Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO SUBSÍDIO POR MORTE- RESPONSABILIZAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DE DESPESAS DE FUNERAL | ||
Data do Acordão: | 05/18/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA- 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 10º, AL. B), 22º E 37º, Nº 3, DA LEI Nº 100/97 . | ||
Sumário: | I – O subsídio por morte, trazido pela Lei nº 100/97, bem como a actual reparação por despesas de funeral, correspondem a montantes que não têm nenhuma relação directa ou indirecta com a retribuição efectivamente paga pelo empregador ao sinistrado. II – O alargamento da cobertura infortunística, introduzido pela NLAT, com o novo regime de cálculo das despesas de funeral e a criação e modo de cálculo do subsídio por morte, não é considerado como cabendo no âmbito da regra plasmada no artº 37º, nº3 dessa lei . III – Foi de caso pensado que se excluiu dessa regra a repartição dos encargos com despesas de funeral e com subsídio por morte, o que leva à conclusão de que tais encargos ficam apenas a cargo das seguradoras, na sua totalidade . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – 1 – Concluída, sem êxito, a fase conciliatória do processo, veio A..., viúva, com os demais sinais dos Autos, por si e em representação de suas filhas menores, consigo residentes, B..., C... e D..., apresentar Petição Inicial contra as RR. Companhia de Seguros «E...» e F..., este casado, empresário, residente em Garrochas, Batalha, assim desencadeando a fase contenciosa da presente acção com processo especial emergente de acidente de trabalho. Pediu a final a condenação dos RR. no pagamento das importâncias discriminadas a título de pensões anual e vitalícia e anuais e temporárias, na proporção das correspondentes responsabilidades, de subsídios de férias e de Natal, subsídio por morte e indemnização de despesas de funeral, com transladação, e deslocações. Pretextou, em breve escorço, que as AA. são viúva e filhas do sinistrado de morte G..., que foi vítima de um acidente em Pousos, Leiria, que consistiu no facto de quando se encontrava junto de uma barreira de terra, com cerca de 3 metros de altura, a atar elementos de uma estrutura de ferro ter havido um desprendimento de terra que o atingiu na cabeça, resultando-lhe as lesões descritas que foram causa directa, necessária e adequada da sua morte. A responsabilidade patronal infortunística estava apenas parcialmente transferida para a R. seguradora, sendo que esta só aceitou responsabilizar-se a título subsidiário, por entender ter existido violação das normas de higiene e segurança no trabalho por parte da sua segurada. 2 – Citados, os RR. vieram contestar, alegando o R. patronal que na ocasião do sinistro trabalhava ao lado do sinistrado, estando cumpridas todas as normas de segurança no trabalho; Por sua vez a R. seguradora alegou, em suma, que a sua responsabilidade, sempre limitada ao salário mensal transferido (346,42 €.), será apenas subsidiária porque o sinistrado e demais trabalhadores estava dentro de uma vala larga, a armar ferro para a construção de um muro de sustentação de terras sem que houvesse qualquer suporte ou estrutura de entivação das terras ou barreiras a ladear aquela. O acidente ocorreu assim devido ao comportamento negligente da Entidade Patronal, em contravenção com as normas de segurança de trabalhos de construção civil. 3 – Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção procedente, por provada, com condenação das RR. Seguradora e Patronal nos termos do dispositivo, a fls. 265-267. 4 – A co-R. Seguradora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, oportunamente admitido como apelação com efeito suspensivo, restrito à parte em que a condenou a pagar por inteiro o subsídio por morte e as despesas de funeral e de transporte. Alegou e concluiu: § Vem provado que o sinistrado auferia proventos no valor somado anual de 11.672,59 €. e que para a Seguradora apenas estava transferida a responsabilidade até ao limite anual de 4.849,88 €., correspondente a 41,55% do total; § Por aplicação da regra contida no n.º3 do art. 37º da Lei n.º 100/97, a divisão de responsabilidade entre a Seguradora e a Entidade Patronal foi calculada: a parte devida pela Seguradora, com base no salário transferido, sendo o remanescente devido pela Entidade Patronal; § Por aplicação da 2ª parte do mesmo preceito legal, os restantes encargos (subsídio por morte e outros) devem ser suportados por ambas as entidades – Seguradora e Patronal – na proporção da respectiva cobertura e não cobertura; § A 2ª parte do n.º3 do art. 37º da Lei n.º 100/97 – que mantém os princípios já fixados na Base L da Lei 2127 - corresponde afinal à afloração de idêntico princípio que já constava do art.433º do Cód. Comercial; § O mesmo art. 37º da Lei 100/97, nos seus n.ºs 1 e 4, ao regular a obrigatoriedade da transferência para uma seguradora da responsabilidade da Entidade Patronal, consigna também o princípio de que o comportamento da E.P. se deve nortear pelos princípios da boa fé, sem ‘omissões ou insuficiências quanto ao pessoal e à retribuição, que terá de ser declarada na totalidade’… § Nada há na Lei que permita defender que apenas a Seguradora é responsável pelos encargos em questão. § Não havendo transferência de responsabilidade completa, tais encargos terão de ser sempre suportados por ambos os responsáveis na respectiva proporção. Decidindo em contrário e obrigando a seguradora por inteiro no pagamento de tais encargos, o Tribunal violou assim, manifestamente, o disposto no art. 37º da Lei n.º 100/97 e no art. 433º do Cód. Comercial, pelo que deverá a sentença ser alterada de harmonia com o entendimento defendido na presente minuta. 5 – Contra-alegou o co-R. recorrido, concluindo, em resumo útil, que as despesas relativas ao funeral, ao subsídio por morte e deslocações por causa ou em consequência da morte não se confundem com despesas com assistência hospitalar, assistência médica e medicamentosa e transportes correlativos, fazendo a recorrente uma deficiente interpretação das normas que invoca. Recebido o recurso nesta Instância e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir douto e proficiente Parecer no sentido do provimento – vamos conhecer. II – 1 – OS FACTOS Vem seleccionada a seguinte factualidade: - No dia 11 de Março de 2002, na Rua Trás da Eira, Vidigal de Cima, Pousos, Leiria, G... encontrava-se de bruços a atar elementos de uma estrutura de ferro junto de uma barreira de terra, com altura aproximada de três metros, quando houve um desabamento de terras que o atingiu na cabeça; - Em resultado deste traumatismo, o referido G... sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 55-60, as quais se dão aqui por inteiramente reproduzidas e lhe causaram directa e necessariamente a morte; - À data deste acidente, o sinistrado trabalhava ao serviço, sob a autoridade, direcção e fiscalização do R. F..., com a categoria profissional de servente de pedreiro; - O R. F... tinha transferido para a R. Seguradora a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho no que respeita ao sinistrado G... através da Apólice n.º 1900/0340037176, pela remuneração de 346,42 €.x14 meses; - As AA. são respectivamente a esposa e filhas do sinistrado G...; - À data do acidente, o sinistrado auferia 3,76 €. de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho; - O número de horas de trabalho efectivo do sinistrado variava também segundo as estações do ano e as condições climatéricas; - Não havia qualquer estrutura ou suporte de entivação da barreira de terra junto da qual se encontrava o sinistrado; - Tal barreira era constituída por terra de tipo arenoso, com pouca consistência nos 30-40 cm. superficiais; - Até ao desabamento das terras que vitimou o sinistrado, o dia estava pelo menos com aspecto nublado; - O sinistrado trabalhava sem capacete; - O sinistrado, à data do acidente, trabalhava exclusivamente por conta do R. F...; - No mês de Março de 2001 o sinistrado recebeu 814,04 €; - E nos meses seguintes até Fevereiro de 2002, inclusive, recebeu sucessivamente 614,52€.; 917,79€.; 798,08€.; 877,88€.; 837,98€.; 598,76€.; 826,01€.; 794,09€.; 750,19€.; 704,00€. e 692,00 €.; - O salário do sinistrado era calculado à hora e pago ao mês. 2 – O DIREITO Como deflui das conclusões da motivação do recurso – por onde se afere e delimita o seu objecto e âmbito, como é sabido – é única questão posta a de saber se os montantes referentes ao subsídio por morte e indemnização de despesas de funeral são da exclusiva responsabilidade da co-R. Seguradora, como se decidiu, ou devem antes ser repartidos pelas co-RR. na proporção das respectivas responsabilidades. Notificada da sentença, logo a ora Recorrente veio aos Autos denunciar aquilo que admitiu poder tratar-se de um manifesto erro material – cfr. fls. 276 – ao constatar ter sido condenada na totalidade dos valores reclamados e conferidos a tal título. Todavia, a requerida rectificação foi indeferida com o fundamento de que não se trata de qualquer lapso material, uma vez que não há lugar à pretendida repartição dos custos: trata-se de despesas que a seguradora sempre suportaria independentemente do âmbito da responsabilidade transferida, uma vez que o seu cálculo é objectivo… – despacho de fls. 280. Tudo visto: A questão, parecendo efectivamente de singela solução, envolve o seu melindre. E se, num primeiro momento, tudo parece apontar para o mais óbvio, ou seja, para a repartição dos referidos encargos de acordo com a proporcionalidade propugnada em função dos montantes realmente percebidos pelo sinistrado e os transferidos da Entidade Patronal para a Seguradora – tese da Recorrente acompanhada pelo Parecer do Exm.º P.G.A. – o que parecia lógico e seguro não resiste, de todo, a uma segunda reflexão, como vamos expor. Isto, naturalmente, sem enjeitarmos – antes assumindo – que não temos a solução que preconizamos como absolutamente isenta de dúvidas. Assim: A problemática decidenda já foi tratada nesta Secção, como pode conferir-se pelo Acórdão da Sessão de 18.4.2002, publicitado na C.J., Ano XXVII, Tomo 2, pgs. 66-67. Pese embora a pertinência e bondade dos argumentos ora esgrimidos pela Recorrente, não vemos razão bastante para, reconsiderando, alterar a fundamentação que suporta o juízo então alcançado. Como se verifica, em cotejo, o subsídio por morte não fazia parte da reparação em dinheiro prevista na Lei 2.127, de 3.8.65 – Base IX, b). É, pois, em termos infortunísticos, uma realidade nova, entre outras, trazida pela Lei n.º 100/97 – cfr. seu art. 10º, alínea b). Este subsídio, (bem como a reparação por despesas de funeral), corresponde a um montante que não tem nenhuma relação directa ou indirecta com a retribuição efectivamente paga pelo empregador ao sinistrado – cfr. art. 22º, n.ºs 1 e 3, da NLAT, a Lei n.º 100/97 – correspondendo a doze vezes o valor da remuneração mínima mensal garantida mais elevada. (Assim não era relativamente às despesas de funeral no tempo da Lei n.º 2127 – Base XXI – cuja reparação era igual a 30 dias de retribuição, elevada para o dobro em caso de transladação). A Base L da Lei 2.127 dispunha então que quando o salário declarado, para efeito do prémio de seguro, fosse inferior ao real, a entidade seguradora só era responsável em relação àquele salário. A Entidade Patronal responderia nesse caso pela diferença (isto é, pelo diferencial das prestações cuja reparação se definia em função do salário real). No mais, ou seja, pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transportes, respondia ‘na respectiva proporção’. Como já o percepcionara Cruz de Carvalho – vide nota a esta Base, in ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 1980, pg. 157 – esta norma, seguindo a mesma solução do art. 433º do Código Comercial quanto a despesas efectuadas, afastava-se dela no que tange à pensão ou indemnizações, estabelecendo a responsabilidade patronal pela diferença salarial e não proporcionalmente à mesma diferença. Já então se sustentava que prevalecia a previsão da LAT, como disposição especial que é relativamente à norma genérica do Cód. Comercial, invocando em favor da bondade da interpretação preconizada a conformidade da cláusula 7ª da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho. Para o nosso caso dispõe-se ora no n.º3 do art. 37º da NLAT (Lei n.º 100/97) que ‘quando a retribuição declarada para o efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença (i.e., pelo diferencial das prestações cuja reparação se defina por reporte ao salário real). No mais (pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte) responderá ‘na respectiva proporção’. (…Ou seja, mantém-se rigorosamente a mesma regra que já constava daquela Base L, apenas se tendo substituído as locuções salário declarado por retribuição declarada e entidade patronal por entidade empregadora). Embora seja perfeitamente evidente e plausível que o objectivo e empenho do legislador são direccionados no sentido fazer com que a injuntiva transferência da responsabilidade infortunística para as Seguradoras seja cabal (sem omissões, fraudes ou insuficiência nas declarações quanto ao pessoal e à retribuição – 'ut' n.ºs 1 e 4 do art. 37º da NLAT) não pode aceitar-se que ignorasse que acabava de implementar o alargamento da cobertura, incluindo no direito à reparação em dinheiro, além de outras prestações, o subsídio por morte… …E que nada tenha previsto, de novo, para os casos em que, como no presente, a retribuição declarada para efeito do prémio do seguro seja inferior à real, mantendo a regra da proporção apenas para as despesas relativas a hospitalização, assistência clínica e transportes. O alargamento da cobertura infortunística, introduzida pela NLAT, com o novo regime de cálculo das despesas de funeral e a criação e modo de cálculo do subsídio por morte, não é considerado, de facto, no que aqui nos importa, como cabendo no âmbito da referida regra plasmada no n.º3 do art. 37º. Mais reforçada se nos apresenta a interpretação que sufragamos ante a solução legal do Código do Trabalho. Nos termos do art. 296º do Código do Trabalho, o direito à indemnização continua a incluir, nas prestações em dinheiro, o subsídio por morte e as despesas de funeral. Aquela regra mantém-se, todavia, praticamente intocada, no essencial, como se constata no art. 303º, n.ºs 4 e 5, da mesma Codificação: ‘Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença’…e pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na proporção. Em resumo: Somos levados a admitir, primeiro – e a concluir, logo depois – que foi de caso pensado que se excluiu da regra enunciada a pretendida repartição dos falados encargos, que, repete-se, nada têm ora a ver com a retribuição do sinistrado, (seja a realmente paga/recebida ou apenas a declarada à Seguradora), tudo nos levando à conclusão de que esses encargos, (de algum modo objectivos/fixos, já que a sua variação se reporta apenas às actualizações legais da remuneração mínima mensal garantida mais elevada, que venham a verificar-se), ficam/são cobertos pela Seguradora, na sua totalidade. Acresce, como argumento final, que mesmo que a Entidade Patronal tivesse declarado para efeito do prémio do seguro a retribuição real – deixando assim de poder invocar-se a pretendida repartição daqueles encargos com base na proporção do salário transferido – a questão não deixaria de colocar-se, subsistindo o problema de saber quem suporta o dito subsídio e as despesas de funeral! A resposta parece-nos clara: a declaração da retribuição real implicaria a exclusão da responsabilidade da Entidade Patronal, nos sobreditos termos do n.º3 do art. 37º. Ante o exposto, não podem aceitar-se como procedentes as razões invocadas nas doutas conclusões da apelante. A decisão, na parte que vem impugnada, não merece censura. III – Termos em que, sem necessidade de mais alongada explanação, se delibera negar provimento ao recurso, confirmando o decidido. Custas pela Recorrente. *** Coimbra, |