Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | USUCAPIÃO CÓDIGO CIVIL DE 1867 POSSE POR UM DOS CÔNJUGES | ||
Data do Acordão: | 10/10/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 3º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 476º, 529º E 552º DO CC DE 1867 E ART.ºS 12º, 297º, 323º Nº1, 342º Nº1, 1251º, 1256º, 1259º, 1260º, 1268º, 1296º, 1292º, 1293º A), 1296º, 1297º C), 1300º, 1404º E 1408º Nº2 DO CC DE 1966. | ||
Sumário: | 1) - A usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus/animus) e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. 2) - Para conduzir à usucapião, a posse deve revestir duas características – ser pública e pacífica. As restantes características (ser de boa ou má fé, titulada ou não titulada, estar ou não inscrita no registo) apenas relevam para a determinação do prazo da usucapião. 3) - Tratando-se de situação jurídica criada no domínio do Código Civil de 1867 (há mais de 20 anos, reportados a 5/11/65, ou seja, em 1945), os seus efeitos devem ser resolvidos no âmbito desse Código, por imposição do art.12 do Código Civil de 1966. Apenas no caso de haver alteração dos prazos, há que observar a regra do art.297 do CC/66, desde que o prazo ainda não se tenha completado. 4) - Na vigência do Código de Seabra a posse não titulada era sempre “ juris et de jure” de má fé, pelo que a prescrição aquisitiva só se consumava ao fim de 30 anos (arts.476 e 529 ). 5) - Iniciando-se o prazo em 1945 e como o actual Código Civil entrou em vigor em 1 de Julho de 1967, logo pela lei antiga faltava apenas cerca de 9 anos e 6 meses para o prazo nela estabelecida (30 anos) se completar, e sendo este inferior ao da lei nova (20 anos), é aplicável aqui aquele, que se mostra consumado, à data da citação (arts.552 nº2 do CC 1867 e arts.1292 e 323 nº1 do CC 1966). 6) - Um dos cônjuges pode individualmente adquirir determinado prédio por usucapião, mas casando em regime de comunhão geral de bens, o bem por si usucapido, comunica-se ao outro cônjuge, ingressando no património comum do casal, enquanto “propriedade colectiva”, ou “comunhão de mão comum”, operando-se a entrada desse bens na massa comum através de uma aquisição individual e uma comunicação subsequente. 7) - Dissolvido o vínculo conjugal, por óbito do cônjuge a quem o bem se comunicou, e havendo herdeiros, não pode o cônjuge sobrevivo doar o prédio, por si usucapido, sem consentimento daqueles 8) - A sanção adequada não é a da nulidade, mas a da ineficácia da doação relativamente aos Autores, operando “ ipso iure “, nos termos do art.1408 nº2, aplicável a outras formas de comunhão, por força do art.1404 do CC. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO Os Autores: 1) - A.. e mulher B....; 2) - C... e mulher D...; 3) - E...; 4) - F... e marido G...; 5) - H... e marido I...; 6) - J...; 7) - L... e mulher M...; 8) - N...; 9) - O...; 10) - P... e mulher Q... 11) - R... e marido S...; 12) - T...; 13) - U... e marido V... 14) - X... e mulher Z...; 15) - AA... e mulher BB...; 16) -CC... e marido DD...; 17) - EE... e mulher FF...; 18) -GG... e mulher HH... Instauram na Comarca de Tomar acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré: JUNTA DE FREGUESIA DE II..., com sede na Rua Alexandre Herculano, nº1/20, Tomar. Alegaram, em resumo: Por escritura de justificação notarial e doação outorgada no dia 18/7/89 e exarada a fls 11 a 14 do Livro 97-D do 2º Cartório Notarial de Tomar, Edite dos Santos José de Freitas na qualidade de procuradora de JJ... declarou que o seu representado com exclusão de outrém é dono e legítimo possuidor dos seguintes bens: a) prédio urbano composto de casa de habitação, com a área de 75 m2 e logradouro com a área de 805 m2 a confinar de todos os lados com ele justificante, inscrito na matriz predial respectiva sob o artº 1124 com o rendimento colectável de 695$00 e o valor tributável de 10 425$00; b) prédio rústico composto de terra de horta, citrinos, oliveiras, macieiras, vinha e figueiras com a área de 7.720 m2 a confinar do norte com ele, justificante e dos restantes lados com estradas, inscrito na matriz predial respectiva sob o artº 60 da secção J com o rendimento colectável de 6 895$00. Estes prédios não se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial, mas inscritos na matriz em nome do justificante, que declarou possui-los há mais de 20 anos, sem a menor oposição, que não possui título de posse, mas esta é pacífica e de boa fé, sempre habitou a casa e cultivou a terra, ininterruptamente e com conhecimento de toda a gente. Tendo sido ele casado com LL..., por óbito desta, os prédios fazem parte da herança ilíquida e indivisa deixada por aquela, de que os Autores são herdeiros legais. Mas uma vez que, na mesma escritura, o JJ... doou os prédios à Ré, a doação é nula, por incidir sobre bens alheios. Pediram cumulativamente: a) - Serem os Autores julgados habilitados como sucessores/herdeiros de Alexandrina Maria Rodrigues; b) - Declarar-se não corresponderem à verdade, relativamente aos prédios identificados no art.1º da petição inicial, as declarações constantes da escritura de justificação notarial, referida nos autos; c) - Declarar-se que os prédios identificados nos art.1º da petição pertencem à herança indivisa por óbito de Alexandrina Maria Rodrigues; d) - Declarar-se nula e de nenhum efeito a escritura de justificação e doação exarada a fls 11 a 14 do Livro 97-D do 1º Cartório Notarial de Tomar; e) - Ordenar-se o cancelamento de todos os registos efectuados com base naquela escritura, nomeadamente o registo e descrição nº00829/200290 da Freguesia de II ... , bem como os registos feitos posteriormente. Contestou a Ré, defendendo-se, por impugnação, alegando que a Alexandrina Rodrigues havia doado verbalmente os referidos prédios ao JJ.... Em reconvenção alegou receber os bens doados para fazer uma capela, um recinto de festas para angariação de fundos para melhoramentos. Mais alega que tem a posse daqueles prédios desde Março de 1981, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de boa fé e convencida que os prédios lhe pertenciam. Concluiu pedindo a improcedência da acção e em reconvenção: a) - Que se declare ter a Ré adquirido por usucapião o direito de propriedade sobre os referidos imóveis; b) - Subsidiariamente, declarar-se a acessão imobiliária dos prédios a favor da Ré, adquirindo a quota parte da propriedade indivisa, pagando pelo valor que tinha antes das obras, à data do falecimento da Alexandrina ( 6/12/65 ). Replicaram os Autores, contraditando a contestação e a reconvenção. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância. Realizada a audiência de julgamento ( com gravação da prova ), foi proferida sentença que decidiu julgar: a) - A acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos; b) - A reconvenção procedente, declarando a Ré dona e senhora dos prédios referidos na al. F) por os haver adquirido por escritura pública de doação outorgada na Secretaria Notarial de Tomar a 18 de Julho de 1989. Inconformados, os Autores recorreram de apelação, com quarenta conclusões que por serem complexas foram convidados a sintetizar, das quais agora se extrai o seguinte: 1º) - Impugnam a matéria de factos constante das respostas aos quesitos 10º( 2ª parte ), 11º, 12º, 13º, 16º e 17º, indicando como elementos de prova que impõem decisão diversa os depoimentos das testemunhas António Manuel da Conceição Garcia Rosa, José Carlos Antunes Rodrigues, Jorge Garcia Rosa, Francisco Manuel dos Santos Lopes, Joaquim Garcia Rosa e Carminda Maria Duarte Rodrigues Alves Lopes. 2º) - Na 1ª parte da resposta ao quesito 10º, consta que desde Março de 1981, a Ré vem diligenciando pela construção e obras, designadamente de uma Capela, Casa de Catequese e Mortuária e recinto para festas em terreno doado pelo aludido JJ... e a que alude a escritura de doação de fls.52 a 54 do apenso de ratificação judicial de embargo de obra nova, ou seja, ficou provado que as obras foram realizadas em terreno a que alude a escritura de 30/3/81 e não no terreno descrito na alínea F) dos factos assentes, como por lapso de refere nas respostas aos quesitos 12º e 16º. 3º) - Verifica-se contradição sobre os indicados pontos da matéria de facto, designadamente no que se refere à resposta dada na 1ª parte do quesito 10º, corroborado pela prova pericial, pelo que os restantes factos contidos nos quesitos 11º, 12º, 16º e 17º ( 1ª parte ) não deveriam ter sido dados como provados da forma indicada. 4º) - As construções aí referidas foram implantadas nos prédios a que se referem as escrituras públicas de doação de 30/3/81 e 13/6/86, as quais fazem prova plena dos factos nelas atestados, não sendo admissível prova testemunhal ( arts.393 e 394 nº1 do CC ) 5º) - A resposta dada ao quesito 13º peca por obscuridade, já que ficou provado na 1ª parte do quesito 10º que as obras descritas foram edificadas em vida do doador, em terreno a que alude a escritura outorgada em 3/3/81. 6º) - Quando na resposta ao quesito 16º se refere que tais obras foram realizadas no prédio descrito em F) 7º) - A Ré não preencheu os requisitos necessários à alegada aquisição do prédio por usucapião, pois só em 18/7/89 lhe foi doado, com reserva de usufruto o remanescente do terreno em causa. 8º) - No período decorrido entre 1981 e 1989, se a Ré realizou alguma obra no terreno a que alude F) dos factos assentes ( o que só por mera hipótese se admite, em virtude da prova pericial e testemunhal apontar em sentido oposto ), mesmo com o acordo do seu proprietário, a posse do solo como construção, configura-se como uma posse precária ou mera detenção, na medida em que lhe subjaz uma autorização do respectivo dono, inábil para usucapir, não podendo por falta de animus ser considerada possuidora em nome própria. 9º) - Quanto à alegada doação, não se pode atender a esta forma de aquisição do prédio a favor da Ré, porquanto ao dar-se como provado nas respostas positivas aos quesitos 1º a 9º, conjugados com os factos assentes em A) e D), os bens não pertenciam em exclusivo ao doador, mas à herança indivisa por óbito de sua mulher. 10º) - A confissão dos factos vertida no doc. nº3 ( junto com a providência cautelar ) não pode ser contrariada por qualquer outro meio de prova, designadamente testemunhal, pelo que este documento faz prova plena de todos os factos nele constantes. 11º) - O pedido reconvencional da Ré é inadmissível, por não se enquadrar nas hipóteses do art.274 nº2 do CPC 12º) - A sentença recorrida violou os arts.286, 289, 347, 371, 374 nº1, 376 nº1 e 2, 394 do CC, o princípio da livre apreciação da prova ( art.655 nº1 do CPC ) e art.7º do CRP. Contra-alegou a Ré, preconizando a improcedência do recurso. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Delimitação do objecto do recurso: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ). Por seu turno, no nosso sistema processual civil, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Como resulta das conclusões do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes: 1ª) - Inadmissibilidade da reconvenção; 2ª) – Contradição, obscuridade e deficiência nas respostas aos quesitos; 3ª) - Impugnação da matéria de facto; 4ª) - A quem pertencem os prédios referidos na alínea F) – se à herança indivisa por óbito de LL... ( de que os Autores são herdeiros ) ou à Ré. 2.2. – 1ª QUESTÃO: Consideram os apelantes que a pretensão reconvencional é processualmente inadmissível por não se enquadrar nas hipóteses previstas no art.274 nº2 do CPC, posição já anteriormente assumida na réplica ( arts.22 e 23 ). Sucede que por despacho de fls.148 foi admitido o pedido reconvencional deduzido pela Ré, e não tendo sido objecto de tempestiva impugnação, formou-se caso julgado formal ( art.672 CPC ), obstando à sua reapreciação. 2.3. – 2ª QUESTÃO: Para os apelantes verificam-se os vícios processuais da contradição e obscuridade nas respostas aos quesitos. Situam a contradição entre a 1ª parte da resposta ao quesito 10º e as respostas aos quesitos 11º, 12º, 16º e 17º ( 1ª parte ), com a alegação de que as construções aí referidas foram implantadas em prédios a que se referem as escrituras de doação de 30/3/81 e 13/6/86, distintos dos descritos na línea F). Por outro lado, justificam a obscuridade na resposta ao quesito 13º, por haver ficado provado na 1ª parte do quesito 10º que as obras descritas foram edificadas em vida do doador, em terreno a que alude a escritura outorgada em 3/3/81, quando na resposta ao quesito 16º se refere que tais obras foram realizadas no prédio descrito em F) Para efeitos do disposto nos arts.712 nº4 e 653 nº4 do CPC só releva a contradição insanável que pressupõe a existência de posições antagónicas e inconciliáveis entre a mesma questão de facto. A colisão deverá ocorrer entre a matéria de facto constante de uma das respostas e a matéria de facto de outra ou então com a factualidade provada no seu conjunto, de tal modo que uma delas seja o contrário da outra. Como se decidiu no Acórdão desta Relação de 22/2/2000 ( C.J. ano XXV, tomo I, pág.29 ), “ só há contradição entre os factos provados quando estes sejam absolutamente incompatíveis entre si, de tal modo que não possam coexistir uns com os outros “. Por seu turno, o vício da obscuridade pressupõe que não se possa determinar o sentido exacto da resposta, quer porque é susceptível de ter mais de um sentido, quer porque não comporta nenhum sentido. Ao quesito 10º (“ Desde 30 de Março de 1981 e 18 de Julho de 1989 que a Ré vem diligenciando pela construção e obras, designadamente uma capela, um recinto para festas e angariação de fundos e melhoramento no lugar das Cabeças, a edificar nos prédios referidos na alínea F) ?“ ) – o tribunal respondeu – “ Provado apenas que, desde 30 de Março de 1981, a R. vem diligenciando pela construção e obras, designadamente uma Capela, Casa de catequese ( e Mortuária ) e recinto inicial para festas, em terreno doado pelo aludido JJ... e que alude a escritura de doação constante de fls 52 a 54 do apenso de ratificação judicial de embargo de obra nova, escritura essa cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e bem assim após 18 de Julho de 1989, um maior recinto de festas, um local de estacionamento para veículos automóveis e angariação de fundos e melhoramentos no lugar de Cabeças, a edificar nos prédios referidos na alínea F)”. Da resposta ao quesito, interpretada no contexto da respectiva alegação feita pela Ré na contestação e conjugada com as respostas aos quesitos subsequentes, evidencia-se que as obras foram realizadas por esta tanto no prédio doado em 30/3/81 ( prédio rústico, situado nas Cabeças, com área aproximada de 1600 m2 ), como nos prédios descritos em F) ( doados em 18/7/89 ) e que pela descrição se situam precisamente no mesmo local das Cabeças. De tal forma que, nas respostas seguintes, se consignou -“ Em tais terrenos e prédios realizou terraplanagens e movimentos de terras com máquinas pesadas” (quesito 11º) e “ iniciou a construção da Capela, da casa da Catequese, da sede da Comissão de Melhoramentos, da Associação Cultural das Cabeças e do Parque Automóvel e Recinto das Festas Populares de Verão” (quesito 12º) – reportando-se as respostas aos quesitos 16º e 17º ao custo das obras feitas pela Ré, mas em ambos os prédios. Por isso, e contrariamente à posição dos apelantes, não se verificam os vícios da contradição e obscuridade. O vício da deficiência: Os Autores alegaram na réplica que os actos de posse praticados pelo JJ... nos prédios descritos na alínea F), e factualmente caracterizados na petição inicial, se mantiveram até 29/8/94, data em que faleceu ( cf. arts.35º a 37º ). Também a Ré, embora sem concretizar, alegou na contestação ( art.15º) que ele manteve a posse dos imóveis depois da morte da esposa Alexandrina. Consta-se que este facto não foi objecto de quesitação, assumindo indispensável relevância para se aferir do prazo da usucapião, tanto mais que situando-se os actos de posse ainda na vigência do Código de Seabra, há-de colocar-se um problema de aplicação das leis no tempo, designadamente sobre o prazo legal, que no domínio daquele Código era de 30 anos para a posse não titulada, presumida de má fé. Com efeito, a propósito do prazo dos actos de posse, no quesito 1º da base instrutória apenas se perguntou se o JJ... já habitava a casa e cultivava os terrenos há mais de 20 anos, mas apenas reportados à data do óbito da Alexandrina Rodrigues ( 5/11/65 ). A omissão de tal facto ( alegado nos arts.35º a 37º da réplica ), configura o vício da deficiência ( de conhecimento oficioso ), o que implicaria a anulação do julgamento para ampliação da base instrutória, com o seguinte aditamento: Quesito 9ºA - “Os actos referidos nos quesitos 1º a 9º, mantiveram-se até 29/8/94? “. Porém, conforme determina o art.712 nº4 do CPC, a anulação apenas ocorre se não constarem do processo todos os elementos probatórios que nos termos da alínea a) do nº1 permitam a reapreciação da matéria de facto. Uma vez que a prova testemunhal foi gravada, nada obsta, em princípio, a que a Relação a valorize para efeitos de suprir o vício da deficiência. Pois bem, ouvida a gravação os depoimentos das testemunhas, sobretudo as indicadas aos quesitos 1º a 9º, são convergentes no sentido de que o JJ... continuou a praticar os actos de posse discriminados nos arts.1º a 9º depois do óbito da Alexandrina Rodrigues. Isso resulta claramente, tanto dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Autores - Carminda Lopes ( filha dos Autores A... e esposa ), António da Conceição Rosa ( a esposa é neta dos Autores A... e mulher ), José Antunes Rodrigues ( sobrinho de A... ), Jorge Garcia Rosa, Francisco Lopes ( genro de A...) , Joaquim Garcia Rosa – como das indicadas pela Ré – Joaquim Gorgulho, Edite dos Santos Freitas e Manuel José dos Santos Marques, nas quais o tribunal da 1ª instância fundamentou criticamente a sua convicção para as respostas aos quesitos 1º a 9º. Apesar de não ser totalmente apodíctico, face à análise da prova testemunhal, que o JJ... exercesse tais actos até à data da sua morte, temos por seguro que o fez, pelo menos até 18 de Julho de 1989, ( data da escritura de justificação e de doação ). Ao quesito 9ºA - ( “Os actos referidos nos quesitos 1º a 9º, mantiveram-se até 29/8/94? “ ) - a Relação responde – “ Provado que os actos referidos nos quesitos 1º a 9º foram mantidos, pelo menos, até 18 de Julho de 1989”. 2.4. - 3ª QUESTÃO: O Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão de 1ª instância, mas apenas nas seguintes situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do art.712 do CPC: a) - Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, o recorrente tiver cumprido o ónus de transcrição das passagens da gravação em que fundamenta o seu recurso (art. 712, nº 1, al. a)); b) - Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (art. 712º, nº 1, al. b)). Nestes casos, os poderes da Relação são usados no âmbito de um recurso de reponderação (porque não há elementos novos trazidos ao processo) e de substituição (porque esse tribunal substitui a decisão recorrida). c) – Se o recorrente apresentar documento novo superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que ela assentou (art. 712º, nº 1, al. c)). Por considerarem existir erro notório na apreciação da prova, os apelantes impugnam a matéria de facto constante das respostas aos quesitos 10º( 2ª parte ), 11º, 12º, 13º, 16º e 17º, indicando como elementos de prova que impõem decisão diversa os depoimentos das testemunhas António Manuel da Conceição Garcia Rosa, José Carlos Antunes Rodrigues, Jorge Garcia Rosa, Francisco Manuel dos Santos Lopes, Joaquim Garcia Rosa e Carminda Maria Duarte Rodrigues Alves Lopes, a prova pericial e documentos juntos ao processo. Sustentam que tais quesitos devem obter resposta negativa, porquanto a Ré não efectuou quaisquer obras nos prédios descritos na alínea F), objecto de disputa nesta acção. Muito embora a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95 de 12/2, haja instituído de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto. Para além da possibilidade de conhecimento estar confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.690-A nº1 e 2 do CPC, a verdade é que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar ( até pela própria natureza das coisas ) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte, por isso, o princípio da livre apreciação da prova ( art.655 do CPC ) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador, dialecticamente construída ( sobre a comunicação interpessoal, RICCI BITTI/BRUNA ZANI, " A Comunicação Como Processo Social", editorial Estampa, Lisboa, 1997, LAIR RIBEIRO, "Comunicação Global", Lisboa, 1998, pág. 14). Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão ( cf. MICHEL TARUFFO, “La Prueba De Los Hechos”, Editorial Trotta, 2002, pág.435 e segs. ). De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador ( art.653 nº2 do CPC ). Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve, por isso, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição. Ouvida a gravação, consta-se que cada uma das testemunhas referidas, designadamente por residirem nas imediações, disseram conhecer o JJ... e os prédios descritos em F), os quais descreveram, sendo certo que não havia qualquer delimitação com marcos com o prédio rústico doado em 1981, existindo apenas um decline no terreno. A testemunha Carminda Lopes ( filha dos Autores A...s e esposa ) não depôs à matéria dos quesitos agora impugnados, e das demais testemunhas indicadas, António da Conceição Rosa ( a esposa é neta dos Autores A... e mulher ), José Antunes Rodrigues ( sobrinho de A... ), Jorge Garcia Rosa, Francisco Lopes ( genro de A... ) , Joaquim Garcia Rosa, colhe-se, em resumo, dos respectivos depoimentos, ainda que com algumas discrepâncias, que a Ré, para além de haver construído a Capela e Casa da Catequese no prédio doado em 1981, fez obras nos prédios identificados em F), tais como terraplanagem e construiu duas arrecadações, cujos custos não souberam precisar, situando-as há cerca de 5/7 anos atrás, não havendo lugar a qualquer intervenção no prédio urbano ( casa de habitação ). Numa primeira observação, e contrariamente ao preconizado pelos apelantes, dos depoimentos destas testemunhas resulta ter a Ré efectuado obras, nos prédios agora em disputa. Por outro lado, no relatório pericial ( fls.174 ) fez-se constar que as obras realizadas pela Ré no prédio urbano ( casa de habitação de José Críssimo) consistiram na construção de dois pequenos armazéns/arrecadações, cujo custo oscila entre 800 e 950 contos. É certo que aí não se alude a qualquer “reparação no telhado da casa de habitação no prédio urbano” ( cf. resposta ao quesito 17º ( 1ª parte )), mas o tribunal não estava impedido de dar como provado tal facto, pois a prova pericial, não sendo “tarifada “, é sempre apreciada livremente pelo tribunal juntamente com as restantes provas que foram produzidas sobre os factos que dela são objecto ( arts.389 do CC, 591 e 655 do CPC ), tanto mais que justificou a fundamentação nos depoimentos de outras testemunhas ( indicadas pela Ré ), bem como na inspecção judicial ao local. Acresce que os apelantes desconsideram os depoimentos das testemunhas Joaquim Gorgulho, Edite Freitas, Manuel Marques, Manuel Rodrigues e Maria Rosa Duarte, que, segundo a fundamentação exposta ( fls.278 a 280 ), foram determinantes para a convicção do tribunal sobre o conteúdo fáctico dos quesitos impugnados, por revelarem “ conhecimento pessoal e directo desses factos, tal como a necessária isenção “, e a inspecção ao local. Os apelantes alegam ter havido violação das regras de direito probatório, por considerarem que o documento nº3 ( junto na providência cautelar ) faz prova plena das respectivas declarações emitidas pelo falecido JJ..., não sendo admissível a prova testemunhal sobre tais factos, por imposição dos arts.393 nº1 e 394 nº1 do CC. Acontece que o único documento assinado pelo JJ... é o de fls.2 a 5 ( processo cautelar ) e reporta-se à declaração de bens apresentada em 28/12/65, para efeitos fiscais ( imposto sucessório), onde se indica como bem imóvel apenas uma casa de habitação e arrecadação, no sítio das Cabeças, com terra de semeadura e árvores de fruto. Para além de se ignorar se esse imóvel corresponde ao prédio urbano descrito na alínea F), ainda que se admita a identidade, o certo é que não assume directa pertinência com os quesitos impugnados, em sede de alteração da matéria de facto. Segundo a previsão a norma do art.646 nº4 do CPC, aplicada directa ou analogicamente, têm-se por não escritas as respostas à base instrutória sobre factos que só possam ser provados por documentos e os que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, estabelecendo-se, assim, limites de validade e atendibilidade das respostas à base instrutória e porque contende com as normas jurídicas do direito probatório, reconduz-se ainda a uma questão de direito, como decorre do art.722 nº2 do CPC. A interpretação do segmento normativo do art.646 nº4 - “as dadas sobre factos que só possam provar-se por documentos“ – tem subjacente um problema de direito probatório material, ou seja, quais os casos em que a lei exige determinado meio de prova para se poder provar certo facto, e está em consonância com o disposto no nº2 do art.665 do CPC, segundo o qual, “ quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada “, consagrando-se a chamada “ prova necessária “ ( cf. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol.III, pág.208 ). Segundo determinada jurisprudência, o referido segmento normativo do art.646 nº4 do CPC tem o seu campo de aplicação limitado aos documentos ad probationem, àqueles que são exigidos não para a validade do negócio, mas para a sua prova ( cf., por ex., Ac do STJ de 25/9/96, BMJ 459, pág.355 ). Ora, o documento de fls.2 a 5 apenas faz prova das declarações prestadas, e de modo algum contendem com as respostas aos quesitos impugnados, não funcionando logicamente a sanção prevista no art.646 nº4 do CPC. Improcede a impugnação da matéria de facto, mantendo-se intangível a descrita na sentença, mas com o aditamento da resposta ao quesito 9-A, a qual se discrimina agora na totalidade. 2.5. – OS FACTOS PROVADOS: 1) - O JJ... casou com LL... no dia 5 de Junho de 1965 sem escritura antenupcial ( A/ ). 2) - A LL... faleceu no dia 5 de Novembro de 1965 ( B/). 3) - A LL... faleceu sem deixar descendentes mas deixou vários irmãos e sobrinhos, autores nestes autos ( C/). 4) - O JJ... faleceu no dia 28 de Agosto de 1994 ( D/). 5) - No dia 18 de Julho de 1989 perante o Notário do Primeiro Cartório Notarial de Tomar, compareceram Edite dos Santos José de Freitas como procuradora de JJ... e José Júlio da Silva na qualidade de Presidente e em representação da Junta de Freguesia de II... e outorgaram a escritura cuja cópia se encontra a fls 18 a 23 dos autos de embargo de obra por apenso ( E/). 6) - A Edite dos Santos José de Freitas na referida qualidade de procuradora de JJ..., declarou que este era dono e legítimo possuidor com exclusão de outrém dos seguintes bens: - prédio urbano composto de casa de habitação, com a área de 75 m2 e logradouro com a área de 805 m2 inscrito na matriz sob o artº 1124 sito nas Cabeças, freguesia de II... e omisso na Conservatória do Registo Predial; - prédio rústico composto de terra de horta, citrinos, oliveiras, macieiras, vinha e figueiras com a área de 7 720 m2 inscrito na matriz sob o artº 60 secção J sito nas Cabeças freguesia de II... e omisso na Conservatória do Registo Predial ( F/). 7) - Mais declarou que o JJ... possui tais prédios em nome próprio há mais de 20 anos sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início, que a sua posse não estava titulada, mas era pública, pacífica e de boa fé, manifestando pela habitação na casa e pelo cultivo da terra, de forma ostensiva e com conhecimento de toda a gente, tendo-os adquirido por usucapião ( G/). 8) - Declarou ainda que o JJ... fazia doação de tais prédios à freguesia de II..., destinando-os a equipamento social e cultural, com reserva de usufruto simultâneo e sucessivo para si e para a sua mulher, Ângela da Conceição ( H). 10) - O José Júlio da Silva em representação da Junta de Freguesia de II... declarou aceitar a doação ( I/). 11) - Na Conservatória do Registo Predial de Tomar encontra-se descrito sob o nº 829/200290 da freguesia de II... o prédio urbano composto de casa de habitação com a área de 75 m2 e logradouro com a área de 805 m2 inscrito na matriz sob o artº 1 124 sito nas Cabeças ( J/). 12) - A propriedade sobre este prédio está registada em nome da ré Junta de Freguesia de II... pela apresentação nº 08/200290 por doação do JJ... ( K/). 13) - Na Conservatória do Registo Predial de Tomar encontra-se descrito sob o nº 830/200290 da freguesia de II... o prédio rústico composto de terra de horta, citrinos, oliveiras, macieiras, vinha e figueiras, com a área de 7 720 m2 inscrito na matriz sob o artº 60 secção J sito nas Cabeças ( L/). 14) - A propriedade sobre este prédio está registada em nome da ré Junta de Freguesia de II... pela apresentação nº 08/200290 por doação do JJ... ( M/). 15) - Após a realização da escritura, o JJ... continuou a habitar a casa de habitação e cultivar tais prédios, mas agora como usufrutuário dos bens doados à ré ( N/). 16) - À data do óbito da LL... (5 de Novembro de 1965) o JJ... já habitava no prédio urbano referido na alínea F) há mais de 20 anos (r.q.1º ). 17) - E cultivava a terra dos prédios colhendo os frutos ( r.q.2º ). 18) - Sem interrupção ( r.q.3º ). 19) - De forma exclusiva ( r.q.4º ). 20) - À vista de toda a gente do lugar ( r.q.5º ). 21) - Sem qualquer violência ( r.q.6º ). 22) - Ou oposição de quem quer que fosse ( r.q.7º ). 23) - Na convicção de que era dono de tais prédios ( r.q.8º ). 24) - E tal como era reputado por todas as pessoas vizinhas ( r.q.9º ). 25) – Os actos referidos nos quesitos 1º a 9º foram mantidos, pelo menos, até 18 de Julho de 1989 ( r.q.9-A ). 26) - Desde 30 de Março de 1981 a ré vem diligenciando pela construção e obras, designadamente uma capela, casa de catequese e mortuária e recinto inicial para festas em terreno doado pelo aludido JJ..., e a que alude a escritura de doação constante de fls 52 a 54 do apenso de ratificação judicial de embargo de obra nova, escritura essa cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e bem assim após 18 de Julho de 1989, um maior recinto de festas, um local de estacionamento para veículos automóveis e angariação de fundos e melhoramentos no lugar de Cabeças, a edificar nos prédios referidos na alínea F) ( r.q.10º). 27) - Em tais terrenos e prédios realizou terraplanagens e movimentos de terras com máquinas pesadas ( r.q.11º ). 28) - E iniciou a construção da Capela, da casa da Catequese, da sede da Comissão de Melhoramentos, da Associação Cultural das Cabeças e do Parque Automóvel e Recinto das Festas Populares de Verão ( r.q.12º ). 29) - Fê-lo com referência a cada uma de tais construções e obras, como se fosse a dona dos respectivos locais terrenos de construção e mediante acordo com o aludido JJ... enquanto ainda em vida deste ( r.q.13º ). 30) - À vista de toda a gente do lugar de Cabeças ( r.q.14º ). 31) - Sem oposição de ninguém ( r.q.15º). 32) - Com as obras realizadas nos prédios referidos na alínea F) a ré despendeu quantia total não concretamente apurada, sendo que a construção da dita Capela importou por sua vez em montante não inferior a 25 000 000$00 ( r.q.16º). 33) - Para além de ter efectuado reparação no telhado da casa de habitação no prédio urbano, o que custou montante não apurado, a ré suportou cerca de 950 000$00 com trabalhos de edificação nesse prédio – construção de dois armazéns / arrecadações que funcionam como sede da Comissão de Melhoramentos e da Associação Cultural das Cabeças ( r.q.17º ). 2.6. – 4ª QUESTÃO: Coloca-se a questão de saber, perante a factualidade apurada, a quem pertencem os prédios referidos na alínea F) – se à herança indivisa por óbito de LL... ( de que os Autores são herdeiros ) ou à Ré. Para os apelantes, face às respostas aos quesitos 1º a 9º, e uma vez que o JJ... era casado com a Alexandrina Rodrigues, no regime de comunhão geral de bens, os prédios descritos em F) fazem parte da herança indivisa aberta por óbito desta, dado que foram adquiridos, por usucapião, pelo falecido JJ..., ainda em vida da esposa. Daí que deles não podia dispor, sendo a doação nula, por se tratar de doação de bem alheio, já que não pertenciam em exclusivo ao doador. Por seu turno, a Ré reclama a propriedade dos bens, com base na usucapião e na acessão imobiliária. A sentença recorrida, ao decidir julgar a acção improcedente, acolheu a tese da Ré com a procedência da reconvenção ( pedido principal ), declarando ser proprietária do prédio, considerando válida a doação. Impõe-se referir, antes de mais, que a pretensão de ambas as partes situa-se no âmbito das acções de simples apreciação ( positiva e negativa ), pois nenhum pedido de condenação foi formulado. Por isso, a acção instaurada pelos Autores não é de reivindicação ( art.1311 do CC ), nem de petição de herança ( art.2075 do CC ), como foi qualificada pelos apelantes. A acção em que se pede que de declare nula uma escritura de justificação notarial ( acção de impugnação de justificação notarial ) é uma acção de simples apreciação negativa, pois o que os Autores verdadeiramente pretendem é a declaração judicial de inexistência do direito, nos termos invocados na escritura de justificação notarial. Na tipologia das acções, é hoje entendimento prevalecente que a acção de impugnação de justificação notarial se reconduz a uma acção de simples apreciação negativa ( cf., por ex., Ac STJ de 26/4/94, C.J. ano II, tomo II, pág.68, Ac RL de 15/5/97, C.J. ano XXII, tomo III, pág.85, Ac RC de 17/3/98, C.J. ano XXIII, tomo II, pág.22 ). Daqui decorre, em princípio, a aplicação do art.343 nº1 do Código Civil, impondo ao réu o ónus da prova dos factos constitutivos do direito afirmado na escritura impugnada, ou seja de que adquiriu o direito de propriedade exclusivo por usucapião. Mas como a Ré registou os prédios em seu nome, importa saber da relevância deste facto para efeitos do ónus da prova. Quando o registo é feito com base na escritura de justificação, têm-se adoptado duas teses: a) - Uma no sentido de que o regime especial prescrito no art.343 nº1 do Código Civil cede perante a força da presunção derivada do registo ( art.7º do Código de Registo Predial ), fazendo operar uma inversão do ónus da prova ( art.344 nº1 do Código Civil ). Nesta perspectiva, competiria aos Autores a prova de que não se verificou a causa de aquisição constante da escritura de justificação notarial, ou seja, de que não se verificou a usucapião a favor dos Réus ( cf., por ex., Ac STJ de 19/3/2002, www dgsi.pt/jstj, Ac RC de 25/11/97, C.J. ano XXII, tomo V, pág.23). b) – Outra defende que o registo efectuado com base na escritura de justificação não constitui, na acção de impugnação daquela escritura, presunção da propriedade (cf, por ex., Ac. do STJ de 3/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.114, Ac RC de 26/6/2000, C.J. ano XXV, tomo III, pág.35, de 23/4/2002, C.J. ano XXVII, tomo III, pág.33, de 16/11/04, em www dgsi.pt/jtrc ). Embora seja mais consistente esta segunda orientação, a verdade é que o registo teve por base, não propriamente a justificação notarial, mas a doação, pelo que é de aceitar a inversão do ónus da prova ( art.344 nº1 do CPC ). Por outro lado, os Autores formularam expressamente um pedido de simples apreciação positiva ( “declarar-se que os prédios identificados no art.1º da petição pertencem à herança indivisa por óbito de Alexandrina Maria Rodrigues “), logo estão onerados com a prova dos factos constitutivos do direito ( art.342 nº1 do CC ). Vejamos se o conseguiram. Em regra é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição derivada, por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas apenas translativa desse direito, a menos que se comprove que o direito já existia no transmitente, o que nem sempre é fácil, e daí que alguns autores a designem por “ probatio diabolica “. Ora, a prova do direito deve ser feita pelo autor, não bastando justificar a própria aquisição, sendo também necessário provar o “ dominium auctoris “ ou a usucapião, como forma de aquisição originária. Com efeito, a usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, cuja verificação depende de dois elementos: a posse ( corpus/animus ) e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. A posse, segundo a concepção subjectiva ( tese savignyana ) adoptada pela lei ( art.1251 do CC ) é integrada por dois elementos: o corpus ( elemento material ), que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzida no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício; e o animus, ou seja, a intenção de exercer sobre a coisa o direito real correspondente a esse domínio de facto. E, de acordo com a doutrina do Assento do STJ de 14/5/96 ( DR II de 24/6/96 ), “ podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa “. Sendo assim, a usucapião ( art.1287 do CC ) depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel e os caracteres da posse. Para conduzir à usucapião, a posse deve revestir duas características – ser pública e pacífica ( arts.1293 a), 1297 c) e 1300 nº1 do CC ). As restantes características ( ser de boa ou má fé, titulada ou não titulada, estar ou não inscrita no registo ) apenas relevam para a determinação do prazo da usucapião. Impõe-se determinar qual a lei aplicável, se o Código de Seabra ( 1867 ) se o actual, que entrou em vigor em 1 de Junho de 1967. É que tratando-se de situação jurídica criada no domínio do Código Civil de 1867 ( há mais de 20 anos, reportados a 5/11/65, ou seja, em 1945 ), os seus efeitos devem ser resolvidos no âmbito desse Código, por imposição do art.12 do Código Civil de 1966. Apenas no caso de haver alteração dos prazos, há que observar a regra do art.297 do CC/66, desde que o prazo ainda não se tenha completado. Provou-se que o JJ... praticou actos de posse contínua, pública e pacífica, sobre ambos os prédios, correspondentes ao direito de propriedade. A prática reiterada dos actos de posse ( não titulada) prolongou-se no tempo, – 20 anos, 6 meses e 26 dias ( no âmbito do Código de Seabra ) e 22 anos, 1 mês e 18 dias ( no Código actual ) - e na vigência do Código de Seabra a posse não titulada era sempre “ juris et de jure” de má fé, pelo que a prescrição aquisitiva só se consumava ao fim de 30 anos ( arts.476 e 529 ). Completando-se o prazo de 30 anos já na vigência do actual Código Civil, há que ver se é de aplicar a regra do art.297 sobre a alteração dos prazos, já que o prazo foi encurtado para 20 anos ( art.1296 ). Tendo a lei nova reduzido o prazo da usucapião, o art.297 determina ser este aplicável aos que estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar. O prazo iniciou-se em 1945 e o actual Código Civil entrou em vigor em 1 de Julho de 1967, logo pela lei antiga faltava apenas cerca de 9 anos e 6 meses para o prazo nela estabelecida ( 30 anos ) se completar, e sendo este inferior ao da lei nova ( 20 anos ), é aplicável aqui aquele, que se mostra consumado, à data da citação ( arts.552 nº2 do CC 1867 e arts.1292 e 323 nº1 do CC 1966 ). Resta ainda saber se na usucapião o direito se adquire no momento em que se inicia a posse ou naquele em que se consuma o prazo, o que não é indiferente para a comunicabilidade dos bens à Alexandrina Rodrigues. Muito embora o Código de Seabra não tenha uma disposição idêntica à do art.1288 do CC/66, era já este o entendimento doutrinário, ao considerar como momento de aquisição da propriedade o do início da posse ( cf. P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol.III, 2ª ed., pág.66 ). Comprovando-se que o JJ... casou com a Alexandrina Rodrigues em 5/6/65, sem escritura antenupcial ( cf. certidão de fls.7 do processo cautelar ), logo segundo o regime então supletivo de comunhão geral de bens, os prédios, por si usucapidos, ingressaram no património comum do casal, enquanto “propriedade colectiva”, ou “comunhão de mão comum”. A entrada destes bens na massa comum opera-se, conforme elucida PEREIRA COELHO, através de uma aquisição individual e uma comunicação subsequente – “ Em primeiro lugar o cônjuge a quem respeita o respectivo título de aquisição adquire individualmente os bens de que se trata e em segundo lugar comunica os mesmos bens ao seu cônjuge “ ( Curso de Direito da Família, pág.506 ). Por conseguinte, a primeira conclusão a retirar é a de que esses prédios faziam parte do património comum do casal, ou seja, eram bens comuns e não próprios. Ora, o património comum do casal, sendo um património colectivo ( comunhão de mão comum ), não confere a nenhum dos titulares, nem direitos sobre coisas certas e determinadas, nem direito a uma quota sobre qualquer dessas coisas ( cf. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol.1º, pág.224, MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, pág.240 ). Ou seja, os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, e pertence aos dois cônjuges, podendo dizer-se que os dois são titulares de um único direito, o que significa que marido e mulher não têm qualquer fracção de direito que lhes corresponda individualmente e de que, como tal, possam dispor e também individualmente, não podem dispor da sua posição em face do património comum por acto “inter vivos”. A LL... faleceu no dia 5 de Novembro de 1965, sem deixar descendentes, mas deixou vários irmãos e sobrinhos, autores nestes autos. Como os direitos que dimanam da sucessão se regulam pela lei vigente ao tempo da sua abertura, é aplicável aqui o Código de Seabra, sendo herdeiros apenas os Autores e já não o JJ... ( art.2000 ), que apenas é meeiro, dado o regime de bens. A transmissão dos domínio da herança para os herdeiros dá-se desde a morte do autor dela, cujo direito é indivisível enquanto a partilha se não fizer ( arts. 1737, 2011 e 2015 do CC 1867 ). Dissolvido o vínculo conjugal, por óbito da esposa Alexandria, o património comum degenera em comunhão ou compropriedade do tipo romano, podendo então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou pedir a divisão da massa patrimonial através da partilha, enquanto negócio certificativo, de carácter declarativo, destinado a tornar certa uma situação anterior, com a concretização em bens certos e determinados. Os herdeiros são titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha; até à partilha tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados, sobre uma quota ideal, não de cada um dos bens que constituem a herança. Ao cônjuge sobrevivo assiste o direito de receber a sua meação do património colectivo, mas a meação e a herança não se confundem, já que a titularidade daquela constitui um direito próprio relacionado com o vínculo conjugal, e a desta com o fenómeno sucessório, pese embora o preenchimento da meação seja feito ao mesmo tempo que a partilha dos bens que constituem a herança do cônjuge falecido. Sendo assim, fácil é de ver que o JJ... não podia dispor dos bens, através da doação, sem consentimento dos autores. A sanção adequada, segundo a orientação doutrinária e jurisprudencial dominantes, não é a da nulidade, mas a da ineficácia da doação relativamente aos Autores, operando “ ipso iure “, nos termos do art.1408 nº2, aplicável a outras formas de comunhão, por força do art.1404 do CC ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, RLJ ano 122, pág.243, VAZ SERRA, RLJ ano 106, pág.26, e RLJ ano 112, pág.146, BAPTISTA LOPES, Do Contrato de Compra e Venda, pág.141 ). Por conseguinte, terá de proceder o pedido dos Autores quanto à ineficácia da doação, pois apesar dos Autores haverem pedido a nulidade da doação, nada obsta a que o tribunal declare a sua ineficácia, sem que ocorra violação do art.661 nº1 do CPC ( cf., em situação similar, ANTUNES VARELA, RLJ ano 122, pág.255 e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº3/2001 de 23/1/01, DR I-A, de 9/2/01 ), bem como o pedido se simples apreciação positiva ( “ Declarar-se que os prédios identificados nos art.1º da petição pertencem à herança indivisa por óbito de Alexandrina Maria Rodrigues” ), a menos que se demonstre que a Ré adquiriu os prédios por usucapião ou acessão imobiliária. Se a Ré adquiriu os prédios descritos em F) por usucapião: Provou-se que, após 18 de Julho de 1989, a Ré realizou terraplanagens e obras nos prédios, como se fosse dona dos mesmos, mediante acordo com o JJ..., à vista de toda a gente do lugar das Cabeças, sem oposição de ninguém. Tais factos consubstanciam actos de posse, pública e pacífica, idóneos à usucapião, mas há que indagar das suas características para se aferir do prazo legal da usucapião. Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio ( art.1259 do CC ). Isto significa que a posse é titulada quando assente num acto susceptível de, em abstracto, constituir ou transferir o direito real que lhe corresponde, ainda que em concreto a constituição e transferência se não tenha operado, designadamente por o transmitente não ter o direito que se arrogava, pois “ modo legítimo de adquirir “ não quer dizer válido e muito menos procedente (cf., por ex., HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, 1967, pág.90, ORLANDO DE CARVALHO, RLJ ano 122, pág.263 e 264 ). Muito embora a doação seja ineficaz em relação aos Autores, como já se anotou, ela consubstancia um modo abstracto de transferir o direito de propriedade, ou seja, por haver reserva de usufruto, a nua propriedade. Sendo assim, a posse apresenta-se como titulada, logo presuntivamente de boa fé ( art.1260 nº2 do CC ), e não havendo registo da mera posse, o prazo da usucapião é de 15 anos ( art.1296 do CC ). Como relativamente aos prédios em disputa a posse se iniciou em 18 de Julho de 1989, verifica-se que, à data da notificação da reconvenção (7/11/00), ainda não se completara. Por outro lado, não há aqui lugar à acessão na posse, nos termos do art.1256 do CC, donde a Ré não pode juntar à sua posse a do JJ..., relevante para efeitos de contagem do tempo (da anterioridade da posse ), visto pressupor, além do mais, um vínculo jurídico, válido e eficaz, entre o novo e o anterior possuidor, através do qual a situação possessória tenha sido regularmente transmitida ( cf., por ex., MANUEL RODRIGUES, A Posse, 3ª ed., pág.252 e 253 ), que aqui não ocorre, face à ineficácia da doação. Como explicita DURVAL FERREIRA, “ o possuidor actual só poderá juntar “ à sua posse “ a posse do antecessor ( acessão, artigo 1256 ) para efeitos de completar o tempo de posse necessário que lhe faculte a aquisição do direito respectivo por usucapião – se “ na relação de conflito com o antecessor, proprietário-possuidor”, ou na relação de conflito com um subsequente ( legítimo) adquirente do direito deste, entre as duas pessoas existir um vínculo jurídico capaz de permitir a acessão e se esse vínculo for juridicamente válido e eficaz, no âmbito desse conflito e na perspectiva da transmissão válida para o possuidor do respectivo direito “ ( Posse e Usucapião, 2ª ed., pág.247 ). Se a Ré adquiriu os prédios descritos em F) por acessão industrial imobiliária: Vejamos, por fim, se a Ré adquiriu os prédios por acessão industrial imobiliária, com que erigiu o pedido reconvencional subsidiário. A acessão industrial imobiliária, enquanto modo de aquisição do direito de propriedade, exige aqui a comprovação dos requisitos do art.1340 do CC ( a construção de uma obra; a sua implantação em terreno alheio; a formação de todo único entre o terreno e a obra; o valor de um e de outro e a boa fé na conduta do autor da obra ), a cargo da Ré, por se tratar de factos constitutivos do direito ( art.342 nº1 do CC ), mas que não logrou demonstrar. Ainda que a Ré tenha feito obras nos prédios descritos em F), na qual se devem integrar também as terraplanagens ( cf., Ac RP de 4/6/02, www dgsi.pt ), a verdade é que nem sequer alegou o valor real dos terrenos, antes da incorporação, elemento indispensável para se aferir do “ valor acrescentado”. É que o aumento do valor em consequência das obras deve ser apurado pelo valor real de todo o terreno antes das obras e o valor da mesma totalidade face à incorporação, ou seja, o “ valor acrescentado “ não se confunde com o valor dos materiais ou da obra, mas o dado pela diferença entre o da nova realidade económica resultante da incorporação e aquele que o prédio tinha antes. Daí que, a propósito do “ valor acrescentado “, advirta o Cons. QUIRINO SOARES ( “Acessão e Benfeitorias”, C.J. ano IV, tomo I, pág.23 ), serem “ insuficientes as petições iniciais, fundamentadas na disciplina do art.130, que se limitam a alegar o valor dos actos materiais antes da incorporação, o do prédio, antes destes e a comparar um e outro desses valores “ (… ), pois “ (… ) o que interessa alegar ( no articulado ) e quesitar ( no arbitramento ) é o valor da nova realidade predial resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes dela; a diferença entre esses dois valores dará ao julgador a medida do valor acrescentado que é necessária à determinação do beneficiário da acessão “. Para além disso, crê-se que também faltaria o requisito da boa fé, dado que integrando-se os prédios em regime de comunhão, a autorização teria que ser dada por todos os consortes e não apenas pelo JJ..., ainda em vida deste (cf. r.q.13º ) ( cf., por ex., P.LIMA/A.VARELA, Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., pág.164 e 165, e Ac do STJ de 8/6/99, www dgsi.pt ). Não tendo a Ré comprovada a aquisição do direito de propriedade sobre os prédios descritos em F), tanto por usucapião, como por acessão industrial imobiliária, ela apenas beneficia da presunção do registo ( art.7º do CRP ), mas que aqui não é oponível aos Autores. Em primeiro lugar, porque tendo os prédios sido adquiridos por usucapião pelo JJ..., mas comunicando-se à então sua esposa Alexandrina, prevalece sobre a presunção derivada do registo ( art.1268 nº1 do CC ). Como ensina OLIVEIRA ASCENÇÃO “ é preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta, como resulta cabalmente do art.º 7.º n.º 2 al. a) (anterior redacção do CRP), em nada é afectada pelas vicissitudes registais; vale por si. Por isso, o que se ficou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes, mas nada pode contra a usucapião “ ( Direitos Reais, pág.413 ), posição que vem sido adoptada pela jurisprudência ( cf., por ex., Ac do STJ de 16/6/83, BMJ 328, pág.546, de 3/6/92, BMJ 418, pág.773, de 3/2/99, BMJ 484, pág.384 ). Em segundo lugar, porque sendo ineficaz o acto ( doação ) que serviu de base ao registo, há uma clara incompatibilidade com a manutenção deste, a justificar o preceituado no art.8º do CRP ( pedido de cancelamento ). Procede a apelação, impondo-se revogar a sentença recorrida e consequentemente julgar improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida.2) Declarar que os prédios identificados no art.1º da petição pertencem à herança indivisa por óbito de Alexandrina Maria Rodrigues.3) Declarar ineficaz a doação constante da escritura pública de 18 de Julho de 1989, exarada a fls 11 a 14 do Livro 97-D do 1º Cartório Notarial de Tomar.4) Ordenar o cancelamento de todos os registos efectuados com base na escritura de doação, nomeadamente o registo e descrição nº00829/200290 da Freguesia de II..., bem como os registos feitos posteriormente.5) Julgar improcedente a reconvenção e absolver os Autores dos pedidos reconvencionais.6) Sem custas da apelação, por a Ré estar isenta, sendo as da 1ª instância suportadas pelos Autores, na proporção de 20%. |