Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | OLGA MAURÍCIO | ||
Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL | ||
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Data do Acordão: | 04/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA (TEP) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 61.º DO CP | ||
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Sumário: | Não sendo possível afirmar ser previsível que o arguido, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo responsável, afastado do mundo do crime, não sendo possível afirmar que a capacidade objectiva de readaptação se mostra superior aos riscos da comunidade com a antecipação da restituição à liberdade do condenado, não é possível tomar a decisão de o restituir, de imediato, à liberdade. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
RELATÓRIO
1. Alcançado que foi, em 16-10-2015, o cumprimento de metade da pena de 5 anos e 2 meses de prisão aplicada ao arguido A... , por decisão de 7-12-2015 foi decidido não lhe conceder a liberdade condicional.
2. Inconformado o arguido recorreu, concluindo: «1. A decisão objecto do presente recurso violou o disposto nos art. 42º e 61º, nº 2 do CP e 97º, nº 5 do CPP 2. A pena de prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a que venha a ser aplicada. 3. A decisão proferida viola o dever de fundamentação legalmente exigido, uma vez que não enuncia as razões pelas quais o tribunal a quo se pronunciou em sentido diverso de alguns dos elementos ouvidos em sede de conselho técnico, favoráveis à concessão da liberdade condicional. 4. A decisão em apreço não valorou devidamente o percurso prisional positivo do recorrente, percurso pautado pelo cumprimento das normas institucionais, o apoio familiar que possui, as perspectivas de trabalho que tem no exterior, ressaltando uma incorrecta ponderação de todos os circunstancialismos. 5. Baseou-se a decisão recorrida exclusivamente, no fraco sentido crítico patenteado pelo arguido relativamente às suas condutas anteriores, o que se encontra em contradição absoluta com as declarações prestadas pelo mesmo em sede de conselho técnico. 6. Ora, não se conforma o recorrente com tal decisão, porquanto o mesmo assume os crimes por si praticados (o que resulta da acta do Conselho Técnico), beneficia de apoio familiar no exterior, tem perspectivas de trabalho, e durante o período de reclusão tem procurado obter mais competências. 7. Assim, pelo exposto entende o recorrente ser possível formular o juízo de prognose favorável, no sentido de que uma vez em liberdade, o mesmo se absterá da prática de crimes, levando uma vida conforme ao direito, pelo que lhe deveria ter sido concedida a liberdade condicional».
3. O recurso foi admitido.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu defendendo a manutenção da decisão recorrida. Relativamente à invocada falta de fundamentação, alega que a decisão está devidamente fundamentada, mas mesmo que tal não acontecesse, uma vez que o vício da falta de fundamentação do despacho consubstanciaria, nos termos dos art. 97º e 118º a 123º do C.P.P. irregularidade processual, a mesma já estaria convalidada, por falta atempada de invocação. Sobre a questão de fundo, considerando que neste momento de apreciação estão em causa os princípios da prevenção geral e especial, na apreciação da concessão da liberdade condicional tem que se atender a todas as circunstâncias e particularidades do condenado: gravidade do crime cometido, alarme social gerado pelo seu cometimento, passado do arguido, atitude do condenado durante o cumprimento da pena, relacionamento, apoio familiar no exterior, etc., tudo devendo confluir para a conclusão de que previsivelmente a colocação em liberdade não constituirá um factor de perigo. Continua dizendo que considerando que considerando o circunstancialismo e o facto de o conselho técnico ter sido maioritariamente desfavorável à libertação entende que o tribunal esteve bem na recusa da libertação, decisão que deverá ser mantida.
O Exmº P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido. Refere que o arguido cresceu num ambiente familiar em que a censura relativamente a comportamentos ilícitos não era grande e que não há perspectivas de que o arguido consiga ocupação laboral quando em liberdade. Para além disso já sofreu sanções disciplinares durante o cumprimento da pena, o que indicia uma fraca consciencialização da necessidade de cumprimento das regras.
Foi cumprido o nº 2 do art. 417º do C.P.P.
4. Proferido despacho preliminar teve lugar a conferência. Cumpre decidir.
* FACTOS PROVADOS
5. Dos autos resultam os seguintes elementos, relevantes à decisão: - o arguido está a cumprir a pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, resultante da condenação nos crimes de associação criminosa, lenocínio, furto simples e abuso de cartão de garantia ou de crédito, tendo o cumprimento de metade da pena ocorrido em 16-10-2015; - do relatório social elaborado com vista à apreciação da situação prisional do arguido, à data do relatório com 25 anos de idade, consta que:
- do relatório elaborado pelos serviços prisionais consta:
- quando ouvido o arguido declarou autorizar a sua libertação condicional, que se envolveu no mundo do crime por influência do tio, desde que está detido cresceu, tem reflectivo muito, tem necessidade de regressar a uma vida normal, quando sair vai procurar trabalho e continuar a estudar; - o conselho técnico pronunciou-se maioritariamente desfavorável à libertação do arguido; - o despacho recorrido recusou a concessão da liberdade condicional, pelas seguintes razões: «… Estão, pois, preenchidos os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional. O mesmo já não acontece quanto aos requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional. É que para ser concedida a liberdade condicional no presente momento, têm de estar salvaguardadas as exigências de prevenção especial (reinserção do condenado e prevenção da reincidência) e as exigências de prevenção geral (com o sentido de que a pena já cumprida é já sentida pela comunidade como já suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reinserção do condenado, reforçando o sentimento prevalecente de que a norma violada mantém a sua validade e vigência), sendo tais requisitos de natureza cumulativa, demonstrativos do carácter excepcional da concessão da liberdade condicional, nesta fase. No que tange a prevenção geral, importa referir que a actividade criminosa na qual participou o condenado, os concretos actos praticados e os correspondentes crimes pelos quais foi condenado, aportam exigências de estabilização das expectativas da comunidade. Nesta perspectiva, julgamos que a defesa da ordem e a defesa da paz social não se mostrariam adequadamente satisfeitas com a libertação do condenado nesta fase do cumprimento da pena. Contudo, e ainda que assim não fosse, existem exigências de prevenção especial, ao nível da prevenção da reincidência e da ressocialização que impedem a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente à liberdade condicional do condenado nesta fase do cumprimento da pena. Em primeiro lugar, há que notar que o condenado deverá melhor aprofundar a sua postura crítica quanto aos crimes cometidos já que se percepcionam limitações na avaliação da ilicitude dos seus comportamentos e na própria assunção do desvalor das suas condutas (pelo menos relativamente aos crimes de lenocínio e associação criminosa). Se é certo que o condenado é jovem, e se é certo também que o seu contacto com o tipo de actividade em que se envolveu se iniciou muito precocemente na sua vida, a que se soma o facto de nessa actividade participarem familiares, o que em certa medida pode melhor explicar as suas condutas, ainda assim é expectável que o mesmo desenvolva uma maior interiorização ao nível das acções delituosas que concretamente empreendeu, por forma a que no futuro, não seja de esperar a repetição de idênticos comportamentos, assim enraizados na sua vivência pessoal. De outro lado, há ainda que atentar que, apesar do comportamento do condenado não ser gerador de conflitos, o mesmo já sofreu 3 sanções disciplinares. Espera-se, por isso, que melhor adira ao cumprimento das regras vigentes no EP. Acresce que o condenado ainda não foi testado em liberdade, através de medidas de flexibilização da pena, que permitam ensaiar a forma como a sua aproximação à liberdade decorrerá. No exterior, o condenado não dispõe de um concreto projecto de trabalho, não se revelando o agregado que integrará devidamente estabilizado ao nível das suas necessidades económicas, nem em termos habitacionais. Assim, e apesar do percurso prisional do recluso comprometido com a aquisição de competências académicas, e apesar do suporte familiar de que dispõe, as exigências de prevenção especial ainda são impeditivas da colocação do condenado em liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena. Ponderando o acima exposto e tudo o mais que foi carreado para os autos há que concluir que não se mostram ainda preenchidos os requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional …».
* DECISÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P. - cfr. Germano Marques as Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do STJ - cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas).
Por via dessa delimitação resulta que a questão a decidir por este tribunal respeita à verificação dos pressupostos de concessão da liberdade condicional
* Diz o art. 61º do Código Penal, que trata dos pressupostos e duração da liberdade condicional: «1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social. 3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. 4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena …».
A libertação condicional, diz o Código Penal no seu preâmbulo, visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. É, portanto, um período de transição entre a prisão e a liberdade, que visa permitir que o arguido se readapte, paulatinamente, à nova vida em liberdade. Os nº 2 e 3 da norma contemplam os casos de liberdade condicional facultativa e o nº 4 o de liberdade condicional obrigatória. O legislador optou por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais de concessão da liberdade condicional e enquanto no primeiro caso a sua concessão pode ocorrer quando se atinja metade ou os 2/3 do cumprimento da pena, já no segundo caso ela acontece aos 5/6 do cumprimento da pena de prisão, desde que esta seja superior a 6 anos. Em qualquer destes casos, porém, o pressuposto da al. a) do nº 2 tem que se verificar, ou seja, as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão têm que permitir concluir que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Do processo tem que resultar, pois, um prognóstico favorável de reinserção social, que é o que se pretende, assente na probabilidade séria de o condenado, uma vez em liberdade, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal. Do que aqui se trata é, portanto, de indagar da possibilidade de o arguido, uma vez em liberdade, conduzir a sua vida de modo responsável, afastado do mundo do crime, ou seja, de apurar se a medida é suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco de libertação já seja comunitariamente suportado [1]. A capacidade objectiva de readaptação tem que se revelar superior aos riscos da comunidade, com a antecipação da restituição à liberdade do condenado.
Lembrando o que disse o legislador do DL nº 400/82, de 23/9, é no quadro da política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve compreender o regime previsto nos artigos 61º e seguintes para a liberdade condicional: ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, o objectivo de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. Com tal medida, que pode ser decretada cumprida que esteja metade da pena, espera-se fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do internado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da coletividade. A realização dos ideais de humanidade e de reinserção social passam pela assunção do recluso como sujeito de direitos, que o princípio do respeito pela sua dignidade humana aponta de forma imediata, mas atribuindo à sua participação na execução um relevantíssimo papel. Se antes a reinserção social do condenado já era uma preocupação, na fase da execução da pena esta preocupação aumenta.
É, então, a reintegração o foco de preocupação e é a prognose no comportamento futuro que vai ditar o veredicto. No caso em análise, os indicadores que resultam são negativos. Não obstante a existência de indicadores positivos, que são de realçar e que há que incentivar o arguido e continuar a prosseguir pela sua obtenção, a verdade é que ponderando todos os elementos que resultam não é possível fazer, neste momento, um prognóstico favorável ao comportamento futuro do arguido. A atitude que o arguido tem perante os factos é displicente e este é um elemento importante, porque só quando o agente consegue censurar o acto ilícito que cometeu é que estará em condições de fugir da sua repetição. Para além disso, e sem escamotear as enormes dificuldades que a grande maioria dos cidadãos têm no dia a dia, a verdade é que tem que se perceber que a integração do arguido beneficiará, à partida, de alguns apoios favoráveis, nomeadamente integração laboral, dado que o meio para onde ele regressará será um factor de risco, dados os antecedentes familiares. O que queremos dizer é que o arguido terá que adquirir força interior e apoio exterior para não aceder às tentações que o meio lhe possa estender.
Não sendo possível afirmar ser previsível que o arguido, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo responsável, afastado do mundo do crime, não sendo possível afirmar que a capacidade objectiva de readaptação se mostra superior aos riscos da comunidade com a antecipação da restituição à liberdade do condenado, não é possível tomar a decisão de o restituir, de imediato, à liberdade.
DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos, na improcedência do recurso mantém-se a decisão recorrida. Taxa de justiça mínima, a cargo do arguido.
Elaborado em computador e revisto pelo relator, 1ª signatária – art. 94º do C.P.P. Coimbra, 7 de Abril de 2016
(Olga Maurício - relatora)
(Luís Teixeira - adjunto)
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