantemente, no sentido da existência de uma servidão de pé e carro em benefício dos prédios dos AA., a onerar o prédio dos RR., os (depoimentos) das testemunhas destes induzem em sentido diametralmente oposto, seja, da inexistência de tal servidão.
Só que, sem quebra do muito respeito, as incoerências, contradições e modo de discurso subjacentes a estes últimos depoimentos ‑deficiências que de todo não se surpreendem nos da contraparte ‑, tornam os mesmos falhos de credibilidade e, por isso, completamente imprestáveis para os fins em mente.
Assim, a testemunha Q... ‑cunhado da 2ª Ré e que teria auxiliado na construção da casa desta‑, refere que no prédio dos RR. havia, antes da respectiva aquisição por estes, um caminho de acesso ao interior do mesmo ‑que denomina “serventia” ou “serventiazinha”‑, estreita e com largura para permitir apenas a passagem de um carro de bois, ignorando se a mesma possibilitava a passagem para outros terrenos, esclarecendo ainda que essa passagem era fechada, à face da estrada, por um “tapume”, não sabendo porém quem é que o punha e tirava. Lembra-se destes factos desde a época em que era solteiro, ou seja, há cerca de 30 anos, mais referindo que nunca viu passar a A. A... pelo prédio, embora acrescentando que, à época, não morava no local mas ao fundo do lugar de ....
A testemunha X...... ‑irmão da mesma 2ª Ré e que, embora não expressamente mencionado na douta motivação em exame, refere ter também trabalhado na dita construção da casa‑, diz, por sua vez, que no prédio havia simplesmente, para acesso, um pequeno carreiro, intransponível por um carro ou tractor, mas de trânsito possível a um carro de bois. Referindo que esse carreiro terminava no próprio prédio, mais adiante admite que por ele passavam também “as senhoras que tinham terrenos lá para trás, a pé”, passagem que viu também fazer à 1ª A., A.... Assumindo em determinado momento do seu depoimento um comportamento agressivo e irreverente ‑a raiar, ou mesmo identificável com insolência‑, confirmando, contrariadamente, que ‑consoante a fotografia de fls. 168 cabalmente evidencia‑, no revestimento do chão do seu pátio os RR. só aplicaram restos de mármore até ao limite do que os AA. consideram o caminho da servidão, espaço este que apenas cimentaram, acrescentou, em “justificação”, “porque os donos assim entenderam”, igual inconveniente ‑mas por isso não menos significativa‑, resposta tendo proferido quando, instado a explicar a razão por que, estacionando o tractor do seu camião no pátio da casa dos RR., o fazia de molde a não ocupar tal espaço, mas antes o imobilizando em frente à garagem com o indispensável recurso a várias manobras para a efectivação de retorno à estrada: que o fazia “…porque gostava de praticar para aprender”, ele que declarou exercer a actividade de motorista profissional!
Por sua vez a testemunha R...., dizendo ter 74 anos de idade e haver trabalhado até aos 18 anos no cultivo do prédio hoje dos RR., mais referiu que o dono dele, seu tio, lavrava tal terreno em toda a sua extensão, não havendo nele qualquer carreiro marcado, tanto que os bois e respectivo carro ficavam na estrada fronteira, nunca no respectivo interior entrando. Vindo porém a admitir que para lavrar o terreno o seu tio fazia uso de arado, não podendo por isso prescindir do recurso aos animais, inflectindo nas suas anteriores e peremptórias afirmações ‑e para patente descrédito das mesmas ante todo o Tribunal‑, acabou a dizer que os bois “… umas vezes iam, outras não.”
Finalmente, quanto à testemunha S..., residente na vizinhança de todos os prédios desde 1978, ano em que edificou a sua casa, dizendo também ele que o anterior proprietário do prédio dos RR. amanhava este em toda a sua extensão, não havendo sinal algum de passagem no chão, mais afirma que, mercê disso, e por que ele colocava um tapume à entrada do terreno, “por ali não devia passar ninguém. Concretamente, e no que tange à 1ª A. e ao 2º A., “ que ele visse” nunca presenciou tal passagem. Porém, vem a revelar que, tendo regressado definitivamente de França há seis anos, ali esteve emigrado durante cerca de quarenta, logo contrapondo no entanto que todos os anos vinha de férias durante um mês. Outrossim, afirmando insistentemente que os AA. ‑“os inquilinos que se estão a queixar”‑, usam a já mencionada estrada da Paradela para aceder aos seus prédios, vem a referir que eles deixaram fechar tal estrada há cerca de quarenta anos. Instado então a explicar por onde é que os mesmos “inquilinos” têm passado neste últimos quarenta anos, após uma série de balbuciadas palavras acabou a dizer : “não tenho nada a ver, mas eu nunca os lá vi [pelo terreno dos RR.] passar, lá por onde eles vão eu não sei”!

Nestes termos, pois, surgindo os ora analisados depoimentos, dadas as apontadas anomalias que os inquinam, desprovidos de qualquer valor probatório, o que, como salientámos, não sucede com os depoimentos das demais testemunhas ‑as dos AA.‑, temos que as respostas aos quesitos em atinência não podem deixar de ser, conforme já antecipámos, objecto de alteração.
Assim, e por isso que no dizer conjugado, e totalmente convincente, destas testemunhas ‑é o caso, nomeadamente, dos antes referenciados V...., T...e U..., bem como, entre outras, Z....., W...., K...., Y..... , P...., O... e AA.....‑, tendo os AA. deixado de utilizar a passagem ou serventia ‑a pé, com carros e com tractores, estes antecedidos de carros de bois‑, tal apenas aconteceu a partir do momento em que os RR. implantaram o portão, fechado à chave, a obstruir a respectiva passagem, ou seja no ano de 2000[2]; e resultando de tal dizer ainda que a serventia em apreço existe há muito mais de trinta anos ‑ a título exemplificativo, W..., aposentado dos Sapadores Bombeiros, refere que a conhece “desde que sou pequenito”, Y..., de setenta e três anos, “desde que me lembre”, P...., “desde alguns quarenta anos” ‑, entendemos que tais respostas deverão revestir-se do teor que segue:
‑ quesito 5º: Provado que para tal fim os AA. e antepossuidores, sempre utilizaram, tractores ‑e antes destes carros de bois‑ máquinas e alfaias agrícolas, necessários à preparação e aproveitamento daqueles terrenos

‑ quesito 6º: Provado apenas que para se deslocarem para os terrenos referidos em B) e D), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os AA. e antepossuidores vinham utilizando caminho sob o prédio referido em E).
‑ quesitos 7º e 8º: Provado apenas que o faziam há mais de 30 anos, ininterruptamente, e até Agosto de 2000, data da colocação pelos RR. do portão aludido em F).

2.4. Debrucemo-nos agora sobre os quesitos 9º a 15º.
Neles se perguntava o que segue:

‑ 9º: “Tal caminho situa-se ao longo da estrema, a poente do prédio referido em E) e do prédio referido em D), em linha recta?”

‑ 10º: “Com um comprimento de 61 metros?”

‑ 11º: “A distância da via pública até ao portão que o R. colocou à entrada do prédio referido em E) é de 12,50 metros?”

‑ 12º: “A distância deste até à estrema do prédio referido em D) é de 30 metros?”

‑ 13º : “A distância deste último até à estrema sul do prédio referido em B) é de 18,50 metros?”

‑ 14º: “O caminho tem 3,10 metros de largura no local em que os RR. colocaram o portão?”

‑ 15º: “Passando a ter 2,2 metros de largura desde a esquina do edifício que os RR. construíram no prédio referido em E), até à estrema sul do prédio referido em B)?”
A todos estes quesitos a Mmª. Juíza, na senda dos anteriores, deu resposta rotundamente negativa.
De novo, e ressalvando sempre o muito respeito, cremos não ser de subscrever tal entendimento.
Com efeito, e tomando uma vez mais em conta os depoimentos das testemunhas dos AA., notadamente as identificadas no item que antecede, de pronto, e sem sombra alguma de dúvida, concluímos haver de se considerar como provada a matéria do aludido quesito 9º.

Quanto ao quesito 10º, os AA./Recorrentes preconizam para o mesmo a resposta de cerca de 40 metros.
Dos depoimentos testemunhais a considerar, deparamo-nos com estimativas desde os 25/30 ou talvez mais metros ‑ V...‑, até “umas dezenas de metros bem medidos” ‑W....‑, passando pelos 40 metros ‑T...‑ e 30/40/50 metros‑ U.... Tomando em conta estes elementos, e atentando ainda nas fotografias constantes de fls. 167 a 174, afigura-se-nos que essa precisa distância plasmada no quesito ‑ 61 metros‑ será aquela que mais aproximadamente reflectirá a verdadeira extensão do caminho. Assim sendo, ao quesito em apreço surge-nos de conferir a resposta “provado.”

No que tange ao quesito 11º ‑para o qual os Recorrentes indicam a medida de 10 metros‑, os depoimentos produzidos nenhum consistente informe propiciam; no entanto, e fazendo uma vez mais apelo às fotos de fls. 167 e 168, de novo se nos afigura que a medida inserta no próprio quesito é a mais aferida, com o que concluímos com resposta também afirmativa em relação ao mesmo.

Relativamente aos quesitos 12º e 13º, igual inconcludência por parte dos testemunhos havidos se apresenta no tocante à matéria de qualquer deles. Emergindo, porém, da conjugação das respostas aos quesitos 9º, 10º e 11º, como bom é de ver, a medida total abarcante de ambas as distâncias dos referidos quesitos, sem mais surge-nos adequado, agregando tais quesitos, deferir-lhes uma resposta única, tendo justamente por referência essa medida total.
Destarte, a resposta conjunta a tais quesitos será a seguinte: Provado que a distância do aludido portão até à estrema sul do prédio referido em B) é de 48, 50 metros.

No referente aos quesito 14º e 15º ‑para os quais os Recorrentes propugnam as medidas de, respectivamente, 3 e 2 metros‑, desde logo se constata que todas as testemunhas a tal respeito inquiridas afirmam que a largura do caminho, ao longo de toda a sua extensão, era sempre a mesma, não sofrendo de qualquer variação.
Quantificando tal largura, deparamo-nos com valores compreendidos entre os 1,90/ 2 metros ‑ V...‑ 2,5 metros ‑ T... e M.....‑ superior a 2,5 metros ‑ W...‑, referindo a testemunha BB..., por sua vez, 2,20 metros. Recorrendo uma vez mais às já mencionadas fotografias de fls. 167 a 174, é aquele valor de 2 metros o que se nos apresenta a mais conforme, pelo que nele estabelecendo essa invariável largura da passagem, a resposta única a ambos os quesitos será a seguinte: Provado apenas que o caminho tem ao longo dos 61 metros do seu comprimento, 2 metros de largura.

2.5. No quesito 17º perguntava-se, por sua vez, se “tais factos são do conhecimento da generalidade das pessoas de ....”
Novamente a ele se conferiu resposta negativa, com a qual, uma vez mais, não podemos concordar.
E assim, tendo em conta os depoimentos, entre os mais, das já referenciadas testemunhas V..., T..., U... e .
De tal sorte, também a resposta a esse quesito terá de ser, não aquela que lhe foi conferida, mas em sentido plenamente afirmativo.

2.6. No subsequente quesito 17º, perguntava-se se “com o portão os RR. impedem a passagem dos AA. para os terrenos referidos em B) e D).”
Como deflui do antes expendido sob o item 2.3. ‑alterada resposta aos quesitos 7º e 8º‑, também a resposta deferida a este quesito pela Mmª. Juíza ‑de pendor negativo‑, não se poderá manter, antes se impondo a sua substituição pela de conteúdo oposto.
Nesta conformidade, também este quesito se tem de considerar provado.

2.7. Em sede do quesito 18º, indagava-se se “os RR. colocaram o portão sem dar conhecimento aos AA. e aproveitando-se da ausência de ... da A. A...”.
Os depoimentos das testemunhas referenciadas no item 2.5. conferem, manifestamente, cabal suporte probatório à matéria do quesito em exame, pelo que o negativo pronunciamento emitido pela Exmª Julgadora uma vez mais não poderá subsistir.
Razão por que, alterando-o, se dá o quesito em apreço, outrossim, como provado.

2.8. O quesito 19º ‑com a seguinte redacção: “Após a colocação do portão os AA. passaram a ter de adquirir muitos dos produtos hortícolas que semeavam e colhiam nos prédios referidos em B) e D)?”‑, foi também ele objecto de resposta rotundamente negativa.
Desde logo, tendo ficado provado ‑conforme o antes plasmado sob o item 2.1.‑ que o A. B... tem continuado a fazer acesso ao seu prédio, pese que através de um outro pertença do seu cunhado, de tal modo procedendo ao cultivo do mesmo, temos que no tocante esse A. ‑e respectivo cônjuge‑, o pronunciamento ora demandado não poderá deixar de ser negativo.
No tocante à 1ª A., diferentemente, referindo a testemunha V..., filho da mesma, que em virtude da impossibilidade de utilização por esta da sua metade no prédio aludido em B) têm vindo a comprar alguns dos produtos que dali colhiam, estimando em € 100,00 anuais a cifra a tal título gasta ‑o que de modo algum surte quer inverosímil, quer desrazoável‑ a resposta quanto a ela terá de se assumir positiva, ou mais precisamente, restritiva/explicativa.
Qual seja: Provado apenas que após a colocação do portão a 1ª A. teve de adquirir alguns dos produtos hortícolas que semeava e colhia no prédio referido em B) no montante anual de € 100,00.

2.9. Por fim, o quesito 20º, em que se perguntava se “os prédios referidos em B) e D) confrontam com a estrada”, mereceu da Mmª. Juíza a resposta ‑correspondente ao acima elencado Facto 2)‑ “Provado que confrontam com a estrada antiga da Paradela.”
Os Recorrentes insurgem-se contra este pronunciamento, pretendendo-o inteiramente negativo, mas sem razão, desde logo no que concerne ao prédio reportado em B), frente ao supra exposto sob o item 2.1., a respeito da abertura de saída, por T...., justamente para essa outrora estrada da Paradela.
Relativamente ao prédio aludido em D), nenhuma segura ilação é possível extrair, pois, não sendo os elementos documentais constantes dos autos em absoluto elucidativos, os depoimentos versantes mostram-se contraditórios, asseverando uns a efectiva existência dessa confrontação ‑caso de T... e S....‑ e outros, ao invés, negando-a ‑ V... e W....
Nesta decorrência, ao sobredito quesito entende-se de conferir a seguinte resposta restritiva: Provado apenas que o prédio referido em B) confronta com a estrada antiga da Paradela.

3. Concluída assim a apreciação sobre a deduzida impugnação ao julgamento fáctico, temos que a matéria a que importa aplicar o direito se consubstancia ‑considerando aquela acima inventariada da douta sentença, e que por comodidade de acompanhamento ora se reproduz de novo‑, na seguinte:

1 - Por escritura de doação e partilha de 27.8.82,F... declarou doar aos seus filhos, entre os quais a A. A..., a sua meação nos bens que foram comuns com o seu marido, tendo os donatários aceite esta doação.

2 - Mais declararam os donatários que do resultado desta doação e do facto de terem sido eles os únicos e universais herdeiros do seu pai, são agora proprietários dos bens que integraram o casal comum dos seus pais, entre os quais do que constitui a verba vigésima primeira: pinhal e mato, terra de cultura e oliveiras, sito na Eira de Cima, a confrontar do norte com G..., nascente com Estrada, sul e poente com H..., inscrito na matriz sob o art° 3333.

3 - Mais se acordou em tal acto que metade da verba n° 21 ficava adjudicada à aqui A. A....

4 - Na matriz predial rústica de ..., freguesia de ..., lugar de ..., sob o art° 1111, acha-se inscrita em nome de B..., uma terra de cultura com oliveira, a confrontar do Norte com I..., do nascente com L..., do sul com M... e do poente com J....

5 - Na matriz predial rústica de ..., freguesia de ..., lugar de ..., sob o artº. 2222°, acha-se inscrita em nome de N..., uma terra de cultura com oliveiras, a confrontar do Norte com G..., do nascente com L..., do sul com estrada, e do poente com J... e outro.

6 - Em Agosto de 2000, no limite do prédio referido em 5), os RR. colocaram um portão de ferro que fecharam à chave.

7 - Os prédios referidos em 2) e 4) da matéria Assente confrontam com a estrada antiga de Paradela.

8 - O prédio referido em 2) confronta a sul com o referido em 4) e este, por sua vez, confronta a sul com o prédio referido em 5).
9 - Os A.A. e antepossuidores destinaram desde sempre os prédios referidos em 2) e 4) ao cultivo de produtos agrícolas, plantando e semeando ininterruptamente diferentes produtos agrícolas.
10 - Para tal fim os AA. e antepossuidores sempre utilizaram tractores ‑e antes destes carros de bois‑ máquinas e alfaias agrícolas, necessários à preparação e aproveitamento daqueles terrenos

11 - Para se deslocarem para os terrenos referidos em 2) e 4), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os AA. e antepossuidores vinham utilizando caminho sob o prédio referido em 5).
12 - O que faziam há mais de 30 anos, ininterruptamente, e até Agosto de 2000, data em que os RR. colocaram o portão fechado à chave referido no Facto 6).

13 - Tal caminho situa-se ao longo da estrema, a poente do prédio referido em 5) e do prédio referido em 4), em linha recta.

14 - Com um comprimento de 61 metros.

15 - A distância da via pública até ao portão que o R. colocou à entrada do prédio referido em 5) é de 12,50 metros.
16 - A distância do aludido portão até à estrema sul do prédio referido em 2) é de 48, 50 metros.
17 -O caminho tem ao longo dos 61 metros do seu comprimento, 2 metros de largura.
18 - Tais factos são do conhecimento da generalidade das pessoas de ....
19 - Com o referido portão os RR. impedem a passagem dos AA. para os terrenos referidos em 2) e 4)
20 - Os RR. colocaram o portão sem dar conhecimento aos AA. e aproveitando-se da ausência de ... da A. Preciosa”.
21 - Após a colocação do portão, a 1ª A. teve de adquirir alguns dos produtos hortícolas que semeava e colhia no prédio referido em 2).

4. Sendo esta, pois, a factualidade que ora se impõe subsumir juridicamente, atendo-nos sem mais a tal cometimento, sabemos que os AA., alegando ser donos dos prédios que identificam, pretendem a achar-se constituída a favor de tais prédios, sobre o prédio dos RR., uma servidão de passagem, pedindo, além do mais, o reconhecimento dessa mesma servidão.

Como sabido, a lei ‑ artº. 1543º do Cód. Civil [3]‑ define a servidão predial como sendo o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; assim, diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
Desta noção quatro notas conceituais se destacam: a) a servidão é um encargo, uma restrição ou limitação ao direito de propriedade; b) encargo que recai sobre um prédio (o onerado ou serviente); c) tal encargo aproveita exclusivamente a outro prédio (o dominante); d) os prédios (beneficiado e onerado) devem pertencer a donos diferentes.[4]
Ora, é desde logo tendo em conta este último requisito, que os aqui AA., na sua douta inicial, deduzem os dois primeiros pedidos com que essa mesma peça rematam.

4.1. Assim, e sob a respectiva alínea a), a 1ª A. ‑ A...‑ pede sejam os RR. condenados a reconhecer que a ela é dona e legítima comproprietária do prédio reportado sob os acima vertidos Factos 1), 2) e 3), ou seja, um dos prédios alegadamente beneficiados com a reclamada servidão de passagem sobre o prédio dos sobreditos RR..
Ora, como resulta destes Factos, na sequência da escritura de doação e partilha de 27.8.82, à mesma A. foi adjudicada a metade de um prédio constituído por pinhal e mato, terra de cultura e oliveiras, sito na Eira de Cima, a confrontar do norte com G..., nascente com Estrada, sul e poente com H..., inscrito na matriz sob o art° 3333.
Representando, porém, esses negócios ‑doação e partilha‑, não títulos constitutivos do direito de propriedade, mas apenas translativos desse direito, com base nos mesmos não era nem é possível à A. obter esse pretendido reconhecimento do domínio ‑ainda que em contitularidade‑, sobre tal prédio; se a doadora e o “de cujus” não dispunham nas suas esferas patrimoniais das quotas desse direito versadas em tais contratos, obviamente que também as não podiam transmitir ‑à A. e consorte, enquanto donatários e sucessores/partilhantes‑, conforme o conhecido princípio “nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet.”[5]
Sucede, no entanto, que a mais desses Factos se provou também que:

‑ Os A.A. e antepossuidores destinaram desde sempre os prédios referidos em 2) e 4) ao cultivo de produtos agrícolas, plantando e semeando ininterruptamente diferentes produtos agrícolas ‑ Facto 9);
‑ Para tal fim os AA. e antepossuidores sempre utilizaram tractores ‑e antes destes carros de bois‑ máquinas e alfaias agrícolas, necessários à preparação e aproveitamento daqueles terrenos ‑ Facto 10);

‑ Para se deslocarem para os terrenos referidos em 2) e 4), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os AA. e antepossuidores vinham utilizando caminho sob o prédio referido em 5) ‑ Facto 11;
‑ O que faziam há mais de 30 anos, ininterruptamente, e até Agosto de 2000, data em que os RR. colocaram o portão fechado à chave referido no Facto 6) ‑ Facto 12); e
18 - Tais factos são do conhecimento da generalidade das pessoas de ... ‑Facto 18.

Frente a esta materialidade factual e sua conjugação, deflui pois que a ora 1ª A., bem como os seus antecessores, há mais que 30 anos, seguidos, que vêm exercendo sobre o dito prédio que em compropriedade lhe foi adjudicado ‑ inscrito na matriz sob o art° 3333‑, actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. E isso na medida em que, desde sempre o destinando ao cultivo de produtos agrícolas, nele vêm plantando e semeando, ininterruptamente, diferentes desses produtos[6].
Ora, nos termos do artº. 1251º, posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
Segundo a doutrina tradicional, e ainda hoje pontificante, a posse é constituída pelo corpus ‑ou poder de facto, o exercício, a prática ou possibilidade de prática de actos materiais; e pelo animus, elemento psicológico, subjectivo, traduzido na vontade ou intenção de agir como titular do direito real correspondente a esses actos materiais praticados. Nesta linha, na apontada definição legal são claramente identificáveis as notas tanto do corpus “quando alguém actua …”‑ como do animus “por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”
Sendo estes dois elementos simultânea e absolutamente necessários para que se possa considerar existente uma situação jurídica de posse, volvendo aos acima inventariados factos, constatamos que embora deles resulte essa prática de actos materiais por parte da 1ª A. e seus antecessores ‑portanto o corpus‑, nada deles é possível inferir a respeito dessoutro indispensável elemento ‑o animus; pareceria, mercê disso, não se poder reconduzir esses actos materiais a tal situação possessória.
Assim não é, porém.
Com efeito, considerando a dificuldade de demonstrar esse elemento sujectivo, a lei, mais precisamente o artº. 1252º, nº 2, estabeleceu uma verdadeira presunção ‑juris tantum‑, do mesmo a favor de quem exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja ‑em consonância com a normalidade das coisas, o “id quod plerumque accidit”‑ presume-se que quem tem o corpus tem também o animus ‑vide, i. a., o ensinamento do Prof. Mota Pinto[7] e o Assento, hoje Ac. Uniformizador de Jurisprudência, do STJ, de 14.05.1996[8]
Destarte, pois, em face da comprovação desses actos materiais idênticos ao de proprietário levados a efeito, ao longo dos tempos, tanto pelos antecessores da 1ª A., como por esta, e não se demonstrando nada em sentido contrário ‑ou seja, que tivessem sido praticados sem a intenção de se comportarem como donos do prédio‑, forçoso se torna concluir que a tais actos presidiu esse elemento psicológico, enfim, o “animus rem sibi habendi.”
Como assim, exerceram os antecessores da dita A., e vem esta agora exercendo, posse em nome próprio e efectiva sobre o prédio em consideração.

Ora, e tal também é consabido ‑e deflui expressamente do artº. 1287º‑ um dos efeitos da posse é a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
A verificação desta depende de dois elementos: da posse e do decurso de certo período de tempo ‑variável consoante a natureza móvel ou imóvel dos bens sobre que incida a posse e conforme os caracteres que esta revista; entre tais caracteres terá, porém, de se encontrar necessariamente os da publicidade e pacificidade, pois, de contrário, a posse não é “digna” do direito a que conduz; a posse violenta ou tomada às ocultas não merece qualquer tutela jurídica, mas antes reprovação, pelo que em tais casos os prazos da usucapião ‑“ut” artº. 1297º‑, só começam a contar-se desde a cessação da violência ou tornada a posse pública.

Ora ‑perguntar-se-á antes de mais‑, quando é que a posse se reveste desses dois imprescindíveis requisitos ou caracteres: quando é que ela é pacífica e quando é que é pública?
Quanto àquele primeiro, reza o artº. 1261º, no seu nº 1, que é posse pacífica aquela que foi adquirida sem violência, acrescentando o nº 2 que se considera violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usa de coacção física ou moral.
Por seu turno o artº. 1262º esclarece que a posse é pública quando se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados. Não é mister, pois, que a posse seja exercida à vista dos interessados, mas apenas que o seja de forma a poder ser deles conhecida. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[9], “quem possui um livro não precisa de transformar a sua biblioteca numa biblioteca pública, para que se dê publicidade à sua posse. Basta que possua o livro como possuiria o proprietário: sem o ocultar, em princípio, de quem pretenda vê-lo.” E mais à frente: “a posse será pública [quando] o proprietário afectado, se for normalmente diligente, pode tomar dela conhecimento.”

Alçados a estas noções, e volvendo ao caso dos autos, passando em revista os acima elencados factos logo concluímos que embora dos mesmos resulte o carácter público da posse exercida pela 1ª A. e respectivos antecessores sobre o seu arvorado prédio ‑visto o teor do Facto 18)‑, o mesmo não se verifica quanto àquele outro ‑pacificidade‑ igualmente feito mister. Na verdade, e tendo presente tudo o disposto no predito artº. 1261º, nada a esse respeito é possível, em nosso modesto ver, colher ou inferir de tal acervo, sendo certo que essa prova ‑como facto constitutivo do respectivo direito: artº. 342º, nº 1‑ apenas a ela, 1ª A., competia.
Mas assim sendo, como é, força é concluir pela impossibilidade de se considerar a mesma A. como titular do direito de propriedade ‑“rectius” compropriedade‑, do prédio em apreço, com fundamento em usucapião.
Significa isto, a improcedência do pedido de reconhecimento de tal direito a que nos vimos atendo?
Salvo sempre melhor opinativo, pensamos que não.

É que, além de à posse assistir, como vimos, entre múltiplos efeitos, esse gerador de direitos ‑efeito jurísgeno‑, à mesma assiste-lhe também ‑e consoante a mesma lição do Prof. Mota Pinto[10]‑, um outro de grande relevância, a saber, o seu valor probatório, ou ‑agora segundo o Prof. Manuel Henrique Mesquita[11]efeito presuntivo da titularidade do direito. A este se refere o nº 1, do artº. 1268º, nos termos do qual “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da pose.” Deste modo, quem está na posse de uma coisa presume-se titular do direito correspondente aos actos levados a efeito sobre ela, sendo esta presunção, similarmente aquela resultante do corpus, também ela ilidível ‑ juris tantum” e assente nos dados da experiência, no prefalado “id quod plerumque…”.
Mas assim sendo, fazendo a posse de proprietário ‑é dizer, a prática de actos materiais correspondentes ao conteúdo do direito de propriedade‑, presumir a titularidade desse direito, face aos factos acima ordenados ‑designadamente esse constantes do Facto 9), não contrariado ou infirmado, para os efeitos em presença, por outros quaisquer, o que somente aos RR. competia[12]‑ tem de considerar ser a 1ª A. titular de tal direito em relação ao prédio ali reportado, ou seja, e conforme o reclamado por ela ‑na linha da adjudicação de que beneficiou‑, comproprietária na proporção de metade desse mesmo prédio.
Nestes termos, pois, o pedido formulado pela mesma, e a que nos vimos atendo, quadra-se procedente.

4.2. Sob a alínea b) do petitório em referência, deduzem, por sua vez, os 2ºs AA. o pedido de condenação dos RR. a reconhecerem serem eles donos e legítimos proprietários do prédio aludido sob o acima elencado Facto 4), também ele pretensamente beneficiado com servidão de passagem através do prédio dos RR. e aqui Recorridos.

A respeito de tal prédio, e sua titularidade, emerge daquele Facto 4) que na matriz predial rústica de ..., freguesia de ..., lugar de ..., sob o art° 1111, acha-se inscrita em nome de B... ‑o ora 2º A.‑, uma terra de cultura com oliveiras, a confrontar do Norte com I..., do nascente com L..., do sul com M... e do poente com J.... E nada mais se surpreende no acervo factual acima vertido com referência a tal titularidade, designadamente indicando a origem ou fonte da mesma.
                Ora, sucede que as inscrições matriciais, sendo de natureza muito diferente das registrais, apenas relevam para efeitos tributários, não resultando por isso do teor delas quaisquer consequências para a efectiva definição do direito de propriedade.
Como se costuma proclamar, não é por uma inscrição matricial que se determina quem é o verdadeiro proprietário de um bem. A sua importância, quanto à definição dominial, limita-se pois ao foro fiscal, realidade que sendo uniformemente defendida seja a nível doutrinário[13], seja jurisprudencial[14], antes da publicação do actualmente vigente Cód. do Imposto Municipal sobre Imóveis ‑aprovado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro‑ veio neste compêndio a obter expressa consagração, mais precisamente no respectivo artº. 12º, nº 5, onde se prescreve que “as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.”.
                Nestes termos, pois, a presunção decorrente da matriz predial confina a sua actuação à esfera tributária ‑designadamente para efeitos de atribuição de responsabilidade pelo pagamento dos atinentes impostos‑, em nada relevando na ordem civil, não sendo possível, em sede desta, extrair de tal elemento qualquer inferência ao nível da titularidade do bem objecto da respectiva descrição.
                E de tal sorte, com exclusivo apelo à materialidade inserta no enfocado Facto 4), inviável se torna, em sede destes autos, dizer serem os 2ºs AA., como se arvoram, donos do prédio ali reportado.

                Sem embargo, e como fácil se torna antever, a este prédio e respectiva titularidade são, no entanto, por igual aplicáveis as considerações antes explanadas a tal respeito, no tocante a esse outro ‑também alegadamente dominante‑ e em relação ao qual, como vimos, se impõe dar a 1ª A. como sua legítima comproprietária.
Não só aquelas considerações indutoras da impossibilidade de os aqui 2ºs AA., por a sua posse não ser boa para desencadear a usucapião ‑por falta do requisito pacificidade‑, poderem ser considerados donos e senhores de tal prédio com fundamento nesse facto aquisitivo, mas também da circunstância de lhes aproveitar, mercê do efeito probatório de tal posse, a presunção da titularidade do direito por eles exercido possessoriamente, ou seja ‑em face dos Factos 9) a 12) e 18)‑, o direito real máximo de propriedade.
Destarte, e em suma, também o pedido destes 2ºs AA., intendente ao reconhecimento do seu domínio sobre o prédio antes referenciado se apresenta vitorioso.

4.3. Cuidemos agora do pedido por todos os AA. formulado sob a alínea c) da inicial, qual seja, condenação dos RR. a reconhecer que o seu prédio está onerado com a já mencionada servidão de passagem a favor dos prédios daqueles.
Dispondo sobre os vários títulos por que podem ser constituídas as servidões prediais ‑entre as quais consabidamente se inscrevem as de passagem: arts. 1550º e ss.‑, estatui o artº. 1548º, no seu nº 1, que as mesmas se podem constituir por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
Atentando nos elementos constantes dos autos, logo concluímos que, entre esses enumerados títulos, apenas a usucapião poderá relevar em vista da procedência da pretensão dos AA. ora em presença.
Em tal conspecto, dispõe o nº 1, do artº. 1548º[15], que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, esclarecendo por sua vez o nº 2 que se consideram como tal ‑não aparentes‑ as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes. Com este regime ‑impossibilidade de constituição por usucapião de servidões que não se revelem por sinais visíveis e permanentes‑, norteou-se o legislador pelo evidente propósito de obviar à aquisição do respectivo direito com base em actos de mera tolerância e clandestinos, praticados pelo proprietário do prédio pretensamente dominante sobre o serviente, bem como facilitar as relações de boa vizinhança.
Assim ‑e conforme assinalam Pires de Lima e Antunes Varela[16]‑, para que uma servidão de passagem possa ser adquirida por usucapião “torna-se imprescindível a existência de sinais aparentes e permanentes reveladores do seu exercício (como, por exemplo, um caminho ou uma porta ou portal de comunicação entre o prédio dominante e o serviente).” Porém ‑e ainda segundo os mesmos ilustre Comentadores ‑, o requisito da permanência não exige a continuação no tempo dos mesmos sinais ou das mesmas obras, mas apenas, conquanto indispensavelmente, a permanência de sinais, de nada importando ‑agora na esteira do Prof. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[17]‑ que eles se encontrem quer no prédio dominante, quer no prédio serviente.
Deixámos antes referido que dos termos do artº. 1287º emerge, como efeito da posse, a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
Só que a normação nesse preceito contida não se limita a tal alcance: nele se estabelece, outrossim, que a mais da do direito de propriedade, também “a posse de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação; é o que se chama usucapião.” E a este respeito, salientam, uma vez mais, Pires de Lima e Antunes Varela[18] que “os termos em que os artigos 1287º e seguintes se referem à usucapião (baseada na posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo) tornam hoje indiscutível a tese, já sustentada pela boa doutrina na vigência do Código de 1867 (…), segundo a qual ´as condições que na posse se requerem para a prescrição, bem como o prazo em que, segundo as condições da posse, a prescrição tem lugar, são os mesmos que na aquisição da propriedade´ ”.

Expostas estas considerações, e elucidados por elas, é tempo de reverter ao caso “sub judice” em ordem a apurar ‑na sequência da explanação preliminarmente efectuada‑, se os AA. podem ser considerados titulares da servidão de passagem que reclamam, por usucapião.
Antes de mais, e salvo sempre o muito respeito, dir-se-á não fazer quanto a nós obstáculo a tal ilação, em sentido positivo, essa exigência a respeito aparência da servidão, da sua evidenciação por sinais visíveis e permanentes.
Com efeito, é certo haver-se a tal respeito provado que:

- Para se deslocarem para os terrenos referidos em 2) e 4), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os AA. e antepossuidores vinham utilizando caminho sob o prédio referido em E) ‑ Facto 11;

- O que faziam há mais de 30 anos, ininterruptamente, e até Agosto de 2000, data em que os RR. colocaram o portão fechado à chave referido no Facto 6) ‑ Facto 12;

- Tal caminho situa-se ao longo da estrema, a poente do prédio referido em 5) e do prédio referido em 4), em linha recta ‑ Facto 13;

- Com um comprimento de 61 metros ‑ Facto 14;

- A distância da via pública até ao portão que o R. colocou à entrada do prédio referido em 5) é de 12,50 metros ‑ Facto 15;

- A distância do aludido portão até à estrema sul do prédio referido em 2) é de 48, 50 metros ‑ Facto 16; e

- O caminho tem ao longo dos 61 metros do seu comprimento, 2 metros de largura‑ Facto 17;

Ora, perante estes elementos, pensamos não serem possíveis hesitações sobre a índole aparente da servidão em atinência, sobre o facto de à conformação da mesma presidirem sinais não só visíveis como permanentes. Na verdade, trata-se de um caminho, o que, como antes vimos da emérita exposição dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, logo reconduz a servidão a tais aludidos predicados. Na verdade, e tal como se doutrinou no Ac. desta Relação de Coimbra, de 10.02.1998[19],“a existência de um caminho em si mesmo e porque, necessariamente, comporta contornos e limites patentes e perceptíveis é um sinal visível e permanente revelador de uma servidão de passagem.”
Ora, sem dúvida que esses postulados condicionalismos ‑contornos e limites patentes e perceptíveis‑, se verificam na servidão em presença, sendo certo que o caminho que a constitui, situando-se ao longo da estrema dos prédios dos RR. e dos 2ºs AA., demarca-se fisicamente mediante inequívocas dimensões, a saber, um comprimento de 61 metros e uma largura de 2 metros. Demais, veio sendo utilizado, até à colocação do portão pelos RR. a obstrui-lo, ininterruptamente pelos AA. e antecessores, e durante mais de 30 anos.
Deste modo, há pois que considerar a enfocada servidão como aparente, por isso nada obstando, se verificados os demais requisitos, à sua constituição por usucapião.

Mas verificar-se-ão, na realidade, esses adicionais e indispensáveis requisitos?
Vejamos.

Como vimos da nossa antecedente explanação ‑ item 4.1.‑, para que a usucapião opere, necessário se torna, antes de mais, a existência de posse, verificada a qual e cumpridos que sejam certos requisitos associados ao decurso de um prazo variável consoante as circunstâncias, tal fenómeno ocorrerá, conduzindo o possuidor à aquisição do direito real de gozo respectivo.
No caso em apreço, não sendo possíveis dúvidas sobre a existência de posse dos AA. em relação à passagem que vem servindo os respectivos prédios ‑“ut” Factos 11) a 18)‑, a questão que se levanta é, antes de mais, a de saber se essa posse se pode considerar boa para usucapião ‑posse útil “ad usucapionem”‑ ou seja, se nela se verificam esses imprescindíveis caracteres da publicidade e da pacificidade, sob pena de ‑similarmente ao que vimos, no prefalado item 4.1., ocorrer em relação à titularidade desses aludidos prédios‑, tal usucapião se haver de ter por completamente inverificável.
Para dessa questão aferir, voltemos de novo aos factos provados. Passados em revista, constatamos que deles apenas consta, com relevo, que:

Para se deslocarem para os terrenos referidos em 2) e 4), a pé, com tractor ou outra máquina agrícola, os AA. e antepossuidores vinham utilizando caminho sob o prédio referido em 5) ‑ Facto 11);
O que faziam há mais de 30 anos, ininterruptamente, e até Agosto de 2000, data em que os RR. colocaram o portão fechado à chave referido no Facto 6) ‑Facto 12); e

Tais factos são do conhecimento da generalidade das pessoas de ... ‑ Facto 18).

                Quer dizer, à semelhança do que vimos suceder no concernente à posse dos prédios por si detidos, também em relação à servidão ora ventilada a posse dos AA., ao que é dado saber, apenas se vem revestindo do carácter da publicidade, nenhuma ilação sendo possível no tocante a essoutro imprescindível requisito ‑ser a mesma pacífica.
                Como assim, e na linha do decidido quanto a tais prédios ‑respectiva dominialidade‑, inviável surte considerar os AA. como titulares do arrogado direito de servidão de passagem, constituído por usucapião, sobre o prédio dos RR. e em favor dos seus prédios.

                Mas se é o mesmo o desfecho ‑negativo‑ no que concerne ao desencadeamento da usucapião, considerada a posse mantida pelos AA. quer em relação aos respectivos prédios quer em relação à servidão em atinência, será que também coincidentes se apresentarão os desfechos atendendo ao valor probatório das posses? Ou seja: verificar-se-á em relação à posse do direito de servidão, por igual, o efeito presuntivo da titularidade do direito possessoriamente exercido que, fundado no nº 1 do artº. 1268º, vimos ocorrer no tocante à posse do direito de propriedade?
                Ressalvando sempre melhor opinativo, cremos que a resposta não pode deixar de se pautar pela afirmativa, pelo que, em face de tal efeito, era, uma vez mais, aos RR. que competia infirmá-lo, que o mesmo é dizer, provar a não correspondência com a realidade desse pressuposto direito.
                Ora, como iniludivelmente resulta de todo o circunstancialismo que mereceu adesão de prova, os RR. de modo algum lograram desincumbir-se de tal ónus, razão por que o pedido em exame ‑reconhecimento da existência da servidão‑, surge, também ele, procedente.

                4.4. Impondo-se agora à consideração o peticionado sob a alínea d) ‑desimpedimento da servidão de passagem em foco‑, obviamente que, em face de tudo o exposto, a respectiva procedência apresenta-se a todos os títulos inelutável, pelo que, em conformidade, nos dispensamos de adicionais e necessariamente despiciendos desenvolvimentos.

                4.5. Por fim, atentemos no último pedido, condenação dos RR. no pagamento aos AA. de indemnização por danos materiais e morais que vierem a liquidar-se em execução de sentença.
                No que tange a estes últimos danos, também designados não patrimoniais ‑por isso que insusceptíveis de avaliação pecuniária, estando em causa na respectiva indemnizabilidade a compensação de dor ou desgostos sofridos mediante a propiciação ao lesado de contrapostas situações de prazer ou alegria‑, nada a tal respeito se apurou, seja em relação a qual dos AA., pelo que, nenhuma indemnização se justificando correspondentemente arbitrar, a respectiva pretensão acha-se votada ao insucesso.
                E o mesmo haverá que dizer no que concerne aos danos patrimoniais relativos aos 2ºs AA., em face da restritiva resposta conferida ao quesito 19º e correspectivo Facto 21), acima vazado. O pedido em apreço naufraga, pois, também.
                Quanto à 1ª A., sabemos resultar desse Facto 21) que após a colocação do portão pelos RR., ela teve de passar a adquirir alguns dos produtos hortícolas que semeava e colhia no prédio referido em B), para tanto despendendo, anualmente, a importância de € 100,00. Sendo este dano, radicado na ilícita actuação dos RR., manifestamente indemnizável ‑ arts. 483º e 562º e ss.‑, apelando a um juízo equitativo ‑ao abrigo do nº 3, do artº. 566º‑, justificado na medida em que para a obtenção de tais produtos sempre a A. teria de, por sua vez, satisfazer alguns encargos, afigura-se-nos adequado computar esse prejuízo anual na quantia de € 90,00 e, logo, em € 900,00 o montante global ocorrido desde a data dessa impeditiva colocação do portão e a presente ‑10 anos.
                Em tal soma se fixa, pois, o “quantum indemnizatur” a arbitrar à 1ª A. pelos danos em apreço.

IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, na parcial procedência da apelação, julga-se a acção também em parte procedente e, em consequência, revogando nessa medida a sentença recorrida, condenam-se os RR./Recorridos:

a) - a reconhecer que a 1ª A. é dona e legítima comproprietária do prédio identificado no acima elencado Facto 2);

b) - a reconhecer que os 2ºs AA. são donos e legítimos proprietários do prédio identificado no subsequente Facto 4);

c) - a reconhecer que o seu prédio, identificado no Facto 5), está onerado com uma servidão de passagem a favor desses prédios dos AA., servidão essa com as dimensões e características mencionadas nos Factos 10) a 18);

d) - a desimpedir a supra referida servidão de passagem; e

e) - a pagar à 1ª A., a título de indemnização por danos patrimoniais, a importância de € 900,00.
No mais, confirma-se a douta sentença recorrida.

Custas em ambas as instâncias por AA. e RR., na proporção de 9/10 para estes e 1/10 para aqueles, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que se lhes acha atribuído.


[1] Na redacção do D.L. nº 183/2000, de 10 de Agosto, aqui aplicável.
[2] Deste modo, e sempre com a devida vénia, não alcançamos da razão por que na douta motivação se consigna que o conhecimento das pessoas que afirmam a existência da serventia se reporta a factos ocorridos há 30 anos atrás, nenhuma referência fazendo, tais pessoas, a outros ocorridos desde essa altura até ao presente.
[3] Ao qual pertencem os demais preceitos a citar sem menção de origem.
[4] Cfr., por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil-Anotado, 2 ª ed., C. Editora, pág. 613.
[5] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 115.
[6] Cfr., a propósito, Manuel Rodrigues, in A Posse, com a anotação de Fernando Luso Soares, Almedina, 1981, pp. 191-192 e Orlando de Carvalho, in R.L.J., Ano nº 122, pág. 105.
[7] Cfr. Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in Direitos Reais, 1976, Almedina, pág. 191.
[8] In D.R. nº 144, II Série, de 24.06.1996.
[9] Cfr. ob. cit., pág. 24.
[10] In Ob. cit., pág. 204.
[11] Cfr. Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, pág. 110.
[12] De conformidade com o disposto nos arts. 342º, nº 1, 344º, nº 1 e 350º, nº 1.
[13] Cfr. José de Oliveira Ascensão, in Direitos Civil - Reais, 5ª ed., C. Editora, pág. 351.
[14] Cfr., i. a., Acs. do S.T.J. de 11-05-1995, in Col./STJ, Tomo II, pág. 76, da R. L. de 22-05-1981, da R.P. de 10-03-1988 e da R.E. de 10-05-1990, todos in Col., Tomos III, pág. 50, II, pág. 199 e III, pág. 267, respectivamente.
[15] E idênticamente o artº. 1293º, na respectiva alínea a).
[16] Cfr. ob. cit., pág. 630.
[17] Cfr. Direitos Reais, Almedina, pág. 401.
[18] Cfr., ob. cit., pág. 631.
[19] In Bol. nº 474º, pág. 561.