Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1479/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO PARA O EFEITO
Data do Acordão: 05/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTºS 864º-A , 865º E 871º DO CPC
Sumário:

I – Os credores sem garantia real sobre os bens penhorados ( credores comuns ) mas com título exequível e créditos vencidos só poderão intervir na execução pela via indirecta da penhora dos bens em execução separada, o que a verificar-se, e tendo em conta que se não deve permitir a adjudicação ou venda dos mesmos bens em processos diferentes, por a liquidação dever ser única, conduzirá à sustação da execução em que a penhora seja mais recente, permitindo ao respectivo exequente reclamar o seu crédito na execução com penhora anterior – artº 871º do CPC .
II – Nestes casos, a reclamação será apresentada nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho de sustação mas até à data da transmissão dos bens, limite que consta do artº 864º-A, nº 2 e dos actuais nºs 3 e 5 do artº 865º do CPC .
Decisão Texto Integral:
3

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Relatório
I – O BB, com sede na Rua KK em Lisboa, instaurou na Vara Mista de Coimbra execução para pagamento de quantia certa contra CC e mulher, DD, residentes na Guarda, na qual veio a ser penhorada a fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano sito na Praceta JJ.
Constatado que essa fracção fora antes penhorada em execução pendente no 1º Juízo do Tribunal da Guarda, foi aquela sustada, quanto a esse bem, e, por apenso a esta execução, reclamou o BB o seu crédito, mas o Mm.º Juiz a quo indeferiu tal reclamação, por intempestiva.
Inconformado com tal despacho, agravou o reclamante, pugnando pela sua revogação e substituição por outro a admitir a reclamação. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. O art.º 871º do CPC nada dizer acerca do momento até ao qual a reclamação de créditos pode ser efectuada, estipulando apenas que, não tendo o credor sido citado pessoalmente nos termos do art.º 864º, pode deduzi-la nos 15 dias posteriores ao despacho de sustação;
2. Porém, a reclamação de créditos, na sequência de execução sustada nos termos do art.º 871º do CPC, pode ser feita até à liquidação final, à semelhança do que acontece com as custas da execução sustada;
3. O Banco reclamante deduziu a sua reclamação nos 15 dias após o despacho de sustação da execução e depois de ter obtido a informação do tribunal que a execução ainda estava pendente;
4. O despacho recorrido, ao indeferir a reclamação, por extemporânea, violou o disposto no art.º 871º do CPC..
Os agravados não contra-alegaram e o Mm.º Juiz a quo sustentou e manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos, há que apreciar e decidir.
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II - Fundamentação de facto
Para além do que consta do antecedente relatório relevam ainda, para a apreciação do recurso, os elementos seguintes:
1. A execução pendente na Vara Mista de Coimbra foi sustada apenas quanto à fracção autónoma penhorada;
2. O despacho de sustação dess execução tem data de 13 de Janeiro de 2004;
3. A reclamação de créditos foi apresentada, no Tribunal da Guarda, no dia 22 de Janeiro de 2004;
4. A fracção autónoma penhorada nas duas execuções foi vendida, no âmbito da execução pendente no Tribunal da Guarda, no dia 26 de Novembro de 2003, a Graça Maria Gomes Loureiro;
5. Nessa execução, para a qual o agravante não foi pessoalmente citado, foi proferido, antes da apresentação da reclamação, o despacho previsto no art.º 888º do CPC.
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III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do agravante (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), passa pela análise e resolução da única questão jurídica por ele colocada a este tribunal e que consiste em determinar se a sua reclamação foi ou não apresentada em tempo.
O actual Cód. Proc. Civil consagra, como se sabe, um esquema de execução singular com uma componente concursal: a execução é somente impulsionada por determinado credor (exequente) em ordem à satisfação do seu crédito, mas ao seu lado admitem-se também a intervir, a dada altura, os credores com garantia real sobre os bens penhorados (art.º 865º do CPC), por estes serem transmitidos livres dos direitos de garantia (art.º 824º, n.º 2 do Cód. Civil). Tais credores, que também só podem pagar-se através do produto dos bens onerados, são convocados à execução, não para obterem pagamento do seu crédito, em situação paralela à do exequente, mas para fazerem valer os seus direitos de garantia sobre os bens penhorados Cfr. Lebre de Freitas, Acção Executiva, pág. 250, J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 2000, pág. 353, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 351, e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6ª edição, pág. 277. .
Os demais credores comuns com título exequível e créditos vencidos só poderão intervir na execução pela via indirecta da penhora dos mesmos bens em execução separada, mas em situação de desigualdade perante o primeiro exequente que tem penhora anterior Cfr. Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, págs. 176/177.. Significa isto que, primeiro, terão de instaurar execuções autónomas, o que pode originar a existência de uma pluralidade de execuções contra o mesmo devedor, incidindo, eventualmente, sobre os mesmos bens.
Se tal situação se verificar e, tendo em conta que se não deve permitir a adjudicação ou venda dos mesmos bens em processos diferentes, uma vez que a liquidação deve ser única Cfr. Alberto dos Reis, Processo de Execução II Volume, pág. 287, e Jorge Barata, Acção Executiva Comum, II Volume, pág. 152. (carácter tendencialmente individual do actual regime da execução), o art.º 871º do CPC determina a sustação da execução em que a penhora for mais recente e autoriza o respectivo exequente a reclamar o seu crédito na execução com penhora anterior. A reclamação terá de ser apresentada, no prazo de 15 dias, se tiver sido citado pessoalmente, nos termos do art.º 864º, n.º 3 b) do CPC. Se tal citação não tiver ocorrido, designadamente por a segunda penhora, quando sujeita a registo, ainda não constar do registo predial no momento da passagem da certidão de ónus destinada à primeira execução, a reclamação será apresentada nos 15 dias subsequentes à notificação do despacho de sustação Cfr. Salvador da Costa, Concurso de Credores, 1ª edição, pág. 262, e Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 340..
De notar que da nova redacção conferida ao art.º 871º do CPC pelo DL 38/03, de 8 de Março, não se encontra fixado qualquer prazo, mas este diploma não se aplica à presente execução, por ter sido instaurada antes de 15 de Setembro de 2003 (art.º 21º, n.ºs 1 e 2 do DL 38/03, de 8 de Março).
Todo o percurso atrás referido foi percorrido pelo agravante, que, não gozando de garantia real sobre a fracção autónoma penhorada, teve que instaurar execução autónoma, que veio a ser sustada, nos termos do art.º 871º do CPC, quanto a esse bem. E, conforme se alcança dos pontos 2. e 3. da matéria de facto, também não restam dúvidas de que a reclamação foi apresentada antes do decurso do aludido prazo de 15 dias subsequentes ao despacho de sustação. Não obstante isso, é discutível que ainda assim o agravante estivesse em tempo de reclamar o seu crédito na execução com penhora mais antiga.
No silêncio da lei (o art.º 871º do CPC sempre foi omisso a tal respeito e nas disposições relativas à reclamação de créditos nada se dizia também), entendeu-se que o termo ad quem da reclamação era o da distribuição do produto da venda Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 3/12/74, BMJ 242, pág. 198, Anselmo de Castro, obra citada, pág. 275, e Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 231.. Só que esse entendimento, no qual o agravante se estriba, então defensável, em face do aludido silêncio, não merece, quanto a nós, continuar a ser sufragado.
É que entretanto o art.º 864º-A, n.º 2 do CPC, introduzido pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, veio fixar como limite da reclamação a transmissão dos bens Cfr., neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, pág. 305, e Salvador da Costa, obra citada, 2.ª edição, pág. 308., limite que actualmente consta dos n.ºs 3 e 5 do art. 865º do CPC e que também está previsto para a dedução dos embargos de terceiro (art.º 353º do CPC). Esta evolução legislativa atinente ao processo executivo parece indicar que se procurou evitar que a execução, uma vez atingida determinada fase (a transmissão dos bens penhorados), nela ainda fosse possível enxertar qualquer incidente de índole declarativa, situação que obviamente não deixaria de originar alguma anarquia processual.
No caso em apreço, a fracção autónoma duplamente penhorada foi vendida, no âmbito da execução com penhora mais antiga, a 26 de Novembro de 2003, e a reclamação do agravante deu entrada a 22 de Janeiro de 2004 (cfr. pontos 2. e 3. da matéria de facto), ou seja, depois da transmissão da respectiva propriedade à compradora, o que inviabilizava, como se viu, a dedução da reclamação. E, em contrário, não se argumente com o disposto no art.º 871º, n.º 4 do CPC, que confere ao exequente da execução totalmente sustada a faculdade de reclamar as custas dessa execução, desde que junte, até à liquidação final, certidão comprovativa do seu montante. Desde logo, a execução pendente na Vara Mista de Coimbra não foi totalmente sustada, pelo que o agravante não gozava sequer dessa faculdade. Além disso, esse regime respeita claramente só à reclamação das custas e não à reclamação do crédito.
Com efeito, a reclamação das custas da execução totalmente sustada não faz desencadear qualquer processado e daí que se aceite a sua reclamação até à liquidação final. Já o mesmo não sucede com a reclamação do crédito, que origina a abertura do respectivo apenso, se ainda não existir (art.º 865º, n. 4 do CPC), ou provoca a suspensão dos efeitos da anterior graduação, com prolação de nova sentença (art.º 871º, n.º 2 do CPC). Bem se compreende, pois, que a apontada limitação temporal fixada para a reclamação do crédito não se estenda à reclamação das custas. Esta pode, na verdade, ser deduzida até à liquidação final, mas aquela terá de ser apresentada até à transmissão dos bens.
Nesta conformidade, não assiste razão ao agravante em se insurgir contra a douta decisão da 1ª instância, que, a nosso ver, terá feito a melhor interpretação dos art.ºs 871º, n.º 1 e 864º-A, n.º 2 (introduzido pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro e aplicável à presente execução) do Cód. Proc. Civil, não merecendo, de modo algum, os reparos que o mesmo lhe aponta.
IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se não conceder provimento ao agravo e consequentemente confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo agravante.
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Coimbra, 25 de Maio de 2004