Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS RICARDO | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA AÇÃO EXECUTIVA FUNÇÕES DO AGENTE DE EXECUÇÃO IMPULSO PROCESSUAL | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 281.º, N.º 5, 719.º, N.º 1, E 749.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – O impulso processual no âmbito da acção executiva cabe, via de regra, ao agente de execução, a quem incumbe efectuar todas as diligências que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz (art. 719º, nº1, do C.P.C.).
II – Sendo as funções do agente de execução desempenhadas por oficial de justiça, cabe a este a tramitação do processo nos precisos termos que incumbiriam ao agente de execução. III – Para que exista deserção da instância é necessário que o exequente, estando obrigado a praticar um acto do qual dependa o andamento ou tramitação do processo executivo, omita a prática do mesmo (art. 281º, nº5, do C.P.C.). IV – Não se enquadra no regime previsto no art. 281º, nº5, do C.P.C. a situação em que os autos não são impulsionados por um período superior a seis meses após o exequente ter sido notificado de que tinha sido levantada determinada penhora e que o processo ficava a aguardar que o mesmo promovesse os respectivos termos. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO.
Na acção executiva que A..., LDA., move contra AA, foi proferido despacho, em 21/2/2024, que declarou deserta a instância por falta de impulso processual, sendo que, paralelamente, foi indeferido um requerimento da exequente onde é pedida a suspensão da execução.
** Não se conformando com a decisão proferida, a exequente interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
(…).
Não foram apresentadas contra-alegações.
*** Questões objecto do recurso:
- Suspensão da instância executiva em virtude de se encontrar pendente uma causa prejudicial; - Deserção da instância por falta de impulso processual.
*** II – FUNDAMENTOS.
2.1. Factos provados.
Com interesse para a decisão do presente recurso, importa considerar a seguinte tramitação processual, ocorrida na acção executiva supra identificada: 1 – Em 5 de Maio de 2003, a ora recorrente instaurou uma execução sumária para pagamento de quantia certa contra o ora recorrido, que se encontra pendente no Juízo de Execução de Ansião sob o nº2816/14.... [1], com base numa sentença proferida na acção ordinária que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria sob o nº 481/2001. 2 – A 2/3/2022, procedeu-se à penhora do quinhão hereditário que o executado detinha na herança ilíquida e indivisa por óbito da sua mãe BB. 3 – Em 30/3/2023, foi proferido despacho que determinou o levantamento da penhora supra aludida, 4 – Em 3/4/2023, foi expedida notificação a dar conhecimento à exequente do teor do referido despacho. 5 – Não tendo sido apresentado qualquer requerimento na sequência da aludida notificação, a 1ª instância, em 24/5/2023, proferiu o seguinte despacho: “ Notifique a Exequente para impulsionar os autos, sem prejuízo do artigo 281º, n.º5 do C.P.C. (…)”. 6 – Em 25/5/2023, foi expedida notificação a dar conhecimento à exequente do despacho referido em 5. 7 – Em 27/1/2024, a exequente apresentou um requerimento com o seguinte teor: “A..., LDA., contribuinte n.º ...98, com sede em ..., ... ..., exequente nos autos à margem referenciados tendo sido notificada da possibilidade de deserção da instância vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: No processo supra referenciado em 29.06.2012 foi penhorada a quota hereditária que o executado detinha na herança aberta por óbito do pai.
Em 06.02.2022 na sequência da exequente ter tomado conhecimento que a mãe do executado tinha falecido e que tendo em conta o tempo decorrido, a quota hereditária do executado que estava penhorada era insuficiente para liquidação da quantia exequenda, juros e custas, a exequente requereu a penhora do direito à herança por óbito da mãe do executado. Em 30.06.2022 o executado foi notificado da penhora do direito à herança que o mesmo possui na herança aberta por óbito de sua mãe. E na sequência disso no dia 08.07.2022 o mesmo veio juntar ao processo de execução uma escritura publica celebrada em 02.10.2018 onde o mesmo diz ter cedido o seu quinhão hereditário por óbito de sua mãe ao seu irmão. Na sequência disso, o Tribunal em 30.03.2023 ordenou o levantamento da penhora sobre o quinhão hereditário por óbito da mãe do executado por esta já não pertencer ao devedor aquando da penhora Acontece que, esta venda ocorreu já apos a instauração da execução.
Pelo que, a exequente em 31.12.2022 instaurou ação de impugnação pauliana contra: o executado e contra o seu irmão CC e mulher do irmão DD. Ação esta que corre termos sob o n.º 5151/22.... do Juiz ... do Juízo local Cível de Leiria e onde a aqui exequente requereu que: 1º- Seja declarada ineficaz em relação à exequente a cessão a título gratuito do quinhão hereditário feita pelo executado a CC e DD através de escritura publica celebrada em 02.10.2018; 2º- Seja declarado que a exequente tem o direito a executar os bens pertencentes ao quinhão hereditário no que for necessário para satisfazer completamente o seu crédito, conforme cópia da p. i. que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos. – Doc. n.º 1. Esta Acão de impugnação pauliana já se encontra registada conforme se pode verificar pela certidão permanente que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos. – Doc. n.º 2. Face ao exposto, da penhora do quinhão hereditário que o executado detinha na herança ilíquida e indivisa por óbito da sua mãe EE está dependente da decisão que vier a ser proferida no processo de ação de impugnação pauliana. Ora, em face de tudo o supra exposto, no entender da aqui requerente não faz qualquer sentido prosseguir com a venda do quinhão hereditário por óbito do pai do executado, quando este se revela insuficiente à liquidação da quantia exequenda, juros e custas. Venda esta, inclusive que será mais difícil de concretizar, até porque sobre os imoveis que compõe o quinhão hereditário está atualmente registada a ação de impugnação pauliana instaurada. E, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 272º do CPC: “1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.” Pelo que, deve a presente execução ser suspensa, até que seja proferida decisão na ação de impugnação pauliana, o que a exequente desde já aqui requer expressamente e para todos os legais efeitos.”. 8 – No período que decorreu entre a notificação aludida em 6 e a apresentação da peça processual descrita em 7 a exequente não formulou qualquer requerimento. 9 – Em 21/2/2024, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Conforme refere a Exequente, em 30.03.2023 o Tribunal ordenou o levantamento da penhora sobre o quinhão hereditário por óbito da mãe do executado por esta já não pertencer ao devedor aquando da penhora, logo, entende-se que não sentido os presentes autos aguardarem o desfecho de uma decisão relativamente a um bem que já não se mostra penhorado à ordem dos presentes autos. Termos em que, se indefere o pedido de suspensão da execução formulada e atenta a falta de andamento processual dos autos após a prolação do despacho proferido em 24.05.2023, notificada à Exequente em 25.05.2023, considera-se automaticamente deserta a instância executiva, por força do disposto no art.º 281.º, n.º 5 do nCPC. Notifique e comunique ao Ex.mo Sr. Agente de Execução.
Oportunamente, arquivem-se os autos. Custas pela exequente, fixando-se à acção o valor da execução.”
*** 2.2. Enquadramento jurídico.
O despacho recorrido, como resulta do respectivo teor, considerou que a exequente não impulsionou os autos supra referenciados na sequência da notificação ordenada no despacho referido no ponto 5 dos factos provados, despacho esse que parte do pressuposto que incumbia à recorrente promover os termos da acção executiva em apreço [2]. No mesmo despacho, como já se mencionou, foi ainda indeferido um requerimento da exequente onde era pedida a suspensão da execução, por se entender, contrariamente ao entendimento defendido pela recorrente, que a pendência do processo declarativo a que a mesma faz referência não constitui uma causa prejudicial em relação ao processo executivo. Analisemos, pois, a problemática que a recorrente suscita, face ao quadro vigente e atenta a tramitação ocorrida no processo executivo em causa. ** Suspensão da instância executiva.
Como é sabido, o regime da suspensão da instância, na nossa lei processual civil, encontra-se regulado no art. 272º do C.P.C., norma que apresenta a seguinte redação “1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens
3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância. 4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.”.
No que ao caso diz respeito, a apelante defende ser aplicável o nº1 do citado artigo 272º, sendo certo, deve desde já adiantar-se, que existe um segmento da norma que tem unicamente em vista procedimentos de natureza declarativa, já que a referência à “decisão da causa” apenas faz sentido nesse âmbito [3]. Poderá entender-se que ocorre um motivo justificado (segunda parte do nº1 do art. 272º) que justifica a suspensão da instância ?
Não cremos. Com efeito, a impugnação pauliana que a exequente promoveu com vista a impugnar um acto de transferência patrimonial praticado pelo executado não tem qualquer implicação no desfecho da acção executiva em curso, quer do ponto de vista processual, quer substantivo. Caso a acção declarativa instaurada pela apelante venha a ser julgada procedente, a consequência será a ineficácia da venda do quinhão hereditário que se encontrava na titularidade do executado, podendo, neste caso, a recorrente instaurar uma execução contra o adquirente do bem em causa (art. 616º, nº1, do Código Civil [4]), execução que terá plena autonomia em relação aos presentes autos. Atentos os motivos expostos, afigura-se correcta a decisão do Tribunal recorrido no sentido de que não se justificava a suspensão da instância executiva, pelo que cumpre analisar a segunda questão suscitada nos autos e que diz respeito à inércia da exequente em promover os termos da acção executiva.
** Deserção da instância.
No domínio do Código de Processo Civil de 1961 (diploma que vigorou até à entrada em vigor da Lei nº41/2013, de 26 de Junho [5]) não existia uma norma que se ocupasse, especificamente, da deserção da instância no processo executivo, havendo apenas um preceito que, em termos genéricos, regulava a deserção, quer no domínio da acção declarativa, quer no domínio do processo de execução. Trata-se do art. 291º, nº1 [6], embora – e este aspecto também constitui uma diferença ao nível dos regimes sucessivamente vigentes – a deserção dependesse, sempre, de uma prévia interrupção da instância [7]. A deserção da instância também não dependia de despacho judicial, regime que, nesta parte, foi transposto para o actual Código, no que diz respeito à acção executiva [8]. Com efeito, o art. 281º, nº5, do actual Código prescreve que “No processo de execução considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”. Terá a exequente omitido, de forma negligente, a prática de um acto do qual dependia o prosseguimento dos autos ? No caso concreto, não se afigura que tal tenha sucedido, pelas razões que, sumariamente, indicamos. Em primeiro lugar, deve recordar-se – e este aspecto é fundamental para compreender a problemática que analisamos – a acção executiva não depende, em regra, do impulso da parte, neste caso da exequente, para a prática dos actos que integram a respectiva tramitação, ou seja, quem está obrigado a desenvolver um conjunto de diligências com vista a alcançar o objectivo que este tipo de acções pressupõe (cobrança coerciva de um crédito), é o agente de execução ou, como sucede no caso vertente, o oficial de justiça [9]. Este regime resulta do art. 719º, nº1, do C.P.C., o qual dispõe que “Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.”. Em segundo lugar, ainda que se admita que o exequente deva colaborar com o agente de execução/oficial de justiça no sentido de serem praticados os actos que melhor se adequem aos fins que que se pretendem atingir com o processo [10], não se vislumbra, face à notificação que resulta do despacho mencionado no ponto 5 dos factos provados, que tipo de colaboração a ora apelante devia prestar. Com efeito, foi dado conhecimento à exequente de que tinha sido determinado o levantamento da penhora sobre determinado bem, sendo a mesma posteriormente notificada para impulsionar os autos, sob pena de deserção. Ora, procedendo-se ao levantamento da penhora em apreço, incumbia ao oficial de justiça encarregado da tramitação dos autos efectuar pesquisas, junto das competentes bases de dados, com vista a identificar ou localizar outros bens penhoráveis, ao abrigo do disposto no art. 749º, nº1, do C.P.C. [11]. E não recaindo sobre a exequente a obrigação de encetar diligências com vista a impulsionar o processo em, não é correcto o despacho referido no ponto 5, dado que faz recair sobre a exequente uma obrigação que não resulta do quadro normativo vigente. Conforme se salientou no Acórdão da Relação de Lisboa de 12/1/2023 (disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2023:13761.18.1T8LSB.L2.2.45/ ) “Não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual.”. Pelos motivos expostos, não existindo motivos para ser declarada deserta a instância, o presente recurso, nessa parte, merece provimento, devendo decidir-se em conformidade. *** III – DECISÃO.
Nestes termos, decide-se: a) Julgar improcedente o recurso no que diz respeito à suspensão da instância, confirmando-se, neste segmento, o despacho recorrido; b) Julgar procedente a apelação, embora com fundamentos diversos, no que se refere à deserção da instância e, em consequência, revogar, nessa parte, a decisão recorrida.
** Custas pela recorrente, na proporção de 50%. Coimbra, 8 de Outubro de 2024 (assinado digitalmente) Luís Manuel de Carvalho Ricardo (relator) Cristina Neves (1ª adjunta) António Domingos Pires Robalo (2º adjunto)
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