Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2223/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: REGIME DE SUBIDA DO RECURSO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO PELO ASSISTENTE
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 11/17/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 407, N.º 1, AL. A) E I) E N.º 2 E 3; 286.º, N.º 1 E 310.º, N.º 1, DO CPP.
Sumário: I - Proferido despacho de arquivamento e tendo sido requerida a abertura de instrução pelo assistente, ao abrigo do disposto no art. 287.º, n.º 1, al. b), do CPP, a decisão instrutória será sempre recorrível, nos termos do art. 310.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
II – O recurso interposto pelo arguido do despacho que mandou aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução deverá subir e ser julgado conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão instrutória, que sobe imediatamente (art. 407.º, n.º 1, al. i)), considerando-se que o despacho de pronúncia ou não pronúncia põe fim a uma fase processual, sendo nessa medida uma decisão final.
Decisão Texto Integral: ***

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
*
No processo supra identificado, em que é arguido A..., tendo sido proferido despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no art. 287.º, n.º 1, al. b), do CPP, foi requerida a abertura de instrução pelo assistente Mário dos Santos.
O senhor juiz de instrução proferiu despacho, em 24/10/2003, convidando o assistente a aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, de forma a que indique os arguidos que pretende sejam pronunciados.
Corrigido o requerimento de abertura de instrução, o mesmo foi deferido.
Deste despacho que deferiu a instrução depois de aperfeiçoado o requerimento inicial, dele interpôs recurso o arguido.
Formulou as seguintes conclusões:
1 - O arguido foi notificado de um despacho do M.M. Juiz de Instrução Criminal, pelo qual se o requerimento aperfeiçoado, apresentado pelo assistente em complemento do requerimento de instrução/acusação inicial.
2 - Ora, sendo o requerimento do assistente para a abertura de instrução uma verdadeira acusação, terá que obedecer aos comandos legais do art. 283.º do C.P.P..
3 - E por tal deve conter todos os elementos necessários de uma verdadeira acusação, para que o arguido possa saber do que está a ser acusado.
4 - Portanto, deve conter as razões de facto e de direito relativamente à acusação, pois, a instrução, é uma verdadeira acusação alternativa, em virtude do MP não ter acusado, e aquela falta, faz precludir o direito à mesma.
5 - Deste modo, ao M.M. Juiz de Instrução Criminal cabe instruir o processo e verificar se há factos alegados suficientes para proferir um despacho de pronuncia ou não pronuncia, tal qual os mesmos se encontram alegados na acusação, não lhe sendo permitido, determinar o aperfeiçoamento do requerimento, como aconteceu neste caso.
6 - Verificando-se que o requerimento está imperfeito, resta-lhe, salvo o devido respeito, indeferir o mesmo, pois a nossa ordem jurídica não oferece respaldo legal aos despachos sub judice, uma vez que não existe qualquer norma no nosso ordenamento que permita a apresentação de um complemento ao requerimento de abertura de instrução/acusação, ou seja, ao contrário do que acontece no processo civil, não está prevista o aperfeiçoamento da acusação.
7 - Assim, nas referidas decisões, fez errada interpretação do art. 287.º do Cod. Proc. Penal.
Face ao exposto, deve ser dado provimento ao recurso e por via dele anular-se os despachos em causa, e em consequência indeferir- se o requerimento inicial de abertura de instrução apresentado pelo ofendido.
*
O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
*
O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, notificado da interposição do recurso, para os efeitos do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, na resposta, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso e pela consequente manutenção do despacho recorrido.
*
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto, suscita uma questão prévia, pronunciando-se no sentido de que deve ser alterado o regime de subida do recurso, devendo determinar-se a subida diferida, nos próprios autos, com a decisão que venha a por termo à causa, nos termos do art. 407.º, n.º 3, do CPP.
*
O recorrente, notificada do parecer do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 417.°, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, apresentou resposta no sentido de que deve manter-se inalterado o regime de subida do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
O Direito:

Questão prévia:
Momento de subida do recurso.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, pronunciam-se no sentido de que deve ser alterado o regime de subida do recurso, devendo determinar-se a subida diferida, nos próprios autos, com a decisão que venha a por termo à causa, nos termos do art. 407.º, n.º 3, do CPP.
Apreciemos pois o regime de subida do recurso.
No despacho de fls. 14, destes autos de recurso, o senhor juiz admitiu o recurso, a subir em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo, ao abrigo dos art. 399.º, n.º 1, al. b); 406.º; 407, n.º 2 e 408.º, “ a contrario”, todos do CPP.
À partida está afastada a aplicação do art. 407.º, n.º 1, do CPP, por a situação dos autos não ser enquadrável em nenhuma das suas alíneas.
No despacho de recebimento do recurso também não têm aplicação as normas constantes dos art. 406.º, n.º 2 e 407.º, n.º 2, do CPP, que fundamentaram a subida do recurso imediata e em separado.
Se não vejamos.
Ora, o recurso interposto incide sobre despacho que mandou corrigir o requerimento de abertura de instrução.
Não pode colher o argumento da recorrente, quando pretende a subida imediata, ao abrigo do art. 407.º, n.º 2, do CPP, por a sua retenção o tornar absolutamente inútil.
A inutilidade absoluta de que aqui se fala é no sentido de que a decisão que vier a incidir sobre os fundamentos do recurso não pode produzir de todo em todo quaisquer efeitos.
Não é manifestamente o caso dos autos, pois se eventualmente vier a proceder a tese da recorrente, produzirá os efeitos pretendidos e isto é, o indeferimento do requerimento da abertura da instrução.
A seguir o entendimento da recorrente, praticamente todos os recursos seriam instrumento processual dilatório.
É precisamente isso que se pretende evitar.
Mas excluída a subida imediata do recurso, este deve subir com a sentença final, entendendo esta como a decisão que ponha termo à causa, como parece apontar o art. 407.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do CPP?
Cremos que não.
A instrução, nos termos do art. 268.º, n.º 1, do CPP, “visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Assim, para o recurso da decisão que mandou aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, de forma a que o assistente indique os arguidos que pretende sejam pronunciados, possa ter eficácia, terá de estar decidido antes da causa ser submetida a julgamento.
Partindo deste princípio, logo verificamos que a apontada incoerência do Código de Processo Penal, leva a que o regime de subida diferida para o momento do recurso da decisão final, torna o recurso inútil nas hipóteses em que há pronúncia e não há recurso deste despacho: mesmo que o recurso admitido seja provido e determine a anulação do processado posterior, incluindo o julgamento, ele torna-se totalmente inútil porque o julgamento, e consequente vexame, que esse pretendia evitar, apesar de mal, foi já realizado e, pior, poderá até ter de ser repetido, o que, só por si, representa novo vexame.
Na circunstância da decisão instrutória ser irrecorrível, como acontece no caso de haver decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (art. 310.º, do CPP), existe dificuldade quanto à determinação do momento de subida do recurso se não se perfilhar a tese de que subirá com a decisão final, dificuldade que ressalta da incoerência da lei processual quanto ao regime destes recursos intercalares.
Porém, no caso sub judice, a hipótese não sofre tal dificuldade, pois não havendo acusação pública, por o Ministério Público ter proferido despacho de arquivamento, haverá sempre recurso da decisão instrutória.
Deste modo, em caso de despacho de não pronúncia, há inutilidade superveniente quanto ao recurso interposto e sempre subiria por esta decisão pôr termo à causa, sendo que o recurso sobe em conjunto com o interposto dessa decisão.
Havendo despacho de pronúncia este é recorrível e o recurso do despacho que manda aperfeiçoar o requerimento de abertura da instrução não subirá obviamente com o recurso da decisão que ponha termo à causa, ou seja a sentença. Seria uma solução aberrante e então o juiz deverá interpretar a norma do art. 407.º, n.º 1, al. i), do CPP, com um sentido lógico e coerente quanto ao regime de subida dos recursos intercalares e o fim que com eles se pretende.
Por isso, o recurso subirá com o que vier a ser interposto da decisão instrutória, que sobe imediatamente, como prescreve o art. 407.º, n.º 1, al. i), do CPP, considerando-se que esta, pondo fim a uma fase processual, é, nessa medida uma decisão final.
Nesta conformidade, o recurso admitido, só deverá subir e ser julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão instrutória, que no caso dos autos é sempre recorrível.
*
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, julgar procedente a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação e consequentemente se ordena que os autos baixem à 1.ª instância, devendo o recurso interposto apenas subir e ser julgado conjuntamente com o recurso que vier a ser interposto da decisão instrutória, que no caso dos autos é sempre recorrível.
Sem custas.
Coimbra, 17 de Novembro de 2004