Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
467/08.9TBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ECLESIÁSTICO
TRIBUNAL COMUM
MISERICÓRDIAS
ACESSO AO DIREITO
Data do Acordão: 06/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº III DA CONCORDATA DE 2004 E ARTIGOS 13º E 20º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário: 1) Compulsada a acta de uma Assembleia Geral da qual consta unicamente que houve uma votação traduzindo-se em cinco votos favoráveis, tantos quantos os membros da Mesa Administrativa, não pode inferir-se da simples presença das duas directoras dos dois lares e da chefe da secretaria que as mesmas tivessem votado ou influído na votação.

2) O princípio constitucional do acesso ao direito não é beliscado pelo facto de um determinado caso dever ser apreciado por uma jurisdição eclesiástica.

3) À face da Concordata de 2004 (vigente à data do acto que se pretende impugnar) estando em causa a violação do direito interno português são os tribunais civis os competentes para dirimir a questão; contudo invocando-se violação do direito canónico já a competência para o respectivo conhecimento passa pelos tribunais eclesiásticos.

4) Estando em causa a deliberação que expulsou os Requerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C... ao abrigo do Cânone 316, 1 e 2 do Código de Direito Canónico e ainda se o desrespeito pelas admoestações aplicadas pelos Promotor da Justiça da Diocese ou o recurso a Tribunais Civis constituem ou não motivo para interpretar a conduta dos requerentes como constituindo um abandono da comunhão eclesiástica por comportamento hostil à Religião Católica, tais questões não são da competência do Direito Civil, antes pertencendo a sua apreciação à Justiça Eclesiástica.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

 A... e B... , vieram intentar a presente providência cautelar de suspensão das deliberações sociais contra Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C... , Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de C..., D..., Provedora da Santa Casa da Misericórdia de C..., E..., Vice-Provedora Santa Casa da Misericórdia de C..., F..., Tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia de C..., G..., Secretária da Santa Casa da Misericórdia de C..., H..., Secretário da Santa Casa da Misericórdia de C..., I..., Directora de Lar da Santa Casa da Misericórdia de C..., J... , Directora de Lar da Santa Casa da Misericórdia de C..., L... , Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de C..., pedindo que seja suspensa a deliberação tomada pela Mesa Administrativa da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C..., a 09/09/2008, constante da acta nº 299.

Alega para tanto, e para o que aos presentes autos interessa, que estiveram presentes na reunião os 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º requeridos, e que consta de tal acta:

“(...) Os presentes debruçaram-se sobre a seguinte Ordem de Trabalhos:

Pousio Úmicv: – Conhecimento e decisão sobre a teor da declarado da Diocese de M....

A Mesa Administrativa tomou conhecimento da declarado (doc. 1) emitida pela Diocese de N... em dois de Setembro de dois mil e oito.

A Mesa Administrativa, após a leitura da declaração, passou à votação quanto à demissão dos Senhores mencionados na mesma, tendo obtido cinco votos a favor.

Assim com base na declaração da Diocese de N.... e após a rotação da Mesa Administrativa, foi aprovado unanimemente, pela mesma, a demissão dos Senhores A... e B... da Associação Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C....

E não havendo mais nada a tratar, foi dada por finda a reunião pela Sra. Provedora, eram dez horas e trinta minutos, do que para constar e devidos efeitos se lavrou a presente acta, que será assinada por todos os Membros da Mesa Administrativa e por mim Dra. E..., Vice provedora, que secretariei e processei em computador.”

Mais referem os Requerentes que por carta datada de 02/10/2008 e recebida a 03/10/2008, recepcionaram tal Acta com uma carta com o seguinte teor:

" (...) Queira aceitar, em primeiro lugar, os nossos melhores e cordiais cumprimentos.

No seguimento da declaração da Diocese de M.... datada de 2 de Setembro de 2008, vimos por este meio proceder ao envio da Cópia da Acta da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de C... nº 299, datada de 9 de Setembro de 2008, na qual se decidiu, por unanimidade, a demissão de V.Exa,, desta Irmandade.”

Dizem os requerente que tal doc. 1 (Declaração) talvez seja ou tenha alguma coisa a ver com uma Declaração datada de 2 de Setembro de 2008, e que os Requerentes recepcionaram com o seguinte teor.

“Na sequência da efectiva normalização da vida institucional da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C..., a Tutela Eclesiástica determina não homologar os Corpos Eleitos no acto eleitoral de 18 de Dezembro de 2005 até que o mesmo fosse devidamente esclarecido. No entanto os senhores A...e O... resolveram recorrer ao Tribunal Civil colocando a autoridade eclesiástica em causa. Estes referidos senhores foram devidamente admoestados aqui no Paço Episcopal pela Tutela Eclesiástica, na pessoa do Delegado Diocesano para as Misericórdias e Promotor da Justiça nesta Diocese, Cónego P...; e foram ainda admoestados mais tarde por via telefone, de que o Tribunal Civil não era competente para estes assuntos das Irmandades das Misericórdias. Apesar desta admoestação recorreram aos tribunais civis cessando deste modo a comunhão eclesiástica (Cân. 316, 1 e 2 do Código de Direito Canónico). Além disso, esta ruptura a comunhão eclesiástica foi gravemente concretizada na medida em que o Decreto Episcopal de 24 de Novembro de 2006 foi posto em causa pelo Tribunal Civil a pedido dos referidos senhores e estes várias vezes acusaram a tutela eclesiástica perante o Tribunal civil.

Perante estes factos certifico que estes senhores A... e B... abandonaram a comunhão eclesiástica e segundo o Cânone 316 1 e 2 devem ser demitidos da Associação Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C.... Comunique-se isto aos próprios e à Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C...".

Garantem os Requerentes que responderam a tal Declaração, mas que ainda não obtiveram resposta da Diocese de N.....

Afirmam os Requerentes que foram expulsos não por qualquer questão de fé, mas por terem recorrido aos Tribunais Civis para discutirem a legalidade de vários actos eleitorais e deliberações que têm a ver com a vida administrativa da 1ª Requerida.

Alegam os Requerente que a decisão da demissão dos Requerentes da 1ª Requerida, atendendo aos seus fundamentos, é ilegal e ferida até de inconstitucionalidade, violando os artigos 13º, nº 2 e 20º da Constituição da Republica Portuguesa, que assegura a todos o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Mais referem os Requerentes que participaram na deliberação da demissão, elementos estranhos à Mesa Administrativa da 1ª Requerida, a saber, as senhoras colectaras de lares, I... e J... e a Sra. L..., o que torna tal deliberação nula ou in minime anulável, o que desde já se argui.

Afirmam também que da demissão dos Requerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C... resultou para os Requerentes prejuízos imediatos e irreparáveis, que urge suspender, até à decisão da legalidade de tal deliberação. Assim, a manutenção e execução imediata dessa deliberação, impossibilita que os Requerentes, possam exercitar os seus direitos, constantes no artigo 9º do Compromisso, nomeadamente: “a) A assistir, participar e votar nas eleições da Assembleia-geral; b) A ser eleitos para os corpos gerentes (...)” c) Assistir gratuitamente, as obras e serviços sociais da instituição e utilizá-los com observância dos respectivos regulamentos (...) f) Ser sufragado, após a morte, com os actos religiosos previstos neste compromisso (...)”. O que lhes traz graves prejuízos, pois caso morram entretanto, não podem ser sufragados após a morte com os actos religiosos previstos no Compromisso; não podem enquanto vivos, assistir, participar e votar nas eleições da Assembleia-Geral, ser eleitos para os corpos gerentes, assistir gratuitamente, as obras e serviços sociais da instituição e utilizá-los com observância dos respectivos regulamentos; situação que traz os Requerentes revoltados, apreensivos, com graves prejuízos para a sua saúde.

O Sr. Juiz, decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial, por o mesmo ser manifestamente improcedente, quer quanto à invocada inconstitucionalidade, quer quanto ao alegado vício no procedimento da tomada da deliberação de expulsão dos Requerentes A...e B... da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C....

Declarou a incompetência em razão da matéria deste Tribunal Judicial para conhecer do mérito da decisão de expulsão dos Requerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C..., que neste tipo de processo se basta com a prova de um fumus boni iuris a favor dos Requerentes e, logicamente, em sentido contrário ao mérito da decisão cujos efeitos se pretendem suspender, uma vez que a deliberação em causa se alicerça em razões de alegado abandono da comunhão eclesiástica pelos Requerentes, matéria que apenas aos Tribunais Eclesiásticos cumpre apreciar.

Daí o presente recurso interposto pelos requerentes, os quais no termo da sua alegação pediram que se revogue o despacho em análise e por via disso, seja declarada a competência em razão da matéria do Tribunal a quo para conhecer do mérito da decisão de expulsão dos requerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C....

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) A providência cautelar requerida teve como causa a deliberação tomada pela Mesa Administrativa da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C... na qual estiveram, (segundo tal acta), presentes os 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º requeridos que se debruçaram sobre a seguinte ordem de trabalhos.

2) Sucede que, os requerentes tal como expressamente alegaram, não foram „ notificados do doc. 1 a que alude tal acta.

3) O seu requerimento inicial, por cautela alegaram que o tal doc. 1 (declaração) talvez seja ou tenha alguma coisa a ver com uma declaração datada de 2 de Setembro de 2008, e que os requerentes recepcionaram. ¿

4) As senhoras directoras dos lares, I..., J... e L..., não votaram em tal deliberação, como aliás resulta da acta e é alegado pelos requerentes.

5) Já não pode o tribunal a quo, sem produzir qualquer meio de prova concluir que a deliberação de expulsão não se alicerçou na vontade destas.

6) Logo participaram numa deliberação da Mesa Administrativa, (apesar de não votarem) pessoas estranhas à Mesa Administrativa.

7) Daí, tal participação em tal deliberação por tais senhoras directoras, torna a deliberação em causa nula ou in minime anulável o que se arguiu.

8) Sendo pois, ilegal a decisão proferida pelo Tribunal a quo que decidiu neste ponto a “manifesta ausência do invocado vício”.

9) Devendo, em consequência, ser declarada a deliberação em causa nula ou in minime anulável.

10) A deliberação de expulsão é inconstitucional.

11) A decisão do Tribunal a quo constituiu uma negação das decisões anteriormente proferidas.

12) Os requerentes alegaram que a decisão de os demitir enquanto membros da 1ª requerida, atendendo aos seus fundamentos, é ilegal e ferida até de inconstitucionalidade, violando os artigos 13º nº 2 e 20º da Constituição da Republica Portuguesa, que assegura a todos o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

13) Isto, porque e conforme resulta da Declaração que os requerentes juntaram como doc. 4 e 5 os requerentes terão sido expulsos não por qualquer questão de fé, mas por terem recorrido aos tribunais civis para discutirem a legalidade, de acordo com a lei civil portuguesa, de vários actos eleitorais e deliberações que têm a ver com a vida administrativa da 1ª requerida.

14) Tendo a 1ª requerida aceite a decisão da competência material dos tribunais civis na apreciação de tais questões.

15) Tendo o Tribunal Judicial da Sertã declarado expressamente a sua competência material na apreciação de tais matérias.

16) E eis senão quando após a 1º requerida ter aceite tal competência e o Tribunal Judicial da Sertã ter aceite ser competente para decidir tais questões ... são os requerentes expulsos por terem recorrido aos Tribunais civis, e pelo Tribunal civil ter posto em causa o Decreto Episcopal de 24 de Novembro de 2006. Quando, a própria 1ª Requerida aceitou tal decisão proferida pelo Tribunal civil.

17) O Tribunal a quo, ao negar as posições que anteriormente assumiu, e após se ter declarado competente nesses processos ... e por via disso ter decidido sobre questões relativas à vida administrativa da 1ª requerida ... e que esta aceitou ... dizer que agora, é incompetente em razão da matéria para decidir sobre a expulsão dos requerentes por terem recorrido aos Tribunais civis.

18) Ora, tendo os Tribunais civis, se declarado competentes nesses processos anteriores, a deliberação de expulsão (que se funda não em questões de fé, mas no simples facto material e civil, de os requerentes terem recorrido aos Tribunais civis é manifestamente ilegal e inconstitucional, violando, assim, a decisão que declarou a incompetência material do Tribunal Judicial da Sertã, os artsº 13º nº 2 e 20º da Constituição da Republica Portuguesa, que assegura a todos o acesso ao Direito e aos Tribunais, para defesa dos direitos e interesses dos cidadãos portugueses – o que é o caso – legalmente protegidos.

19) A deliberação impugnada é contrária à lei, nos termos do artº 396º nº 1 do C.P.C.

20) Consubstanciado em último termo, a decisão judicial ora recorrida, a impossibilidade de os requerentes recorrerem aos Tribunais Civis, para apreciação dos seus direitos.

21) Quando anteriormente o mesmo tribunal civil, declarou-se sempre competente em relação da matéria para apreciar as questões que lhe foram colocadas.

22) Agora, com a decisão recorrida, há como que um verdadeiro venire contra factum proprium, praticado... pelo próprio Tribunal civil!...

23) Sendo os requerentes penalizados, pelo facto de o próprio Tribunal civil, se ter anteriormente declarado competente.

24) Ora, em causa não se encontra em apreciação nenhuma questão de fé!...

25) Os requerentes, pelos vistos (pois até se desconhece o teor do documento) que instrui a deliberação de expulsão) foram expulsos só porque recorreram aos tribunais civis. Tribunais civis, esses, que em primeira e segunda instância, sempre se declararam competentes.

26) Pelo que, o Tribunal a quo é absolutamente competente em relação da matéria para apreciar a providencia cautelar requerida pelos requerentes.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTOS.

2.1. Os Factos.

Os factos que interessam à decisão da causa constam do Relatório acima exposto e da fundamentação da decisão impugnada.

Assim, não tendo sido impugnada tal matéria, dá-se aqui a mesma por reproduzida.

                      +

2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- O Tribunal cível é competente para conhecer da providência cautelar intentada?

                      +

2.2.1. O Tribunal cível é competente para conhecer da providência cautelar intentada?

Entendendo que a deliberação que os requerentes pretendem suspender se alicerça em razões de abandono da comunhão eclesiástica pelos requerentes, matéria que só aos Tribunais eclesiásticos cumpre apreciar, a decisão que ora se reaprecia julgou o Tribunal cível incompetente para tanto.

Principiam os requerentes por referir que a Deliberação de expulsão foi realizada com a participação de pessoas estranhas ao órgão, a Mesa Administrativa e três pessoas, as directoras dos lares I..., J... e L... não votaram em tal deliberação, como aliás resulta da acta e é alegado pelos requerentes. Assim não pode o Tribunal a quo sem produzir qualquer meio de prova concluir que a deliberação de expulsão não se alicerçou na vontade destas. Participaram assim numa deliberação da mesa administrativa pessoas estranhas à Mesa Administrativa, pelo que tal participação torna a deliberação em causa no mínimo anulável.

Compulsando a acta da Assembleia só se vê que houve uma votação e que a mesma se traduziu em cinco votos favoráveis, tantos quantos os membros da Mesa Administrativa. Ora desde que a acta não seja arguida de falsa – o que in casu se não verificou - faz fé quanto ao seu conteúdo[1]. Quanto à presença das duas Directoras dos dois lares e da chefe da secretaria-geral da Santa Casa da Misericórdia, tal não significa que tal se ficasse a dever a finalidades de votação.

Carecem pois de fundamento neste ponto as considerações dos apelantes.

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No entanto os requerentes invocam ainda a inconstitucionalidade do deliberado por violação dos artigos 13º e 20º da Constituição da República. Trata o primeiro normativo da igualdade dos cidadãos perante a lei e o segundo do acesso ao direito, lendo-se no nº 1 do citado artigo que "A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".

Ora o decidido não viola qualquer dos citados normativos legais. Na verdade o acesso ao direito não se faz de um modo uniforme podendo perfeitamente haver casos cuja especificidade postula o respectivo tratamento por uma jurisdição própria sem que daí resulte qualquer ofensa aos princípios do acesso ao direito ou da igualdade. O que releva é que não haja qualquer discriminação de tratamento de casos que estejam nas mesmas circunstâncias e de tal não há notícia no caso em análise.

                      +

As Irmandades das Misericórdias constituem associações da Igreja Católica. Com efeito o artº III da Concordata de 1940 reconhece à Igreja Católica o poder de se organizar livremente de harmonia com as normas do Direito Canónico, e constituir, por essa forma, associações ou organizações a que o Estado reconhece personalidade jurídica, no condicionalismo aí referido, sendo as mesmas administradas sob a vigilância e fiscalização da competente autoridade eclesiástica. Contudo "se tais associações, além de fins religiosos, se propuserem também fins de assistência e beneficência, ficam, na parte respectiva, sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas associações ou corporações, que se tornará efectivo através do Ordinário competente, conforme dispõe o artº IV da referida Concordata"[2]; Também à face da Concordata de 2004 (vigente à data do acto que se pretende impugnar) estando em causa a violação do direito interno português são os tribunais civis os competentes para dirimir a questão; contudo invocando-se violação do direito canónico já a competência para o respectivo conhecimento passa pelos tribunais eclesiásticos[3]. E abordadas as questões que acima se deixaram expostas teremos de concluir que o que verdadeiramente está em causa para os AA. é a deliberação que expulsou os Requerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C... ao abrigo do Cânone 316, 1 e 2 do Código de Direito Canónico e ainda se o desrespeito pelas admoestações aplicadas pelos Promotor da Justiça da Diocese ou o recurso a Tribunais Civil constituem ou não motivo para interpretar a conduta dos requerentes com constituído um abandono da comunhão eclesiástica por comportamento hostil à Religião Católica nos termos do artigo 11º alínea f) do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C....

Ora tais questões não são da competência do Direito Civil, antes pertencendo a sua apreciação à Justiça Eclesiástica.

Nesta conformidade bem se andou em julgar o Tribunal civil incompetente para conhecer da questão que ora se aprecia, o que dita a confirmação do decidido.

Assim à guisa de sumário e conclusões poderá assentar-se no seguinte:

1) Compulsada a acta de uma Assembleia Geral da qual consta unicamente que houve uma votação traduzindo-se em cinco votos favoráveis, tantos quantos os membros da Mesa Administrativa, não pode inferir-se da simples presença das duas directoras dos dois lares e da chefe da secretaria que as mesmas tivessem votado ou influído na votação.

2) O princípio constitucional do acesso ao direito não é beliscado pelo facto de um determinado caso dever ser apreciado por uma jurisdição eclesiástica.

3) À face da Concordata de 2004 (vigente à data do acto que se pretende impugnar) estando em causa a violação do direito interno português são os tribunais civis os competentes para dirimir a questão; contudo invocando-se violação do direito canónico já a competência para o respectivo conhecimento passa pelos tribunais eclesiásticos.

4) Estando em causa a deliberação que expulsou os Requerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de C... ao abrigo do Cânone 316, 1 e 2 do Código de Direito Canónico e ainda se o desrespeito pelas admoestações aplicadas pelos Promotor da Justiça da Diocese ou o recurso a Tribunais Civis constituem ou não motivo para interpretar a conduta dos requerentes como constituindo um abandono da comunhão eclesiástica por comportamento hostil à Religião Católica, tais questões não são da competência do Direito Civil, antes pertencendo a sua apreciação à Justiça Eclesiástica.

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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando assim a sentença apelada.

Custas pelos Apelantes.

[1] Cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 17-2-1998 (R. 7524) in Col. de Jur., 1998, 1, 125.

[2] Cfr. Ac. STJ de 27-01-2005 SJ200501270045257 in www.stj.pt.

[3] Ac. do S.T.J. de 26-4-2007 (R. 723/2007) in Col. de Jur., 2007, II, 48.