Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
623/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: ESCUSA
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 03/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: ESCUSA
Decisão: CONCEDIDA A ESCUSA
Legislação Nacional: ARTº. 43ºDO C. P. PENAL
Sumário: É motivo de escusa o facto de o juiz, que teve intervenção num julgamento, ter sido transferido para outro tribunal que passou a ter competência para efectuar a repetição desse julgamento na sequência de reenvio ordenado por tribunal superior.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Coimbra:
I-
1.1- Pelo colectivo de juizes do 1º Juízo Criminal de Leiria, o arguido A... foi condenado na pena de 4 anos de prisão por crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL. n.º 15/93, de 22/1.
Interposto recurso pelo arguido, o STJ determinou o reenvio do processo para novo julgamento «relativamente à questão do destino [visado pelo arguido ] das drogas apreendidas e da quantidade de princípio activo nelas contido».
1.2- Cabendo, na primeira instância, ao juiz que presidiu ao primeiro julgamento a presidência do novo julgamento a efectuar, a saber o Senhor Juiz de Leiria Dr. B..., vem este pedir a escusa da sua intervenção no colectivo de juizes invocando “ter firmado a convicção segura da efectiva autoria dos factos por parte do arguido e da culpa do mesmo nos termos expressos no acórdão relatado, circunstância susceptível de comprometer a imparcialidade do julgamento”.
2- Deu-se ao arguido a oportunidade de se pronunciar sobre o pedido de escusa.
3- Nesta instância o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do deferimento da pretensão apresentada.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II-
1.1- - Alei admite que juiz chamado a intervir em julgamento possa pedir a sua escusa quando houver risco da sua intervenção ser considerada por suspeita por existir motivo adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, desde que se trate de motivo sério e grave.
Esclarece a mesma lei que pode constituir fundamento de escusa a intervenção do juiz em fase(s) anterior(es) do processo, fora dos casos em que essa intervenção constitua fundamento de impedimento.
1.2- O Sr. Juiz teve intervenção no primeiro julgamento no qual o colectivo de juizes, por unanimidade, se pronunciou pela prática do crime de tráfico previsto no art.º 21º do DL. n.º 15/93, de 22/1.
Como se refere em Acórdão de 26/5/2004 do STJ ( cfr. CJ- STJ, 2004,2,202) no caso de reenvio do processo para novo julgamento, a razão de ser da desafectação da jurisdição do tribunal que proferiu o acórdão anulado é a de garantir que o novo julgamento seja efectuado por órgão jurisdicional diferente, naturalmente com uma composição humana também distinta.
Ou seja, a nosso ver, ao determinar o reenvio o legislador terá tido em vista assegurar que a nova decisão fosse totalmente independente de perspectivas já precipitadas por anteriores percepções dos julgadores.
Com o desaforamento o legislador terá querido obter um novo juízo ou decisão sem qualquer dependência, ainda que inconsciente, da anterior envolvente da decisão anulada.
Neste desiderato, nada melhor do que uma composição do colectivo de juizes totalmente diferente da anterior.
É certo que sendo o novo julgamento efectuado por diferente tribunal, estará -, em princípio -, assegurado que a nova decisão seja proferida por órgão jurisdicional de diferente composição. Só que nem sempre tal acontece.
Não se pretende com isto afirmar um juízo de ilegalidade ou de incons-titucionalidade nas situações em que o novo colectivo integre elemento que compôs o colectivo do anterior julgamento. Não seria , então , caso de recusa ou de escusa mas de impedimento.
O que se pretende deixar claro é, tão só, que admitindo a lei requerimento de recusa ou pedido de escusa de participação no novo julgamento de juiz que interveio no julgamento anterior, haja a abertura suficiente para aceitar sem grandes reservas a pretensão apresentada, viabilizando-se a optimização das condições em que deva processar-se o novo julgamento.
Ou seja, o tribunal chamado a decidir o incidente deve admitir sem grandes pruridos o risco de suspeição sobre a imparcialidade do julgador naqueles casos em que é o próprio a afirmar encontrar-se afectado por pré-juízos quanto ao crime cometido.
A imparcialidade do juiz pode ser vista numa perspectiva tanto objectiva como subjectiva. Na perspectiva subjectiva importa conhecer o que o juiz pensava no seu foro íntimo em determinada circunstância; esta imparcialidade presume-se até prova em contrário [Cfr. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Coimbra editora, 2ª ed., pág.154].
Assim, a inexistir anterior suspeição, ela ter-se-á por certa a partir do momento em que quem é chamado a julgar se afirma portador dum tal estado de espírito...
A seriedade e gravidade do motivo a que a lei faz apelo, advém do melindre da causa e do inerente risco duma nova decisão que viabilize a condenação do arguido em pena tão gravosa como a que lhe fora imposta no primeiro julgamento.
É certo que a jurisprudência deste tribunal não tem sido neste ponto uniforme. Mas há também a ponderar que a uniformidade de soluções nem sempre é sinónimo de melhor justiça, já que cada caso apresenta cambiantes que lhe conferem especificidades motivadoras de divergentes soluções.
III-
Decisão –
Termos em que se defere o pedido de escusa, devendo o colectivo integrar substituto legal do impetrante.
Sem custas.
Coimbra,