Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CRISTINA NEVES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO EUROPEIA PARTES DOMICILIADAS EM DIFERENTES ESTADOS-MEMBROS TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS PAGAMENTO DOS RESPETIVOS SERVIÇOS ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 59.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 4.º, 5.º, N.º 1, 7.º, N.º 1, DO REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012 DO PARLAMENTO E DO CONSELHO, DE 12-12-2012, E 31.º, N.º 1, DA CONVENÇÃO SOBRE O TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS RODOVIÁRIAS (CMR) | ||
Sumário: | I – A competência internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelo quid disputatum, isto é, pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida, pressupondo que o litígio apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro e devendo o órgão jurisdicional nacional, no qual é intentada a acção, identificar os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência.
II – O artº 59 do C.P.C. estipula que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nos artºs 62 e 63º, ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artº 94º, sem prejuízo do que se achar estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais. III – Estando as partes domiciliadas em diferentes Estados-Membros e inserindo-se a relação jurídica controvertida em matéria civil, excluída da competência exclusiva dos tribunais nacionais, há que atender às normas do Direito da União se aplicáveis, por via do disposto nos artºs 2, 4 nºs 1 e 3, 5 e 19 nº1 §2 do TUE, 59 do C.P.C. e 8 nº4 da Constituição, ou seja, às normas constantes do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho, de 12-12-2012, no qual se estabelece o regime comunitário relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, por directamente aplicáveis na ordem interna. (artº 288 §2 do TFUE). IV – O art. 4.º deste Regulamento estabelece como princípio geral de atribuição de competência o local do domicílio do demandado, admitindo, no entanto, excepções a esta regra geral de atribuição de competência, nos casos especiais e taxativamente fixados neste Regulamento, dispondo o seu artº 5, nº1 que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro, se se verificarem as situações de conexão previstas nas secções 2 a 7 desse capítulo. V – A regra de atribuição de competência especial prevista no artº 7 nº1 do Regulamento (UE) 1215/2012 de 12 de Dezembro exige que em causa esteja matéria de natureza contratual, devendo este preceito ser interpretado no sentido de que o R., domiciliado no território de um Estado-Membro, poderá ser demandado perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão (alínea a) ou, no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados (alínea b) §2). VI – Tem sido jurisprudência uniforme do TJUE que a disposição contida no nº1, al b), do artº 7 deste Regulamento, deve ser interpretada como o sentido de que “no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados Membros em várias etapas, com escalas, e em que são utilizados diferentes meios de transporte, (…) tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido desta disposição.”. VII – Sendo peticionado em sede de requerimento de injunção europeia o pagamento de serviços de transporte internacional de mercadorias, há que atender às regras específicas constantes da Convenção sobre o Transporte Internacional de Mercadorias Rodoviárias (CMR), por força do disposto no artº 71, nº1 do Regulamento (UE) 1215/2012. VIII – De acordo com o artº 31, nº1 da CMR, a competência internacional afere-se pelo domicílio do demandado ou pelo cumprimento da obrigação, aferido quer pelo lugar de expedição (carga) quer pelo lugar previsto (acordado) para a entrega da mercadoria. IX – Tendo o demandado domicílio em Espanha e o lugar de expedição e entrega de mercadorias se situar em Espanha e França, respectivamente, há que considerar os tribunais nacionais internacionalmente incompetentes para o conhecimento de uma acção em que se peticiona o pagamento destes serviços de transporte internacional de mercadorias, por o lugar de pagamento do preço previsto na legislação nacional não constituir elemento de conexão determinante para a fixação de competência internacional. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | ***
Proc. Nº 8296/23.3T8PRT-A.C1 - Apelação Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu-Juízo Local Cível de Viseu-J... Recorrente: A... SL. Recorrido: B... S.A. Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira Francisco Costeira da Rocha
* Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação De COIMBRA:
RELATÓRIO Intentado procedimento de injunção europeia pela requerente B... S.A. contra a requerida A... SL., para pagamento da quantia de € 9.061,00 e juros vencidos, veio a requerida deduzir oposição invocando a incompetência internacional dos Tribunais portugueses em relação às facturas (Fatura FSE 2016/1200 e Fatura FSE 2014/5514), com fundamento na aplicabilidade do artº 31, nº1 da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias, por via do disposto no artº 71, nº1 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12 de dezembro relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, o qual determina a competência dos Tribunais espanhóis, uma vez que a sede social da Requerida se encontra em Espanha e os contratos adjacentes às faturas suprarreferidas não previam quer o carregamento quer o lugar de entrega em território português. * Notificada veio a A. pronunciar-se sobre esta excepção, alegando que “requerente e requerida acordaram que o pagamento do preço dos serviços de transporte de mercadorias prestados pela requerente à requerida e reclamados nos autos seria efetuado na sede da primeira, em Viseu, (…) Pelo que, sendo a requerida pessoa coletiva, é competente territorialmente o tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, nos termos do artigo 71.º, n.º 1 do CPC” e ainda por ao abrigo do artº 31 da CMR, “a requerente poderia recorrer para a jurisdição do país no território do qual: a) O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou o lugar previsto para a entrega, (…) Podendo a requerente optar por um deles, livremente.” * Após, pelo tribunal recorrido foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção dilatória invocada e julgou competente internacionalmente aquele Tribunal para o conhecimento da causa. * Não se conformando com esta decisão na parte em que julgou o tribunal internacionalmente competente para o conhecimento dos contratos de transporte titulados pelas Facturas FSE 2014/5514 e FSE 2016/1200, dela apelou a R., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: (…). *
Pelo A., ora recorrido, não foram interpostas contra-alegações.
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QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Nestes termos, a única questão a decidir consiste em determinar
* Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na Fatura FSE 2014/5514, com referência à guia de transporte CMR n.º 34653, a carga da mercadoria foi efetuada em Marselha, França, e a descarga em Madrid, Espanha; Na Fatura FSE 2016/1200, com referência à guia de transporte CMR n.º 10013036 A, a carga da mercadoria foi efetuada em Duenas, Espanha, e a descarga em Compiegne, França.
* FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Insurge-se a recorrente contra a decisão proferida pela primeira instância que considerou o tribunal internacionalmente competente com fundamento na alínea a) do nº1 e nº2 do artº 7 do Regulamento (UE) 1215/2012, alegando, em síntese, ser aplicável o disposto no artº 31, nº1 da CMR por expressamente salvaguardado, pelo artº 71, nº1 do referido Regulamento, a aplicabilidade das Convenções já existentes, resultando daquele preceito da CMR a incompetência dos tribunais internacionais no que se reporta aos serviços de transporte a que correspondem as facturas nºs FSE 2014/5514 e FSE 2016/1200.
Decidindo
A competência internacional dos Tribunais portugueses fixa-se - conforme decorre do disposto no artº 37 nº2 da Lei 62/2013 de 26/08 - de acordo com factores de conexão definidos pela lei do processo ou por regulamentos ou convenções internacionais, quando aplicáveis e quando a matéria discutida não esteja abrangida pela competência exclusiva dos tribunais portugueses. Conforme refere Manuel de Andrade[5], a questão da competência internacional surge em relação a situações jurídicas plurilocalizadas, ou seja, “quando no pleito se desenham elementos em conexão com outra ordem jurídica, para além da portuguesa. Nesta matéria, o que está em causa é verificar os limites da jurisdição do Estado Português; definir sobre se, relativamente àquela acção concreta, os tribunais portugueses, no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, assumem o direito e se impõe o dever de exercitar a função jurisdicional.”. A competência jurisdicional fixa-se, nos termos do disposto no artº 38 da supra referida Lei, no momento em que a acção é proposta (princípio da perpetuatio fori ou jurisdictionis), sendo irrelevantes as modificações de facto - com excepção dos casos especialmente previstos na lei - ou de direito ocorridas na sua pendência, salvo se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa. Na sequência do disposto neste diploma legal, o regime processual civil estabelece normas que atribuem ou denegam a competência aos tribunais nacionais quando em causa estejam litígios transfronteiriços. Assim, o artº 59 do C.P.C. dispõe que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas nos artºs 62 e 63 deste diploma legal ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos do artº 94, sem prejuízo do que se achar estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais. Nestes termos, na ordem jurídica interna vigoram dois regimes de competência legal exclusiva: o regime comunitário e/ou resultante de instrumentos internacionais que vinculem o Estado português e o regime interno, sendo que o regime interno apenas é aplicável quando a acção não estiver sob a alçada de aplicação dos regimes comunitário ou internacional. A primazia do direito comunitário sobre o direito nacional e a sua relação com o princípio do efeito directo de qualquer disposição do direito da União destinada a conferir direitos aos particulares, foi sucessivamente afirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Nos casos Humblet, Van Gend en Loos, Costa/Enel, Stork, Comptoirs e Simmenthal[6], o TJUE veio afirmar que este princípio resulta das obrigações que para os Estados-Membros decorrem do disposto nos artºs 2, 4 nº3 (princípio da cooperação leal) e 19 nº 1 §2 (princípio da tutela jurisdicional efectiva quando em causa o direito da União), todos do Tratado da União Europeia (TUE). Consequentemente, o direito da União goza de preferência sobre o direito nacional dos Estados-Membros, dispensa normas de acolhimento interno e implica a obrigação de não aplicar direito interno contrário aos Tratados, assente na auto-limitação dos poderes soberanos dos Estados, resultante das competências atribuídas à União Europeia (princípio da competência por atribuição) nos artºs 4 nº1 e 5 do TUE. Citando Maria Luísa Duarte, quando em causa o direito da União, “a norma comunitária prevalece sobre a norma interna não por que lhe seja superior, mas porque é materialmente competente para regular o litígio concreto. (…), a relação entre o Direito Comunitário e os Direitos dos Estados-Membros constrói-se com base no princípio da competência atribuída e por referência ao princípio da colaboração ou da complementaridade funcional entre ordenamentos autónomos e distintos.”[7] A aplicabilidade das disposições dos tratados que regem a União Europeia e das normas emanadas das suas instituições no exercício das respectivas competências, na ordem interna e nos termos definidos pelo direito da União, encontra expressa previsão no artº 8 nº4 da nossa Constituição, tendo como único limite o respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, em consonância aliás com os princípios estruturantes dos Tratados, afirmados nos artsº 2 e 6 nº3 do TUE. Nestes preceitos a União Europeia veio reafirmar como princípio estruturante dos Tratados o respeito pelos Direitos Fundamentais, os quais integram o direito da União, tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros. O que acima se refere significa que existindo norma de direito da União directamente aplicável, é esta norma que prevalece sobre a norma interna. Significa ainda que a norma de direito da União deve ser interpretada de acordo com a jurisprudência firmada pelos Tribunais competentes da União. Com efeito, desde a jurisprudência firmada pelo Acórdão Van Gend en Loos que se entende que o direito comunitário, firmado no princípio da cooperação leal e da competência por atribuição, atribui direitos e obrigações aos cidadãos que os tribunais nacionais devem garantir, apoiados num sistema de colaboração com o Tribunal de Justiça, permitindo uma uniformidade de interpretação e de aplicação em todos os Estados-membros. Como referiu o Tribunal de Justiça das então Comunidades Europeias no acórdão Francovich, de 19 de Novembro de 1991, proferido nos processos apensos nºs C-6/90 e C-9/90, “o Tratado CEE criou uma ordem jurídica própria, integrada nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros e que se impõe aos respectivos órgãos jurisdicionais, cujos sujeitos são, não apenas os Estados-Membros, mas também os seus nacionais e que, ao mesmo tempo que cria encargos para os particulares, o direito comunitário é também destinado a instituir direitos que se incluem no seu património jurídico; estes nascem, não apenas quando se faz uma atribuição explícita dos mesmos através do Tratado, mas também em virtude das obrigações que o Tratado impõe de forma bem definida quer aos particulares quer aos Estados-Membros e às instituições comunitárias”(cons.31). Nesta medida afirmou-se, primeiro por via pretoriana e após por disposição expressa nos Tratados institutivos da União Europeia, a primazia do direito da União mediante o estabelecimento de uma relação simbiótica entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça na tarefa de operacionalização do direito da União, constituindo-se o indivíduo, cidadão europeu, como sujeito de direitos e obrigações resultantes dessa ordem jurídica.[8] Nesta sequência, fez-se consignar no artº 267 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) que, quando em causa o Direito da União, a sua interpretação é da competência exclusiva do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), jurisprudência que vincula não só o tribunal nacional que suscitou directamente a questão prejudicial mas os tribunais de todos os demais Estados-Membros que, na aplicação da norma comunitária, devem decidir de acordo com esta jurisprudência e que assim se afirmam também como tribunais da União. Por outro lado, a aplicação do Direito da União e a atribuição de competência ao Tribunal de um Estado-Membro, define-se pelos elementos de conexão alegados pelo demandante e pelos que integram excepção oposta pelo demandado, uma vez que “Constitui jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia que, na fase da verificação da competência internacional, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação não aprecia a admissibilidade nem a procedência da ação segundo as regras do direito nacional, nem está obrigado, em caso de contestação das alegações do demandante por parte do demandado, a proceder a uma produção de prova, cabendo-lhe apenas identificar os elementos de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo do disposto no (…) Regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, devendo, para esse efeito, considerar assentes as alegações pertinentes do demandante (…) e, em nome da boa administração da justiça, subjacente ao dito regulamento, apreciar as objeções apresentadas pelo demandado.”[9] Com efeito, conforme refere Lurdes Mesquita[10] “a escolha de um tribunal competente para dirimir um litígio conexionado com várias ordens jurisdicionais foi uma preocupação partilhada por todos os Estados, que entendiam ser indispensável a criação de disposições que permitissem unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, a fim de evitar situações de fórum shopping ou de denegação de justiça. Do mesmo modo entenderam também ser necessário minimizar a possibilidade de serem instaurados processos concorrentes e evitar que fossem proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados-Membros competentes, criando regras aplicáveis à litispendência.” Nesta medida, vieram a ser acordadas regras sobre a competência judiciária no espaço comunitário, primeiro pelo Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 e, posteriormente, pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, directamente aplicável na ordem interna por via do disposto no artº 288 § 2 do TFUE. Não oferece dúvida que no caso em apreço, domiciliada a R. no território de outro Estado-Membro e integrando-se o objecto da presente acção em matéria de natureza contratual, é aplicável o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, por a matéria em causa não constar das matérias excluídas do campo de aplicação deste Regulamento (artº 1, nº1 e 2) nem se incluir no âmbito da competência exclusiva dos Tribunais nacionais (artº 24 do aludido Regulamento e 63 do C.P.C.). Nestes termos, no capítulo dedicado à competência judiciária, dispõe o artº 4 nº1 do Regulamento (UE) nº 1215/2012 de 12 de Dezembro de 2012, uma norma de atribuição de competência geral, estipulando que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro ((princípio actor sequitur forum rei). A estipulação como regime regra do foro do domicílio do R. tem sido reafirmada por jurisprudência constante do TJUE que, embora a propósito do disposto no Regulamento (CE) 44/2001, se mantém válida para norma equivalente do Regulamento (UE) 1215/2012. Assim, as regras de competência especiais previstas no aludido regulamento são “de interpretação estrita, não permitindo uma interpretação que vá além das hipóteses expressamente previstas no Regulamento n.° 44/2001” cabendo “ao órgão jurisdicional nacional interpretar essas mesmas regras no respeito do princípio da segurança jurídica”, o qual exige uma interpretação que permita que “um demandado normalmente prudente preveja razoavelmente em que órgão jurisdicional, para além do Estado do seu domicílio, pode ser accionado.”[11] Os princípios da segurança jurídica e da previsibilidade em relação ao foro competente para as acções abrangidas por este Regulamento (UE) nº 1215/2012, princípios estruturantes das normas de atribuição do foro competente, resultam expressos nos seus considerandos. Assim no considerando 15, fez-se consignar que “As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente.” Admite-se, no entanto, em consonância com o disposto no artº 5 nº1, casos especiais de estipulação de foros alternativos e não coincidentes com o domicílio do R. De acordo com o considerando 16 deste Regulamento “O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele.”. Assim, conforme assinala o Acórdão do STJ de 17/11/2020[12], “nas situações previstas na Secção 2 (arts. 5.º-9.º) – que estabelece regras especiais que atribuem competência a tribunais de Estados diversos do Estado de residência do réu, mas que não excluem a competência normal dos tribunais do último –, o autor pode optar entre o tribunal do Estado do domicílio do réu e o daquele Estado para que aponta o critério especial. Diversamente, nas situações elencadas nas Secções 3 a 7, a competência internacional é determinada unicamente pelas regras especiais aí estabelecidas.” Nesta medida, constituindo o foro do domicílio do R. a regra geral de atribuição de competência a um dado Estado-Membro, o Regulamento (UE) 1215/2012 estipula ainda regras de competência especial, nomeadamente em matéria contratual, admitindo no artº 7 nº1 a demanda de um R., domiciliado no território de um Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão (alínea a), considerando no caso de prestação de serviços, como lugar de cumprimento da obrigação o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados. Não oferece dúvida que a definição de matéria contratual para efeitos deste artigo é efectuada de forma autónoma e não de acordo com as legislações nacionais de cada Estado-Membro, afim de se assegurar uma definição comum e uniforme a todos os Estados-Membros, independentemente da sua específica legislação, exigindo, no entanto, a existência de uma obrigação livremente assumida e que vincule as partes, ainda que não titulada por contrato. Nos contratos de prestação de serviços, nos quais se integra o transporte internacional de mercadorias, o lugar de cumprimento da obrigação consiste no lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados (artº 7 nº1 b) § 2), critério que neste caso especial atribui a competência ao tribunal desse Estado. Chamado a pronunciar-se sobre o sentido de disposição idêntica constante do Regulamento (CE) 44/2001 (artº 5, nº1 b)), estando em causa um pedido de indemnização pela perda de mercadoria num contrato de transporte internacional de mercadorias, o Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do processo C-88/17[13],veio firmar jurisprudência no sentido de que, “no contexto de um contrato de transporte de mercadorias entre Estados‑Membros em várias etapas, com escalas, e em que são utilizados diferentes meios de transporte, como o que está em causa no processo principal, tanto o lugar de expedição como o lugar de entrega da mercadoria constituem lugares de prestação do serviço de transporte, no sentido desta disposição.” Ora, em relação a estes dois contratos de transporte titulados pelas facturas nºs 2014/5514 e 2016/1200, quer o lugar de expedição, quer o lugar de entrega de mercadoria, não se situam em território nacional. Conforme alega o recorrente, em relação ao contrato a que se reporta a Fatura FSE 2014/5514, com referência à guia de transporte CMR n.º 34653, a carga da mercadoria foi efetuada em Marselha, França, e a descarga em Madrid, Espanha; já em relação ao contrato a que se refere a Fatura FSE 2016/1200, com referência à guia de transporte CMR n.º 10013036 A, a carga da mercadoria foi efetuada em Duenas, Espanha, e a descarga em Compiegne, França. É certo que, conforme refere Francisco Costeira da Rocha[14], “A onerosidade constitui uma característica de que não prescinde a generalidade da doutrina, de tal modo que se coloca a retribuição ao lado da obrigação de deslocar como sendo os dois elementos essenciais do contrato.” No entanto, apesar de peticionado o pagamento do preço destes serviços, há que considerar que o lugar de cumprimento da obrigação afere-se pelo disposto em normas comunitárias e/ou resultantes de convenções que vinculem uma ou ambas as jurisdições potencialmente chamadas a regular este litígio e não pelas disposições nacionais que regem sobre o lugar de cumprimento das obrigações pecuniárias, sendo, portanto, irrelevante apurar se o preço deveria ser pago, de acordo com a lei nacional, no lugar do domicílio do credor (artº 774 do C.C.). Não é assim correcto afirmar, como o fez o tribunal recorrido que “era certamente aqui o lugar do cumprimento da obrigação do pagamento do preço, por ser o do domicílio do credor. – art.º 7º a) do Regulamento. A causa de pedir desta ação é justamente o pagamento do preço devido pelo transporte de mercadorias pelo que é na sede do Estado membro credor que teria de ser intentada.” O lugar de cumprimento da obrigação para efeito de atribuição de competência ao abrigo deste Regulamento, constitui um conceito autónomo, nele se “adoptando uma “solução prática (designação pragmática do local da execução) que assenta num critério puramente factual, sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio, incluindo quando esta obrigação consista no pagamento da contrapartida pecuniária do contrato”.[15] Na realidade, conforme assinala o Acórdão do STJ de 14/12/2017[16], apoiando-se em jurisprudência comunitária aí citada, o Regulamento nº 1215/2002, tal como o Regulamento nº 44/2001, adoptou um conceito autónomo de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço) e relevantes para fundamentar uma conexão do contrato com um lugar que, por um lado, seja suficientemente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado (cfr. considerando 16 do Regulamento nº 1215/2002) e, por outro lado e por isso mesmo, suficientemente segura para permitir determinar com certeza qual é o Estado cujos tribunais são competentes para julgar qualquer pretensão resultante do mesmo contrato (cfr. acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2007, proc. C-386/05, caso Color Drack GmbH contra Lexx International Vertriebs GmbH, pontos18-26, de 25 de Fevereiro de 2010, proc. C-381/08, caso Car Trim GmbH contra JeySafety Systems Srl, pontos 30-32, ou de 11 de Março de 2010, proc. 19/09, caso Wood Floor Solutions Andreas Domberg GmbH contra Silva Trade, SA, pontos 22-23, todos eles respeitantes ao nº 1 do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001, mas inteiramente transponíveis para a interpretação do nº 1 do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2002). Nestes termos, prossegue este Acórdão “Ambos os regulamentos se afastaram, assim, do regime definido pela Convenção de Bruxelas de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, ao tomar como referência, quanto aos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, já não a obrigação controvertida na acção, mas antes a obrigação característica do contrato, impondo uma definição autónoma do “lugar de cumprimento enquanto critério de conexão ao tribunal competente em matéria contratual” (ponto 54 do acórdão do TJ de 23 de Abril de 2009, proc. C-533/07, caso Falco Privatstiftung, Thomas Rabitsch contra Gisela Weller-Lindhorst). Ora, apesar da sua onerosidade, a obrigação característica de um contrato de transporte de mercadorias é efectivamente a deslocação da mercadoria[17], não constituindo o lugar do pagamento do preço do transporte elemento de conexão relevante para efeito de atribuição de competência. Nesta medida, ao abrigo desta disposição comunitária, os tribunais nacionais seriam incompetentes para o conhecimento dos contratos a que se reportam as facturas em apreço, sendo competentes os Tribunais espanhóis, por serem estes os coincidentes com o foro geral do domicílio do R. e o foro alternativo de cumprimento da obrigação. Alega, ainda, o recorrente que, existindo uma Convenção de Transporte Internacional de Mercadorias que vincula ambos os Estados – Portugal e Espanha -, são aplicáveis as disposições desta Convenção e não as normas constantes deste Regulamento comunitário. Com efeito, resulta do considerando 35 deste Regulamento (UE) nº 1215/2012 que “O respeito pelos compromissos internacionais subscritos pelos Estados-Membros implica que o presente regulamento não prejudique as convenções em que são parte os Estados-Membros e que incidam sobre matérias específicas.” Assim, o artº 71, nº1 do aludido Regulamento dispõe que “1. O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados-Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões. 2. Para assegurar a sua interpretação uniforme, o n.º 1 deve ser aplicado do seguinte modo: a) O presente regulamento não impede que um tribunal de um Estado-Membro que seja parte numa convenção relativa a uma matéria especial se declare competente, nos termos de tal convenção, mesmo que o requerido tenha domicílio no território de um Estado-Membro que não seja parte nessa convenção. Em qualquer caso, o tribunal chamado a pronunciar-se deve aplicar o artigo 28.º do presente regulamento; b)As decisões proferidas num Estado-Membro por um tribunal cuja competência se funde numa convenção relativa a uma matéria especial são reconhecidas e executadas nos outros Estados-Membros nos termos do presente regulamento. Se uma convenção relativa a uma matéria especial, de que sejam partes o Estado-Membro de origem e o Estado-Membro requerido, estabelecer as condições para o reconhecimento e execução de decisões, tais condições devem ser respeitadas. Em qualquer caso, pode aplicar-se o disposto no presente regulamento sobre reconhecimento e execução de decisões.” Decorre do acima exposto que este Regulamento não exclui a sua aplicação no caso de existirem Convenções que vinculem um Estado-Membro chamado a dirimir um litígio mas, no caso de delas constarem normas que regulem especificamente matérias já abrangidas pelo Regulamento, manda atender a estas últimas, desde que estas normas não colidam com os princípios estruturantes deste Regulamento e não conduzam a resultados “menos favoráveis para o bom funcionamento do mercado interno do que os alcançados pelas disposições do mesmo Regulamento.”[18] Com efeito, como assinala Lima Pinheiro[19], “O TUE instituiu um critério de controlo da aplicação das normas sobre competência internacional e de reconhecimento de decisões estrangeiras contidas em Convenções especiais”, critério reafirmado jurisprudencialmente pelo TJUE. Assim, chamado a pronunciar-se sobre a interpretação de preceito idêntico ao constante do Regulamento (UE) 1215/2012, mais especificamente quanto ao campo de actuação do Regulamento (CE) 44/2001 e à compatibilidade das regras constantes deste Regulamento com as regras de determinação de competência constantes de Convenções Internacionais, aplicáveis a litígios que envolvam Estados-Membros, no Acórdão de 04/05/2010, no caso TNT Express Nederland BV[20], na sequência de um pedido de reenvio prejudicial, decidiu-se que“1. O artigo 71.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, as regras de competência judiciária, de reconhecimento e de execução previstas numa convenção relativa a uma matéria especial, tal como a regra de litispendência enunciada no artigo 31.º, n.º 2, da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, assinada em Genebra, em 19 de Maio de 1956, conforme alterada pelo protocolo assinado em Genebra, em 5 de Julho de 1978, e a regra relativa à executoriedade prevista no seu artigo 31.º, n.º 3, são aplicáveis desde que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes, e assegurem, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na administração da justiça no seio da União (favor executionis).” No Acórdão do TJUE, de 19 de Dezembro de 2013, proferido no caso Nipponkoa Insurance Co [21], na sequência de um pedido de decisão prejudicial, decidiu-se que “1. O artigo 71.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção internacional seja interpretada de uma forma que não assegure, em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas no referido regulamento, o respeito dos objetivos e dos princípios que o norteiam. 2. O artigo 71.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma interpretação do artigo 31.º, n.º 2, da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, segundo a qual uma ação de declaração negativa ou uma sentença declarativa negativa num Estado-Membro não tem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir que uma ação de regresso intentada a título do mesmo dano e entre as mesmas partes ou os seus sucessores noutro Estado-Membro”. No caso em apreço, resulta do disposto no artº 31, nº1 da Convenção Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (Convenção CMR) [22] que “1. Para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à presente Convenção, o autor poderá recorrer, além das jurisdições dos países contratantes designados de comum acordo pelas partes, para a jurisdição do país no território do qual: a) O réu tiver a sua residência habitual, a sua sede principal ou a sucursal ou agência por intermédio da qual se estabeleceu o contrato de transporte, ou b) Estiver situado o lugar do carregamento da mercadoria ou lugar previsto para a entrega, E só poderá recorrer a essas jurisdições.” Em relação à compatibilidade deste preceito com o artº 5, nº1 al. b) do Regulamento 44/2001 (CE) o Acórdão do TJUE de 4 de Setembro de 2014, proferido no caso Nickel & Goeldner Spedition GmbH[23], pronunciou-se no sentido de que “(…) 2) O artigo 71.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese em que um litígio se integre no âmbito de aplicação tanto deste regulamento como da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, um Estado-Membro pode, em conformidade com o artigo 71.º, n.º 1, do referido regulamento, aplicar as regras de competência judiciária previstas pelo artigo 31.º, n.º 1, desta convenção”. Com efeito, considerou-se no âmbito deste Acórdão que a opção conferida ao demandante pelo artº 31, nº1 da CMR “corresponde, em substância, à prevista pelo Regulamento n.° 44/2001. Com efeito, em matéria contratual, o demandante pode, em virtude dos artigos 2.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, deste regulamento, escolher entre os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro no qual o demandado tem o seu domicílio ou os do lugar onde a obrigação que está na base do pedido foi ou deve ser cumprida. No que diz respeito ao contrato de transporte, que se integra na categoria dos contratos de prestação de serviços (v., neste sentido, acórdão Rehder, C‑204/08, EU:C:2009:439, n.os 29 e 30), este lugar é, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do referido regulamento, o de um Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou deviam ter sido prestados.” (cons. 39 e 40), pelo que este preceito não coloca em causa a necessária compatibilidade “com os princípios basilares da cooperação judiciária em matéria civil e comercial no seio da União” (cons. 41). Significa isto que, no âmbito das regras que regem sobre a competência internacional, quer do Regulamento (UE) 1215/2012 quer da CMR, “para todos os litígios provocados pelos transportes sujeitos à referida Convenção, o demandante pode escolher entre os órgãos jurisdicionais do país em que o demandado tem a sua residência habitual, os do país do carregamento da mercadoria transportada ou os do lugar previsto para a sua entrega, e só poderá recorrer a essas jurisdições.”[24] Nestes termos, quer por via da aplicação do artº 7, nº1 b) do Regulamento (UE) 1215/2012, quer por força de norma equivalente da Convenção CMR, o artº 31, nº1, a competência para resolução dos litígios decorrentes de contratos de transporte de mercadorias é atribuída aos tribunais do domicílio do demandado ou aos do lugar de cumprimento da obrigação, aferido quer pelo lugar de expedição (carga) quer pelo lugar previsto para a entrega da mercadoria, nunca pelo lugar de pagamento do preço do transporte. Ocorre que nem o domicílio do demandado se situa em território nacional, nem o lugar de carregamento da mercadoria ou de entrega, nestes dois contratos de transporte aqui referidos, se situa em território nacional. E não é por a requerente ter optado por incluir vários contratos na mesma injunção que a competência é atribuída aos tribunais nacionais, com fundamento na regra da maioria, conforme também o entendeu o tribunal recorrido. A aludida “regra” não existe em nenhum dos normativos aplicáveis pelo que, nesta medida, procede a apelação do recorrente. * DECISÃO Custas, na proporção do decaimento na acção, pela apelada (artº 527 nº1 do C.P.C.). Coimbra 08/10/24
[18] Neste sentido vide o Ac. do STJ de 17/11/2020, acima citado. [22] Convenção Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada concluída em Genebra em 19.5.1956 e entrada em vigor em 2.7.1961, que foi aprovada para adesão, em Portugal, pelo Decreto-lei n.º 46.235, de 18 de março de 1965. Esta Convenção veio a ser alterada pelo Protocolo de Genebra de 5-7-1978, que foi aprovado pelo Estado Português para adesão pelo Decreto-Lei n.º 28/88, de 6 de setembro, tendo sido depositado o respetivo instrumento de confirmação em 17-8-1989. Sobre a interpretação deste artº 31, nº1 da Convenção Relativa ao Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, vide GRIGNON-DUMOULIN, Stéphanie, “Forum shopping - Article 31 de la CMR” Uniform Law Review, Volume 11, Issue 3, August 2006, Pages 609–617, disponível no endereço https://doi.org/10.1093/ulr/11.3.609 |