Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2865/22.6T8VIS-A. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
DECISÃO COM FORÇA DE CASO JULGADO
REAPRECIAÇÃO
ERRO DE DIREITO
LISTA DEFINITIVA
NÃO APROVAÇÃO DO PEAP
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 222.º-D, N.º 4, E 251.º DO CIRE, 3.º, N.º 3, E 615.º, N.º 1, AL.ª D), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – O (novo) conhecimento pelo juiz de matéria sobre a qual se havia formado caso julgado não se apresenta como um vício formal, de atividade ou de procedimento, antes de um error juris, por se traduzir numa apreciação de questão em desconformidade com a lei, e, por via disso, a decisão não enferma de nulidade por o juiz ter conhecido “questões de que não podia tomar conhecimento” (art. 615.º, n.º 1, d) do CPC).

II – No âmbito do processo especial para acordo de pagamento (PEPAP) a lista definitiva que se constitui por inexistência de impugnação da lista provisória (art. 222.º-D, n.º 4 do CIRE), não produz, no caso de ocorrer o termo do processo sem aprovação do acordo de pagamento, quaisquer efeitos em termos do reconhecimento dos créditos no processo de insolvência ou no incidente de plano de pagamento aos credores previsto nos arts. 251.º e segs do CIRE, apenas dispensando os credores que dela constem da necessidade de reclamar os seus créditos na insolvência.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 2865/22.6T8VIS-A. C1

Juízo de Comércio ... – Juiz ...

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA (devedor) veio apresentar plano de pagamento aos credores nos termos e para os efeitos do art. 251.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, na sua redação atualizada (doravante a designar por CIRE).

                                                                                   *

Na ausência de acordo da totalidade dos credores o devedor veio requerer o suprimento da aprovação dos credores que não aprovaram o plano (art. 258.º do CIRE).

                                                                                   *

Por decisão de 14.12.2022 (ref. 91965225) o Sr. Juiz, com os fundamentos que aí constam, indeferiu o pedido de suprimento da aprovação dos credores, declarou não aprovado o plano de pagamentos e determinou a cessação da suspensão do processo de insolvência.

                                                                                   *

Inconformado, o devedor interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:”
I) Veio o devedor solicitar o suprimento do consentimento dos votos dos credores que se opuseram ao plano apresentar plano de pagamentos apresentado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 251.º. do CIRE, por tal plano ter obtido voto favorável do credor BB, que detinha mais de 2/3 dos votos dos “créditos reclamados” (ref.ª 5556813 de 19-10-2022).
II) O credor Novo Banco, S.A. pugnou pelo não suprimento da aprovação dos credores, alegando, em síntese, que a sua posição é previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano e que o crédito de
III)  BB que votou favoravelmente o plano, não poderia ser reconhecido, e nesse medida o seu Voto não poderia ser suprido.
IV) Apesar da resposta do devedor, referindo que o Novo Banco, S.A. não aduziu factos que sustentassem a posição mais desfavorável e que a “impugnação” do crédito do credor BB não tinha cabimento legal, a verdade é que veio o Tribunal decidir pela recusa do pedido de suprimento apresentado, decidindo no fundo, por invalidar o voto deste credor BB ali “impugnado”, e concluindo que o plano não se podia considerar aceite por créditos que representam mais de dois terços do valor total dos créditos.
DA NULIDADE PROCESSUAL
V) Contudo, fê-lo, ao abrigo do art 258 nº 1 al. C) do CIRE, sem que o credor detentor do crédito impugnado pelo Novo Banco AS, no requerimento de não suprimento, tivesse TIDO oportunidade de se pronunciar sobre o ali vertido (acerca da ali alegada simulação do seu crédito), violando-se assim -cabalmente- o princípio do contraditório daquele credor, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do NCPC, e art 32 nº 5 da CRP, verificando-se uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1, do NCPC, já arguida nos autos pelo próprio credor afectado.
VI) Nesta senda, cremos que a al. C) do nº 1 do art. 258 do CIRE, deve ser declarada inconstitucional, na medida em que tal dispositivo permite que, apenas através de um requerimento (não notificado aos credores afectados para se pronunciarem e ali exercerem cabalmente o seu direito de defesa) seja suficiente para invalidar os créditos cuja veracidade ali se questiona.
Sem prescindir
DA NULIDADE DA SENTENÇA
VII) Transitando o PEAP para processo de insolvência e tendo sido apresentado plano de pagamentos pelo devedor, como no caso dos autos, valem para efeitos de votação do mesmo, os credores reconhecidos na lista definitiva em sede de PEAP.
VIII) Não pode, pois, o Tribunal recorrido servir-se do art 258 nº 1 al. C) do CIRE para, oficiosamente ou a pedido do Oponente ao suprimento, excluir ou invalidar créditos ali pré reconhecidos definitivamente.
IX) Assim, ao decidir-se pela exclusão/invalidada de um crédito já reconhecido na lista de credores do devedor (fora dos casos do art 222 D nº 3 e 4 e 130 do CIRE), o Tribunal viola os princípios do caso julgado relativamente à lista já existente e o PP da confiança jurídica dos credores que não viram o seu crédito impugnado no âmbito do PEAP, mas o veem posteriormente escrutinado e excluído.
X) Tomando o Tribunal recorrido conhecimento de questão de que já não podia conhecer, por já estar decidida (pronunciando-se sobre os pontos 2.1 a 6 e decidindo pela não validação do crédito do credor BB), é de assacar à sentença recorrida a nulidade prevista na segunda parte da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC -Existindo, por isso, excesso de pronúncia (608º, nº 2, e 609º do CPC).
XI) A Sentença prejudicou assim -gravemente- o devedor, na medida em que vê indeferido o seu pedido de suprimento do consentimento, sem fundamento legal, sendo assim atirado sem mais para uma insolvência -O que não se concede.

                                                                                  

Rematou pedindo a “revogação da sentença e de todos os atos posteriores ao requerimento do Novo Banco datado de 18/11/2022, refer. Nº 5616568” ou, se assim não se entender, “deve a sentença ser declarada nula por excesso de pronúncia, designadamente por violação do caso julgado, no que concerne à impossibilidade do Tribunal excluir através do art 258 nº 3 do CIRE qualquer crédito reconhecido definitivamente, nos termos do art 222 D nº 4 do CIRE, revogando-se a sentença, e substituindo-se por outra que, defira o suprimento do consentimento solicitado pelo devedor, e homologando-se o plano, com todas as consequências legais”.
*

Respondeu o credor Novo Banco, S.A. defendendo a improcedência do recurso, invocando para tanto, em síntese, os seguintes fundamentos:

(…).

                                                                                   *

No despacho que admitiu o recurso o Sr. Juiz pronunciou-se quanto à invocada nulidade da sentença nos seguintes termos: “não se verifica qualquer nulidade já que, por um lado, conforme já mencionámos no despacho de 01-02-2023, não ocorreu a omissão de formalidades legais, nem a violação do princípio do contraditório, por outro lado, a questão do caso julgado foi apreciada no despacho recorrido e constitui objeto do recurso.

                                                                                         *

Dispensados os vistos, foi realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

*

II-Objeto do recurso

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir:

Saber se
a) O tribunal ao proferir decisão sem que o credor BB - detentor do crédito impugnado pelo Novo Banco, S.A. - tivesse tido oportunidade sobre a posição desta entidade, incorreu em nulidade processual.
b) É inconstitucional o art. 258.º, n.º 1, c) do CIRE ao permitir que apenas através de um requerimento (não notificado aos credores afetados para se pronunciarem e ali exercerem cabalmente o seu direito de defesa) seja suficiente para invalidar os créditos cuja veracidade ali se questiona.
c) A sentença é nula, por excesso de pronúncia, consubstanciado na exclusão/invalidação, de um crédito já reconhecido na lista definitiva de credores efetuada em sede de PEPAP.

                                                                                  *

III-Fundamentação

A – Da nulidade processual/inconstitucionalidade invocadas

Nas alegações apresentadas o recorrente começou por sustentar que o tribunal incorreu em nulidade processual, por desrespeito do princípio do contraditório, ao omitir a notificação do credor BB quanto aos termos da impugnação efetuada pelo Novo Banco, S.A. relativos a tal crédito.

Como manifestação do princípio do contraditório constitucionalmente tutelado prevê-se no art. 3.º, n.º 3 do CPC que “O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir as questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O princípio do contraditório assume-se assim como garantia de uma discussão e argumentação entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo (direito de se pronunciar relativamente à pretensão da contraparte), impondo a concessão às partes da possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre as questões suscitadas (mesmo oficiosamente).

A violação deste dever - omissão de ato prescrito na lei - gera a nulidade processual “geral” prevista no art. 195.º, n.º 1 do CPC[2].

Não se tratando de nulidade de conhecimento oficioso – porque excluída do elenco efetuado no art. 196.º do CPC – a sua apreciação pelo tribunal está dependente de arguição das partes, a apresentar, no caso, no prazo de 10 dias após o conhecimento dessa omissão (art. 149.º e 199.º e do CPC).

Sucede que o recorrente não invocou a nulidade perante o tribunal onde alegadamente foi cometida (primeira instância).

De acordo com a conhecida máxima processual “das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se”.

 Significa isto que, a ter existido, a nulidade devia ter sido primeiramente invocada perante o tribunal onde foi cometida e só da respetiva decisão podia ser interposto recurso para a segunda instância.

É que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido, sendo os recursos meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso.

Em suma, encontrando-se essa nulidade sanada por falta de arguição nos termos processualmente previstos, não pode agora a parte erigi-la como fundamento do recurso.

Acresce que o recorrente sempre careceria de legitimidade para arguir a nulidade, posto que a parte prejudicada pela omissão, a parte a quem alegadamente terá sido cerceado o direito ao contraditório, o titular do direito afetado, foi o credor e não já o recorrente.

Credor que, de resto, reclamou dessa omissão, tendo já sido proferida nos autos a decisão que a apreciou e que entretanto transitou em julgado.

Por outro lado, não podendo este tribunal, em sede de recurso, apreciar a pretensa falta de notificação do credor - a nulidade geral prevista no art. 195.º, n.º 1 do CPC - fica prejudicado o conhecimento quanto à invocada inconstitucionalidade do art. 258.º, n.º 1, c) do CIRE.

Ou seja, a lógica que impele a notificação – a inconstitucionalidade da norma que a dispensa –, e respetivas consequências jurídico-processuais, fica sem sentido útil em termos de apreciação enquanto se entenda, como efetivamente sucede, que a omissão dessa notificação sempre teria de ser objeto de arguição no tribunal recorrido e não em sede de recurso e que a mesma se encontra sanada. 

Como tal, não pode este tribunal tomar conhecimento do recurso nesta parte.

B – Da nulidade da sentença

Defende depois o recorrente que a sentença, ao tomar conhecimento quanto à existência do crédito de BB, é nula, por excesso de pronúncia.

Excesso de pronúncia que, no entender do recorrente, decorre do “caso julgado” formado relativamente à lista de credores do Processo Especial Para Acordo de Pagamento (PEPAP) já que, apesar de nela constar o crédito em causa, a decisão recorrida entendeu não o considerar em sede do Plano de Pagamentos a que se refere o art. 251.º do CIRE.
Ao caso dos autos, atento o fundamento enunciado nas conclusões do recurso, interessa apenas a causa tipificada na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC – “O juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O excesso de pronúncia é corolário do princípio do dispositivo, o qual proíbe o juiz de se pronunciar sobre questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou imponha o seu conhecimento oficioso.
Se o juiz conhece de questão que o autor e réu não lhe submeteram, se o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado. a sentença enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).
É, desde há muito, entendimento pacífico[3], que as nulidades típicas da sentença se reconduzem a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
Tratam-se, na essência, de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário da sentença e que obstaculizam o pronunciamento de mérito.
Assim, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), conduz a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou normativa (traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei), o error in procedendo consiste num desvio à realidade factual ou jurídica (por ignorância ou falsa representação da mesma).
Revisitando o ensinamento de José Alberto Reis (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125), o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico)[4].
Em suma, como se refere no Ac. do STJ. de 03.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1) as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615.º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo.
De tudo o exposto ressalta que o desrespeito do caso julgado não se apresenta como um vício formal, de atividade ou de procedimento, antes de um error juris, por se traduzir numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
O conhecimento de matéria sobre a qual se havia formado caso julgado (formal ou material) não se reduz a um mero vício formal, mas a um efetivo erro de julgamento.
Todavia, ainda que assim não se entenda, não ocorre, na situação presente, a formação de caso julgado sobre a existência do crédito de BB.
Para efeitos da decisão importa considerar que:
i)  O devedor, AA, instaurou inicialmente processo especial de acordo de pagamento a que se referem os art. 222.º-A e seguintes do CIRE, no qual incluiu na lista apresentada, ao demais, o crédito de BB, no montante de €5.734.520,55.
ii) Essa lista, na ausência de impugnações, converteu-se em definitiva.
iii) Por despacho de 03.12.2021, transitado em julgado, o Sr. Juiz declarou encerrado o processo negocial pela aprovação do acordo de pagamento.
Antecipadamente se avança que, tal como decorre diretamente das normas aplicáveis e se assume como entendimento pacífico, a lista definitiva que, no âmbito do PEPAP, se constitua por inexistência de impugnações (art. 222.º-D, n.º 4 do CIRE), não produz efeitos fora desse processo, sendo que, findando o processo sem aprovação do acordo de pagamento, declarada a insolvência, os credores constantes da lista apenas ficam dispensados de reclamar os créditos ali relacionados (art. 222.º-G, n.º 9 do CIRE).
Tal como é afirmado em termos lapidares por Alexandre de Soveral Martins “os credores constantes da lista definitiva de créditos reclamados não podem dar por garantido que os seus créditos vão ser considerados verificados no processo de insolvência. O art. 222.º-G, 9, só os dispensa de reclamar os seus créditos naquele processo. Nada mais” (Um curso de Direito da Insolvência, Vol. II, 3.ª edição, Almedina, pág. 405).
 Também no Ac. TRG de 06.10.2022 (processo 1216/22.4T8VRL-A.G1) se assumiu “lê-se no art. 222.º-G, n.º 9, do CIRE, que, havendo «lista definitiva de créditos reclamados, e sendo declarada a insolvência do devedor por aplicação do disposto no n.º 7 [conclusão do processo negocial sem aprovação de acordo de pagamento], os credores constantes daquela lista não necessitam de reclamar os créditos ali relacionados nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º» [no prazo fixado na sentença de insolvência para o efeito, quanto a todos os demais credores], tendo porém os ditos créditos que ser então verificados, nos termos gerais aplicáveis, por o prévio reconhecimento que mereceram em sede de PEAP não fazer caso julgado.
O recorrente sustenta que, “transitando o PEAPpara processo de insolvência e tendo sido apresentado plano de pagamentos pelo devedor, valem nesta sede os credores reconhecidos em sede de PEAP, PARA EFEITOS DE VOTAÇÃO DE Plano de pagamentos apresentado” constituindo-se caso julgado, pelo que o tribunal estava impossibilitado de voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida.
Salvaguardado o devido respeito, o recorrente assenta no equívoco inicial de obnubilar que o PEPAC findou pela não aprovação do plano de pagamentos.
O seu objeto “pré-insolvencial” era precisamente obter o acordo entre os credores para efeitos de pagamento das dívidas, acordo esse que não foi conseguido, na sequência do que o administrador provisório concluiu no sentido de dever ser declarada a insolvência, tendo sido instaurado o processo respetivo.
O plano de pagamentos apresentado para efeitos do disposto no art. 251.º do CIRE (que envolve já a confissão da insolvência, ao menos iminente - art. 252.º, n.º 4) implica, na economia do regime, a apresentação de nova lista de credores [art. 252.º, n.º 5, d)] e a discussão sobre os créditos existentes (art. 256.º, n.ºs 2 e 3), a incluir o suscitar de dúvidas quanto à veracidade ou completude da relação de créditos apresentada [art. 258.º, n.º 1, c)].
Ou seja, o legislador deixou claro que o incidente do PPAC apresenta total autonomia relativamente ao finado PEPAC, de sorte que carece de sentido a invocação de “caso julgado” ou o assentar da parte dos credores numa confiança jurídica relativamente à sua inclusão numa lista de créditos constituída com finalidades diversas e, eventualmente, com modificação dos respetivos titulares e montante dos créditos.
Não pode, como tal, ver-se aqui formado o caso julgado formal, a qual só se verifica se existir uma primeira decisão (de forma) proferida no mesmo processo em que venha ser proferida uma segunda com o mesmo objeto. É que o caso julgado formal «só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal» (Remédio Marques, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 644) (13).
A violação do caso julgado formal previsto no art. 620º, do Código de Processo Civil, só opera quando o tribunal, no mesmo processo, com as mesmas partes e reportando-se aos mesmos factos, verificados e atendidos já na primeira decisão, volta a decidir a mesma questão, nesse mesmo contexto processual, de forma diversa (Ac. da RG, de 17.05.2018, processo n.º 1053/15.2T8GMR-C.G1).
Não é manifestamente esse o nosso caso, sendo que, apesar de PEPAC poder ser apensado à insolvência (art. 222.º-G, n.º 7), não constitui “incidente” nem da insolvência nem do PPAC.
Do exposto decorre que a sentença não pode ser taxada de nula por “excesso de pronúncia”.

                                                                                     *

Sumário[5]:

(…).

                                                                                   *                                                                 

IV - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em:
a) não tomar conhecimento do recurso nas partes em que foi suscitada a nulidade processual e a inconstitucionalidade do art. 258.º, n.º 1, c) do CIRE,
b) julgar, no demais,  improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

                                                                                    *

Custas pelo apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                                      *

Coimbra, 12 de abril de 2023


(Paulo Correia)

(Helena Melo)


             

(José Avelino)






[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Melo e José Avelino
[2] - Tratando-se de uma impugnação de um crédito efetuada por uma parte e não o conhecimento oficioso de questão pelo juiz, não está em causa na situação presente a designada “decisão surpresa” já que, como refere Miguel Teixeira de Sousa “Para que se possa falar de decisão-surpresa, é necessário que haja um vício próprio da decisão, e não uma decisão não viciada que é anulada na sequência de uma nulidade anterior” (https://blogippc.blogspot.com/2021/04/jurisprudencia-2020-197.html).
[3] - Por todos o acórdão STJ, de 9.4.2019, Processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1., disponível, em www.dgsi.pt.
[4] - Neste sentido o acórdão STJ de 17.10.2017, Proc. n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1.
[5] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).