Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
344/04.2GAMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: CRIME DE RECEPTAÇÃO
RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
PROVA DIRECTA E PROVA INDICIÁRIA
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 14º, 212º DO CP; , 32º DA CRP 127º,412º E 428º DO CPP.
Sumário: 1.A violação do princípio do in dúbio pro reo pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando da decisão decorrer de forma evidente que o tribunal na dúvida decidiu contra o arguido.
2.O recurso da matéria de facto é remédio a aplicar a pontos manifestamente mal julgados ou porque não assentam em qualquer prova por inexistência de dados objectivos em que se apoie a motivação, ou porque os existentes não lhe servem de suporte ou até a contrariam, ou porque se violaram regras legais na aquisição desses dados objectivos. Em suma, quando se suscitam sérias dúvidas sobre a correcção da decisão à luz da prova produzida conjugada com as regras da experiência comum.
3.A decisão de facto só deve ser alterada quando seja evidente que as provas a que se faz referência na fundamentação não conduzem à decisão impugnada.
4.A prova necessária para a convicção do julgador não reside tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos. Como não reside na sua natureza directa ou indirecta.
5.O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária de que se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova indiciária lhe mereça valorar preferencialmente a prova indiciária podendo esta só por si conduzir à sua convicção. As presunções judiciais não sendo meios de prova são raciocínios lógicos firmados em regras de experiência, de que o julgador se serve na descoberta da verdade.
6. No caso, confrontados os depoimentos prestados com a motivação inserta no acórdão recorrido, não vemos que haja de alterar-se o decidido. O tribunal, apoiando-se nas provas ínsitas no processo nomeadamente nos depoimentos prestados, não credibilizou as declarações do recorrente e servindo-se de raciocínios lógico/indutivos conjugados com as regras da experiência concluiu que o recorrente praticou os factos ora impugnados.
Decisão Texto Integral: 19

Acordam na Secção Criminal de Coimbra –
I –
1- No processo comum … do 1º Juízo do tribunal judicial de Mangualde, G. foi, entre outros arguidos No mesmo processo foram também condenados J…pela prática dum crime de receptação, na forma tentada, com referência aos dois veículos T.... D...., p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs art.22º, nº1 e 2, 23º, nº2, 73º, nº1, al. c), 231º, nº1, todos do C. Penal, na pena de 150 dias de multa; e W... e E…prática, sob a forma de co-autoria material, de um crime de receptação, na forma consumada, com referência aos dois veículos T.... D...., p. e p. pelo art.231º, nº2, do C. Penal, na pena individual de 100 dias de multa.

, condenado na pena única de 500 dias de multa, à taxa diária de €10, resultante do cúmulo jurídico das penas de 300, 200 e 250 dias de multa pela prática, respectivamente, dum crime de receptação, dum de falsificação e dum outro de receptação tentada, p. e pp. pelos art.ºs 231/1 e 256/1 alínea c) e nº3, 22/1 e 2, 23/2, 73/1 alínea c) e 231/1 todos do C. Penal.
Foi ainda condenado a pagar ao demandante AL quantia a liquidar como prejuízos decorrentes da privação da utilização por este do seu veículo M.... de matrícula …..-MI
2- O arguido recorre concluindo –
1) O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo do crime de receptação e outro de falsificação ambos na forma consumada com referencia ao veiculo M...., Modelo L...., nas penas respectivamente de 300 e de 200 dias de multa.
2) Foi ainda condenado pela prática do crime de receptação, na forma tentada, com referência aos dois veículos T.... D...., na pena de 250 dias de multa. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 500 dias de multa
3) Está erradamente julgada a matéria de facto nos pontos 3) a 12) inclusive da sentença e nos pontos 26), 32), 33), 34), 36), 37), 40) e 41) da matéria de facto apurada.
4) Estão erradamente julgados, porquanto em relação a todos eles nenhuma prova foi feita em audiência –, conforme se pode constatar através da audição do CD que documenta a prova realizada.
5) Tal significa que a decisão violou as regras da prova, nomeadamente as ínsitas no artigo 127 do CPP, para poder considerar provada tal matéria.
6) Tal violação impõe a revogação do acórdão condenatório e consequente absolvição do recorrente pela prática dos crimes por que foi condenado.
7) Sempre que o tribunal tenha dúvidas quanto a responsabilidade criminal do agente, deve decidir no sentido mais favorável àquele, aplicando o principio «in dubio pro reo», o que não fez e por conseguinte violou os artigos 231/1, 22/1 e 2, 23/2 e 256/1 e 3, todos do C P Penal; e ainda o art.º 32/2 da Lei Fundamental
3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso, no que é secundado em douto parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1- Factos provados e sua fundamentação constantes do acórdão recorrido –
a) Factos provados
Da M.... L 200 de matricula …..-MI -
1) Na noite de 3 para 4 de Agosto de 2004, pessoa não concretamente apurada retirou da garagem colectiva do prédio, sito na praceta...., o automóvel ligeiro de mercadorias de matricula ….-MI. da marca M...., Modelo L ...., com o motor n.º0D00AH0000, quadro n.ºXXXXXX, de cor preta e prateada (foto fls.113), pertencente a AL, levando consigo aquele veiculo.
2) Ao retirar e levar consigo aquele veiculo, então com o valor de cerca de 16.000€, aquela pessoa pretendia fazê-lo seu, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que actuava sem autorização e contra a vontade do dono daquele veiculo, o que quis e aconteceu.
3) Em lugar e data não apurados, mas situada entre aquela noite e o dia … de …. de 2004, pessoa não apurada entregou aquele veículo ao arguido G., o qual sabia valer nunca menos de €12.500.
4) Apesar de saber que o dito veículo tinha sido retirado ao seu dono sem autorização e contra a vontade deste por alguém que o quis fazer seu, o arguido G. sabia e quis recebe-lo, mantendo-o e conservando-o consigo, passando a utilizá-lo, designadamente conduzindo-o em proveito próprio.
5) Uma vez na posse desse veiculo, pessoa não concretamente apurada retirou-lhe as respectivas chapas de matricula e apôs outras no seu lugar com a matricula …..-NH, que havia sido atribuída ao automóvel ligeiro de mercadorias da marca M...., Modelo L ., com o motor n.º 0D000AH000, quadro n.º MMBJNK0000XD0000000, de cor verde, veículo que ao tempo se encontrava sinistrado.
6) Como passasse a circular nesse estado com a dita viatura, ostentando a matricula …..-NH e trazendo consigo o livrete e o titulo de registo de propriedade correspondentes, no dia …de … de 2004, o arguido G. dirigiu-se a Y... ao volante daquele veículo, o que fazia designadamente pelas 11h desse dia, quando foi detido pela GNR, junto às instalações da... /..., na Estrada Nacional 000, KM 103, nesta comarca.
7) Documentos que o arguido G. apresentou aos agentes da GNR quando nas referidas circunstâncias fiscalizaram a viatura, o que o arguido fez como se do livrete e título de registo correspondentes se tratasse.
8) O arguido G. sabia que não podia conduzir aquele veículo em estradas abertas ao trânsito sem possuir a necessária e correspondente matricula, elemento de identificação atribuído a determinados veículos a motor e cuja genuinidade é assegurada pelo Estado português, com carácter de força autêntica e probatória, que faz corresponder a cada matricula um veiculo dotado de determinadas características, e ao qual compete assegurar que as matriculas apostas nos veículos em circulação assegurem uma identificação genuína desses veículos, o que tudo era do conhecimento do arguido G..
9) Ao circular com o veiculo dotado do motor n.º 0D00AH000, quadro n.ºXXXXXXX ostentando como elemento de identificação a matricula ….NH, o arguido G. sabia e quis usar um documento não genuíno e que assim abalava a credibilidade e a fé públicas devidas a tal tipo de documentos, emitidos por autoridade competente e dotada de autoridade pública, assim prejudicando o Estado português.
10) Agiu desse modo com o propósito de manter consigo e poder circular com aquele veículo, assim iludindo os agentes de fiscalização de trânsito, ciente que tais benefícios não lhe eram devidos.
11) Em toda a relatada actuação o arguido G. agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
12) Acresce que no interior do veiculo o arguido G. trazia também um par de matrículas com a numeração ….-CN que havia sido atribuída ao automóvel ligeiro de mercadorias da marca M...., Modelo ..., com o motor n.º 1D11A911111, quadro n.º WWWWWWWW, de cor branca.
13) O veículo de matricula …-NH, antes registado em nome de AM, foi vendido à sociedade “Reboques…., Lda.”, que, por sua vez, até 10 de Setembro de 2004, o vendeu a MA, residente em …, .....
14) Este, em meados de Setembro de 2004, colocou-o para reparação na oficina de LM, sita em …. ...., deixando no seu interior o correspondente livrete e titulo de registo de propriedade e ostentando as respectivas chapas de matrícula.
15) E, na verdade, no dia 2 de Dezembro de 2004 essa viatura …-NH continuava para reparação na dita oficina, no estado descrito e retratado no auto de exame e fotos de fls.150-152 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
16) Apreendida no dia 27 de Setembro. de 2004, a viatura M...., Modelo L...., pertença do assistente AL, foi restituída, depois de examinada, no dia 18.10.2004, conforme termo e entrega de fls.545.
17) Até então, desde a data da subtracção, o assistente viu-se privado deste veículo, o qual utilizava diariamente designadamente nas deslocações para o local de trabalho.
18) Após a subtracção, pessoa não identificada retirou peças e acessórios a este veículo designadamente o alarme, tablier, auto-rádio, caixa leitor de CD`s, Kit mãos livres, pneu suplente e respectiva jante, a “rollbox” e a tampa da mala, cuja recolocação (material e mão-de-obra) ascende a valor não concretamente apurado.
- Das chapas de matricula …-CN -
19) No dia 19 de Setembro de 2004, na Avenida ....., pessoa não apurada entrou no automóvel ligeiro de mercadorias de matricula …..-CN, marca M...., Modelo ..., e levou-o consigo, fazendo-o coisa sua, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava sem autorização e contra a vontade do dono.
- Das T.... D....-
20) Em data não apurada de Setembro de 2004, nunca posterior ao dia 25, na Rua ....., pessoa não apurada, entrou no automóvel ligeiro de mercadorias de matricula ….AU, marca T...., Modelo D...., no valor de 4.000€.
21) Colocado o motor em funcionamento, tal indivíduo arrancou e levou consigo aquele veículo, com intenção de o fazer seu, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.
22) Na noite de 19 para 20 de Setembro de 2004, a hora não apurada, na Estrada do Lumiar, em Lisboa, pessoa não apurada, entrou no automóvel ligeiro de mercadorias de matricula ….-RM, marca T...., Modelo D...., no valor de 12.500€.
23) Colocado o motor em funcionamento, tal indivíduo arrancou e levou consigo aquele veículo, com intenção de o fazer seu, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.
24) O arguido J., designadamente no ano de 2004, trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização do arguido G. designadamente na exploração do areal e nas vindimas deste, nas zonas de … e de ….
25) No dia 26 de Setembro de 2004, cerca das 20h45, indivíduo não identificado, utilizando o telemóvel com o cartão de acesso 96 …. (registado em nome do arguido J.), telefonou para o telemóvel com cartão 91 – …. (registado em nome de R…)
26) No dia 27.09.2004, como entretanto em circunstâncias não apuradas tivessem recebido aqueles dois veículos T.... D...., os arguidos W.., R… e E.. dirigiram-se para Y... com essas viaturas a fim de as entregarem ao arguido G..
27) Na ocasião a carrinha T.... de matricula ….-RM trazia o canhão de ignição danificado com os cabos de ligação pendurados a descoberto, como era do conhecimento destes três arguidos.
28) Chegados a Y..., na madrugada desse mesmo dia 27 de Setembro de 2004, com os arguidos R. e E. ao volante de cada uma das T.... D...., enquanto o arguido W.. conduzia uma carrinha F... T... de matrícula …UG, os três foram fiscalizados, juntamente com as aquelas viaturas, pelos agentes da GNR que os abordaram próximo das instalações da Citroen /Peugeot, na Estrada Nacional 234,KM 103, nesta comarca.
29) Como estes arguidos, sem apresentarem o título de registo e livrete das ditas T.... D...., na ocasião tivessem justificado a sua detenção com a esperada entrega das mesmas a um terceiro adquirente, já cerca das 9h00, com a concordância e sob a vigilância da GNR, o arguido W., utilizando o telemóvel com o cartão de acesso 96 –…. , registado em seu nome, telefonou para um indivíduo não identificado, dizendo-lhe que não aparecia ninguém para receber os referidos veículos, que estavam fartos de esperar e cheios de fome.
30) Esse indivíduo forneceu-lhe então o número de telemóvel com o cartão de acesso 96 – …., registado em nome do arguido J., dizendo que lhe ligasse.
31) Ainda na companhia dos agentes da GNR, o arguido W- utilizando o telemóvel com o cartão de acesso 96 –…. , telefonou então ao arguido J. dizendo – lhe que estavam fartos de esperar, ao que este respondeu para esperar que já ia alguém.
32) Pelas 11h, junto às instalações da Citroen /Peugeot, na Estrada Nacional 234,KM 103, nesta comarca de Y..., surgiu então o arguido G.. que conduzia o citado veículo marca M...., Modelo L 200, que ostentava a matricula …-NH.
33) Este, vendo aquelas carrinhas T.... D...., junto às instalações da Citroen /Peugeot, na Estrada Nacional 234,KM 103, passou por duas vezes pelas mesmas, ao volante da viatura em que se fazia transportar, vindo a imobilizar-se próximo daquelas.
34) De imediato, sob a vigilância dos agentes da GNR, o arguido W. apeou-se da viatura onde se encontrava e foi ter com o arguido G., entrando no veículo onde este estava.
35) De seguida, verificou – se a intervenção da GNR com a subsequente detenção do arguido G..
36) O arguido G. pese embora saber que alguém se tinha apoderado daqueles veículos T.... D...., com a intenção de os fazer seus ou de outra pessoa, sem autorização e contra a vontade do respectivo dono, aceitou adquiri-los nas circunstâncias descritas.
37) E só não recebeu essas duas viaturas, que assim não entraram na sua esfera de disponibilidade, por razões estranhas à sua vontade.
38) Em todas as circunstâncias acima descritas o arguido G. actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
39) Ao conduzirem aquelas carrinhas T.... D...., como o fizeram da forma descrita de comum acordo e em conjugação de esforços, os arguidos W R e E. perspectivaram a possibilidade de assim transmitirem veículos que alguém se tinha apoderado com a intenção de os fazer seus ou de outra pessoa, sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.
40) Contudo, motivados pela contrapartida prometida pelo facto, sem previamente se assegurarem da legitima proveniência dos veículos, estes arguidos conformaram-se com essa possibilidade e aceitaram recebe-los e conduzi-los, nas circunstâncias descritas, apenas não os entregando ao arguido G. por razões estranhas à sua vontade.
41) Também o arguido J., apesar de saber que alguém se tinha apoderado dos veículos T.... D...., com a intenção de os fazer seus ou de outra pessoa, sem autorização e contra a vontade do respectivo dono, sabia e quis contribuir na forma descrita para a esperada transmissão dos mesmos para o arguido G. o que só não aconteceu por razões estranhas à sua vontade.
42) Em todas as circunstâncias acima descritas os arguidos W., R., E. e J. actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
43) Os arguidos J. W. R. e E. não têm antecedentes criminais.
44) O arguido G. tem uma condenação em juízo pela prática de um crime de desobediência, cuja pena de multa foi paga.
45) O arguido G. tem a 4ª classe.
46) É pessoa respeitada e trabalhador.
47) Vive dos proveitos que aufere com o comércio de areias e exploração agrícola na Quinta … onde trabalha juntamente com 3 a 4 homens, estes por sua conta, a tempo inteiro, auferindo ainda dessa exploração subsídios do Estado de montante variável.
48) O arguido J. é de modesta condição económica e social, trabalhando actualmente em … por conta dos filhos do arguido G.
b) Motivação da decisão de facto -
Quanto às condições de vida passada e presente dos arguidos G. e J., o tribunal formou convicção a partir das declarações do primeiro, conjugadas com o testemunho de MC, NF, MA, MPi, seus conterrâneos, que revelaram conhecê-los, mais depondo sobre o carácter do arguido G.
Já sobre os factos típicos, o tribunal baseou-se desde logo nas declarações do único arguido presente, G. ainda que a confissão deste não tivesse ido além dos factos objecto de percepção directa por parte dos agentes da GNR e assim facilmente demonstráveis.
Foi o caso da detenção da viatura M...., Modelo L 200, que conduzia nas circunstâncias relatadas aquando da sua detenção na manhã do dia 27.09.2004, ostentando as chapas de matrícula ….NH e exibindo o livrete e título de registo de propriedade correspondentes.
No mais, negou todos os factos que lhe são imputados.
Assim, ensaiou por sua conta uma versão engraçada, embora sem qualquer lógica nem verosimilhança, embrulhada a cada passo nos tropeções que lá foi adiantando cada vez que instado a explicar de forma circunstanciada a sua falsa narrativa.
E certo é que por si e desmentido por outros que quis envolver, como foi o caso do seu irmão R. o arguido G. lá se foi comprometendo à medida que a prova se desenvolvia.
Dada a dificuldade em explicar a sua deslocação a Y... no dia da detenção, quis o arguido G. experimentar abrigo da sua defesa no estaleiro do irmão R., onde contava refugiar a sua aventurou por terras de Azurara.
Chamou ali à história dois figurantes, desleais, o irmão R. que o desmentiu e o lembrado “C...” que agora não apareceu, ambos comerciantes de automóveis, apresentando-os por caminhos verdadeiramente insidiosos que aproximaram do ridículo a versão do arguido.
Lembrou que na manhã desse dia veio na sua carrinha “T.... Hilux” da sua residência em … até Y..., onde passou pelo estaleiro do seu irmão R. o que nada teria de estranho não fora o facto de ao tempo e desde há vários anos andarem de relações cortadas, como o próprio e a testemunha R. reconheceram.
Mas foi nesse lugar que o arguido G. quis posicionar um tal de “C…”, “senhor do Porto ou da Feira” que melhor não sabe identificar, o qual ali estava sozinho para “comprar ou vender carros, pois era negociante de automóveis, embora o seu irmão R. também por ali não se encontrasse”, esclarecendo este, mais uma vez, que nunca o viu nem sequer o conhece.
Como esse “C…” lhe perguntasse se queria comprar a carrinha M...., Modelo L 200, cor preta, em que se fazia transportar, a qual valia pelo menos – disse - €12.500, o arguido G. disse, foi experimentá-la sozinho, logo aquele lhe pedindo, pasme-se, para passar junto das instalações da Citroen /Peugeot e trazer para baixo um indivíduo que ali se encontrava, embora sem o identificar.
Tendo passado duas vezes nas proximidades das instalações da Citroen /Peugeot, quando experimentava o veículo, o arguido G. relatou de forma atrapalhada e contraditória as circunstâncias em que decorreu a intercepção da GNR.
Negou todavia que ali chegasse a falar, ver sequer, qualquer dos arguidos brasileiros, o que foi desmentido pelo agente da GNR, testemunha Cabo Chefe JF, que inclusive lembrou a entrada do arguido W. na viatura que G. conduzia.
Como logo falasse à GNR no tal “C...” para justificar a detenção da carrinha que conduzia, até porque as características da mesma não coincidiam com a descrição do livrete designadamente a cor, o arguido foi com os agentes ao estaleiro do seu irmão R. para ver, claro está, se o encontravam.
Porém, afirmou, tal indivíduo não estava e, pior, também levou a sua carrinha “T.... Hilux”, sem autorização do arguido.
Foi depois interrogado no tribunal e voltou, disse, ao estaleiro do irmão, onde encontrou agora, sem “a guarda”, o tal “C…” que lhe entregou a sua carrinha “T.... Hilux”.
Instado sobre a conversa tida com este na ocasião, depois de detido, interrogado e carrinha apreendida, afirmou que lhe disse sem mais que a carrinha não estava legal e foram-se embora, sem que na altura se tivessem deslocado nem contactado o posto da GNR.
Tempos depois, com este processo em curso, viu esse “C...” a sair de uma oficina em Mirandela, mas, mais uma vez, disse, “não se preocupou, pois não sabia que ia dar este problema”.
Por tudo isto, afirmou, não sabia que chapas de matrícula ostentava a M...., Modelo L 200, quando lhe foi apreendida, desconhecendo que ali transportava, no seu interior, aquelas outras com a numeração ..-CN, veículo que nunca comprou, deteve ou sequer utilizou.
De resto, ignorava, disse, o veículo retratado a fls.150 cujas chapas de matrícula …-NH ostentava.
Do mesmo modo declarou desconhecer as referidas carrinhas T.... D...., a respeito do que afirmou nada saber.
Confessou, contudo, conhecer o arguido J., o qual trabalhou para si designadamente nas vindimas, como explicou, trabalhando hoje para os filhos do arguido G. em Angola.
A testemunha CP, 50 anos, inspector da PJ Directoria de Coimbra, corroborou o estado em que encontrou a carrinha M...., L 200, e as duas carrinhas T.... D.... apreendidas, as quais examinou, descrevendo as respectivas características, recordando de uma destas o canhão de ignição danificado com os cabos de ligação soltos, a indiciar uma ligação directa para colocação em funcionamento.
Acrescentou ainda que no interior da M...., L 200, apreendida, estavam duas chapas de matrícula de outra viatura, também estas apreendidas.
As testemunhas PC, 36 anos, e AC, 33 anos, militares da GNR – Y..., que patrulhavam a cidade nessa noite, relataram o motivo e circunstâncias em que na madrugada do dia 27.09.2004 abordaram os três arguidos brasileiros, fiscalizando designadamente as T.... D.... que conduziam, logo reparando que uma delas trazia os fios de ignição cortados e soltos, conforme foto de fls.120, adiantando estes terem perdido a chave da ignição.
Sem apresentarem qualquer documentação dessas viaturas, tais arguidos logo adiantaram que vinham de Lisboa a Y..., a pedido de outra pessoa, para entregar aqueles veículos a um terceiro, confirmando as testemunhas já no posto, disseram, tratar-se de veículos furtados.
Acrescentaram que além das referidas T.... D.... esses arguidos traziam na ocasião uma carrinha F... T..., esclarecendo a testemunha PC que esta última era conduzida pelo arguido W.
A testemunha JF, 50 anos, Cabo Chefe da GNR – NIC de Y..., explicou que cerca das 9 horas foi informado que os três arguidos brasileiros estavam detidos por transporte de veículos furtados, do que tinha sido lavrado o auto de noticia de fls.2.
Como os arguidos brasileiros tivessem justificado a detenção dessas viaturas furtadas com a entrega nessa manhã a um terceiro adquirente, recebendo eles uma dada contrapartida, o que no contexto da actuação descrita é de aceitar em face das regras da experiência comum, o NIC de Y... resolveu coordenar uma operação policial para identificação e eventual captura do receptador das mesmas.
Com a colaboração do arguido W., decidiram então encenar com as viaturas furtadas a entrega das mesmas no local da detenção.
Nesse sentido a testemunha JF relatou os contactos telefónicos então realizados pelo arguido W., o qual logo lhe confirmou o teor da conversação encetada com os interlocutores, o último deles o arguido J. para o telemóvel deste com o cartão 96 –…, como o próprio W. de tudo informou.
Como este último pedisse para esperar, que já ia alguém, aguardaram até à chegada do arguido G. que por ali passou várias vezes, descrevendo a testemunha a forma como circulava até se imobilizar e receber o arguido W. no interior da viatura que conduzia, altura em que os agentes da GNR logo intervieram para evitar a fuga de ambos.
Relativamente à viatura M...., L 200, que o arguido G. conduzia, a testemunha esclareceu que ostentava a matricula …NH, não tinha dísticos de seguro e inspecção periódica e a sua cor preta não coincidia com a cor verde escrita no livrete de fls.107 apresentado pelo arguido.
Tão-pouco o arguido G. deu na ocasião qualquer explicação plausível para a detenção dessa viatura, cujo registo de propriedade também apreendido indicava titular diferente (cópia de fls.107), acrescentando a testemunha que no interior do veículo vinham duas chapas com a matrícula …-CN cuja posse aquele também não justificou.
Mais explicou que a matricula …-NH correspondia a uma viatura idêntica à apreendida, embora esta de cor preta e aquela de cor verde (fotos de fls.113 e 151), cujo titular registado, de acordo com a pesquisa efectuada, logo informou que estava sinistrada numa oficina, onde veio a ser encontrada sem matrícula conforme auto de exame e fotos de fls.150/152.
Já em relação à matrícula …-CN a testemunha esclareceu que constava a base de dados como veículo furtado.
Como o arguido G. justificasse a sua presença no local da detenção com o facto de um amigo, que estava em casa do seu irmão R., lhe ter pedido o favor de ir ali buscar um indivíduo, a testemunha JF logo foi a casa do mesmo.
E ali não só não estava qualquer pessoa semelhante à descrição dada pelo arguido, como aqueles que ali encontrou designadamente R. negaram que no local tivesse estado tal indivíduo.
De resto, acrescentou, na ocasião o arguido G. nada disse sobre o desaparecimento de qualquer viatura designadamente de marca T.... Hilux, nem referiu qualquer interesse em comprar e, por isso, andasse a experimentar a M...., L 200.
A testemunha JG, 39 anos, funcionário da empresa “Q....”, proprietária da carrinha T.... D.... de matrícula…RM (foto de fls.119), referiu as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a mesma foi subtraída e posteriormente entregue, lembrando que aquando da recuperação trazia o canhão da ignição danificado.
Relatou as características e estado da viatura, tendo o respectivo concessionário informado o seu valor de 12.500€.
Também a testemunha AL 49 anos, comerciante, proprietário da carrinha M...., Modelo L 200, de cor preta e prateada, matricula -MI (foto de fls.113), referiu as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a mesma foi subtraída e posteriormente entregue.
Relatando as características e estado da viatura aquando do assalto e posterior entrega, com cerca de mais 10.000 Kms registados e ostentava umas chapas de matrícula diferentes da sua, a testemunha recordou, aqui corroborado pelo seu irmão G. 40 anos, oficial de justiça, as peças/acessórios em falta aquando da sua recuperação.
Referindo o ano, quilómetros e estado da viatura, o assistente explicou, com referência ao preço de compra novo, que ao tempo do furto aquela podia valer €16.000, valor que lhe foi indicado, disse, pela própria marca.
O assistente esclareceu que durante a privação daquela, cuja utilização habitual explicou, não alugou qualquer veículo para substituição.
Tendo mandado reparar a viatura, o assistente não recordou o valor da reparação, cujo montante foi indicado pelo seu irmão, embora sem convencer nem adiantar o que fosse quanto à sua razão de ciência.
A testemunha R., 48 anos, comerciante de veículos pesados usados, de relações cortadas com o arguido G., seu irmão, desde o ano de 2003, esclareceu convincentemente que não conhece qualquer indivíduo de nome/alcunha “C...”, que nunca alguém lhe quis vender a M...., Modelo L ...., apreendida, a qual nunca esteve na sua casa ou estaleiro para esse efeito.
Acrescentou, aliás, que no dia 27.09.2004, antes da detenção do seu irmão, não o viu sequer, sendo que ninguém lhe referiu que ele tivesse estado em sua casa ou no estaleiro.
A testemunha MC, 42 anos, agricultor, depôs sobre as circunstâncias em que comprou sinistrada a M...., Modelo L ...., cor verde, matrícula…NH, retratada a fls.151, explicando a declaração e recibo de fls.136 e 145, viatura que deixou para orçamento e reparação na oficina da testemunha LM em …de ......
Ali ficou, disse, com as respectivas chapas de matrícula, livrete e título de registo de propriedade, nada sabendo sobre o desaparecimento de tais documentos, incluídas chapas de matrícula, facto que confirmou quando acompanhou a PJ àquela oficina para verificarem a viatura.
Afirmou, todavia, conhecer o arguido G. como comerciante de areias.
Também a testemunha LM, 55 anos, bate-chapas, com oficina em … de....., confirmou que MC deixou na sua oficina aquela viatura para orçamento e reparação, constatando dias depois que não tinha os documentos e chapas de matrícula, embora pouco convincente quanto à explicação aventada para as circunstâncias do seu desaparecimento.
Afirmou conhecer o arguido G., pessoa que, disse, em 2004 explorava o comércio de areias e uma discoteca na ….
Por fim, a testemunha M proprietária da carrinha M...., Modelo ..., matrícula …CN, apenas soube explicar as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a mesma lhe foi subtraída.
O tribunal assentou ainda a sua convicção no auto de apreensão de fls.5, 6, 7, auto de denúncia por furto dos veículos, comunicação e declaração de fls.24-26, 28-33, 44-48, 72, 196-199, auto de exame de fls.42 e 150, print de registo automóvel e inspecção de fls.43, 94-96, 108, 1119-1126, termo de entrega de fls.112, 130, 140, fotos de fls.113-4, 118-121, 151-2, declaração de fls.136, recibo de fls.145, requerimento/declaração de fls.146, certificados de registo criminal de fls.468-470, 630-1, 811-813, informação Z... de fls.627, informação K.... de fls.650, informação de concessionário de fls.1243, tudo examinado em julgamento.
No tocante aos elementos subjectivos dos crimes foram ainda consideradas as regras da experiência comum em face do relatado contexto e condições em que os factos foram praticados.
Assim, relativamente ao arguido G., considerada a absoluta incongruência da explicação por si aventada para a posse da viatura M...., L..., e as condições em que a conduzia, ostentando chapas de matrícula, título de registo e livrete que não correspondiam a essa viatura, quando este último indicava desde logo uma cor diferente, documentos que faltaram nas proximidades da residência do arguido, então, temos reunidos elementos bastantes que na sua interligação com as regras da experiência permitem concluir para além de qualquer dúvida razoável ter o arguido conhecimento que se tratava de uma viatura furtada, a justificar o uso de matriculas falsas, circunstância que não o impediu de receber, manter e conservar consigo o veículo, passando a utilizá-lo em proveito próprio.
Tanto mais que nenhuma outra viciação é conhecida a justificar o uso de matrícula diferente, tudo apontando para o furto desse veículo que conduzia, onde a existência de outras chapas de matrícula com a numeração ….-CN, que o arguido não explicou, mas sabemos corresponder a um veículo também furtado, o aproxima da receptação de viaturas roubadas, fenómeno ao qual habitualmente está associado o uso de documentos falsos, matriculas incluídas.
E o mesmo vale dizer das carrinhas T.... D...., a respeito das quais surgem importantes corroborações nesse sentido, como sejam o contexto e circunstâncias em que o arguido G. se apresentou e se preparava para receber os veículos de uns indivíduos brasileiros que afirmou nem sequer conhecer, a sua presença à hora e no local da entrega, o contacto com o arguido W., o apontado envolvimento do seu conhecido J. e o próprio estado em que uma das carrinhas se apresentava (canhão da ignição danificado com cabos de ligação pendurados a descoberto), tudo sem que o arguido G. adiantasse qualquer explicação plausível para o facto, apresentando-se no local com outra carrinha furtada.
Conjugadas estas corroborações objectivas, à luz das regras da experiência e da lógica, também aqui temos demonstrada a verosimilhança do dolo directo do arguido G., tanto mais que durante a discussão da causa não surgiu nem ele adiantou qualquer outra hipótese plausível que pudesse levar a conclusão diversa.
Do mesmo modo, as circunstâncias em que os arguidos brasileiros conduziram essas viaturas até Y... e se preparavam para as entregar, colocando uma das viaturas em funcionamento através de ligação directa, sem apresentarem os respectivos documentos, são factos importantes que corroboram, de acordo com a experiência comum, que estes arguidos brasileiros sempre teriam pelo menos admitido tratar-se de veículos furtados, aceitando, indiferentes a essa possibilidade, receber e fazer entrega daqueles em troca da contrapartida prometida.
Já quanto ao arguido J., considerado o seu relacionamento próximo com o arguido G., o facto de aquele ter sido o contacto indicado ao arguido W para fomentar a entrega das viaturas T.... D...., revelando de imediato na conversação telefónica com este último o acompanhamento da situação, sem olvidar o teor da sessão 697 numa escuta telefónica cuja conversa foi dominada pelo negócio de veículos diversificados e na qual o arguido J. revela o comprometimento com uns brasileiros, a quem “teve que pagar 500 contos para eles irem embora”, o que tudo conjugado com as regras da experiência e da lógica torna bastante verosímil que este arguido, ciente da subtracção ilícita das viaturas, sabia e quis contribuir na forma descrita para a esperada transmissão das mesmas para o arguido G.
Quanto aos factos não provados a convicção do tribunal alicerçou-se na análise critica e falta de consistência da prova sobre os mesmos produzida, em resultado, nomeadamente das testemunhas inquiridas não terem qualquer conhecimento dos mesmos.
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2- Apreciação -
O recorrente discorda da decisão de facto, afirmando não houver prova dos factos constantes dos n.ºs 3) a 12), 26), 32), 33), 34), 36), 37), 40) e 41).
Para tanto apela ao princípio «in dubio pro reo» e procede à transcrição de excertos das suas declarações e dos depoimentos de PR e de JF [soldados da GNR], de R. [seu irmão], de MA [dono da carrinha cuja matrícula se ostentava na conduzida pelo arguido quando interceptado pela GNR ], de LM [dono da oficina onde o MA deixara a sua carrinha].
Por razões de ordenamento lógico começaremos pela questão da violação do princípio «in dubio pro reo», para de seguida se sindicar a prova.
2.1- O recorrente alega a violação do princípio «in dubio pro reo» que por se traduzir no postergar de «lex artis» configura uma das modalidades do erro notório na apreciação da prova ( art.º 410º/2 alínea c) do CPP).
Assim, a sua violação terá de resultar do texto do acórdão por si só ou enquanto conjugado com as regras da experiência comum, sem o lançar de mão dos elementos probatórios constantes dos autos excepção feita à prova tarifada.
É uma decorrência do princípio da presunção de inocência com consagração constitucional [art.º 32/2 da CRP] e traduz-se numa imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
A violação do princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando da decisão decorrer de forma evidente que o tribunal na dúvida decidiu contra o arguido.
Ora o tribunal não manifesta na fundamentação do acórdão qualquer dúvida sobre a factualidade que veio a ter por provada, nem resulta que tal dúvida se devesse suscitar face à globalidade da prova produzida. Consequentemente, o recorrente não tem razão e alega sem proveito.
O que parece movê-lo é uma aparente “falta de prova directa ” em que assentou a convicção do tribunal, levando-o a que por isso se insurja contra a não credibilização das suas declarações.
Neste ponto a alegação reconduz-nos à apreciação da prova nos termos enunciados no art.º 127º do Código de Processo Penal.
2.2.1- A breve trecho diremos que o recurso da matéria de facto é remédio a aplicar a pontos manifestamente mal julgados ou porque não assentam em qualquer prova por inexistência de dados objectivos em que se apoie a motivação, ou porque os existentes não lhe servem de suporte ou até a contrariam, ou porque se violaram regras legais na aquisição desses dados objectivos. Em suma, quando se suscitam sérias dúvidas sobre a correcção da decisão à luz da prova produzida conjugada com as regras da experiência comum.
Mas a decisão de facto só deve ser alterada quando seja evidente que as provas a que se faz referência na fundamentação não conduzem à decisão impugnada. Não quando havendo duas ou mais versões sobre os factos, o tribunal optou por uma delas fundamentando-a racionalmente com base na aquisição probatória.
Não basta, pois, ao recorrente dizer que determinados factos estão mal julgados. É também necessário demonstrá-lo, nomeadamente face às regras da experiência comum.
O art.º 127º do CPP consagra o princípio segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Esta convicção é pessoal e motivada em elementos que a tornem credível em conformidade com as regras da experiência, da racionalidade, da razoabilidade.
E a prova necessária para a convicção do julgador não reside tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos.
Como não reside na sua natureza directa ou indirecta. Não pode desvalorizar-se a prova indiciária embora seja de lidar com ela com cautelas.
O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária de que se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova indiciária lhe mereça valorar preferencialmente a prova indiciária podendo esta só por si conduzir à sua convicção. As presunções judiciais não sendo meios de prova são raciocínios lógicos firmados em regras de experiência, de que o julgador se serve na descoberta da verdade.
Apesar de nem sempre resultar explícita a sua intervenção, elas constituem um mecanismo necessário para levar o tribunal a afirmar a convicção de factos controvertidos. O art.º 127º do CPP não proíbe o uso desses raciocínios lógico/dedutivos, nem a lei processual penal faz qualquer referência a requisitos especiais no uso da prova indiciária.
Quanto à apreciação da prova, trata-se de actividade que se processa segundo as regras da experiência, a significar que a prova deve ser examinada e analisada através da formulação de juízos assentes na experiência comum, ou seja, formulados segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiridos pela experiência quotidiana.
E a credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos não são em princípio apreensíveis ou detectáveis no mero exame das peças processuais, mas pelo contacto pessoal e directo com as pessoas. Daqui a importância da imediação e oralidade das provas, pelo que salvo casos de excepção se deva adoptar o juízo valorativo do tribunal recorrido.
Diga-se também que a prova processual, ao invés do que ocorre com a demonstração no campo da matemática ou com a experimentação no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta mas apenas a convicção essencial às relações práticas da vida social. Note-se que a alínea b) do n.º3 do art.º 412º do Código de Processo Penal fala de provas que imponham decisão diversa.
2.2.2- Ora confrontados os depoimentos prestados com a motivação inserta no acórdão recorrido, não vemos que haja de alterar-se o decidido.
O tribunal, apoiando-se nas provas ínsitas no processo nomeadamente nos depoimentos prestados, não credibilizou as declarações do recorrente e servindo-se de raciocínios lógico/indutivos conjugados com as regras da experiência concluiu que o recorrente praticou os factos ora impugnados.
Assim, além do mais, refere que « (…) a absoluta incongruência da explicação por si [pelo recorrente] aventada para a posse da viatura M...., L 200 e as condições em que a conduzia, ostentando chapas de matrícula, título de registo e livrete que não correspondiam a essa viatura, quando este último indicava desde logo uma cor diferente, documentos (…) então, temos reunidos elementos bastantes (…) [para] concluir para além de qualquer dúvida razoável ter o arguido conhecimento que se tratava de uma viatura furtada, a justificar o uso de matriculas falsas, circunstância que não o impediu de receber, manter e conservar consigo o veículo, passando a utilizá-lo em proveito próprio. Tanto mais que nenhuma outra viciação é conhecida a justificar o uso de matrícula diferente, tudo apontando para o furto desse veículo que conduzia, onde a existência de outras chapas de matrícula com a numeração….CN, que o arguido não explicou, mas sabemos corresponder a um veículo também furtado, o aproxima da receptação de viaturas roubadas, fenómeno ao qual habitualmente está associado o uso de documentos falsos, matriculas incluídas. E o mesmo vale dizer das carrinhas T.... D...., a respeito das quais surgem importantes corroborações nesse sentido, como sejam o contexto e circunstâncias em que o arguido G. se apresentou e se preparava para receber os veículos de uns indivíduos brasileiros que afirmou nem sequer conhecer, a sua presença à hora e no local da entrega, o contacto com o arguido W., o apontado envolvimento do seu conhecido J. e o próprio estado em que uma das carrinhas se apresentava (canhão da ignição danificado com cabos de ligação pendurados a descoberto), tudo sem que o arguido G. adiantasse qualquer explicação plausível para o facto, apresentando-se no local com outra carrinha furtada.
Conjugadas estas corroborações objectivas, à luz das regras da experiência e da lógica, também aqui temos demonstrada a verosimilhança do dolo directo do arguido G. tanto mais que durante a discussão da causa não surgiu nem ele adiantou qualquer outra hipótese plausível que pudesse levar a conclusão diversa. Do mesmo modo, as circunstâncias em que os arguidos brasileiros conduziram essas viaturas até Y... e se preparavam para as entregar, colocando uma das viaturas em funcionamento através de ligação directa, sem apresentarem os respectivos documentos, são factos importantes que corroboram, de acordo com a experiência comum, que estes arguidos brasileiros sempre teriam pelo menos admitido tratar-se de veículos furtados, aceitando, indiferentes a essa possibilidade, receber e fazer entrega daqueles em troca da contrapartida prometida.
Já quanto ao arguido J., considerado o seu relacionamento próximo com o arguido G., o facto de aquele ter sido o contacto indicado ao arguido W. para fomentar a entrega das viaturas T.... D...., revelando de imediato na conversação telefónica com este último o acompanhamento da situação, sem olvidar o teor da sessão 697 numa escuta telefónica cuja conversa foi dom....da pelo negócio de veículos diversificados e na qual o arguido J. revela o comprometimento com uns brasileiros, a quem “teve que pagar 500 contos para eles irem embora”, o que tudo conjugado com as regras da experiência e da lógica torna bastante verosímil que este arguido, ciente da subtracção ilícita das viaturas, sabia e quis contribuir na forma descrita para a esperada transmissão das mesmas para o arguido G..
O raciocínio do tribunal tem em conta a contextualização em que o arguido foi surpreendido pela GNR na posse da carrinha descrita no ponto 1) e se dirigiu ao encontro dos co-arguidos W, R e E detentores para entrega no momento dos T.... D.... furtados poucos dias antes em Lisboa.
É apodíctico que o tribunal não credibilizou a «versão» que o arguido G. lhe contou, pois que para além de insólita não teve quem a corroborasse. À versão do arguido/recorrente o tribunal teve-a por “(…) sem qualquer lógica nem verosimilhança, embrulhada a cada passo nos tropeções que lá foi adiantando cada vez que instado a explicar de forma circunstanciada a sua falsa narrativa”.
De todo também nós não cremos na versão do arguido/recorrente, esotérica face às demasiadas coincidências que comprometem o arguido no tráfico dos veículos furtados.
III –
Decisão –
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Coimbra,