Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | DR. ISAÍAS PÁDUA | ||
Descritores: | PROCESSO INVENTÁRIO: RECLAMAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROVAS | ||
Data do Acordão: | 12/09/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | CÓDIGO PROCESSO CIVIL | ||
Legislação Nacional: | ART. S 1349º E 1348º DO C. P. C. | ||
Sumário: | I- No actual regime do CPC, ao contrário do que sucedia no primitivo regime desse diploma, com a requerimento de reclamação apresentado contra a relação de bens deve o reclamante indicar ou oferecer, desde logo aí, os meios de prova que entenda serem necessários para fazer valer a sua pretensão (tal como deve suceder com o cabeça-de-casal, no caso de não confessar a existência de bens). II- E não o havendo feito, não tem o reclamante que ser depois notificado para o fazer e nem sequer o juíz está vinculado ao dever de oficiosamente efectuar diligências com vista a suprir tal omissão, devendo, sem mais, indeferir a reclamação. III- As únicas pessoas que cuja obrigatoriedade de notificação, para apresentarem as suas provas, a lei impõe são, no caso de existirem, os restantes interessados a quem se reconheça legitimidade para se pronunciarem sobre a questão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra *** 1- No 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra correm os seus termos os autos de inventário judicial (para partilha dos bens do extinto casal), nos quais é requerente, Anabela Gaudêncio Carvalho Henriques, e requerido, desempenhando as funções de cabeça-de-casal, Carlos Alberto dos Santos Henriques.I- Relatório Apresentada que foi a relação de bens pelo c.c. veio a interessada, Anabela, dela reclamar, acusando, além do mais, a falta de relacionação, no passivo, de uma dívida à “P.T. Comunicações, S.A.”; no valor de euros 5.000, alegando ainda encontrar-se a correr o correspondente processo de execução sumária, autuado como o nº 42-A/2000, no 5º Juízo Cível de Coimbra. Notificado que foi o c.c. para se pronunciar sobre tal reclamação, veio o mesmo dizer, no que à mesma concerne, desconhecer, por completo, tal divida, alegando ainda nunca ter sido citado para os termos do sobredito processo de execução. Foi depois proferido, pelo sr. juíz do processo, o despacho, cuja cópia certificada se encontra junta a fls. 27/28 destes autos, no qual, considerando não ter sido apresentada qualquer prova pela reclamante sobre a existência da alegada dívida que reclamou - sendo certo que era sobre ela que incidia o ónus da prova da sua existência nos termos do artigo 342 do CC -, ordenou que fossem remetidos para os meios comuns (a fim de aí discutirem a existência ou não dessa reclamada divida). 2- Não se conformando com o aludido despacho, a autora dele interpôs recurso, o qual foi recebido como agravo, com efeito devolutivo, e a subir, em separado dos autos principais, no momento em que se convocasse a conferência de interessados. 3-1 Nas suas alegações de recurso, apresentadas a fls. 6/10 destes autos , a ora agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos: “1-....O meritíssimo Juíz “a quo” não procedeu à correcta interpretação dos artigos 1348º e 1349º do C. P. Civil. 2- Consideramos que é numa fase seguinte e somente se o cabeça de casal não relacionar a verba ou negar a sua existência que hão-de ser notificados os interessados para a apresentar as provas. 3- O artigo 1348 nº 1 não refere que as provas hão-de ser apresentadas com os respectivos requerimentos, como, ao invés, está expressamente determinado para a oposição ao inventário ou impugnação da legitimidade de interessado em inventário, consignado no nº 2 do artº 1344 do C.P.C. 4- Assim, por interpretação “a contrário” do artº 1348º do C. P. Civil, pela sua análise comparativa com o disposto no art. 1344º nº 2 do C. P. Civil, não era exigível à reclamante que apresentasse a prova no requerimento de reclamação. 5- Deveria a reclamante, após a não relacionação e não reconhecimento de dívida por parte do cabeça de casal, ser notificada para, nos termos e para os efeitos do artº 1349º, nº 3 do C.P.C., apresentar prova. 6- Aliás, o artº 1349º nº 3, remete para a tramitação do artº 1344º, nº 2, ambos do C. P. Civil. Assim, poderia oficiosamente o Tribunal “a quo” determinar a notificação da “à “P.T. Comunicações, S.A.” para se pronunciar sobre a existência da dívida ou não dado que pela data do processo executivo – ano 2000 – se infere que se trata de uma dívida contraída na pendência do matrimónio dissolvido, pelo que é dívida comum do casal.” Pelo que terminou pedindo a revogação do despacho recorrido, devendo, em consequência, ser fixado prazo à reclamante/recorrente para apresentação de prova. 4- Pelo c.c., ora agravado, foram apresentadas, as fls. 19/20, contra-alegações, pugnando, pelas razões aí aduzidas, pela improcedência do recurso e pela manutenção do despacho recorrido. *** II- Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.1- Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ, Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232). Compulsando os autos e calcorreando as conclusões do recurso, verifica-se que única questão que aqui nos foi submetida a apreciação consiste em saber se, no caso, em apreço – tal como, aliás, em temos gerais -, a ora agravante, com o requerimento em que reclamou a falta de relacionação pelo c.c. da sobredita dívida, deveria ter logo aí indicado a respectiva prova (por a tal estar legalmente obrigada a fazê-lo) tendente a demonstrar a sua alegada existência, ou, pelo contrário, tendo o c.c. negado ou impugnado, mais tarde, a sua existência, deveria então o sr. juíz do processo ter ordenado, antes de mais, a notificação da reclamante/ora agravada para apresentar as correspondentes provas? Vejamos. Na primitiva redacção do CPC de 1961, referente à matéria de acusação de falta de bens na relação apresentada pelo cabeça-de-casal, dispunha o nº 1 do artº 1342 que “acusando-se a falta de bens na relação apresentada, é o cabeça-de-casal notificado para os relacionar ou dizer o que se lhe oferecer” e nº 3 que “se negar (referindo-se ao c.c.) a existência dos bens ou a obrigação de os relacionar, o juíz convidará os interessados a produzirem quaisquer provas, mandará proceder às diligências que julgue necessárias e por fim decidirá se os bens devem ser relacionados”. (sublinhado nosso) Como é sabido, o DL nº 227/94 de 8/9 veio trazer grandes alterações ao regime do processo de inventário (regulado no aludido CPC). E entre essas alterações ressaltam-se aquelas que tinham a ver com o regime das oposições e impugnações. E nesses termos o artº 1344, nº 1, desse mesmo diploma legal passou a dispôr-se que “deduzida a oposição ou impugnação, nos termos do artº anterior, são notificados para responder, em 10 dias, os interessados com legitimidade para intervir na questão suscitada”, enquanto o nº 2 desse mesmo normativo passou a estabelecer que “as provas são indicadas com os requerimentos e as respostas; efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juíz, é a questão decidida...”. (sublinhado nosso). Como é sabido, a reforma entretanto introduzida no CPC pelos DLs nº 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9, absorveu, em tal regime, a normatividade nuclear do citado DL nº 227/94 e /ou o sentido do mesmo. Assim e a título de exemplo, - e tendo sempre presente o caso em apreço - e tal como refere, em comentário, Abílio Neto (in “Código do Processo Civil Anotado, 17ª ed., notas 1, págs. 1314 e 1316”), nos nºs 1 a 5 do actual artº 1348 “a reforma de 95 limitou-se a ampliar os prazos nele fixados, mantendo a anterior redacção introduzida pelo DL nº 227/94, de 8/9”, enquanto que no que concerne ao artigo 1349 “a reforma de 95 limitou-se, no nº 1, a elevar de 8 para 10 dias o prazo nele fixado, mantendo no demais a redacção DL nº 227/94, de 8/9”. Como resulta do actual artº 1345, nºs 1 e 2, do CPC/95 - diploma ao nos referiremos sempre que mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua origem – da relação de bens devem fazer parte as dívidas (activas ou passivas, acrescentamos nós), as quais devem, todavia, ser relacionadas em separado, e sujeitas a numeração própria. Ora dispõe, o nº 1 do actual artigo 1348 que “apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela, no prazo de 10 dias, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha”. Por sua vez, preceitua o nº 1 do artº 1349 que “quando seja deduzida reclamação contra a relação de bens, é o cabeça-de-casal notificado para relacionar os bens em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre a matéria da reclamação no prazo de 10 dias”, enquanto no seu nº 3 estatui que “não se verificando a situação prevista no número anterior – referindo-se, acrescentamos nós, à situação em que o cabeça-de-casal confessou a existência dos bens cuja falta foi reclamada – notificam-se os restantes interessados com legitimidade para se pronunciarem, aplicando-se o disposto no nº 2 do artº 1344, e decidindo o juíz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação...”. (sublinhando nosso) Por fim, preceitua o nº 2 do citado artº 1344 que “as provas são indicadas com os requerimentos e respostas....”. (sublinhado nosso) Com é sabido as reclamações são, em princípio, apresentadas através de requerimentos (vidé Carvalho de Sá, in “Do Inventário, 1996, pags. 111 e sgts” e Abílio Neto in “ob. cit. pág. 1316” ). Ora do confronto de tais dispositivos legais, ter-se-á, sem dúvidas, de concluir: Que no actual regime do CPC, ao contrário do que sucedia no primitivo regime desse diploma, com a requerimento de reclamação apresentado contra a relação de bens (vg acusando-se a falta de alguns ou outra qualquer inexactidão) deve o reclamante indicar ou oferecer, desde logo aí, os meios de prova que entenda serem necessários para fazer valer a sua pretensão. Obrigação essa a que depois também está sujeito o cabeça-de-casal, aquando do seu requerimento de resposta – e no caso desta não ir ao encontro da pretensão do reclamante, nomeadamente confessando a existência dos bens reclamados. E não o havendo feito não tem o reclamante que ser depois notificado para o fazer e nem sequer o juíz está vinculado ao dever de oficiosamente efectuar diligências com vista a suprir tal omissão, devendo, sem mais, a reclamação ser indeferida. As únicas pessoas que cuja obrigatoriedade de notificação, para apresentarem as suas provas, a lei impõe são, no caso de existirem, os restantes interessados a quem se reconheça legitimidade para se pronunciarem sobre a questão. No mesmo sentido veja-se, sobre a mesma questão, Ac. do STJ de 9/2/1998, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 54” e Ac. da RC de 16/5/2000”). Posto isto, voltando-nos já para o nosso caso em apreço, e dado que a ora agravante não ofereceu qualquer prova aquando da apresentação da sobredita sua reclamação, bem andou o sr. sr. juíz do tribunal a quo quando não notificou a mesma para a apresentar os correspondentes meios de prova (muito embora se nos afigure que melhor seria, quando decidiu o incidente, indeferi-lo simplesmente, em vez de ter remetido os interessados para os meios comuns para apreciação da questão em causa). *** Assim em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de agravo), confirmando-se a decisão do despacho recorrido.III- Decisão Custas pela agravante – muito embora se tenha em consideração que mesma goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de custas (cfr. fls. 26). |